Vital Moreira's Blog, page 5
May 29, 2025
Alma mater (5): Uma luta de décadas
Décadas depois da sua conceção, vai finalmente avançar a construção da biblioteca da FDUC, segundo o projeto originário do arquiteto Siza Vieira e no local desde o início escolhido, junto ao Palácio dos Melos (já afeto à Faculdade) e sobranceiro ao claustro da Sé Velha.
Vencendo a atávica inércia institucional e a resistência centralista, o excecional acervo da biblioteca, de que me orgulho de ter sido beneficiário durante décadas e seu diretor durante alguns anos, vai finalmente ter acolhimento e condições de utilização condignas, deixando de estar caoticamente dispersa por inúmeras salas, corredores e gabinetes (e casas) dos professores.
Sem deixar de felicitar a direção da Faculdade e a reitoria da UC em funções por este impulso final, seria injusto esquecer os antigos professores (como J. J. Gomes Canotilho e A. J. Avelãs Nunes) e prestigiosos alumni (como Artur Santos Silva) que nunca desistiram, como foi devidamente lembrado pelo atual diretor Jónatas Machado. Sem eles, a ideia teria ficado certamente pelo caminho das "obras de Santa Engrácia".
Obrigado!
http://rpc.twingly.com/Eleições presidenciais 2026 (16): O PS deveria ficar de fora
1. No dia em que o almirante Gouveia e Melo se apresenta como candidato, deliberadamente sem apoios partidários, e que Marques Mendes recebe a benção política do PSD, concordo com esta posição de A. Correia de Campos, hoje no Público, segundo a qual o PS deveria abster-se de apoiar candidato próprio nas eleições presidenciais, descartando obviamente o apoio a Seguro (que o não merece, por manifesta falta de estatuto de estadista) e prescindindo de pressionar Vitorino para avançar.
Considero principalmente duas razões. Primeiro, depois do desastre eleitoral do PS e face à óbvia atração do Gouveia e Melo sobre uma parte dos eleitores socialistas, mesmo um candidato de elevado gabarito para a função presidencial, como Vitorino (que eu não teria dúvidas em apoiar), arrisca uma votacão menor, indigna dele e do PS. Em segundo lugar, depois da deriva presidencialista do PR cessante (que tenho repetidamente denunciado), nestas eleições vai estar em causa também o perfil presidencial e os seus poderes; ora, um mau resultado de um candidato, como Vitorino, que defende uma visão moderada dos poderes presidenciais (que ele ajudou a definir na revisão constitucional de 1982), seria interpretado como derrota dessa visão, a favor de interpretações mais intervencionistas do inquilino de Belém.
Duas derrotas simultâneas, portanto.
2. As coisas são o que são. Dada a sua natureza pessoal, as eleições presidenciais não envolvem uma competição partidária, e o PS arrisca-se a sair mal-ferido, se se envolver desnecessariamente nelas. Entre entrar e ficar de fora, a prudência política aconselha a continência.
Se o dossiê das presidenciais já não era fácil para os socialistas antes da pesada derrota eleitoral nas eleições parlamentares, tornou-se intratável depois do miserável legado político deixado pela imprudência e o egocentrismo de Pedro Nuno Santos, ao arrastar o Partido para a armadilha laboriosamente montada por Montenegro.
A meu ver, o PS não tem de entrar em mais uma batalha eleitoral perdida à partida, nem tem de imolar nenhum militante qualificado ingloriamente nela.
Gostaria de ter escrito isto (38): Bombas contra pensões
http://rpc.twingly.com/
«Eu, pelo menos, não consegui descortinar, na campanha [eleitoral], como é que Portugal vai fazer para passar a gastar 5% do PIB em defesa, ao mesmo tempo que tem um desafio gigante nomeadamente numa área importantíssima do Estado social, que é a segurança social. O nossos partidos limitam-se todos a dizer que vão aumentar as pensões e que isso é um pilar, mas, como sempre, ninguém explica como».
[Isabel Vaz, gestora do grupo Hospital da Luz, em entrevista ao Jornal de Negócios, AQUI; sublinhado acrescentado.]
SNS em questão (29): Inquérito parlamentar, já!
