Denise Bottmann's Blog, page 72
June 10, 2012
o morro do vento uivante
nilton resende informa que o título o morro do vento uivante vem do poema de tasso da silveira, de 1928, e gentilmente transcreve o poema, que reproduzo abaixo:
aliás, vejo no site da traça, aqui, que essa edição da josé olympio traz o prefácio da primeira edição mais o poema de tasso - o que, aliás, me parece mais uma prova da integridade tradutória de rachel de queiroz (à diferença de oscar mendes, por exemplo, que tinha adotado em 1938 um título quase idêntico, apenas usando o plural, mas sem dar a fonte):


Balada de Emily Brontë
No morro do Vento Uivante
o vento passa uivando, uivando...
No Morro do Vento uivante
há um casarão sombrio
cheio de salas vazias
e corredores vazios...
A noite toda uma porta
geme agoniadamente.
Pelas vidraças partidas
silvam longos assovios,
no ar de abandono e de medo
passam bruscos arrepios...
No Morro do Vento Uivante
o vento passa ...
Emily Brontë
não pares a história... Conta!
conta, conta, conta, conta!
Dá-me outra vez aquele medo
que encheu minha infância morta
de sonhos e de arrepios...
No Morro do Vento uivante...
Depois que os anos passaram
como ficaram meus dias
vazios... vazios...
aliás, vejo no site da traça, aqui, que essa edição da josé olympio traz o prefácio da primeira edição mais o poema de tasso - o que, aliás, me parece mais uma prova da integridade tradutória de rachel de queiroz (à diferença de oscar mendes, por exemplo, que tinha adotado em 1938 um título quase idêntico, apenas usando o plural, mas sem dar a fonte):

Published on June 10, 2012 21:17
emily brontë no brasil

top withens, tido como fonte de inspiração para a localização da casa dos earnshaw
emily brontë (1818-1848) é notoriamente autora de um romance só: wuthering heights, lançado em 1847. mas já tinha publicado em 1846 um lote de poemas numa coletânea junto com as irmãs. como tantas outras obras, demorou quase um século até chegarem ao brasil.
comecemos pelos poemas, que, salvo engano, tiveram no brasil apenas uma tradução filha única de mãe viúva, como se dizia antigamente. eles aparecem entre nós em 1944, em tradução de lúcio cardoso, enfeixados como o vento da noite, na coleção rubaiyat da josé olympio:

em compensação, wuthering heights tem uma profusão de traduções e adaptações. vou me restringir às traduções. já o título apresenta uma dificuldade bastante peculiar - pois, como o próprio narrador explica no começo, wuthering é um regionalismo bastante expressivo (aliás, fico meio espantada que algumas traduções falem em "significativo provincianismo" ou "significativo adjetivo provinciano" para significant provincial adjective, mas que seja), específico de yorkshire. de qualquer forma, o título no brasil acabou se consagrando como o morro do(s) vento(s) uivante(s), e está bem como está.
I.
a jornada começa pela globo em 1938, na tradução de oscar mendes, com semi-infindáveis reedições na abril cultural a partir de 1971 (e na martin claret a partir de 2004):

II.
depois aparece a tradução de rachel de queiroz, em 1948, pela josé olympio. chamava-se o morro do vento uivante. manteve o singular pelo menos até a quarta edição, em 1967. também teve reedições incontáveis pela nova cultural (1995 e 1996), record, clássicos abril e bestbolso.
[image error]III.
também em 1948, aparece uma tradução em nome de josé maria machado, na coleção excelsior da edigraf, em dois volumes. trata-se, porém, de uma tradução portuguesa. indefectivelmente, sua "tradução especial" sai também pelo clube do livro, no mesmo ano:

IV.
em 1958, sai a tradução de octavio mendes cajado, o morro dos ventos uivantes. a obra é lançada em dois volumes, pela saraiva:

V.
tenho notícia de uma edição pela expressão e cultura em 1967 (com o vento no singular), mas não consegui encontrar nenhuma referência mais concreta sobre ela.
VI.
também em 1967, sai a tradução de celestino da silva, pela vecchi:

VII.
em 1971, temos a tradução de vera pedroso, morro dos ventos uivantes (sem o artigo), pela bruguera, licenciada para o círculo do livro e para a art em 1985:

VIII.
em c.1983, sai a tradução de david jardim jr. pela ediouro, reeditada na coleção folha em 1998:
[image error]

IX.
em 2002 e 2003, a infeliz coleção "obras-primas" da nova cultural publica uma patética fraude em nome de silvana laplace. veja aqui.

