Vital Moreira's Blog, page 3
July 6, 2025
Memórias acidentais (27): Luanda, 1991
1. Estas duas fotos da
Galeria do Constitutionalismo Angolano
, do Tribunal Constitucional, em Luanda, foram-me enviadas por uma amiga que recentemente por lá passou e são testemunho da minha intervenção (graciosa), junto com o meu colega e amigo J. J. Gomes Canotilho, na transição democrática angolana em 1991-92, encerrando o período da "democracia popular" e do monopólio político do MPLA, que durava desde a independência.Apraz-me recordar esses dias intensos em Luanda, as sessões de trabalho na Assembleia, as reuniões com o partido, o decisivo encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos e, à margem, o reencontro com antigos condiscípulos de Coimbra.
Não voltei a Luanda desde então nem revisitei os meus papéis relativos a essa missão, pelo que foi com alegria e alguma emoção que recebi estas fotos e recordei esse meu contributo pessoal para a história política e constitucional angolana.
2. Não foi o único processo de transição democrática em que participei por essa altura, valendo-me da minha própria experiência e da minha reflexão sobre a anterior transição democrático-constitucional em Portugal.
No ano anterior tinha estado em Cabo Verde, no início do seu processo de transição, contribuindo para a revisão da Constituição e a elaboração das principais leis políticas (partidos políticos, eleições, etc.) e haveria de ir, pouco depois, à África do Sul, a um seminário de vários dias promovido pelo ANC sobre a futura Constituição democrática do País após o fim do regime do apartheid, que terminou com um jantar surpresa com o próprio Nelson Mandela (pouco antes libertado da sua prolongada prisão em Roben Island), um dos momentos mais emocionantes da minha vida política.
Além da satisfação pessoal pela contribuição para regimes democráticos bem-sucedidos, que passaram o teste do tempo, foram especialmente gratificantes os encontros com os líderes políticos, como Pedro Pires, José Eduardo e Nelson Mandela, cuja determinação foi decisiva para fazer avançar a complexa transição política em países sem nenhuma tradição nem cultura de democracia constitucional.
http://rpc.twingly.com/July 5, 2025
Não é a mesma coisa (4): Pede-se mais ao Presidente
1. Deixa muito a desejar a posição pública do PR sobre as propostas governamentais de subversão das leis da nacionalidade.
Na verdade, embora pré-anunciando que vai recorrer à fiscalização preventiva da constitucionalidade - o que, a meu ver, será imperioso, dadas as flagrantes inconstitucionalidades em que algumas daquelas soluções incorrem, a começar pela discriminação entre nacionais em matéria de punição penal (como apontei AQUI) -, o Presidente não exprimiu, porém, nenhuma outra reserva crítica sobre a reforma, em desvio à sua tradicional loquacidade em situações semelhantes, deixando entender, portanto, que não vai utilizar o veto político, apesar de ela ser manifestmente inspirada pelo Chega e de pôr em causa uma longa evolução, em geral consensual entre o PS e o PSD, sobre o regime da nacionalidade, no sentido humanista do alargamento do seu acesso pelos imigrantes e sua descendência, a maior parte deles com origem em países de língua portuguesa ou noutros países europeus.
Ora, a necessária correção das inconstitucionalidades não absolve o pecado político capital desta reversão da lei da nacionalidade, que o Presidente da República não devia coonestar, abdicando do veto político, que neste caso (ao contrário de outros...) é plenamente justificável.
2. Sucede, aliás, que a lei da nacionalidade não é uma lei qualquer, não sendo por acaso que ela integra a seleta categoria constitucional das "lei orgânicas", sujeitas a um regime mais exigente, quer quanto ao procedimento e à maioria parlamentar exigida para a sua aprovação, quer quanto ao regime do evetual veto político, pois a AR só pode superá-lo por maioria de 2/3.
Sendo, no fundo, uma lei paraconstitucional - por definir um dos três elementos clássicos da noção de Estado (território, população e soberania), que foi indevidamente deixado omisso na CRP de 1976 -, a revisão da lei da nacionalidade sob inspiração do Chega e implementada pelo Governo, à margem do PS (que obviamente a não pode aprovar), traduz-se efetivamente na entrada do partido nacionalista na (re)definição de aspetos básicos do regime político.