1. O escândalo no Hospital de Santa Maria, em que um médico contratado conseguiu cobrar mais de 400 000 euros por dez dias de trabalho, põe em causa frontalmente o controlo de gestão sobre contratos de prestação de serviços e sobre a contabilidade nos estabelecimentos do SNS, senbo óbvio que casos destes nunca aconteriam num estabelecimento de saúde privado ou sob gestão privada. E, se acontecessem, a administração não duraria mais de uma hora no lugar.
Inacreditavelmente, porém, a improvável Ministra da Saúde, em vez de pedir imediatamente responsabilidades, veio reiterar a sua confiança na administração. Como contribuinte pagador do SNS (que, porém, alivio de encargos, usando a ADSE e pagando a respetiva contribuição), não possso deixar de protestar contra este descontrolo da despesa. Isto é gozar com os contribuintes.
2. Face à gravidade dos casos asinalados - que não podem ter incorrido sem complacência ou negligência grosseira da direção dos serviços envolvidos -, julgo que se justifica plenamente um inquérito parlamentar, incluindo para saber se estes casos são isolados ou se não passam da ponta de um iceberg de descontrolo e de falta de avaliação e de prestação de contas da gestão do sistema hospitalar público.
O SNS não pode continaur a ser vítima da sacanice de alguns prestadores de serviços e da incompetência e irresponsabilidade das cadeias de controlo, direção e gestão.
http://rpc.twingly.com/May 27, 2025
Assim, não vale (11): Candidaturas parlamentares a fingir
1. Afinal, o grande trunfo eleitoral do PS no círculo eleitoral do Porto, representado pelo prestigioso médico e gestor hospitalar Prof. Fernando Araújo, era uma candidatura a fingir, pois, como se suspeitava, não tardou a anunciar que não vai exercer o mandato, repetindo o triste precedente do diretor da FEUP do Porto, o Prof. Óscar Afonso, que, nas eleições do ano passado, também liderou a lista do PSD, igualmente para renunciar logo a seguir.
Esta encenação de candidaturas de personalidades de renome que afinal não são para valer, só para enganar eleitores, lesam a confiança dos cidadãos nos partidos e na democracia, e não dignificam as personalidades que se deixam irresponsavelmente instrumentalizar. Situações destas só alimentam o discurso populista contra as elites e o sistema parlamentar.
2. É tempo de evitar a repetição destas verdadeiras fraudes eleitorais e políticas. Quem aceita ser candidato em lugar elegível, especialmente no topo da lista, como é o caso, não pode fazê-lo com reserva mental, antecipadamente decidido a não exercer o mandato. Os eleitores merecem mais.
Julgo que é tempo de parar o processo de crescente desqualificação política do mandato parlamentar e do cargo de deputado, a qual, num círculo vicioso, dificulta o recrutamento de académicos e de profissionais prestigiados, e que acaba por se traduzir crescentemente numa desqualificação das próprias eleições e da nobreza da representação política parlamentar.
Proponho, por isso, que o estatuto legal dos deputados seja alterado, de modo a não consentir a renúncia ao mandato parlamentar, nem a sua suspensão (salvo por doença prolongada), pelo menos no 1º ano da legislatura.
3. Como é próprio de um sistema de governo de base parlamentar, a Constituiação admite que os deputados possam integrar o Governo sem perder o seu mandato parlamentar - o qual é suspenso, sendo recuperado no fim das funções governamentais -, mas penso que se deve ir mais longe, de modo a reforçar o recrutamento dos membros do Governo na sua base parlamentar.
Por isso, no projeto de revisão constitucional pessoal que estou a preparar, proponho que o primeiro-ministro e pelo menos metade dos ministros sejam nomeados de entre deputados, desde logo porque a legitimidade política do Governo vem das eleições parlamentares e a sua subssistência depende da confiança (ou melhor, da não-desconfiança) parlamentar.
Ao contrário do que sucede hoje, quem quiser ser ministro deve estar preparado para ser eleito deputado e exercer o mandato, em prol do reforço do crédito público no parlamento.
http://rpc.twingly.com/May 25, 2025
Não concordo (51): Fetichismo constitucional
1. Na sua coluna de hoje no Diário de Notícias, Pedro Tadeu vem defender que o preâmbulo da Constituição, incluindo a menção do objetivo socialista, não é suscetível de revisão, apesar de ser evidente que tal referência se tornou manifestamente vazia de sentido, começando logo com a 1ª revisão, em 1982, quando a ordem económica passou a ser deixada no essencial à maioria política de cada legislatura, com alguns limites, mas sem um objetivo constitucionalmente imposto, e sem ter posto em causa os direitos sociais e o Estado social, que, como mostra a história, nossa e alheia, não dependem de uma ordem económica mais ou menos estatizada e coletivizada.