X.
em 2003, sai a tradução a quatro mãos de renata cordeiro e elaine alambert, pela landy:

XI.
em 2007, há um caso meio escabroso na landmark, que aparentemente limitou-se a utilizar uma versão copidescada da tradução de vera pedroso, atribuindo sua autoria, porém, à revisora de texto. ver aqui.

XII.
em 2009, sai a tradução de ana maria chaves pela lua de papel:
[image error]
XIII.
em 2011, a landmark lança uma nova tradução, agora de doris goettems:

XIV.
ainda em 2011, sai a tradução de guilherme braga pela l&pm:

vale a pena dar uma olhada na dissertação de solange pinheiro carvalho sobre as dificuldades impostas à tradução, pelo uso do dialeto de yorkshire na boca dos personagens locais, em forte contraste com o inglês padrão do narrador: "a tradução do socioleto literário: um estudo de wuthering heights", disponível aqui. até onde sei, apenas guilherme braga tentou fazer frente ao desafio.
veja aqui a origem do título em português.
Published on June 10, 2012 20:15
cervantes e blake no brasil
imagem: h. daumier
belas contribuições à história da tradução entre nós:
o levantamento de sílvia cobelo, "os tradutores do quixote no brasil", disponível aqui;
o levantamento de juliana steil, "traduções e reescritas de blake em português no contexto do sistema literário brasileiro", disponível aqui.

belas contribuições à história da tradução entre nós: o levantamento de sílvia cobelo, "os tradutores do quixote no brasil", disponível aqui;
o levantamento de juliana steil, "traduções e reescritas de blake em português no contexto do sistema literário brasileiro", disponível aqui.
Published on June 10, 2012 18:14
June 6, 2012
apropriações, contrafações etc. - o código civil de 1916
antes da lei 5988 de 1973, especificamente destinada a regular os direitos autorais, estes eram regidos pela lei 3071, de 1916, o código civil dos estados unidos do brasil, em seu capítulo VI, "da propriedade literária, científica e artística", arts. 649-673. pode ser visto aqui.
lá em seu artigo 666, o código civil estatuía que "não se considera ofensa aos direitos de autor: I. a reprodução de passagens ou trechos de obras já publicadas e a inserção, ainda que integral, de pequenas composições alheias no corpo de obra maior, contanto que esta apresente caráter científico ou seja compilação destinada a fim literário, didático ou religioso, indicando-se, porém, a origem de onde se tomarem os excertos, bem como o nome dos autores".
cabe notar que o mesmo código, em seu artigo 652, estatuía que o tradutor tem "o mesmo direito de autor" - faço esse lembrete em vista das palavras finais do artigo 666, "bem como o nome dos autores".
o artigo 666 transitou com pequenas alterações para a lei 5988/73, que pode ser vista aqui. apenas em 1998, com a nova lei de direitos autorais, a 9610, aqui, é que essa cláusula cai.
fiquemos com o código civil de 1916, cujo capítulo VI prevaleceu até 1973. o que ocorreu com alguma frequência a partir dos anos 40 foi uma interpretação, digamos, um tanto lata desse capítulo de exceção, de tal forma que algumas editoras passaram a publicar obras inteiras compostas de "pequenas composições alheias", sobretudo como antologias de contos. a astúcia, aparentemente, consistia em tomar o volume da antologia como "o corpo de obra maior", e a "compilação destinada a fim literário" como pura e simples soma das tais "pequenas composições alheias" de "obras já publicadas". convenientemente, esquecia-se o artigo 652 e indicava-se o nome do autor do conto original, não o do tradutor do conto já publicado em português. também muito convenientemente, esquecia-se a necessidade de indicar a "origem de onde se tomaram os excertos", isto é, a obra traduzida e publicada por outra editora, fosse no brasil ou em portugal.
pode-se imaginar a farra entre a meia-dúzia de editoras que adotou essa astuciosa leitura do código civil.
entre elas, estava a cultrix. fundada em 1956, tendo como seu diretor editorial edgard cavalheiro, a cultrix lançou entre 1957 e 1958 uma coleção em 24 volumes de maravilhas do conto universal,. essa coleção, que atendia tanto ao sistema de venda domiciliar quanto ao circuito das livrarias, teve um enorme sucesso, com inúmeras reedições na cultrix e vários licenciamentos para a tecnoprint e depois ediouro. eram eles:
os créditos pela organização da coleção variavam, bem como os créditos pela introdução, seleção e eventuais notas. já os créditos de tradução e das edições de onde foram extraídos os contos eram, na grande maioria das vezes, omitidos.
por outro lado, os concorrentes não deviam gostar muito dessa engenhosa interpretação do artigo 666 do código civil. laurence hallewell, em o livro no brasil (sua história), comenta que, sendo a cultrix acusada dessa prática, seu proprietário diaulas riedel admitiu ter "ocasionalmente" publicado "algum excerto" sem autorização - o que, a meu ver, explica a ausência dos créditos de tradução e das referências às edições brasileiras ou portuguesas utilizadas nas coletâneas.
mas, a partir de 1959, a cultrix dá início a uma outra coleção de antologias, agora por autor, e com tradutores do porte de uma tatiane belinky, de uma olívia krähenbühl, de um paulo rónai. é quando aparecem os volumes de contos de tchecov, de melville, de hawthorne, mérimée, dumas, daudet, stephen crane, jack london e muitos outros.
por outro lado, ainda em 1958 já se esboçara uma iniciativa neste sentido, com a publicação de histórias extraordinárias, antologia de contos de edgar allan poe com seleção, introdução e tradução de josé paulo paes, todavia apresentando um certo vezo inexplicado, a saber, a absoluta identidade entre a tradução de "o escaravelho de ouro" em seu nome e a tradução do mesmo conto por almiro rolmes barbosa e edgard cavalheiro em 1942, pela martins (ver aqui).
seja como for, a partir de 1959 e da nova coleção por autores, a cultrix pareceu ter renunciado à prática nefasta de seus primeiros anos - embora a coleção das maravilhas tenha se mantido em viçosa circulação pelo menos até a década de 1980.
para além do aspecto ético e jurídico da questão, pode-se ter uma ideia das dificuldades que isso acarreta para uma reconstituição precisa da história da tradução no brasil mediante alguns exemplos específicos que apresentei aqui.