Não é possível ignorar o significado político-constitucional profundo desta operação, sem pré-aviso, de "cheguização" política e doutrinária do PSD, enterrando o «não-é-não» da campanha eleitoral e apadrinhando a entrada da extrema-direita nacionalista e populista no "arco cosntitucional" material nacional. Também por isso, para testar a consistência da nova supermaioria de direita sob a égide do Chega e sublinhar a gravidade da conversão política do PSD, justificava-se o veto político.
http://rpc.twingly.com/Bloquices (27): Extremismo gera extremismo
Tão estúpida, politicamente, como a proposta do Governo de alargar de um para três anos o requisito de residência para conferir a nacionalidade portuguesa aos filhos de cidadãs estrangeiras nascidos em Portugal é a proposta de Bloco, no sentido oposto, de dispensar qualquer requisito de residência, conferindo a nacionalidade a qualquer criança nascida no País, mesmo sem qualquer vínculo da progenitora ao país, abrindo as portas à corrida de estrangeiras aos partos em Portugal, só para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa (e de cidadania europeia).
O extremismo retrógrado do Governo, adotando a postura reacionária do Chega contra a integração dos imigrantes, não justifica o extremismo pseudoprogressista do Bloco. Verdadeiramente irresponsável.
http://rpc.twingly.com/July 3, 2025
Eleições presidenciais 2026 (17): O candidato Marcelo II?
1. Em declarações a propósito da anunciada queixa de José Sócrates ao TEDH, divulgadas pelo jornal Público, o candidato presidencial Luís Marques Mendes, considerando que a reforma da Justiça é «cada vez mais necessária e urgente», anunciou que ele «enquanto Presidente da República, colocarei esta prioridade na agenda pública, política e mediática» e que ela «será uma das minhas causas enquanto Presidente da República, o que obriga a fazer pontes entre quem está no Governo e partidos da oposição», avançando também com propostas concretas, incluindo o fim dos "megaprocessos" e a concessão de mais poderes aos juízes na condução dos processos.
Sem dúvida, o caso Sócrates pode ser mais uma boa razão a favor da necessidade de uma reforma da justiça (e não apenas quanto à morosidade desta...). Mas, no nosso sistema de governo, a quem compete dar prioridade à reforma da justiça (que se tornou praticamente consensual) e definir o seu conteúdo (que é menos consensual) é ao Governo e à AR, e não ao Presidente da República, que constitucionalmente não é um presidente-governante, mas sim um garante das regras do jogo político, pelo que não pode ser ele próprio um agente político, sob pena de ser ele mesmo a subverter as regras.
Não há nada mais perturbador para a compreensão do sistema político pelo cidadão comum do que ver o PR a competir com o PM na marcação da agenda política, que constitucionalmente é matéria exclcusiva do segundo.
2. De resto, não vejo nenhuma necessidade destas tiradas de protagonismo "macho" dos candidatos presidenciais, que têm o "pequeno" defeito de não terem nenhum cabimento nas funções e nos poderes constitucionais do Presidente e que, portanto, acabam como proclamações vazias para impressionar eleitores incautos ou como fatores de envenenamento das relações políticas entre os três órgaos políticos da República.
Na verdade, o PR pode intervir na decisão sobre reformas políticas de três modos não despiciendos, embora menos espetaculares e menos intrusivos: (i) a título de aconselhamento discreto do Governo e dos partidos de oposição, em Belém; (ii) a título de "facilitador" entre Governo e oposição, a pedido destes, na negociação dessas reformas; (iii) a título de apoio público ao lançamento de tais reformas.
Tudo seria diferente, se o candidato tivesse dito o seguinte: «Considerando o largo consenso existente quanto à necessidade de reforma da justiça, cumpre-me anunciar que, se for eleito, o Governo e a AR podem contar com o apoio do Presidente para a realizar, naquilo que de mim depender».
