Vital Moreira's Blog, page 10
March 17, 2025
Eleições parlamentares 2025 (2): O desafio para o PS
1. Creio que estas eleições, inopinadamente precipitadas pelo Governo com a sua moção de confiança, são uma incógnita para ambos os partidos de governo, mas julgo que o desafio é maior para o PS.
A seu favor o PS tem o golpe na credibilidade do líder do PSD, por causa do caso Spinumviva e da fuga para eleições, bem como as dificuldades governamentais em várias áreas, como a saúde e a cultura. Contra ele, porém, tem a boa situação económica e social, que favorece o Governo, e a distribuição de benesses prodigalizadas, ao longo destes meses, a várias constituencies eleitorais importantes, mercê do excedente orçamental que recebeu dos governos do PS. Ora, não há memória de a oposição ganhar eleições quando a economia e as finanças correm bem ao Governo...
Acresce que, apesar do louvável exercício de moderação e responsabilidade de que deu provas ao viabilizar o Governo da AD e, depois, ao recusar-se a derrubá-lo, mediante a abstenção na votação de moções de censura, a liderança de PNS continua sem se conseguir afirmar para fora do Partido (o que os projetados Estados gerais poderiam ter permitido) e sem que o seu estilo de comunicação política consiga gerar a necessária adesão e empatia no eleitor comum. Ora, nas eleições parlamentares, a disputa também envolve os líderes dos partidos candidatos ao Governo, como potenciais primeiros-ministros, o que estabelece especiais exigências ao challenger...
Em suma, nada indica que vá ser fácil a aposta do PS nestas eleições, que poderia ter travado.
2. Outra vantagem do PSD consiste em ir a eleições de novo em coligação com o CDS, pois, embora este valha pouco por si, a soma dos seus votos pode valer vários deputados a mais à coligação do que daria aos partidos separados. Provavelmente, sem a coligação nas eleições do ano passado, nem o CDS teria elegido deputados, nem o PSD teria podido igualar o PS.
Por isso, pergunto se não valeria a pena o PS equacionar a hipótese de uma coligação eleitoral com o Livre e o PAN. Além de estabelecer um level playing field competitivo, essa solução poderia contribuir para superar a ideia de isolamento político do PS à esquerda, depois da dissolução da "Geringonça" com o PCP e o BE, sem perder o voto centrista, dada a ideia de moderação política que aqueles partidos projetam.
3. No entanto, mesmo na hipótese de o PS vencer as eleições - mas seguramente longe da maioria absoluta -, ele não poderia beneficiar da existência de uma maioria à esquerda, que está claramente fora de questão, dado o declínio do BE e do PCP, ficando confrontado no parlamento com uma clara maioria de direita, tornando praticamente inviável uma solução de governo.
Com efeito, ainda que o PS se propusesse formar um Governo minoritário, e o PSD o viabilizasse - reciprocando o que o PS fez no ano passado, o que não é seguro -, ele teria escassas chances de vingar, face à incapacidade de fazer aprovar as suas propostas contra os partidos de direita no parlamento e, pior do que isso, o risco de ver aprovadas propostas adversas por essa mesma maioria.
Ou seja, nessas condições, seria um Governo parlamentarmente ainda mais frágil do que o Governo cessante da AD.
March 16, 2025
Nos 50 anos da CRP (1): "A Constituição que resistiu ao tempo"
1. Concordo com a antiga deputada da Assembleia Constituinte de 1975-76, Helena Roseta, quando defende que entre os fatores que tornaram possível que a CRP de 1976 tenha vencido o teste do tempo e esteja nas vésperas de comemorar os 50 anos - quando todas as anteriores constituições portuguesas com origem democrática (1822, 1838, 1911) o tinham perdido - esteve o empenhamento convicto dos deputados constituintes, entre os quais ambos nos contámos, na sua elaboração.