lá em seu artigo 666, o código civil estatuía que "não se considera ofensa aos direitos de autor: I. a reprodução de passagens ou trechos de obras já publicadas e a inserção, ainda que integral, de pequenas composições alheias no corpo de obra maior, contanto que esta apresente caráter científico ou seja compilação destinada a fim literário, didático ou religioso, indicando-se, porém, a origem de onde se tomarem os excertos, bem como o nome dos autores".
cabe notar que o mesmo código, em seu artigo 652, estatuía que o tradutor tem "o mesmo direito de autor" - faço esse lembrete em vista das palavras finais do artigo 666, "bem como o nome dos autores".
o artigo 666 transitou com pequenas alterações para a lei 5988/73, que pode ser vista aqui. apenas em 1998, com a nova lei de direitos autorais, a 9610, aqui, é que essa cláusula cai.
fiquemos com o código civil de 1916, cujo capítulo VI prevaleceu até 1973. o que ocorreu com alguma frequência a partir dos anos 40 foi uma interpretação, digamos, um tanto lata desse capítulo de exceção, de tal forma que algumas editoras passaram a publicar obras inteiras compostas de "pequenas composições alheias", sobretudo como antologias de contos. a astúcia, aparentemente, consistia em tomar o volume da antologia como "o corpo de obra maior", e a "compilação destinada a fim literário" como pura e simples soma das tais "pequenas composições alheias" de "obras já publicadas". convenientemente, esquecia-se o artigo 652 e indicava-se o nome do autor do conto original, não o do tradutor do conto já publicado em português. também muito convenientemente, esquecia-se a necessidade de indicar a "origem de onde se tomaram os excertos", isto é, a obra traduzida e publicada por outra editora, fosse no brasil ou em portugal.
pode-se imaginar a farra entre a meia-dúzia de editoras que adotou essa astuciosa leitura do código civil.
entre elas, estava a cultrix. fundada em 1956, tendo como seu diretor editorial edgard cavalheiro, a cultrix lançou entre 1957 e 1958 uma coleção em 24 volumes de maravilhas do conto universal,. essa coleção, que atendia tanto ao sistema de venda domiciliar quanto ao circuito das livrarias, teve um enorme sucesso, com inúmeras reedições na cultrix e vários licenciamentos para a tecnoprint e depois ediouro. eram eles:
Maravilhas do Conto Alemão
Maravilhas do Conto Amoroso
Maravilhas do Conto de Aventuras
Maravilhas do Conto Bíblico
Maravilhas do Conto Brasileiro
Maravilhas do Conto Brasileiro Moderno
Maravilhas do Conto Espanhol
Maravilhas do Conto Fantástico
Maravilhas do Conto Feminino
Maravilhas do Conto de Ficção Científica
Maravilhas do Conto Francês
Maravilhas do Conto Hispano-Americano
Maravilhas do Conto Histórico
Maravilhas do Conto Humorístico
Maravilhas do Conto Inglês
Maravilhas do Conto Italiano
Maravilhas do Conto Mitológico
Maravilhas do Conto de Natal
Maravilhas do Conto Norte-Americano
Maravilhas do Conto Policial
Maravilhas do Conto Popular
Maravilhas do Conto Português
Maravilhas do Conto Russo
Maravilhas do Conto Universal
os créditos pela organização da coleção variavam, bem como os créditos pela introdução, seleção e eventuais notas. já os créditos de tradução e das edições de onde foram extraídos os contos eram, na grande maioria das vezes, omitidos.
por outro lado, os concorrentes não deviam gostar muito dessa engenhosa interpretação do artigo 666 do código civil. laurence hallewell, em o livro no brasil (sua história), comenta que, sendo a cultrix acusada dessa prática, seu proprietário diaulas riedel admitiu ter "ocasionalmente" publicado "algum excerto" sem autorização - o que, a meu ver, explica a ausência dos créditos de tradução e das referências às edições brasileiras ou portuguesas utilizadas nas coletâneas.
mas, a partir de 1959, a cultrix dá início a uma outra coleção de antologias, agora por autor, e com tradutores do porte de uma tatiane belinky, de uma olívia krähenbühl, de um paulo rónai. é quando aparecem os volumes de contos de tchecov, de melville, de hawthorne, mérimée, dumas, daudet, stephen crane, jack london e muitos outros.
por outro lado, ainda em 1958 já se esboçara uma iniciativa neste sentido, com a publicação de histórias extraordinárias, antologia de contos de edgar allan poe com seleção, introdução e tradução de josé paulo paes, todavia apresentando um certo vezo inexplicado, a saber, a absoluta identidade entre a tradução de "o escaravelho de ouro" em seu nome e a tradução do mesmo conto por almiro rolmes barbosa e edgard cavalheiro em 1942, pela martins (ver aqui).
seja como for, a partir de 1959 e da nova coleção por autores, a cultrix pareceu ter renunciado à prática nefasta de seus primeiros anos - embora a coleção das maravilhas tenha se mantido em viçosa circulação pelo menos até a década de 1980.
para além do aspecto ético e jurídico da questão, pode-se ter uma ideia das dificuldades que isso acarreta para uma reconstituição precisa da história da tradução no brasil mediante alguns exemplos específicos que apresentei aqui.
Published on June 06, 2012 18:42
June 4, 2012
"não fui eu", "foi sim!"
existem também os casos em que a editora atribui créditos de tradução a um colaborador ou editor, provavelmente para conferir maior prestígio à edição, por mais que a pessoa diga com todas as letras que não foi ela que fez a tradução em pauta.
j. b. mello e souza compilou traduções de ésquilo (prometeu acorrentado), sófocles (rei édipo e antígone) e eurípides (alceste, electra e hipólito), apanhando-as num volume que saiu pela jackson em 1950, depois repicado em vários volumes pela ediouro. por mais expressa que tenha sido sua responsabilidade na edição: seleção, organização, prefácio e notas, as editoras fizeram ouvidos moucos (ou olhos vendados) e lhe tascaram a autoria das traduções compiladas.

