Vital Moreira's Blog, page 17
January 16, 2025
Laicidade (15): 50 anos depois, o "Estado Novo" sobrevive...
1. Há dias o jornal Público tinha toda a razão em colocar em manchete o facto de, pela primeira vez desde o 25 de Abril, o Cardeal-Patriarca de Lisboa não ter sido convidado para a sessão inaugural do ano judicial, como era uso, em flagrante violação do princípio da separação entre o Estado e as religiões. Porém, hoje haveria razões inversas para o jornal colocar em destaque a fotografia acima, que pirateei do Facebook, em que membros da CM de Faro e do Governo inauguram a nova ponte da chamada Ilha de Faro, recuperando a benção religiosa, à maneira antiga.
Ora, a mistura da Igreja Católica em atos públicos - com o evidente agradecimento desta pelo privilégio - não é somente uma provocação aos cidadãos presentes que não são crentes ou que são crentes de outras religiões, mas também aos muitos católicos que recusam a instrumentalização política da sua religião. Lamentável!
2. Julgava que cenas destas eram coisas do passado, mas não. Quase meio século depois da aprovação da Constituição de 1976, que estatuiu enfaticamente a separação entre o Estado e das igrejas, que implica obviamente a neutralidade religiosa dos poderes públicos, há ainda quem faça por ignorar.
A benção religiosa de obras públicas nas cerimónias de inuaguração oficial é obviamente um resquício atávico das práticas do Estado Novo, como expressão na "mancebia" política assumida e entre a ditadura e a Igreja Católica. Que ainda sejam possíveis cenas destas é prova de alguns valores essenciais do regime democrático-constitucional ainda não chegaram a todo o lado.
http://rpc.twingly.com/January 15, 2025
História constitucional (10): Sobre a Constituição de 1822
São bem-vindos todos os interessados numa nova visão sobre a nossa 1ª Constituição.http://rpc.twingly.com/
January 12, 2025
História política portuguesa (2): A história dos "Livros das leis" em Portugal
Na longa série de artigos publicados desde há vários anos na revista História JN (Porto) sobre temas de história política e constitucional, em coautoria com o meu colega da Universidade Lusíada, José Domingues, temos vindo a pôr à disposição de um público mais vasto do que a academia aspetos relevantes da nossa investigação em áreas que nos são comuns.
Ora, acaba de sair mais um texto na mais recente edição da revista, agora publicada, desta vez dedicado a inventariar os nossos "livros da leis", ou seja, as coletâneas legislativas oficiais, desde as "Ordenações" medievais até aos modernos códigos, surgidos no século XIX, na vigência do constitucionalismo liberal, nas principais áreas da ordem jurídica: Código Civil (e Código de Processo Civil), Código Penal (e Código de Processo Penal), Código Comercial, Código Administrativo.
Refletindo as estruturas económicas e sociais de cada época e as tendências políticas e culturais dominantes, a evolução da codificação legislativa entre nós é um testemunho de uma importância crucial não somente para a história jurídica, mas também para a história política do País, nas suas continuidades e ruturas, antes e depois da grande viragem político-constitucional de 1820-22.
http://rpc.twingly.com/Eleições presidenciais 2026 (5): O candidato do PSD
1. Ao contrário do que se passa no PS - que vai aguardar que os candidatos da sua área se apresentem e mostrem as suas ideias, antes de decidir qual deles apoiar -, no PSD é o líder do Partido que anuncia publicamente o seu candidato, antes de qualquer candidatura pública deste.
Ora, há uma profunda diferença entre ser candidato presidencial por iniciativa pessoal, e obter depois o eventual apoio de um ou mais partidos, outra coisa é ser candidato oficial de um partido: por um lado, a primeira fórmula é claramente mais consonante com a conceção constitucional das candidaturas presidenciais e da magistratura presidencial à margem dos partidos e, por outro lado, a candidatura oficial por um partido dificulta a colheita de assinaturas noutras áreas políticas e o apoio posterior de outros partidos (desde logo, no caso, o eventual apoio do CDS, aliado na coligação governamental com o PSD).
Nas eleições presidenciais, em que a eleição carece de maioria absoluta - que nenhum partido sozinho pode assegurar, longe disso -, a marca partidária da candidatura pode ser um handicap, não uma mais-valia.
2. Estando pré-anunciada a sua candidatura, mesmo perante o seu silêncio tático, Marques Mendes tem o dever de começar a comportar-se como tal na sua atividade de comentador televisivo nacional.