Mas o nosso esforço teria sido provavelmente em vão, se não tivéssemos beneficiado do tempo e das circunstâncias da revolução do 25 de Abril que lhe deu origem, nomeadamente a vastíssima adesão popular ao fim da ditadura e da guerra colonial, a firmeza do Movimento das Forças Armadas (MFA) na sua defesa contra recuos ou desvios, a fruição espontânea das liberdades civis e políticas (liberdade de expressão, de reunião e manifestação, de criação de sindicatos e de partidos políticos) antes de qualquer lei a consagrá-los, a elevação dos principais líderes partidários (Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral) e outros responsáveis políticos (como Costa Gomes e Melo Antunes) no vivíssimo confronto político que se seguiu, a pronta convocação das eleições para a Assembleia Constituinte por sufrágio universal (sem precedente entre nós) e a extraordinária participação dos cidadãos nelas, conferindo aos deputados constituintes uma legitimidade e um mandato democrático sem paralelo na nossa história constitucional.
Há conjunturas felizes assim na história dos povos e das nações!
2. Também tem razão Helena Roseta quando lembra que os vigorosos debates políticos na Constituinte eram, por vezes, verbalmente violentos, mas sem pôr em causa o respeito pessoal entre os intervenientes, citando o caso dos meus confrontos com o então seu marido, o deputado Pedro Roseta.
Confirmo! Tendo eu sido um dos deputados mais ativos na Constituinte, como porta-voz do PCP, e tendo travado dos mais aguerridos debates políticos, por vezes excessivos, com a bancada do então PPD, não só não me incompatibilizei com ningém, como, pelo contrário, ganhei respeito, e mesmo amizade, com muitos deles, sentimentos que perduraram depois, quer no convívio parlamentar na AR, quer pela vida fora, como foi o caso da própria Helena Roseta, com quem haveria de conviver vinte anos depois na bancada parlamentar do PS, ambos como deputados independentes.
Como já tive oportunidade de afirmar, julgo que para esse "clima" pessoalmente respeitoso pesou não somente a memória das lides da oposição democrática contra a ditadura, que era comum a muitos deputados de várias bancadas, mas também as redes de conhecimento académico, quer entre antigos condiscípulos, quer entre docentes universitários (sobretudo nas faculdades de direito de Coimbra e de Lisboa). Mas estou de acordo, mais uma vez, com Helena Roseta, quando ela destaca a convicção compartilhada por todos, de que estávamos a criar história, «com a consciência de que está[vamos] a construir o futuro», e que não podíamos repetir o falhanço das anteriores gerações de constituintes, cuja obra não perdurou, pois a sua vigência variou entre menos de um ano (a Constituição de 1822), cerca de quatro nos (a de 1838) e menos de 15 anos (a de 1911).
E o futuro deu-nos razão!
http://rpc.twingly.com/March 15, 2025
Contra a corrente (12): Mais despesa militar, para quê?
Como se vê nesta figura (colhida AQUI), mesmo sem os EUA, o Canadá e a Turquia, a Nato europeia tem mais tropas do que a Rússia, apesar de esta estar mobilizada para a guerra na Ucrânia há três anos; e, como mostrei anteriomente (AQUI), também tem uma despesa militar superior.
Porquê então um aumento exponencial da despesa militar da UE e dos seus Estados-membros, como se está a decidir, com aplauso meswmo dos partidos de esquerda, à custa de mais dívida pública, de menos investimento público em áreas críticas para o crescimento económico e do sacrifício do Estado social?!
Com o fim da guerra na Ucrânia na agenda política e a perspetiva de um acordo de segurança recíproca com a Rússia, esta "política de guerra" da União é ainda menos justificável.
http://rpc.twingly.com/March 14, 2025
Eleições parlamentares 2025 (1): Como travar o abuso das eleições?
1. Causada pela demissão do Governo, decorrente da derrota da provocatória moção de confiança (apresentada apesar da derrota de duas moções de censura), a convocação de eleições antecipadas impunha-se neste caso, desde logo porque não havia condições para uma alternativa de governo no atual quadro parlamentar, hipótese que o próprio PSD afastou liminarmente, apostanto tudo nas eleições e procurando trasformá-las num plebiscito ao Primeiro-Ministro cessante, cuja credibilidade política tem vindo a ser contestada, por causa da sua empresa "familiar" e das avenças associadas.
No entanto, se não havia alternativa a esta terceira dissolução parlamentar às mãos do atual PR, tal não era o caso nas duas anteriores, pois a de 2021 (rejeição parlamentar do orçamento), embora defensável, foi contestada, e a de 2023 (demissão de A. Costa) foi puramente abusiva (como mostrei AQUI).