“Tais considerações justificam, à saciedade, a preferência dada, na elaboração do presente volume, às traduções em prosa de algumas tragédias entre as mais famosas do teatro ateniense. Por exceção insere-se apenas uma em verso solto (o Hipólito, de Eurípides), completando-se destarte a série agora apresentada com um trabalho antigo, de tradutor português desconhecido, que venceu com certa galhardia as dificuldades do empreendimento.” (J. B. Mello e Souza, Prefácio)
da mesma forma, zsuzsanna spiry, tradutora e pesquisadora de nossa história da tradução, especializada na obra de paulo rónai, apresenta um caso similar. trata-se de o homem e as línguas, de frederick bodmer, publicado pela globo em 1960. na "advertência à edição brasileira" que abre o volume, paulo rónai frisa que a tradução da obra coube a "um filólogo de reconhecida competência, o Sr. Ayres da Mata Machado Filho" - o que não obstou que a editora estampasse na página de rosto os créditos de tradução em nome de ayres da mata machado filho, paulo rónai e marcello marques magalhães.


aliás, zsuzsanna spiry desenvolveu um excelente estudo sobre paulo rónai, a fonte mais completa que conheço sobre sua obra, que pode ser consultado aqui: paulo rónai, um brasileiro made in hungary. a ela agradeço as imagens de o homem e as línguas.

j. b. mello e souza compilou traduções de ésquilo (prometeu acorrentado), sófocles (rei édipo e antígone) e eurípides (alceste, electra e hipólito), apanhando-as num volume que saiu pela jackson em 1950, depois repicado em vários volumes pela ediouro. por mais expressa que tenha sido sua responsabilidade na edição: seleção, organização, prefácio e notas, as editoras fizeram ouvidos moucos (ou olhos vendados) e lhe tascaram a autoria das traduções compiladas.