Embora não tenha obviamente de suspender a sua atividade até ao início da campanha eleitoral, é curial que se abstenha doravante de comentar as candidaturas ou protocandidaturas alheias (como tem feito até aqui), por manifesto conflito de interesses.
É uma questão de ética republicana e de lisura democrática.
AdendaAbsolutamente descabido este comentário de Ana Sá Lopes sobre o suposto "absurdo" da proposta de uma votação no PS para decidir o candidato presidencial a apoiar pelo partido. Pelo contrário, como expliquei aqui, essa solução faz todo o sentido. Havendo vários protocandidatos disponíveis para avançar com as sua candidaturas, como é seu direito, o PS só tem dois meios de decidir se quer exercer o direito de apoiar um deles: ou ser a direção a decidir (o que pode ser divisivo) ou entregar essa decisão aos militantes (o que é mais democrático). Tambem não tem fundamento a alegada demora de um tal procedimento, pois um vez que se saiba quem entra na liça e as suas ideias, uma votação eletrónica organiza-se em duas semanas. Quando o PSD, como se mostra acima, escolhe diretamente o seu candidato sem margem para qualquer competição interna, seria absurdo (aqui, sim) que o PS abdicasse mais uma vez de intervir nas eleições presidenciais só porque há mais do que um candidato nas suas fileiras. http://rpc.twingly.com/January 10, 2025
Não concordo (51): Uma insólita decisão
1. Penso que não tem precedente uma decisão judicial, como esta, em que provavelmente o STA (embora a notícia não o esclareça) ordena à AR a correção do nome de uma comissão de inquérito parlamentar, por alegada violação de direitos fundamentais de caráter pessoal. Não sendo publicamente conhecida a decisão, que ainda não está publicada no site de jurisprudência do referido tribunal, não é possível saber o seu fundamento jurídico nem o seu racional argumentativo, embora seja de admitir que ela tenha sido proferida ao abrigo da «intimação para proteção dos direitos, liberdades e garantias», prevista nos arts. 109º a 111º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), com base no art. 20º, nº 5, da CRP.
Todavia, sobram-me sérias dúvidas sobre ela, quer quanto à questão substantiva (pois não vejo onde mora a violação da privacidade e do bom nome das tais "duas gémeas" por causa do nome da referida CIP, onde elas não estão identificadas), quer, antes disso, quanto à competência da justiça administrativa para apreciar e decidir sobre a validade de uma decisão parlamentar, que manifestamente não reveste natureza administrativa, mas sim um indubitável natureza política, por ter sido praticada no exercício da uma típica atividade de controlo político dos atos do Governo e da Administração.
Ao decidir um inquérito parlamentar, nem a AR é administração, nem os interessados são "administrados".
2. Ora, na nossa ordem jurídico-constitucional sucede que (i) a justiça administrativa versa, por definição, sobre atos ou omissões administrativas (CRP, arts. 212º e 268º) e que (ii) os atos políticos dos órgãos de soberania (PR, AR e Governo), antigamente designados por "atos de governo", não são suscetíveis de controlo judicial por alegada inconstitucionalidade. Diferentemente do que se passa no Brasil, uma das decisões constituintes de 1976, nunca alterada, foi a de furtar as decisões intrinsecamente políticas ao controlo judicial, para evitar a "politização da justiça" ou a "judicialização da política". O único controlo admissível dos atos políticos é o escrutínio político externo, salvo, eventualmente, a queixa ao Provedor de Justiça, dados os termos amplos do art. 23º da CRP.
Por isso, só os atos de natureza normativa (leis, convenções internacionais, etc.), o que não é o caso, e os atos previsto no art. 223º, nº 2 da CRP (competência do TC), onde também não cabe este caso, podem ser contestados por inconstitucionalidade. Acresce que entre nós não existe "recurso de amparo" que permita impugnar diretamente atos do poder público, incluindo atos políticos, quando lesivos de direitos, liberdades e garantias; de resto, caso existisse esse instrumento judicial, ele caberia ao Tribunal Constitucional, e não aos tribunais ordinários.
A não ser que a notícia acima não seja fidedigna quanto ao teor da decisão e nos escape algum aspeto relevante, podemos bem estar perante um caso inédito de "ativismo judicial", por excesso de poder judicial. Penso que a questão merece a devida ponderação doutrinal e jurisprudencial.