Ou seja: o PR não está impedido de ter ideias sobre reformas, desde logo para efeito do seu poder de aconselhamento ao Governo. O que não pode, como neste caso, é definir à partida a prioridade e o conteúdo de tais reformas, usurpando a competência constitucional da AR e do Governo, e depois "forçar" o Governo e a oposição a um entendimento para as realizar. O PR não tem nenhum poder de tutela política, muito menos de "superintendência", sobre o Governo.
No nosso sistema político-constitucional, em que a condução da política geral do país cabe ao Governo, as reformas políticas não podem ser encomendadas nem comandadas a partir de Belém, nem a AR e o Governo estão submetidos às suas orientações políticas. E, por isso, os candidatos presidenciais não podem apresentar-se, como neste caso, como se fossem candidatos a primeiro-ministro ou a superintendentes de primeiro-ministro.
3. Não deixa de surpreender que Luís Marques Mendes, que começou por marcar algumas claras diferenças em relação ao omnímodo estilo presidencial de Marcelo de Rebelo de Sousa, tenha vindo a adotar crescentemente um entendimento cada vez mais intervencionista do cargo presidencial, que começou pela ideia das suas "causas presidenciais" - como se o Presidente pudesse ter, no exercício do seu mandato, outras causas que não as causas constitucionais -, para terminar neste propósito extremo de dar «prioridade pública, política e mediática» a uma certa reforma política, que desafia a prática expansionista do atual inquilino de Belém.
Numa expressão do seu entendimento assaz amplo dos poderes presidenciais, Jorge Sampaio substituiu a contida fórmula de Mário Soares, "magistratura de influência", pela de "magistratura de influência e de iniciativa", que dava cobertura à sua ideia de Belém colocar temas e propostas na agenda política. Ora, parece claro que, desta vez, Marques Mendes se propõe ir mais longe, não se limitando a colocar reformas na agenda pública, mas também conferir-lhe prioridade política e definir o seu conteúdo, desafiando a autonomia política do Governo e o seu poder exclusivo na condução da política do país.
Decididamente, a "tentação presidencialista" pode dar a volta à cabeça dos candidatos, mesmo dos aparentemente mais sensatos.
http://rpc.twingly.com/July 2, 2025
Como era de temer (15): Receita para a confusão
1. Segundo esta notícia do Público, os politécnicos de Leiria e do Porto querem ser convertidos em universidades, mudando de ramo no "sistema binário" do ensino superior vigente entre nós, argumentando que já ministram o número de mestrados e doutoramentos previstos na lei para as universidades.
Mas é evidente que essa pretensão não pode ser satisfeita, pela simples razão de que no sistema em vigor a diferença entre o ensino universitário e o ensino politécnico não depende dos graus académicos ministrados, mas sim do tipo e áreas de ensino e da vocação de cada instituição. Por isso, a lei não contempla tal hipótese de requalificação administrativa de uma instituição de ensino superior, pelo que seria ilegal.
2. Espero bem que a revisão do RJIES - que ficou pelo caminho com a interrupção da legislatura passada, mas que provavelmente vai ser retomada pelo Governo - não venha a alterar a lei nesse ponto, rejeitando essa receita magna para a grande confusão no ensino superior.
De qualquer modo, enquanto a lei for o que é, aquela reivindicação só pode ter uma resposta: rejeição liminar.
http://rpc.twingly.com/June 29, 2025
Concordo (28): Contra a fuga ao fisco
Concordo com mais este plano governamental de ataque à fraude e à evasão fiscal e, além dos suspeitos empresariais habituais, sugiro quatro áreas a serem especialmente consideradas, onde se esvaem muitos milhões de receita fiscal, em particular em IVA e em IRS ou IRC:
- a enorme percentagem de arrendamentos não declarados;- o setor dos serviços pessoais e domésticos, onde julgo que é pequena a percentagem de rendimentos declarados;
- o setor dos restaurantes, bares e estabelecimentos similares, onde é percetivel uma elevada evasão;
- o abuso de personalidade coletiva (pseudoempresas unipessoais ou familiares) como expediente de fuga ao fisco, em que incorre um bom número de profissionais liberais (advogados, médicos, etc.).