A tese da irrevisiblidade não é inédita nem disparatada, mas não é incontornável. Tratando-se efetivamente do decreto da Assembleia Constituinte que há meio século aprovou a versão originária da Constituição, ele não seria suscetível de revisão enquanto tal. Mas, sob pena de estéril fetichismo político, nada obsta a que o texto possa ser reformulado, deixando a sua função originária e passando a ser uma apresentação da história da Constituição e dos seus atuais traços essenciais.
2. No meu projeto pessoal de revisão constitucional, que estou a preparar para ser publicado no próximo ano, no cinquentenário da CRP, visando modernizá-la e prepará-la para mais meio século de vigência, proponho a seguinte redação do Preâmbulo, a que junto uma sumária nota explicativa:
«A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para aprovar aprovaram uma Constituição que para corresponder às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma afirmou a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma socidade socialista no respeito da vontade do povo português, com vista a um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte aprovou e decretou a Constituição da República Portuguesa, a qual, após as revisões constitucionais aprovadas de acordo com o procedimento nela previsto, tem o seguinte texto: »
«Nota explicativa:
O Preâmbulo deixa de ser o decreto da Assembleia Constituinte de 1976, autonomizando-se como evocação da origem da Constituição e como introdução ao texto constitucional vigente. Quanto ao conteúdo, retira-se a referência ao “socialismo”, claramente tornada caduca pelas sucessivas reformas do texto constitucional.»
Penso que, nesta nova versão (de que não cobro direitos de autor...), o preâmbulo da CRP só perde um incómodo "galho seco", que os seus adversários agitam como espantalho, enquanto ganha consistência e autoridade política.
AdendaUm leitor defende a eliminação do Preâmbulo, «para evitar mais polémicas inúteis». Discordo, em absoluto: primeiro, porque ele faz a necessária ligação entre a CRP e a revolução política que lhe deu origem, ou seja, o 25A74, sendo a sua tradução jurídica -, o que alguns querem esquecer; segundo, porque ele continua a sintetizar muito bem, e em formulações textuais lapidares, o essencial da decisão constituinte de 1975-76, dando corpo às conquistas da Revolução, e que, com a ressalva agora proposta, continua plenamente válida, desmentindo os ignorantes ataques de que por vezes ela é alvo. A propósito da qualidade e da mensagem do texto, importa revelar o que pode ser desconhecido por muitos: como se pode ver AQUI, o preâmbulo foi o último texto a ser fixado, numa comissão presidida por Sophia de Melo Breyner (PS) e cujo relator foi Manuel Alegre (PS), autor do texto, tendo sido adotado por consenso. http://rpc.twingly.com/May 23, 2025
Era o que faltava (15): Insegurança constitucional
1. Nos assomos anti-PS do PSD só faltava mesmo a infâmia de compartilhar com o Chega a revisão da Constituição e o acesso ao Tribunal Constitucional à margem do PS, como defendem despudoradamente, por estes dias, alguns dos seus opinadores.
Não se trata somente de mandar às urtigas o compromisso "não-é-não" de Montenegro, visto que seria um "sim" muito mais grave do que um eventual acordo de governo. O que estaria em causa seria a aliança de um partido fundador da democracia constitucional (na sua versão orginária e em todas as suas revisões), nascida de um revolução política e constitucional contra a ditadura do "Estado Novo", com um partido assumidadamente contrário ao atual regime constitucional e que não esconde assumir alguns dos traços doutrinários do antigo regime.
Resta saber se se trata somente de uma provocação política gratuita ou de uma intenção assumida de enveredar por essa afronta, não apenas ao PS, mas também à história e identidade política do próprio PSD. Urge que o seu líder clarifique a situação.
2. A revisão constitucional não ocupou nenhum lugar de relevo no temário das recentes eleições parlamentares e não se vê que obstáculo é que a Constituição oferece ao programa eleitoral da AD.