AdendaUm leitor objeta que o art. 20º-5 da Constituição «não exclui os atos políticos». Porém, (i) como impõem os cânones de interpretação constitucional, essa norma deve ser interpretada em conjunção com outras normas e princípios constitucionais pertinentes, que, como se mostrou acima, excluem a sindicabilidade judicial dos atos políticos (excetuados somentre os previstos no art. 223º-2, sobre a competência do Tribunal Constitucional); e (ii) de qualquer modo, como se referiu acima, segundo a Constituição, a jurisdição administrativa só pode ter por objeto os atos administrativos, sendo portanto inconstitucional a sua extensão a atos de outra natureza, como é o caso.http://rpc.twingly.com/Assim vai a economia (5): Retoma da inflação?
1. Portugal terminou o ano de 2024 com uma retoma da inflação, bem acima da média da UE, e com uma das maiores taxas de crescimento de preço das casas.
Trata-se de uma consequência "natural" do aumento da procura provocado pelo significativo acréscimo do rendimemto pessoal, em resultado não somente do bom andamento da economia e do emprego (cortesia do PRR) e da descida das taxas de juro (por ação do BCE), mas também da opção governamental por uma política pró-cíclica de aumento da despesa pública, por razões políticas (prevenir o risco de eleições antecipadas), aproveitando o excedente das contas públicas herdado do anterior Governo, mediante subida das remunerações no setor público e das pensões e de outras ajudas ao rendimento, como o crédito "habitação jovem".
O ano de 2024 registou uma dos maiores subidas do rendimento disponível (>6%) de que há registo nas últimas décadas.
2. Apesar do aumento da poupança, o que é bom, o resultado desta "cornucópia" só poderia ser um substancial aumento da procura de bens e serviços, incluindo automóveis e casas - como se verificou nas compras da época natalícia -, provocando o aumento da inflação, dada a relativa rigidez da oferta em vários setores, desde logo na habitação.
Resta saber se esta retoma da inflação, socavando o aumento do rendimento disponível e atrasando o objetivo "canónico" dos 2%, é reversível a curto prazo ou se só vai ser travada por um eventual abrandamento do crescimento económico.
http://rpc.twingly.com/January 9, 2025
Eleições presidenciais 2026 (4): O problema do PS
1. A julgar pelos sinais veiculados pelos média, tudo indica que o antigo Secretário-Geral do PS, António José Seguro, se prepara para anunciar a breve trecho a sua candidatura nas eleições presidenciais do início do próximo ano, para o que pode contar desde logo com os seus colaboradores e apoiantes enquanto foi líder socialista. Com esta "jogada" de antecipação à la Sampaio em 1995, Seguro marca um importante ponto político.
Com efeito, mesmo que não viesse a conseguir à partida o apoio oficial do PS, por não ser figura consensual (longe disso...) e poder gerar uma divisão no partido, a sua candidatura iria, muito provavelmente, impedir o apoio oficial a qualquer outro possível candidato da área socialista, de entre os que se têm sido aventados, com maior ou menor credibilidade (como Mário Centeno, António Vitorino ou Augusto Santos Silva), os quais, nessas circusntâncias, poderiam mesmo sentir-se levados a não avançar.
2. Há, porém, um problema nesta jogada de antecipação, que é a promessa de Pedro Nuno Santos de que, desta vez, ao contrário das duas últimas eleições, o PS haveria de ter um candidato presidencial próprio. Ora, perante a evidência de uma multiplicidade de possíveis candidatos, a escolha do candidato a apoiar oficialmente pelo partido não pode obedecer à regra do primeiro a aparecer. Por isso, faz todo o sentido a ideia de organizar uma espécie de "eleições primárias" entre os pré-candidatos que se apresentem.
Nessa solução, caso perdesse a disputa interna, como é provável, a candidatura de Seguro ficaria esvaziada. Mas, mesmo que, por acaso, viesse a ser o escolhido, ganhando esse importante apoio político e logístico, resta saber se, no seu low profile político, ele teria alguma chance de chegar ao palácio de Belém, vinte anos depois do último "inquilino" socialista...
http://rpc.twingly.com/Eleições presidenciais 2026 (4): O desafio de Seguro
1. A julgar pelos sinais veiculados pelos média, tudo indica que o antigo Secretário-Geral do PS, António José Seguro, se prepara para anunciar a breve trecho a sua candidatura nas eleições presidenciais do início do próximo ano, para o que pode contar desde logo com os seus colaboradores e apoiantes enquanto foi líder socialista. Com esta "jogada" de antecipação à la Sampaio em 1995, Seguro marca um importante ponto político.
