Vital Moreira's Blog, page 8

April 11, 2025

Nos 50 anos da CRP (2): Recordando a Assembleia Constituinte

1. Foi muito agradável e proveitoso participar hoje na sessão pública de lançamento de um número da Revista do IDL (o instituto de estudos do CDS) dedicado ao cinquentenário da Assembleia Constituinte de 1975-76, onde se inclui, entre numerosas outras reflexões, uma conversa entre o Professor Jorge Miranda e eu próprio, sobre a nossa experiência de deputados constituintes, aliás entre os mais ativos e empenhados.

Presidida pelo Presidente da República, ele próprio deputado constituinte, a numerosa assistência incluiu alguns outros deputados constituintes de vários partidos, que tive a alegria de rever. Além da fala de Marcelo Rebelo de Sousa, que recordou com vivacidade o ambiente político da época, a sessão contou também com uma intervenção de Jorge Miranda, que descreveu o labor da Constituinte e os traços da Constituição que dela resultou, e outra minha, onde procurei explicar porque é que a Constituição de 1976 escapou à "maldição" das anteriores constituições revolucionárias portuguesas (1822, 1838 e 1911), que falharam todas o teste do tempo.

2. Apraz-me felicitar publicamente o diretor do IDL, Professor Manuel Monteiro, por esta iniciativa de memória e reflexão plural sobre a formação da nossa Lei Fundamental, o que é tanto mais de elogiar quanto o CDS foi o único partido da Constituinte que votou contra a CRP em 1976, por não poder subscrever o compromisso socialista da versão originária da Constituição, vindo depois a alinhar no "arco constitucional" após a 1ª revisão, em 1982, que removeu essa barreira política e doutrinária.

Mas a verdade é que era de esperar que, por maioria de razão, também as fundações e institutos dos partidos que desde o início se identificam com a Constituição (PS, PSD e PCP) aproveitassem a oportunidade para celebrar as eleições constituintes - democráticas e participadas como nenhumas outras antes -, que há meio século legitimaram a Revolução democrática e deram início à tarefa histórica de a traduzir em letra de Lei Fundamental.    

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Published on April 11, 2025 15:49

April 8, 2025

Barbárie tauromáquica (18): Era o que faltava!

Como se não bastasse a tolerância oficial com a organização e a frequência de espetáculos tauromáquicos para gáudio público com o sofrimento animal, ainda há quem pretenda elevá-los à honra de "património cultural imaterial".

Confiando em que a UNESCO não iria aceitar tal provocação, espero também que as autoridades nacionais responsáveis pelo património cultural rejeitem tal pretensão, que seria um primeiro passo para idêntica glorificação das touradas propriamente ditas. Por definição, a noção de património cultural deve identificar-se com valores geralmente compartilhados pela comunidade nacional, ou, pelo menos, não rejeitados por boa parte dela, como é o caso. Ser uma "tradição" local ou regional não pode bastar; a história está cheia de tradições populares baseadas na crueldade animal. 

Se uma tal "condecoração" oficial da barbárie tauromáquica fosse para a frente, indo ao encontro do poderoso  lobby taurino, eu estaria entre os muitos portugueses a repeli-la como um grave atentado ao conceito de Portugal como país decente e civilizado.

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Published on April 08, 2025 09:56

April 6, 2025

Retratos de Portugal (8): Mosteiro de Seiça

Gostei de voltar ao Convento de Seiça (município da Figueira da Foz, a sul do Mondego), para ver o resultado da recuperação das ruínas, que visitei há poucos anos (como deixei registado AQUI), e aproveitar para ver a exposição de trabalhos de Vieira da Silva, que neste momento lá se encontra patente.

Apesar da enorme destruição provocada pelo abandono e posterior uso fabril do Convento - vítima de um dos grandes desastres da história nacional, ou seja, a guerra civil entre liberais e absolutistas (1832-34) e a subsequente extinção e confisco das ordens religiosas, pelo seu apoio à usurpação miguelista -, não deixa de ser impressionante o que restou e que foi agora recuperado.

Para ver a diferença entre o antes e o depois das obras, basta comparar este vídeo de antes e as duas fotos que hoje publico, uma das ruínas da igreja e outra do claustro do convento. Um velho retrato de Portugal restaurado!




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Published on April 06, 2025 16:00

April 5, 2025

Eleições parlamentares 2025 (14): O programa do PS

1. Num longo documento de 235 páginas, o PS veio apresentar o seu programa eleitoral, que, por isso, pouco gente vai ler, ficando pelas leituras seletivas dos jornais, nem sempre equilibradas.