Tenho sempre a sensação de que, quanto maior for o número dos que fogem ao pagamento dos impostos devidos, mais têm de pagar aqueles que, como eu, não se dedicam a esse "desporto" tão nacional.
Além da assegurar ao Estado e à UE as receitas necessárias, o combate à "economia paralela", imune ao fisco, é uma questão essencial de justiça fiscal e de confiança nas instituições.
http://rpc.twingly.com/June 27, 2025
O caso Montenegro (12): O que importa saber sobre o "caso Spinumviva"
1. Na sua referida entrevista ao Observador, o PGR anunciou querer a conclusão da investigação ao caso Spinumviva (a célebre "empresa familiar" de Montenegro) até 15 de julho, início das férias judiciais.
Saúde-se a diligência do Ministério Público, plenamente justificada neste caso respeitante ao chefe do Governo em exercício, diligência que, porém, não é anunciada igualmente com prazos em relação ao caso Influencer, que leva anos de investigação e cujo anúncio público, há quase dois anos, incluía o célebre parágrafo assassino, que levou à demissão do então Primeiro-Ministro, António Costa, e à abertura de uma crise política que, entretanto, provocou duas eleições antecipadas e dois governos minoritários, além da promoção do Chega a 2º maior partido parlamentar -, processo sobre o qual não se conhece nenhum desenvolvimento neste tempo todo.
Pelos vistos, a diligência investigatória do MP é politicamente seletiva.
2. Para situar o caso Spinumviva, importa lembrar que ele começou por suscitar um inquérito parlamentar sobre uma alegada violação por Montenegro da condição de exclusividade legal nas funções governamentais, por a tal "empresa familiar" não passar de um meio de encobrir o facto de o chefe do Governo continuar a gerir a sua atividade e a beneficiar dos respetivos proventos.
Caducado o inquérito parlamentar por efeito da dissolução da AR, tudo indica que ele não vai ser retomado, por se entender - a meu ver, bem - que a referida falha de comportamemto ético-político, a ter existido, foi "amnistiada" pelo eleitorado, ao reconduzir Montenegro na chefia do Governo, com apoio reforçado, nas eleições que, irresponsavelmente, o PS, sob a desastrada liderança de Pedro Nuno Santos, lhe proporcionou.Assunto encerrado, portanto, quando a esse ponto.
3. Restam, porém, os eventuais aspetos penais do caso, que não podiam ser objeto direto do inquérito parlamentar e que entretanto levaram o MP a abrir uma "investigação preventiva" sobre a questão. Que aspetos penais, e que indícios os suscitam?
Recordando o que oportunamente fui escrevendo sobre o assunto (por exemplo, AQUI e AQUI), penso que há no caso Spinumviva dois aspetos penalmente relevantes, que obviamente não beneficiam da referida "amnistia eleitoral": - um provável caso de abuso da personalidade jurídica coletiva, para efeito de fuga ao fisco (substituição do IRS pelo IRC e reembolso do IVA na aquisição de bens e serviços, incluindo a possibilidade de imputação de despesas pessoais à pseudossociedade), se se mostrar que a tal empresa era um ficção, não tendo qualquer autonomia em relação ao seu fundador; - um possível caso de recebimento indevido de vantagem, se se mostrar que Montenegro continuou a beneficiar das respetivas avenças e outras receitas, sem correspondente prestação de serviços.
Julgo que é fácil confirmar ou infirmar essas suspeitas com um simples exame às contas e às despesas fiscais da suposta empresa e do seu fundador, pelo que a investigação pode perfeitamente ser concluída dentro do prazo assinalado pelo PGR. O que não é aceitável é que ela seja dada por concluída sem uma cabal investigação e esclarecimento público dos dois referidos aspetos.
June 26, 2025
Reforma da justiça (13): Uma cultura penal inquinada
1. Segundo o Procurador-Geral da República, nesta entrevista, «Sócrates tem todo o direito de provar [no seu julgamento] a sua inocência».