Com a terceira dissolução parlamentar em três anos (2022-25), MRS iguala o record que até agora pertencia ao primeiro PR, Ramalho Eanes, na fase de consolidação do regime democrático, mas igualando-o num espaço mais curto de tempo .
2. Em menos de 50 anos, desde 1976, vamos eleger o 18º parlamento, e dos 17 precedentes, somente 6 (ou seja, pouco mais de 1/3) completaram a legislatura de 4 anos, que corresponderam quase sempre a parlamentos em que havia maioria parlamentar de um partido (1987-91, 1991-95, 2005-09) ou de uma de coligação ou quasecoligação governamental (2011-15 e 2015-2019), sendo a única exceção o caso de 1995-99, em que o PS tinha maioria relativa, embora numerosa.
Salvo o caso especial de 1979-80, em que a convocação de eleições era imposta pela Constituição, a AR agora dissolvida foi a mais curta de todas, e as próximas eleições vão ser as quartas em 6 anos (2019, 2022, 2023, 2025), sendo, portanto, o período de maior rotatividade parlamentar até agora, que evoca a má memória da I República.
Acresce que esta instabilidade parlamentar, que é acompanhada de idêntica instabilidade governativa, tende a ser agravada pela fragmentação da representação parlamentar e pelo enfraquecimento da posição relativa dos dois tradicionais partidos de governo, o PS e o PSD.
Além dos elevados custos financeiros e económicos associados a cada eleição, esta inaceitável rotatividade parlamentar é suscetível de gerar o cansaço dos cidadãos e os descrédito da democracia parlamentar. Não podemos continuar assim!
3. Torna-se necessário pensar nas soluções que possam atalhar este perigosa deriva para a instabilidade política (governativa e parlamentar) permanente.
Ocorrem-me três vias, aliás complementares:
- tornar constitucionalmente mais exigentes as condições para a dissolução parlamentar, delimitando a discrionariedade do PR nesta matéria e impedindo dissoluções por capricho presidencial;
- alterar o mapa dos círculos eleitorais, dividindo os maiores, de modo a reduzir o índice de propocionalidade do sistema eleitoral e a proporcinar vitórias mais robustas e melhores condições de governablidade aos partidos vencedores das eleições;
- estando excluída entre nós, pelo menos por agora, a hipótese de governos de grande coligação ao centro (à alemã), não é impossível, porém, equacionar um pacto estável entre os dois tradicionais partidos de governo , no sentido de, em caso de vitória eleitoral sem maioria absoluta, cada um deles deixar governar o outro - salvo coligação governamental maioritária alternativa -, viabilizando a constituição do Governo e prescindindo de votar moções de censura, a troco da negociação dos orçamentos (fórmula ensaiada nesta legislatura, agora prematuramente rompida pelo PSD).
No clima de elevada crispação atualmente prevalecente entre o PSD e o PS, não parece haver nenhumas condições para esse triplo acordo político entre ambos. Mas nunca é inoportuno aventar os possíveis remédios para a doença que pode ameaçar a estabilidade do próprio regime democrático, meio século depois do seu nascimento.[revisto o § 3]http://rpc.twingly.com/March 13, 2025
O caso Montenegro (11): Sob alçada do Ministério Público
1. Ao anunciar uma "investigação preventiva" à alegada empresa familiar de Luís Montenegro, para verificar se há matéria suficientemente credível para abrir um inquérito penal, o Ministério Público (MP) não seguiu a sua prática anterior, quando se tratava de denúncias contra políticos, de abrir imediatamente inquérito após qualquer denúncia e de o tornar público, via jornais ou uma televisões "amigos", abrindo automaticamente o processo de julgamento e condenação pública, sem contraditório nem defesa, punição que o deliberado atraso na conclusão do inquérito tornava irreversível, mesmo que o caso viesse a "dar em nada", passados anos.
Saudando esta evolução positiva, há muito reclamada (por último, pelo Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça, de que sou coautor), é de esperar, porém, que não se trate de um privilégio especial singular para o político agora em causa, e que não seja uma desculpa para não avançar com o inquérito, se devido.