Entre as ideias que merecem atenção estão a atribuição a cada nova criança de um pé-de-meia em certificados de aforro, a redução faseada do horário semanal de trabalho para as 37 horas e meia, ou a participação dos trabalhadores na gestão das grandes empresas (o que defendo há muitos anos).

Quanto às várias propostas de aumento de prestações e de serviços sociais (por exemplo, no SNS e no abono de família) e outras tantas de redução de encargos tributários (como a isenção do IVA nos produtos alimentares e de eliminação das propinas no ensino superior), não se compreende que um partido de vocação governamental responsável como o PS não apresente uma estimativa dos custos orçamentais do programa.

De pouco vale jurar pelo equilíbrio das contas públicas e depois apresentar medidas que, muito provavelmente, o poriam em risco.

2. Em todo o caso, não posso sufragar algumas das medidas propostas, como as já referidas quanto à eliminação do IVA sobre produtos alimentares ou das propinas do ensino superior, por não compreender porque é que se deve beneficiar toda a gente, independentemente dos meios económicos, isentando também os mais ricos do seu pagamento.

Pelo contrário, como muitas vezes já argumentei, a solução mais justa é manter essa receita pública e depois aproveitar o IVA e as propinas pagos pelos mais ricos para subsidiar o rendimento dos mais pobres, mais do que compensando as importâncias pagas por estes. Além disso, no caso das propinas não está em causa somente financiar mais bolsas de estudo, mas também sustentar a autonomia financeira das instituições de ensino superior públicas, sobretudo as do interior, que não usufruem dos contratos de investigação e de prestação de serviços de que tiram partido as instituições de Lisboa e do Porto.

Beneficiar seletivamente somente as pessoas de menores rendimentos fica mais barato, tem menos impacto sobre as contas públicas e é socialmente mais justo.

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Published on April 05, 2025 16:22

Direito à habitação (7): Cidades-fantasma


1. Concordando com o artigo de Ricardo Reis, no Expresso desta semana, também entendo que os preços da habitação estão a subir porque a oferta não acompanha a procura, pelo que, face à dificuldade (ou mesmo impossibilidade) em travar a segunda, a única solução consiste em aumentar a primeira, colocando mais casas no mercado.

No entanto, julgo que o aumento acentuado da procura (para compra ou arrendamento), que incide sobretudo em Lisboa e no Porto, obedece a razões específicas, como a crescente concentração de atividade económica e da oferta de ensino superior nas duas principais cidades, o desvio da habitação para alojamento turístico e o aumento da procura imobiliária por estrangeiros, a que se veio somar o imprudente incentivo do atual Governo à habitação para jovens (ou seus pais), mediante a garantia de crédito. 

Ora, em vez de travar a concentração económica e urbana nas duas principais cidades e de incentivar a procura noutras cidades - desde logo por obrigação constitucional de descentralização territorial e de garantia da coesão económica e social do País -, os governos têm feito o contrário, continuando a concentrar os serviços públicos e o investimento público em Lisboa. 

Ora, é óbvio que o incentivo à procura só torna mais instante a necessidade de aumentar a oferta de habitação. 

2. Quanto à oferta, parece evidente que o aumento da habitação pública - que deve incumbir aos municípios, e não ao Estado, por respeito do princípio constitucional da subsidiariedade - devia focar-se na garantia do direito à habitação das famílias de menores rendimentos, pelo que a resposta à demais procura de habitação deve ser deixada à oferta privada, como é próprio de uma economia de mercado, embora com os incentivos públicos justificáveis, em vez dos desincentivos ao investimento, como foi a política de congelamento das rendas.

Uma das políticas públicas incontornáveis nesse sentido deveria ser a de obrigar a trazer para o mercado os muitos milhares de edifícios privados (sem esquecer os públicos...) que, em todas as cidades, se encontram abandonados e em vários graus de deterioração, ou mesmo de ruína (na imagem acima, dois casos entre as centenas, em Coimbra), por os proprietários não terem vontade de (ou condições para) as colocarem no mercado, e não serem levados a fazerem-no, como deviam, quer por razões ambientais e de segurança, quer justamente para aumentar significativamente a oferta de habitação.

Ora, está visto que as respostas até agora ensaiadas contra este risco de "cidades-fantasma" - como o agravamento do IMI, a notificação dos proprietários para obras de reabilitação, ou mesmo as obras e o arrendamento compulsivo por via dos municípios - não funcionam, sendo necessários remédios mais eficazes, que, a meu ver, passam pelo seguinte: dar legalmente aos municípios um poder de injunção aos proprietários, acompanhada de incentivos apropriados, para, num certo prazo razoável, tornarem os prédios habitáveis, ou venderem-nos, sob pena de "sanção pecuniária compulsória", por cada mês de atraso. 