Com efeito, mesmo que não viesse a conseguir à partida o apoio oficial do PS, por não ser figura consensual (longe disso...) e poder gerar uma divisão no partido, a sua candidatura iria, muito provavelmente, impedir o apoio oficial a qualquer outro possível candidato da área socialista, de entre os que se têm sido aventados, com maior ou menor credibilidade (como Mário Centeno, António Vitorino ou Augusto Santos Silva), os quais, nessas circusntâncias, poderiam mesmo sentir-se levados a não avançar.
2. Há, porém, um problema nesta jogada de antecipação, que é a promessa de Pedro Nuno Santos de que, desta vez, ao contrário das duas últimas eleições, o PS haveria de ter um candidato presidencial próprio. Ora, perante a evidência de uma multiplicidade de possíveis candidatos, a escolha do candidato a apoiar oficialmente pelo partido não pode obedecer à regra do primeiro a aparecer. Por isso, faz todo o sentido a ideia de organizar uma espécie de "eleições primárias" entre os pré-candidatos que se apresentem.
Nessa solução, caso perdesse a disputa interna, como é provével, a candidatura de Seguro ficaria esvaziada. Mas, mesmo que, por acaso, viesse a ser o escolhido, ganhando esse importante apoio político e logístico, resta saber se, no seu low profile político, ele teria alguma chance de chegar ao palácio de Belém, vinte anos depois do último "inquilino" socialista...
http://rpc.twingly.com/January 8, 2025
Lisbon first (29): Os custos do centralismo
1. Aplauso para este breve, mas claro, "manifesto" contra o centralismo político-administrativo vigente em Portugal, onde "todos os caminhso vão dar a Lisboa", provindo do instituto de estudos do partido Iniciativa Liberal, que enuncia de forma sucinta os custos e as desigualdades do centralismo e aponta as necessárias soluções descentralizadoras.
O problema é que, como aponta o documento, o principal fator contra a descentralização é «a resistência política [dos beneficiários do centralismo], uma vez que ameaça os interesses de grupos políticos estabelecidos, que tentam resistir à perda de poder e influência». Ora, «estando opoder no Estado Central, terão de ser os decisores do Estado Central a aceitar delegar o poder, o que se adivinha difícil» - impossível mesmo, como tem mostrado a experiência deste meio século.
Não existe nenhum indício de que o lisboacentralismo nacional esteja disponível para ceder posições.
2. O centralismo autoalimenta-se, pelo que só pode ser combatido por uma assumida estratégia política descentralizadora contra a corrente, que até agora tem sido substituída por projetos avulsos de descentralização de pequeno alcance, como o mais recente programa de transferência de tarefas estaduais para os municípios. O protelamento indefinido da instituição das autarquias regionais ("regionalização" na imprecisa linguagem corrente), apesar de previstas na Constituição desde a origem, é o testemunho mais visível dessa atávica falta de vontade política.
Se existe um gritante descumprimento da Constituição, prestes a completar meio século, ele está seguramente no desrespeito pelo "princípio da subsidiariedade" na repartição vertical de tarefas entre os vários níveis territoriais do poder público (local, regional e central).
Stars & Stripes (16): De novo, o imperialismo puro e duro
1. As reinvidicações territoriais proclamadas pelo Presidente Trump em relação à Gronelândia, que é região autónoma da Dinamarca, e em relação ao Panamá, quanto à zona do canal inter-oceânico, são preocupantes, desde logo por serem insólitas e descabidas, mas a sua recusa em excluir o uso de meios militares para as concretizar, depois da pronta e categótica recusa dos países interessados, é de uma enorme gravidade.
Além de, com a sua anunciada guerra comercial sem limites, se propor estoirar com o sistema de normas e instituições internacionais, a começar pela OMC, que presidem à atual ordem económica internacional edificada desde a II Guerra Mundial, aliás com contributo decisivo de Washington, Trump propõe-se também fazer explodir a ordem política mundial baseada na Carta das Nações Unidas, cujos pilares são o respeito da soberania nacional e da integridade territorial dos Estados.
2. É certo que a história dos Estados Unidos é também a história da conquista territorial pelo força nos séculos XVII e XIX (à custa dos índios, do México, da Espanha) e da intervenção militar em numerosos países no século XX, tanto na América Latina como fora dela (Afeganistão, Iraque, Kosovo), para mudar governos ou regimes políticos ou simplesmente para fazer valer os seus interesses económicos.
Todavia, colocar de novo na sua agenda o expansionismo terriorial mediante a anexação de territórios alheios por meios violentos julgar-se-ia completamente fora de questão, em pleno século XXI. Seria o regresso do imperialismo americano na sua pior versão. Preparemo-nos para o pior.
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