Sem dúvida que a CRP, que não é revista há 20 anos, ganharia em ser revista para efeito de "poda" de alguns "galhos secos", de melhoria de algumas soluções que o tempo provou menos consistentes e de modernização de linguagem e de conceitos. Mas não se vê como é que tal pode ser feito com um partido caracterizadamente antirregime constitucional, em vez de ser conseguido por negociação entre os partidos democráticos, nomeadamente entre os dois que sempre têm protagonizado todas as anteriores revisões cosntitucionais (o PS e o PSD ) e que, no atual quadro parlamentar, podem fazer a necessária maioria de 2/3 tanto com a IL, como com o Livre (bastando que o PSD venha a somar mais um deputado nos círculos da emigração).
Acresce que, segundo um prática constante, as alterações constitucionais precisam de um votação final global pela mesma maioria de 2/3, o que quer dizer que nenhuma alteração constitucional é viável se não tiver a concordância de todos os partidos que a vão aprovar no final, em conjunto. Isto significa que, a ser aberto o processo de revisão constitucional, o PSD tem de decidir à partida e anunciar com quem a vai fazer: com o Chega (e a IL) ou com o PS (e a IL ou o Livre).
Sendo certo que o PS não pode deixar de anunciar à partida que não votará nenhuma revisão que contenha uma alteração votada pelo Chega contra o voto socialista, vai a direção do PSD deixar essa questão crucial em aberto até quando?
3. A questão do Tribunal Constitucional é ainda mais grave, visto que ele é autoridade que interpreta e aplica em última instância a Constituição, pelo que esta poderia mudar sem nenhuma revisão constitucional, por efeito da modificação da composição do Tribunal e da sua jurisprudência.
Ora, a arquitetura do TC foi desenhada na revisão constitucional de 1982 pelo PS e o PSD, de modo a garantir, quando aos dez juizes eleitos na AR (por maioria de 2/3), um equilíbrio essencial entre as sensibilidades constitucionais representadas por um e por outro. Um acordo adicional entre ambos os partidos, até agora nunca desrespeitado, assegura que as vagas quanto a juízes eleitos (por fim de mandato ou por renúncia) são preenchidas por novos juízes da mesma sensibilidade, comprometendo-se cada partido a apoiar os candidatos do outro (sem prejuízo de veto individual).
Não é preciso estudar direito constitucional para saber que, numa democracia liberal, os partidos e as instituições políticas não estão vinculados somente aos preceitos constitucionais, mas também por "convenções constitucionais" resultantes de acordos explíticos ou de práticas continuadas comummente aceites.
É certo que, também nesta questão, os dois partidos deixaram de somar 2/3 dos deputados, maioria que, no campo parlamentar democrático, só se perfaz com um terceiro partido (IL ou Livre), pelo que deixaram de poder eleger sozinhos os juízes do TC. Também aqui, porém, a questão é saber se o PSD admite abrir o Tribunal Constitucional ao Chega, abandonando desavergonhadamente o referido pacto estabelecido com o PS em 1982.
4. As sucessivas crises políticas dos últimos anos, com as repetidas dissoluções parlamentares e governos de curta duração, trouxeram para a ribalta o valor da estabilidade política em geral e da estabilidade governativa em particular.
Mas a dramática mudança da composição parlamentar decorrente das eleições de domingo passado e o flirt sem escrúpulos da área do PSD com a admissão do Chega na revisão constitucional e no Tribunal Constitucional suscita uma instabilidade mais funda, a da insegurança constitucional, com a qual nenhuma estabilidade política é compatível. Não se pode "brincar" assim com a segurança constitucional do País.
Parece óbvio que o PSD não pode pedir ao PS que não se junte ao Chega para pôr em causa a viabilidade do seu Governo minoriário e, ao mesmo tempo, ameaçar o PS com a hipótese de rever a Constituição e de eleger juízes do TC com o Chega, à margem daquele e contra ele.
Há jogadas políticas rasteiras que a mais elementar moralidade política exclui na luta política leal numa democracia constitucional. O PS não pode deixar de exigir uma pronta clarificação oficial do PSD quanto à sua fidelidade às regras do jogo democrático de que é coautor, e que estão em vigor desde a origem do regime constitucional.