Trata-se de um instrumento que tem revelado a sua grande valia em vários ramos do direito, incluindo a regulação económica e a defesa da concorrência, não havendo nenhuma razão para abdicar dele na esfera urbanística e na gestão da oferta  habitacional, em particular.

3. Por razões urbanísticas, económicas e sociais, são reprováveis as situações de abandono de prédios de uso habitacional, ou suscetíveis dele. 

Numa "economia social de mercado" (conceito do Tratado da UE), a propriedade imobiliária impõe obrigações, não sendo admissível um direito de propriedade absoluto, que inclua o direito ao abandono, o qual, aliás, é objeto de expressa censura constitucional entre nós. No seu art. 88º, a nossa Lei Fundamental prevê meios assaz intrusivos no direito de propriedade em relação a ativos em abandono, como o arrendamento compulsivo ou mesmo a expropriação, mas a experiência mostra que tais soluções são pouco viáveis e que é preferível o poder público incentivar e, em última instância, compelir, os proprietários a cumprir as suas obrigações.

Embora legitimando a intervenção supletiva do poder público, as obrigações decorrentes da "função social da propriedade" devem recair, em princípio, sobre os próprios proprietários, cabendo aos poderes públicos fazê-las cumprir -, e é tempo de o fazerem!

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Published on April 05, 2025 08:01

April 3, 2025

Free & fair trade (22): USexit

1. Com a substancial subida unilateral generalizada das tarifas de importação, ontem anunciada por  Trump, violando flagrantemente as suas obrigações perante a OMC e perante os parceiros comerciais com quem tem acordos preferenciais, como o Canadá e o México (aliás assinados pelo próprio Trump no seu 1º mandato), os EUA fazem uma declaração de guerra ao sistema económico internacional, com inevitáveis reflexos na situação económica de muitos países.

É evidente que, sendo impostos sobre as importações, o aumento das tarifas vai, antes de mais, afetar os consumidores e a própria economia norte-americana, por causa da subida dos preços dos produtos importados. Mas, uma vez que o mercado norte-americano é destino importante para as exportações de muitos países, esta subida dos preços dos produtos atingidos vai reduzir a sua importação e afetar a economia dos países exportadores. Além disso, o protecionismo de Washington pode levar grandes empresas estrangeiras a mudar a sua produção para os Estados Unidos (objetivo declarado de Trump), reduzindo o investimento e a criação de emprego nos respetivos países. 

Com este ataque selvagem, em nome da "independência económica", os EUA saem efetivamente do sistema internacional de comércio regulado que ajudaram a edificar, desde o GATT (Acordo Geral de Taxas Aduaneiras e de Comércio) de 1947, e depois a profundar, desde a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), em 1995. É o fim inesperado de uma era de progressiva liberalização das trocas internacionais e da prosperidade que ela trouxe aos países que nela se empenharam.

2. Embora não podendo responder na mesma moeda, as demais potências comerciais vítimas deste ataque desleal de Washington, a começar pela UE, não podem deixar de retaliar seletivamente contra as importações norte-americanas, lá onde pode doer mais (incluindo a tributação de serviços tecnológicos, maciçamente importados dos EUA) e onde afete menos as empresas e os consumidores europeus. Ataques desleais destes não podem ficar impunes.

Porém, acima de tudo, a UE deve aproveitar esta saída dos EUA do sistema de comércio mundial, para se assumir como líder do sistema comercial internacional regulado sob a égide da OMC (por sinal, sediada na Europa) e para avançar na busca de novos parcerias comerciais por esse mundo fora, começando pela ratificação de acordos comerciais já concluídos (nomeadamente com o Mercosul) e na conclusão de outros com grandes economias dinâmicas, como a Índia e a Indonésia. 

Como única grande potência comercial confiável e fiel ao mandato da OMC, só a UE pode preencher o vazio deixado pelo lamentável exit de cena dos EUA.

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Published on April 03, 2025 16:00

Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça (10): Eis o livro!

1. Por iniciativa do grupo promotor do Manifesto dos 50 - publicado há quase um ano (que pode ser lido AQUI) e entretanto subscrito por dezenas de juristas e outras pessoas dos mais variados interesses intelectuais e profissionais e de um amplo espectro político -, vai ser publicado um livro que colige um grande número de textos publicados ao longo destes meses por subscritores do Manifesto, em jornais e noutros veículos (entre eles dois comentários meus, publicados aqui, no Causa Nossa).