“Tais considerações justificam, à saciedade, a preferência dada, na elaboração do presente volume, às traduções em prosa de algumas tragédias entre as mais famosas do teatro ateniense. Por exceção insere-se apenas uma em verso solto (o Hipólito, de Eurípides), completando-se destarte a série agora apresentada com um trabalho antigo, de tradutor português desconhecido, que venceu com certa galhardia as dificuldades do empreendimento.” (J. B. Mello e Souza, Prefácio)
da mesma forma, zsuzsanna spiry, tradutora e pesquisadora de nossa história da tradução, especializada na obra de paulo rónai, apresenta um caso similar. trata-se de o homem e as línguas, de frederick bodmer, publicado pela globo em 1960. na "advertência à edição brasileira" que abre o volume, paulo rónai frisa que a tradução da obra coube a "um filólogo de reconhecida competência, o Sr. Ayres da Mata Machado Filho" - o que não obstou que a editora estampasse na página de rosto os créditos de tradução em nome de ayres da mata machado filho, paulo rónai e marcello marques magalhães.

aliás, zsuzsanna spiry desenvolveu um excelente estudo sobre paulo rónai, a fonte mais completa que conheço sobre sua obra, que pode ser consultado aqui: paulo rónai, um brasileiro made in hungary. a ela agradeço as imagens de o homem e as línguas.
Published on June 04, 2012 16:15
June 3, 2012
os preferidos de clarice
na primeira entrevista de clarice lispector, que saiu na diretrizes em 30 de outubro de 1941, perguntaram-lhe a certa altura:
e ela respondeu:
se ela leu istrati em tradução, certamente não terá sido a que vem assinada por marques rebelo, que só sai pela pongetti em 1944.
terá sido a tradução de heitor moniz, que saiu pela guanabara em 1936.
Autor: Istrait, Panait, 1884-1935.
Título / Barra de autoria:Mediterraneo.
Imprenta:Rio [de Janeiro], Ed. Guanabara, 1936.
Descrição física:172 p.
Notas:Registro Pré-MARC
Entradas secundárias:Moniz, Heitor, 1903- trad.
como a pongetti gostava de usar traduções alheias, inclusive da própria guanabara, sapecando-lhes uma "revisão" de marques rebelo ou de araújo alves ou outros, não sei se aqui também não terá sido o mesmo caso.
sobre as sapecadas da pongetti, ver aqui.

Quais os melhores livros da literatura universal, na sua opinião?
e ela respondeu:
Humilhados e Ofendidos, Crime e Castigo, de Dostoievski, Sem Olhos em Gaza, do
Huxley, Mediterrâneo, de Panait Istrati, e as obras de Anatole France em geral.
se ela leu istrati em tradução, certamente não terá sido a que vem assinada por marques rebelo, que só sai pela pongetti em 1944.
terá sido a tradução de heitor moniz, que saiu pela guanabara em 1936.
Autor: Istrait, Panait, 1884-1935.
Título / Barra de autoria:Mediterraneo.
Imprenta:Rio [de Janeiro], Ed. Guanabara, 1936.
Descrição física:172 p.
Notas:Registro Pré-MARC
Entradas secundárias:Moniz, Heitor, 1903- trad.
como a pongetti gostava de usar traduções alheias, inclusive da própria guanabara, sapecando-lhes uma "revisão" de marques rebelo ou de araújo alves ou outros, não sei se aqui também não terá sido o mesmo caso.
sobre as sapecadas da pongetti, ver aqui.
Published on June 03, 2012 10:59
balzac: sugestão para um tcc
prossigamos com essa difícil arqueologia da tradução no brasil.
em 1943, sai pela irmãos pongetti uma "tradução revista por marques rebelo", porém sem os créditos de autoria. esse lançamento da pongetti teve várias reedições (aqui, a imagem é da edição de 1945).
décadas depois, a ediouro publica a mulher de trinta anos dando marques rebelo como autor da tradução.
[image error]
em vista do histórico da pongetti com suas "traduções revistas" por marques rebelo, como alertou elias davidovitch aqui, considero que, se algum docente propusesse como tema de trabalho a seus alunos não só compulsar as duas edições acima apresentadas, mas também cotejá-las com a tradução de 1922, pela garnier, e sobretudo com a de 1937, pela civilização brasileira, teríamos um bom serviço prestado à nossa memória tradutória.