May 20, 2025
Conferências & colóquios (10): O papel dos parlamentos locais
Quando se aproxima a renovação eleitoral quadrienal dos órgãos do poder local, lá para finais de setembro, este colóquio, em boa hora promovido pela prestigiada AEDREL, propõe-se revisitar e debater o estado da nossa democracia local.Pela minha parte, proponho-me abordar a situação das assembleias municipais, suscitando a questão do seu quadro jurídico-institucional, que vem desde 1976, e que limita o seu papel como verdadeiros parlamentos municipais, que deveriam ser.http://rpc.twingly.com/
May 19, 2025
Manifesto dos 50 (13): Apresentação do livro, desta vez em Guimarães
Depois do lançamento em Lisboa e no Porto, eis mais uma sessão de apresentação pública das ideias do «Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça» e do livro entretanto publicado, desta vez em Guimarães, no Tribunal da Relação, numa iniciativa do Professor António Cândido de Oliveira e do Dr. André Coelho Lima, ambos subscritores do Manifesto, a que tenho a oportunidade e o gosto em me associar.
Esperamos não ficar por aqui!
http://rpc.twingly.com/Eleições parlamentares 2025 (16): E agora, PS?
1. Depois deste desastre eleitoral, numas eleições que podia e devia ter evitado, e que só surpreendeu pelos números, o que deve fazer o PS, além de lamber as feridas e preparar o processo de seleção de nova liderança?
Ocorre-me recordar o que escrevi num post há tempos:
«(...) estando excluída entre nós, pelo menos por agora, a hipótese de governos de grande coligação ao centro (à alemã), não é impossível, porém, equacionar um pacto estável entre os dois tradicionais partidos de governo , no sentido de, em caso de vitória eleitoral sem maioria absoluta, cada um deles deixar governar o outro - salvo coligação governamental maioritária alternativa -, viabilizando a constituição do Governo e prescindindo de votar moções de censura, a troco da negociação dos orçamentos (...).
Parecendo-me excluída a repetição de maiorias absolutas monopartidárias - por causa fragmentação da representação parlamentar - e também pouco provável a hipótese de coligações maioritárias, quer do PSD com a sua direita (excluindo obviamente o Chega), quer do PS com a sua esquerda (excluindo o Bloco e o PCP), este acordo entre os dois partidos de governo faz todo o sentido, para ambos, agora e no futuro.
Um acordo desta natureza era obviamente inviável para o PS sob a liderança de PNS - refém daquilo que eu chamo há muito a "ala bloquista" do PS -, mas não vejo como pode deixar de ser equacionado por uma nova direção, necessariamente menos radical e mais racional.
2. Julgo que, além da estabilidade governativa que um acordo destes geraria, bem como do quadro favorável aos necessários "acordos de regime" entre ambos os partidos (na reforma da justiça, da lei eleitoral, do SNS, etc.), ele torna-se neste momento essencial para assegurar ao PS um seguro contra o risco de tentação do PSD de utilizar a maioria de 2/3 dos deputados que a nova AR confere ao conjunto dos partidos de direita, para fazer aprovar contra o PS, não somente alterações às leis que carecem daquela maioria (entre as quais a lei eleitoral) e a designação de cargos públicos de topo (como os juízes do Tribunal Constitucional), mas também a própria revisão constitucional.
Ou seja, além da estabilidade governativa, o que está em causa é também a própria estabilidade do regime constitucional vigente, o que, nas vésperas da celebração dos seus 50 anos, devia estar entre as prioridades políticas de ambos os partidos, e em especial do PS.
AdendaUm leitor acusa-me de propor a «reedição do bloco central» (que foi o nome dado ao governo de coligação entre PS e PSD em 1983-85), mas sem nenhuma razão, pois essa solução está explicitamente afastado no meu texto. Nem sequer proponho a negociação do programa de governo nem um compromisso sobre políticas públicas. Penso que o PS deve assumir-se como oposição. Como digo acima, entendo que pode e deve haver entendimentos para os chamados "acordos de regime", desde logo porque a Constituição exige maioria de 2/3 para as respetivas leis. E, embora possa haver espaço para entendimentos com o Governo quanto a algumas políticas sectoriais, penso que o espaço para isso é limitado. O que proponho, desde há muito, é um pacto entre PS e PSD quanto à sustentação recíproca dos seus governos minoritários, e penso que tal pacto é essencial no atual quadro parlamentar, pelas razões que indico no final do meu post. Sem um compromisso como o que proponho, que consolide o afastamento a do PSD em relação ao Chega, ficaremos sempre sob a chantagem de ver posto em causa o próprio regime constitucional vigente, que assenta, desde a origem, num compromisso do PS e do PSD quanto aos seus pilares.
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