2. Apesar de o MP não ter revelado (e bem) o objeto das denúncias contra Montenegro, o inevitável Correio da Manhã vem hoje informar, em manchete, que se tratará de infrações fiscais, o que não surpreende, dado que o principal objetivo dessas fictícias empresas familiares de profissionais liberais é substituir o IRS pelo IRC (com taxas muito menores), imputar-lhes despesas pessoais e domésticas sem nenhuma relação com a atividade profissional e beneficiar ainda da devolução de IVA pela sua aquisição. Só vantagens fiscais, portanto.
Contudo, como tenho argumentado (por exemplo, AQUI), pode haver neste caso uma atividade delituosa bem mais grave, que é a de recebimento indevido de vantagem, se se provar que as generosas avenças conhecidas não correspondem à prestação de serviços efetivos que justifiquem o seu elevado montante (desde logo, por falta de meios da tal empresa) e que, portanto, não passam de pagamentos de favor de empresários ao advogado que, depois de ser líder político local, ascendeu a líder nacional de um partido de governo e acabou em chefe de Governo. Previsto e punido com pena de prisão pela Lei dos crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos, esse crime tem também como pena acessória a demissão do cargo.
Ao pé das possíveis infrações fiscais, trata-se agora de "caça grossa" em matéria penal, sendo, aliás, um dos crimes que pode fundamentar legalmente o recurso à tal "averiguação preventiva" anunciada pelo MP.
3. Embora tivesse por objeto a verificação de eventual violação, pelo PM, da regra da exclusividade do cargo governativo e da obrigação de declaração de património e de conflitos de interesse - o que, sendo ilícito, não é crime -, o inquérito parlamentar requerido pelo PS carrearia seguramente elementos seguros para inculpar, ou ilibar, Montenegro quanto às referidas infrações penais. Mas, tendo o Governo sido demitido, por sua iniciativa e com a colaboração do PS, fica definitivamente prejudicada essa via de apuramento dos factos eventualmente relevantes para efeitos penais, acima referidos, pelo que só resta a via da investigação penal.
Ora, caso os vários indícios existentes e outros eventualmente colhidos pelo MP habilitem a abertura de inquérito, não se vê como é que as referidas infrações, a existirem, poderiam escapar a um simples exame às contas da suposta empresa e ao destino dos pagamentos das avenças, para efeitos de acusação sem grande demora, com as inevitáveis consequências políticas, ou para a encerrar o caso, ilibando o PM cessante das suspeições que sobre ele pesam e que, de outro outro, permanecerão, por falta de apuramento concludente.
Por isso, mesmo que acabasse por ilibar Montenegro, o inquérito do MP seria justificado.
http://rpc.twingly.com/March 11, 2025
O caso Montenegro (10): O PR não devia coonestar o golpe do Governo
Penso que o Presidente da República não devia dar seguimento ao golpe do Primeiro-Ministro e do seu Governo para fugirem ao escrutínio parlamentar acerca da ligação daquele à sua empresa e às respetivas avenças. Pelo contrário, o PR deveria fazer valer essa obrigação essencial de qualquer Governo numa democracia parlamentar (como mostrei em post anterior) e fazer respeitar as prerrogativas da AR e os direitos da oposição, que integram a sua missão presidencial de "poder moderador".
Por isso, penso que em vez de dissolver imediatamente a AR e convocar eleições, cancelando a CPI - que era o grande objetivo de Montenegro -, o Presidente deve suspender essa decisão e manter o Governo em gestão até a CPI concluir o seu trabalho, dentro de 90 dias, como proposto pelo PS.
Só então as eleições devem ser convocadas, com o conhecimento público das conclusões do inquérito, confirmando, ou não, as acusações que têm sido formuladas contra Montenegro, e habilitando os cidadãos a um voto esclarecido, em vez de serem chamados, como pretende o PSD, a uma espécie de plebiscito sobre o PM, feito "vítima" da demissão, sem conhecimento dos factos que só o inquérito parlamentar pode proporcionar.