ainda a propósito d' a mulher de trinta anos, vejam-se também os cotejos das traduções espúrias da nova cultural (aqui) e da martin claret (aqui).

em 1943, sai pela irmãos pongetti uma "tradução revista por marques rebelo", porém sem os créditos de autoria. esse lançamento da pongetti teve várias reedições (aqui, a imagem é da edição de 1945).
décadas depois, a ediouro publica a mulher de trinta anos dando marques rebelo como autor da tradução.
[image error]
em vista do histórico da pongetti com suas "traduções revistas" por marques rebelo, como alertou elias davidovitch aqui, considero que, se algum docente propusesse como tema de trabalho a seus alunos não só compulsar as duas edições acima apresentadas, mas também cotejá-las com a tradução de 1922, pela garnier, e sobretudo com a de 1937, pela civilização brasileira, teríamos um bom serviço prestado à nossa memória tradutória.

ainda a propósito d' a mulher de trinta anos, vejam-se também os cotejos das traduções espúrias da nova cultural (aqui) e da martin claret (aqui).
Published on June 03, 2012 10:51
June 2, 2012
tradução e "perspectiva histórica"
em entrevista ao jornal o estado de são paulo, publicada na semana passada e que comentei aqui, sérgio machado tinha alardeado como demonstração de grande tino comercial e capacidade de se reinventar empresarialmente o fato de seu pai ter usado falsamente o nome de nelson rodrigues como tradutor de harold robbins (e outros) como isca para atrair compradores, e que este teria sido "o momento talvez fundamental" da história do grupo record.
ontem a coluna babel do mesmo jornal retomou o tema. transcrevo abaixo o texto, que se encontra aqui.
que sonia rodrigues simplesmente tenta desconversar alegando a mais ampla e vaga ignorância dos fatos, é evidente e suas declarações nem merecem maiores comentários.
agora, a segunda declaração, que suponho ser a de sergio machado, me parece um pouco falaciosa. concordo que "é importante manter a perspectiva histórica" e, por isso, cabe ressalvar que:
as regras autorais nos anos 1960 e 1970 não eram, em sua essência, diferentes das de hoje; os principais termos da convenção de berna, da qual o brasil era signatário desde o século XIX, continuam basicamente inalterados nos últimos cento e vinte anos.
os procedimentos editoriais honestos, lídimos e transparentes já existem no brasil pelo menos há uns cento e setenta anos, estando firmemente implantados desde as primeiras décadas do século XX. até creio que, em boa medida, eram eles os predominantes no "mercado editorial de 50 atrás" a que se refere o publisher.
e, por fim, a prática de falseamento das autorias de tradução, infelizmente, não só continua a ser louvada em termos retrospectivos (como demonstrou a cristalina entrevista do dono do maior grupo editorial do país), mas também a ser exercida sob diversas formas em algumas editoras, como o não gosto de plágio tem demonstrado constantemente nos últimos cinco anos.
acompanhe o caso em:
"o momento talvez fundamental" da record: fraudes de tradução
"o momento talvez fundamental" II
"o momento talvez fundamental" III