Infelizmente, não se trata de um lapsus linguae, mas de uma genuína expressão da cultura penal que prevalece no Ministério Público quando se trata de acusar políticos, segundo a qual, feita a acusação, é aos próprios arguidos que incumbe provar a sua inocência, assim invertendo o "ónus de prova" e negando o princípio constitucional da presunção de inocência - e o seu corolário, o princípio in dubio pro reo, ou seja, absolvição em caso de dúvida razoável -, que é uma das grandes heranças da revolução constitucional contra o Antigo Regime e o "princípio inquisitorial", tornando-se um esteio essencial do Estado de direito em matéria penal.
2. É evidente que no "tribunal" da opinião pública, com a prestimosa colaboração do Ministério Público (lembremos o espetáculo montado para a sua detenção ao regressar a Lisboa), o antigo Primeiro-Ministro já foi condenado, sem apelo nem agravo, há muito tempo, desde o início deste arrastado processo (aliás, em notória violação do direito a julgamento em prazo razoável).
Mas no tribunal da República que o vai julgar, ainda é ao Ministério Público que incumbe a obrigação de provar devidamente a sua acusação, e não inverso.
[Alterada a rubrica originária]http://rpc.twingly.com/June 25, 2025
+ União (88): Capachos de Trump, não!
1. É uma vergonha esta mensagem de revoltante subserviência do Secretário-Geral da NATO, ex-chefe de governo dos Países Baixos, ao Presidente Trump, celebrando o aumento exponencial da despesa militar dos países europeus (quase todos também membros da UE), imposta por Washington.
Disgusting! Not im my name!
2. A União e os demais Estados-membros vão ficar calados perante esta miserável ameaça de Trump contra Espanha, se esta não cumprir a meta unilateralmente imposta de 5% de despesa militar, para mais numa matéria - o comércio externo - que é uma competência exclusiva da UE?!
Se é assim, tenho a declarar que esta não é a minha União!
http://rpc.twingly.com/Corporativismo (60): Pela reconversão das ordens profissionais
1. O novo bastonário da Ordem dos Advogados - cujo estilo de comunicação marca um assinalável progresso em relação à postura litigiosa da sua antecessora - veio pronunciar-se contra "cisões artificiais" na profissão, mas receio bem que elas não sejam tão artificiais assim. Não sei se vale a pena continuar a ignorar a realidade e tentar "tapar o sol com uma peneira".
A verdade é que a crescente diversificação da advocacia acabou com a antiga homogeneidade de interesses, quando a generalidade dos advogados tinha prática individual generalista. Visto do exterior, parece-me evidente que, fora a designação profissional, não há hoje nada de comum entre um advogado de prática individual, que se dedica essencialmente a defesas oficiosas, e um membro de uma grande sociedade de advocacia de negócios, hierarquizada e especializada, que já nem se dedica somente à advocacia. Aliás, penso que as recentes eleições na OA tornaram evidentes essas clivagens.
Esta evolução das antigas "profissões liberais" - que não se limita à advocacia - vem pôr em causa a tradicional (e controversa) noção corporativista das ordens como entidades oficiais de representação e defesa de interesses profissionais, o que obviamente pressupõe a existência de uma identidade profissional vivida e de um interesse profissional comum, que, porém, têm cada vez menos correspondência na realidade.
2. Defendo há muito que numa democracia liberal não deve haver lugar para a representação e defesa oficial de interesses profissionais, a cargo de entidades públicas de base associativa, necessariamente unicitárias e obrigatórias, por duas razões elementares: (i) o poder público, por definição, só pode representar e defender o interesse geral e (ii) a representação e defesa de interesses profissionais deve caber a associações de livre constituição e adesão.
O tendencial desaparecimento de um interesse profissional comum a toda a profissão torna ainda menos justificável a derrogação desses princípios constitucionais em relação às chamadas profissões liberais.
3. Por isso, entendo que, hoje em dia, as ordens profissionais só fazem sentido como instituições de autorregulação e autodisdisciplina profissional (sem prejuízo da representação dos clientes), fazendo cumprir as obrigações legais e deontológicas dos seus membros.
Quando a ideia de "reforma do Estado" foi relançada na agenda política e anda à procura de conteúdo digno da grandiosa noção, aqui está a minha contribuição: a reconversão das ordens profissionais.
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