AdendaUm leitor sugere maliciosamente que o PR poderia seguir esse caminho, se se tratasse de um PM e um Governo do PS, mas que não vai fazê-lo agora, «para não enterrar o líder do seu partido de origem». Seria bom que o PR não desse motivo a tais sugestões, tratando-se, como se trata, de um "poder neutro", na formulação clássica de Benjamin Constant, que não deve mover-se por preferências ou animosidades partidárias...http://rpc.twingly.com/O caso Montenegro (9): Conspiração contra a legalidade e a ética republicana
1. Ao provocar as oposições na AR com uma moção de confiança para se fazer demitir e avançar para eleições, Luís Montenegro consegue furtar-se ao inquérito parlamentar sobre a manutenção da sua pseudoempresa de prestação de serviços jurídicos enquanto Primeiro-Ministro, e à sua quase certa condenação. Mas não pode ficar politicamente impune.
Se existe algo de politicamente intolerável numa democracia parlamentar é a fuga deliberada de um PM ao escrutínio parlamentar, especialmente quando se trata de suspeitas fundadas de violação pessoal das mais elementares obrigações de não acumulação entre a atividade governamental e atividades privadas (e dos respetivas remunerações...) e do inerente conflito de interesses, entre o interesse público e os seus interesses privados, ou os interesses dos seus clientes empresariais.
Montenegro e o PSD não podem tentar fazer dos cidadãos, parvos.
2. Na sua penosa entrevista de ontem a uma televisão, Montenegro declarou que não cometeu nenhum crime, mas esta declaração não passa de uma tentativa canhestra para "sacudir a água do capote", escondendo o principal.
Com efeito, por um lado, a responsabilidade política é obviamente muito mais ampla do que a responsabilidade criminal, pois, além de outros ilícitos não criminais (por exemplo, a obrigação legal de exclusividade), há a violação de elementares obrigações de ética política quanto à separação entre política e negócios e quanto à prestação de contas públicas. E é de violação dessas obrigações legais e éticas que ele está a ser fundadamente acusado, e é do apuramento dessas acusações que ele "foge a sete pés", arrastando o PSD e sacrificando o País (como mostrei AQUI).
Por outro lado, como tenho argumentado desde o início deste novela de baixo quilate (AQUI), resta apurar se, ao manter a sua "empresa-avatar" (como a qualifiquei AQUI), não há mesmo um crime de recebimento ilícito de vantagem, se se provar que as tais avenças não passavam de pagamentos de favor, sem correspondência em serviços efetivos, e que Montenegro imputava à sua empresa despesas pessoais ou domésticas (como é usual neste tipo de sociedades fictícias). Receio mesmo que a principal razão para a fuga de Montenegro ao inquérito parlamentar possa derivar desse risco.
Por isso, a declaração de isenção de responsabilidade criminal apenas revela mais um vez que ele não está à altura do cargo e das suas responsabilidades numa democracia parlamentar.
3. Na sua comprometedora fuga para a frente, para se libertar do escrutínio parlamentar às suas responsabilidades pessoais, Montenegro não arrasta para a lama política somente o PSD, onde nem uma única voz se levantou publicamente para defender que ele não deveria fugir ao inquérito parlamentar ou para denunciar o golpe da apresentação da moção de confiança, como provocação que é especialmente ao PS (como mostrei AQUI), depois de este ter impedido a aprovação de duas moções de censura e a consequente demissão do Governo.
Além de ter mobilizado todo o Governo trás de si, incluindo na patética cena do "coro mudo" aquando da sua declaração ao País, Montenegro também arrasta o seu parceiro da AD, o CDS, que conseguiu o prodígio de ter desaparecido inteiramente desta estória, mostrando a sua total falta de autonomia e a sua irrelevância. Tratando-se de um partido definidor do regime democrático, observar este cadáver político, é uma lástima.
Como se não bastasse ver o PM, o Governo e os partidos da AD unidos nesta conspiração contra a legalidade e a ética republicana, não se pode esquecer que nem o Presidente da AR nem o PR tiveram o cuidado elementar de lembrar ao PM e ao Governo que são politicamente responsáveis perante a representação nacional e que a fuga a um inquérito parlamentar constitui uma grave falta política. Nenhum deles honrou o seu mandato político e institucional.