ontem a coluna babel do mesmo jornal retomou o tema. transcrevo abaixo o texto, que se encontra aqui.
TRADUÇÃO
Polêmica declarada
Em sua última edição, o Sabático publicou uma longa entrevista com o publisher Sergio Machado, do Grupo Editorial Record. Nela, ele se referiu a um histórico episódio: a publicação de Os Insaciáveis, de Harold Robbins, em agosto de 1964. Na capa, o nome de Nelson Rodrigues constava como tradutor da obra. Mas Nelson não sabia inglês. Dois fatores levaram editora e “tradutor” a tomarem essa decisão: a Record queria chamar a atenção para o livro e Nelson precisava de dinheiro. A declaração causou polêmica entre os tradutores. Sonia Rodrigues, filha do escritor, e Sergio Machado comentam o caso:
“No livro Nelson Rodrigues por Ele Mesmo, meu pai se confessa um narcisista muito relapso na administração da própria fama. Em outra passagem, informa que suas crônicas são as mais saqueadas do País, que vários jornais publicam e poucos pagam. Ele conta também quanto se matava de trabalhar para bancar as várias manutenções dele. Talvez essas traduções estivessem nesse contexto. Aparentemente, a Record pagou ao meu pai para usar a imagem dele para referendar o texto de um autor norte-americano. Ninguém sabe se pagou apenas o direito de imagem ou se meu pai leu o texto traduzido e mexeu no texto, não é mesmo? Não tenho informações se os livros continuam sendo publicados e se os direitos de tradução estão sendo remunerados.”
“Estamos falando de uma outra época, do mercado editorial de 50 anos atrás, quando as regras e os procedimentos eram diferentes. É importante manter a perspectiva histórica. Evidentemente, este tipo de prática seria impensável nos dias de hoje.”
que sonia rodrigues simplesmente tenta desconversar alegando a mais ampla e vaga ignorância dos fatos, é evidente e suas declarações nem merecem maiores comentários.
agora, a segunda declaração, que suponho ser a de sergio machado, me parece um pouco falaciosa. concordo que "é importante manter a perspectiva histórica" e, por isso, cabe ressalvar que:
as regras autorais nos anos 1960 e 1970 não eram, em sua essência, diferentes das de hoje; os principais termos da convenção de berna, da qual o brasil era signatário desde o século XIX, continuam basicamente inalterados nos últimos cento e vinte anos.
os procedimentos editoriais honestos, lídimos e transparentes já existem no brasil pelo menos há uns cento e setenta anos, estando firmemente implantados desde as primeiras décadas do século XX. até creio que, em boa medida, eram eles os predominantes no "mercado editorial de 50 atrás" a que se refere o publisher.
e, por fim, a prática de falseamento das autorias de tradução, infelizmente, não só continua a ser louvada em termos retrospectivos (como demonstrou a cristalina entrevista do dono do maior grupo editorial do país), mas também a ser exercida sob diversas formas em algumas editoras, como o não gosto de plágio tem demonstrado constantemente nos últimos cinco anos.
acompanhe o caso em:
"o momento talvez fundamental" da record: fraudes de tradução
"o momento talvez fundamental" II
"o momento talvez fundamental" III
Published on June 02, 2012 12:01
June 1, 2012
até tu, brutus?
este é um dos casos mais lamentáveis e surpreendentes na seara das traduções espúrias. fiquei perplexa e decepcionada por envolver um tradutor que eu costumava respeitar bastante, josé paulo paes.
o problema veio à tona por ocasião de um extenso estudo do pesquisador e tradutor guilherme braga sobre as várias traduções brasileiras de the gold-bug, de edgar allan poe. no decorrer da análise, as evidências materiais disponíveis levaram guilherme braga a acreditar que o escaravelho de ouro supostamente traduzido por josé paulo paes e publicado na coletânea histórias extraordinárias pela editora cultrix em 1958 seria simples cópia da tradução de almiro rolmes barbosa e edgard cavalheiro, publicada em 1942 na coletânea as obras-primas do conto universal, sexto volume da coleção "a marcha do espírito", pela livraria martins editora.
[image error]
[image error]
almiro rolmes barbosa e edgard cavalheiro aparecem como os responsáveis pela compilação, introdução, tradução e notas da coletânea de 1942 (martins). segundo o que os organizadores expõem em sua introdução, alguns dos contos foram traduzidos por terceiros, sendo especificados com os devidos créditos na introdução e no final de cada conto, além de agradecimentos pela licença de uso. são eles: "a lição de canto", de katherine mansfield, trad. érico veríssimo; "a luz da outra casa", de pirandello, trad. francisco pati; "duas mil palavras", de o. henry, trad. brito broca; "as três palavras divinas", de tolstói, trad. lígia autran rodrigues; e "o espectro", de dickens, trad. élsie lessa. assim, infere-se dos créditos e das explicações dadas na introdução que a tradução dos demais contos coube a rolmes barbosa e cavalheiro.