Além de consubstanciarem e reforçarem as razões que motivaram o Manifesto, muitos dos textos adiantam propostas concretas para a reforma da justiça em diversas áreas (como é o caso das minhas, sobre o Ministério Público), o que torna mais interessante a sua leitura e a sua discussão. 
2. Em edição da Bertrand, o livro vai ser objeto de lançamento público nacional em Lisboa, e depois também noutras cidades (a começar por Porto e Coimbra), proporcionando uma oportunidade de diálogo com um público mais vasto, tanto mais que, no seguimento da publicação do Manifesto e de contactos com vários responsáveis políticos e judiciários, parece estar adquirida na agenda política a necessidade de avançar com a reforma, faltando, porém, definir a sua amplitude e a sua profundidade.
Sendo de esperar que os programas eleitorais dos principais partidos para as eleições parlamentares de maio não esqueçam o assunto, o lançamento do livro pode ser uma ocasião propícia para alargar e aprofundar o debate sobre a reforma da justiça, sobretudo nas suas áreas mais críticas.

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Published on April 03, 2025 09:27

April 2, 2025

Entre os melhores (1): Liberdade de imprensa


Este mapa sobre a liberdade de imprensa nos Estados-membros da UE, com a chancela da prestigiosa organização de jornalistas Repórteres sem Fronteiras, coloca Portugal no pelotão da frente, melhor do que todos os demais países do sul da Europa e muito melhor do que os do leste, só sendo superado por alguns países no norte, com os escandinavos no topo, como sempre. 
Uma vez escrevi que o meu ideal de cidadão era ver Portugal abandonar o mal-cotado "club mediterranée" e tornar-se uma  "Dinamarca do sul", desde logo em matéria de responsabilidade cívica.  Apraz-me registar que, pelo menos quanto a liberdades públicas, estamos no bom caminho. 
Quando celebramos meio século da Revolução do 25 de Abril - feita, antes de mais, em nome da liberdade - e, no próximo ano, meio século da CRP - que a institucionalizou - , é caso para dizermos: conseguimos!

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Published on April 02, 2025 13:14

March 30, 2025

O que o Presidente não deve fazer (55): A cumplicidade do silêncio

1. Se há uma marca do atual Presidente da República que vai ficar para a posteridade, é a de "Presidente-falante", tão nutrida tem sido sido a torrente das suas intervenções públicas, muitas delas de puro comentário político - papel que, porém, não integra as funções presidenciais -, em manifesto contraste com os seus antecessores, que nesse aspeto deixaram um registo geral entre a contida moderação (como Soares e Sampaio) e o austero recato (como Eanes e Cavaco Silva), o qual, a meu ver, é bastante mais conforme com o perfil constitucional de "poder neutro" e de "garante das instituições" do inquilino de Belém, como tenho defendido nos artigos desta série.

Há, todavia, situações em que a palavra presidencial se impõe, nomeadamente quando está em causa a infração pelo Governo das suas obrigações de conduta institucional, que não podem ser deixadas em silêncio pelo PR, sob pena de cumplicidade, por falha na sua missão constitucional de supervisão do funcionamento regular das instituições. Nessas situações, a loquacidade habitual de MRS torna esse silêncio ainda mais gritante.

2. Tal é o que sucede com o surpreendente silêncio presidencial sobre a notícia de que o Governo, demitido já há duas semanas, apresentou publicamente na sexta-feira passada, dia 28, às câmaras municipais de ambas as margens do Tejo em Lisboa um grandioso e pormenorizado projeto de investimento público de infraestruturas e de habitação, pomposamente chamado "Parque Cidades do Tejo", incluindo o investimento estimado para cada capítulo, no valor total de muitos milhares de milhões de euros.

Não está em causa aqui, obviamente, a crítica política do megalómano projeto de investimento público para a capital do País - que inclui uma nova travessia do rio, subaquática  - , em violação clara da obrigação constitucional de «promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional» (citando o art. 9º da CRP, sobre as "tarefas fundamentais do Estado"), confirmando o Governo Montenegro como Governo de Lisboa, e não do País, que deixa umas migalhas para a "província", sacrificando ostensivamente a "coesão territorial" (outro conceito constitucional, como se pode ler no art. 81º da CRP). 

Mas essa crítica política da ação governamental deve ser evidentemente assumida pela oposição, e não diretamente pelo PR, apesar da sua prática corrente de comentador político. 