Estando em causa uma conspiração para esconder uma grave infração contra a legalidade democrática e a ética política, sem precedente na nossa história democrática, nada disto pode ficar politicamente impune - a palavra aos cidadãos.
http://rpc.twingly.com/March 9, 2025
O caso Montenegro (8): Um mau negócio para o PS
1. Tal como antes defendi que o PS não devia apresentar nem votar nenhuma moção de censura, para não derrubar o Governo, também agora defendo que não deve votar contra a moção de confiança apresentada por este, sendo preferível a abstenção, para evitar a fuga do Primeiro-Ministro ao escrutínio parlamentar sobre a sua comprometedora ligação à Spinumviva, o que é inaceitável.
Por um lado, é por demais evidente que este desafio do PM à oposição para a sua demissão parlamentar constitui uma verdadeira provocação política (como defendi AQUI), que visa culpabilizar a oposição pela queda do Governo e, sobretudo, obter uma espécie de "amnistia" por via eleitoral para o que se afigura ser uma intolerável acumulação das funções de governante e de verdadeiro responsável e beneficiário de uma pseudoempresa familiar, criada para continuar a prestar os seus anteriores serviços de advogado aos mesmos clientes, em violação da regra da exclusividade e em conflito de interesses entre as duas atividades (como mostrei AQUI).
Sem deixar de negar ao Governo a confiança que ele pede, para o que basta a abstenção, a prioridade do PS deveria ser impedir, em defesa da democracia parlamentar, esta fuga sem precedentes de um PM a essa forma qualificada de escrutínio político, por uma questão tão grave como essa.
2. Nem se diga que a realização de eleições e a nomeação de novo Governo não impede a retoma posterior do inquérito parlamentar, pois, para além de ser uma hipótese constitucionalmente muito problemática, não vejo que faça algum sentido uma investigação parlamentar sobre um anterior mandato de Primeiro-Ministro, quer ele se mantenha, quer não, como chefe do novo executivo depois das eleições.
Se, apesar de tudo, o PSD, fazendo-se de vítima e invocando as boas condições económicas e sociais, ganhasse as eleições e formasse novo Governo, a retoma do inquérito parlamentar apareceria como uma manifestação de mau-perder do PS; caso fosse derrotado, e Montenegro deixasse de ser PM, o inquérito parlamentar surgiria como "chover no molhado".
Ou seja, mesmo que fosse constitucionalmente admissível, o inquérito parlamentar no novo parlamento seria politicamente pouco convincente.
3. Acresce que, tanto quanto é possível antecipar neste momento, é pouco provável que as eleições tenham um resultado clarificador da situação política e proporcionem uma solução governativa evidente. Na melhor das hipóteses, o PSD poderá pensar numa sensível subida eleitoral, mas aquém de uma maioria absoluta, mesmo numa coligação alargada à IL; e quanto ao PS, mesmo que venha a vencer as eleições, igualmente sem maioria, o mais provável é que não tenha condições para formar um Governo politicamente sustentável, dada a óbvia improbabilidade de uma maioria à esquerda.
Avançar para eleições de resultado tão imprevisível, incorrendo nos respetivos custos financeiros e económicos e suspendendo a governação do País durante meses, pode fazer sentido para o PSD, porque consegue o seu objetivo essencial, que é a fuga ao escrutínio parlamentar de Montenegro, mas pode ser um mau negócio para o PS, que desiste do inquérito parlamentar e pode não obter nada em troca, podendo mesmo pôr em causa a sua liderança, em caso de derrota.
AdendaUm militante socialista que concorda com este post manifesta a sua estranheza por o líder do PS «cair nesta emboscada do Governo, em nome de uma posição anunciada há meses, em abstrato, sem considerar a mudança substancial de circunstâncias, como é o interesse desesperado do primeiro-ministro em fugir do inquérito parlamentar que certamente o enterraria». Ao invocar a noção de "alteração das circunstâncias", o leitor deve ter formação jurídica, pois trata-se de uma situação que permite a modificação unilateral das obrigações contratuais, incluindo a rescisão; mas não é preciso ter conhecimentos jurídicos para recorrer a essa figura na vida política.Adenda 2É estranho que ninguém censure o Presidente da AR - que, aliás, deve a sua eleição a um acordo com o PS - por vir apelar publicamente às oposições para viabilizarem a moção de confiança ao Governo, para evitar a crise política, em vez de apelar ao seu próprio partido para a retirar, pois foi ela que a desencadeou. Um amigo meu pergunta se o anterior Presidente da AR, Ferro Rodrigues, teria passado incólume a crítica de "falta de imparcialidade política", se, em 2021, tivesse pedido às oposições, à esquerda e a direita do PS, para viabilizarem o orçamento do 2º Governo de A. Costa, para evitar a dissolução parlamentar que o PR já tinha anunciado na eventualidade do chumbo, como veio a suceder. Tem razão: a dualidade do comentariado nos media é, por vezes, gritante.http://rpc.twingly.com/
O caso Montenegro (8): Um mau negócio
1. Tal como antes defendi que o PS não devia apresentar nem votar nenhuma moção de censura, para não derrubar o Governo, também agora defendo que não deve votar contra a moção de confiança apresentada por este, sendo preferível a abstenção, para evitar a fuga do Primeiro-Ministro ao escrutínio parlamentar sobre a sua comprometedora ligação à Spinumviva, o que é inaceitável.
Por um lado, é por demais evidente que este desafio do PM à oposição para a sua demissão parlamentar constitui uma verdadeira provocação política (como dedendi AQUI), que visa culpabilizar a oposição pela queda do Governo e, sobretudo, obter uma espécie de "amnistia" por via eleitoral para o que se afigura ser uma intolerável acumulação das funções de governante e de verdadeiro responsável e beneficiário de uma pseudoempresa familiar, criada para continuar a prestar os seus anteriores serviços de advogado aos mesmos clientes, em violação da regra da exclusividade e em conflito de interesses entre as duas atividades (como mostrei AQUI).
Sem deixar de negar ao Governo a confiança que ele pede, para o que basta a abstenção, a prioridade do PS deveria ser impedir, em defesa da democracia parlamentar, esta fuga sem precedentes de um PM a essa forma qualificada de escrutínio político, por uma questão tão grave como essa.
2. Nem se diga que a realização de eleições e a nomeação de novo Governo não impede a retoma posterior do inquérito parlamentar, pois, para além de ser uma hipótese constitucionalmente muito problemática, não vejo que faça algum sentido uma investigação parlamentar sobre um anterior mandato de Primeiro-Ministro, quer ele se mantenha, quer não, como chefe do novo executivo depois das eleições.
Se, apesar de tudo, o PSD, fazendo-se de vítima e invocando as boas condições económicas e sociais, ganhasse as eleições e formasse novo Governo, a retoma do inquérito parlamentar apareceria como uma manifestação de mau-perder do PS; caso fosse derrotado, e Montenegro deixasse de ser PM, o inquérito parlamentar surgiria como "chover no molhado".
Ou seja, mesmo que fosse constitucionalmente admissível, o inquérito parlamentar no novo parlamento seria politicamente pouco convincente.
3. Acresce que, tanto quanto é possível antecipar neste momento, é pouco provável que as eleições tenham um resultado clarificador da situação política e proporcionem uma solução governativa evidente. Na melhor das hipóteses, o PSD poderá pensar numa sensível subida eleitoral, mas aquém de uma maioria absoluta, mesmo numa coligação alargada à IL; e quanto ao PS, mesmo que venha a vencer as eleições, igualmente sem maioria, o mais provável é que não tenha condições para formar um Governo politicamente sustentável, dada a óbvia improbabilidade de uma maioria à esquerda.
Avançar para eleições de resultado tão imprevisível, incorrendo nos respetivos custos financeiros e económicos e suspendendo a governação do País durante meses, pode fazer sentido para o PSD, porque consegue o seu objetivo essencial, que é a fuga ao escrutínio parlamentar de Montenegro, mas pode ser um mau negócio para o PS, que desiste do inquérito parlamentar e pode não obter nada em troca, podendo mesmo pôr em causa a sua liderança, em caso de derrota.
http://rpc.twingly.com/March 8, 2025
O caso Montenegro (7): A empresa "avatar"
[Fonte: aqui]1. O Expresso de ontem volta a fazer derivar indevidamente a provável violação da exclusividade governativa pelo Primeiro-ministro, do facto de ele ter continuado a ser o dono da Spinumviva, em parceria com mulher e filhos. Ora, se isso bastasse, então não haveria mais nada a apurar, visto que é incontestável que a empresa foi criada por ele e que a tentativa de a transmitir à mulher é nula, sem nenhum efeito, pelo que continuou a pertencer-lhe. Mas, como tenho procurado explicar desde o início, a propriedade de uma empresa por um governante não basta, só por si, para violar a regra da exclusividade.