3. O que é manifestamente do pelouro do PR é a ostensiva violação pelo Governo, com a referida iniciativa, de dois limites constitucionais claros, a saber: (i) a restrição de poderes dos governos demitidos, que só podem praticar os «atos estritamente necessários» à gestão dos negócios públicos (art. 186º, nº 5, da CRP) e (ii) a imparcialidade política das entidades públicas - incluindo, portanto, o Governo - na pendência de atos eleitorais (art. 113º da CRP).

Ora, não se vê porque é que aquele megaprojeto tinha de ser anunciado agora aos beneficiários e não podia esperar pelo novo Governo saído das eleições - até porque não pode avançar na sua concretização -, salvo obviamente para favorecer as candidaturas da AD nas eleições parlamentares de maio e nas eleições autárquicas do outono. Claro abuso de poder, portanto.

Que o Governo de Montenegro não tenha escrúpulos em sede de moral política, já nos vamos habituando, mas o PR não pode ser conivente com ele, quando está em causa também uma dupla violação das obrigações institucionais daquele -, o que, de resto, não é a primeira vez que denuncio. Por isso, MRS deve interromper o silêncio que se impôs como "comentador político", por causa das eleições, justamente porque há uma situação que reclama a sua intervenção a outro título bem mais importante, como garante do regular funcionamento das instituições. 

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Published on March 30, 2025 10:15

March 29, 2025

Sistema eleitoral (11): Reforma inviável

1. Embora concordando com algumas das "propostas modestas" de reforma do sistema político, apresentadas por António Barreto no seu artigo de hoje no Público, discordo inteiramente da principal, que consiste em abandonar o atual sistema eleitoral parlamentar, pelo qual os deputados são eleitos em círculos plurinominais, proporcionalmente aos votos das respetivas listas, substituindo-o por um sistema eleitoral, inspirado no caso francês, em que eles passariam a ser eleitos individualmente em círculos uninominais (tantos quantos os deputados a eleger), por maioria absoluta, se necessário com uma segunda volta.

A primeira objeção é a de que se trata de uma proposta qualificadamente inconstitucional, pois a CRP não só estatui obrigatoriamente a eleição por sistema proporcional, como inclui esse princípio entre as "cláusulas pétreas", insuscetíveis de revisão constitucional (CRP, art. 288º). Ora, um dos requisitios elementares para a admissibilidade de qualquer reforma política numa democracia constitucional é o de ela ter cabimento na Lei Fundamental. Mas, neste caso, esta proposta afronta flagrantemente a Constituição.

2. Também a considero politicamente inviável, por várias razões.

       - primeiramente, pela dificuldade técnica da sua implementação, pois obrigaria a estabelecer um mapa eleitoral de 230 círculos eleitorais de dimensão eleitoral aproximada, agregando os pequenos municípios e dividindo os maiores em circunscrições sem nenhuma consistência territorial, e obrigando à sua revisão periódica, por efeito das mudanças demográficas;          - em segundo lugar, e principalmente, pela enorme injustiça eleitoral a que o sistema francês, tal como todos os sistemas maioritários, dá origem, priviligiando o principal partido, à custa dos demais, sobretudo os de média e pequena dimensão, que obtêm uma reduzida expressão parlamentar, muito abaixo da sua expressão eleitoral, ou não obtêm nenhuma, o que induz à abstenção dos seus eleitores;             - por último, pela excessiva pessoalização da representação parlamentar, conferindo vantagem aos "caciques" políticos locais, o que facilita a criação de deputados tendencialmente vitalícios, sucessivamente eleitos na sua circunscrição. 
Com tal sistema eleitoral, a configuração da AR na imagem acima (eleições de 2024), mesmo com a mesma repartição de votos numa 1ª volta, seria substancialmente diversa, provavelmente com maioria absoluta do PSD e muito menos partidos representados.
3. Como venho defendendo há muitos anos, entendo que o sistema eleitoral vigente carece de obras, para o que têm sido apresentadas numerosas propostas de reforma, umas simples e outras complexas, desde a reformulação dos círculos eleirorais e a criação de um círculo nacional paralelo, passando pela adoção do voto preferencial, dando aos eleitores a possibilidade de exprimirem a sua preferência por um ou mais candidatos dentro da lista partidária em que votam, até à importação do sistema alemão, em que cerca de metade dos deputados são eleitos em círculos uninominais, mas depois contabilizados na quota proporcional do respetivo partido.
Além de constitucionalmente viáveis, todas elas podem, à sua maneira, melhorar o desempenho do sistema eleitoral. Ao contrário, por mais milagrosas que possam parecer, as propostas à partida constitucionalmente inviáveis, como a referida acima, de nada valem.



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Published on March 29, 2025 14:47

Vital Moreira's Blog

Vital Moreira
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