Entendamo-nos, portanto: 1º - como qualquer cidadão com meios para o fazer, o PM pode ter licitamente as empresas que quiser, desde um restaurante a uma clínica, a título pessoal ou através de uma sociedade, e beneficiar dos respetivos proventos, desde que não lhe caiba a respetiva gestão; 2º - no caso da Spinumviva, porém, todos os indícios (incluindo os serviços prestados, os seus clientes, a sede no seu domicílio pessoal e o contacto dela por via do seu telefone pessoal) apontam para que tal empresa não passou de uma solução de fachada, uma ferramenta, para permitir que ele próprio continuasse a prestar os SEUS serviços profissionais aos SEUS clientes por interposta sociedade, ou seja, entre outras vantagens, para fingir uma separação pessoal em relação à sua atividade.
Em suma, não tendo nenhuma autonomia em relação ao seu fundador, a Spinumviva não era mais do que uma metamorfose na apresentação externa daquele, um "avatar" do advogado Luís Montenegro, para continuar a sua atividade profissional e beneficiar do seus proventos.
2. Há duas noções que todo o estudante de direito aprende logo no 1º ano do curso, como exemplos de "patologia jurídica": o "abuso de direito" e a "fraude à lei". O que eu defendo, face aos indícios conhecidos, é que, muito presumivelmente, a Spinumviva constitui um caso de abuso da personalidade jurídica coletiva, instrumentalizada para defraudar a regra da exclusividade do PM (além das não negligenciáveis vantagens fiscais e da possibilidade de imputação de despesas pessoais à pseudossociedade).
Recorrendo à conhecida relação "principal-agente", que é corrente na economia e na ciência política, no caso da Spinumviva (como se argumenta AQUI), o seu criador manteve-se como o "principal" da organização, sendo os seus colaboradores na prestação do serviço puros "agentes" seus (mas sem os custos da "assimetria de informação", normalmente associada a este tipo de relações, dados os conhecimentos do "principal" neste caso), enquanto os familiares não passaram de simples figurantes na encenação, sem nenhum papel na empresa.
Em suma, como venho escrevendo, tudo indica que a Spinumviva é uma ficção de sociedade comercial, sendo verdadeiramente uma longa manus ou um alter ego de Montenegro.
3. Se os indícios são fortes, a sua comprovação, porém, só pode ser conseguida através da análise aos contratos, às comunicações, à agenda e à contabilidade da suposta empresa, para verificar o seu negócio, as suas receitas (e seu destino) e suas despesas (incluindo na aquisição de bens e serviços).
Parece óbvio que a moção de confiança precipitadamente apresentada por Montenegro - que, a ser rejeitada, levaria à dissolução parlamentar - só pode ter por motivo principal fazer caducar o inquérito parlamentar requerido pelo PS para apurar essas questões, para se furtar ao seu escrutínio.
Resta, por isso, saber se, perante a má-fé do Governo, não seria melhor para o PS, em vez de manter forçadamente a antiga posição de voto contra, optar pela abstenção, impedindo a dissolução parlamentar e permitindo manter o inquérito parlamentar, desfeiteando a manobra política do Governo.
AdendaEsta extraordinária declaração de Luís Montenegro, de que «não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português» é uma confissão implícita. Na verdade, como escrevi no início deste "caso", aquilo que muitos profissionais liberais fazem - que é criar empresas pessoais/familiares para prestarem os seus serviços em nome delas, serem pagos através delas e beneficiarem de redução de impostos e da imputação de despesas pessoais - podia ser feito pelo advogado Luís Montenegro, mas não podia ser continuado pelo PM, sob pena de violação da exclusividade a que está obrigado e de conflito de interesses, entre o interesse público que lhe cabe prosseguir e os interesses económicos dos clientes que lhe pagam as generosas avenças. Ao contrário do que defende Montenegro, o PM não pode fazer o que "qualquer português" pode fazer, quanto mais não seja por uma questão de ética política, que neste caso foi manifestamente posta na gaveta.http://rpc.twingly.com/Vital Moreira's Blog
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