[image error]
josé paulo paes aparece como o responsável pela seleção, apresentação e tradução dos contos que compõem a coletânea de 1958 (cultrix), com sucessivas reedições e licenciamentos até a data de hoje. não consta nas páginas desta coletânea nenhuma indicação de que tenham sido utilizadas traduções de terceiros, de onde se depreende, naturalmente, que josé paulo paes estaria chamando a si a autoria da tradução do volume completo.
seguem abaixo algumas imagens para fins de comparação entre a tradução em nome de rolmes/ cavalheiro (1942), em cima, e a tradução em nome de paes (1958), embaixo.

o problema veio à tona por ocasião de um extenso estudo do pesquisador e tradutor guilherme braga sobre as várias traduções brasileiras de the gold-bug, de edgar allan poe. no decorrer da análise, as evidências materiais disponíveis levaram guilherme braga a acreditar que o escaravelho de ouro supostamente traduzido por josé paulo paes e publicado na coletânea histórias extraordinárias pela editora cultrix em 1958 seria simples cópia da tradução de almiro rolmes barbosa e edgard cavalheiro, publicada em 1942 na coletânea as obras-primas do conto universal, sexto volume da coleção "a marcha do espírito", pela livraria martins editora.
[image error]
[image error]
almiro rolmes barbosa e edgard cavalheiro aparecem como os responsáveis pela compilação, introdução, tradução e notas da coletânea de 1942 (martins). segundo o que os organizadores expõem em sua introdução, alguns dos contos foram traduzidos por terceiros, sendo especificados com os devidos créditos na introdução e no final de cada conto, além de agradecimentos pela licença de uso. são eles: "a lição de canto", de katherine mansfield, trad. érico veríssimo; "a luz da outra casa", de pirandello, trad. francisco pati; "duas mil palavras", de o. henry, trad. brito broca; "as três palavras divinas", de tolstói, trad. lígia autran rodrigues; e "o espectro", de dickens, trad. élsie lessa. assim, infere-se dos créditos e das explicações dadas na introdução que a tradução dos demais contos coube a rolmes barbosa e cavalheiro.

[image error]
josé paulo paes aparece como o responsável pela seleção, apresentação e tradução dos contos que compõem a coletânea de 1958 (cultrix), com sucessivas reedições e licenciamentos até a data de hoje. não consta nas páginas desta coletânea nenhuma indicação de que tenham sido utilizadas traduções de terceiros, de onde se depreende, naturalmente, que josé paulo paes estaria chamando a si a autoria da tradução do volume completo.
seguem abaixo algumas imagens para fins de comparação entre a tradução em nome de rolmes/ cavalheiro (1942), em cima, e a tradução em nome de paes (1958), embaixo.
Published on June 01, 2012 13:19
May 31, 2012
marques rebelo e a pongetti II
não tenho o menor gosto em ficar remexendo em lixo. o que me interessa é tentar entender e reconstituir o processo e o papel da tradução no brasil, sobretudo no século XX. o problema é que, nisso, a gente acaba encontrando um monte de fraudes e entulhos, que tem de ficar revirando até desencrostar esses parasitas e chegar às traduções legítimas, que acabaram sendo sugadas e esquecidas.
na listagem das traduções "revistas" por marques rebelo, encontrei uma selma lagerlöf (que aprecio muito, confesso que mais pela aura que a cerca do que pelos seus textos, os quais mal conheço): a lenda da quinta senhorial, pela pongetti, 1943.
[image error]
tentando localizar a tradução de origem, vejo que a cia. brasil lançou em 1937 uma tradução feita por araújo ribeiro, com o mesmo título. parece-me mais do que provável que tenha sido ela a tradução garfada pela pongetti. encontrei referências em alguns sebos e consta num site sueco dedicado à obra de selma lagerlöf a seguinte ficha, aqui:
Lagerlöf, Selma: En herrgårdssägen.
A lenda de uma quinta senhorial / trad. directa e integral dos originaes suecos de Araujo Ribeiro
Lagerlöf, Selma, 1858-1940 (författare)
Ribeiro, Araujo (översättare)
Rio, 1937
Portugisiska 187 s., 1 portr.
Serie: Collecção "Scandinavia"
Bok
agora, que seja uma tradução directa dos originaes suecos até me surpreendeu, ainda mais se lembrarmos que o título de uma das traduções francesas de en herrgårdssägen é justamente la légende d'un vieux manoir. como é difícil reconstituir nosso acervo tradutório!
mas que seja... pelo menos ficamos sabendo a que (ou de onde) veio a tal da "tradução revista" que saiu pela pongetti.
sobre os procedimentos da editora e os préstimos de seus revisores, ver também marques rebelo e a pongetti, aqui.

na listagem das traduções "revistas" por marques rebelo, encontrei uma selma lagerlöf (que aprecio muito, confesso que mais pela aura que a cerca do que pelos seus textos, os quais mal conheço): a lenda da quinta senhorial, pela pongetti, 1943.
[image error]
tentando localizar a tradução de origem, vejo que a cia. brasil lançou em 1937 uma tradução feita por araújo ribeiro, com o mesmo título. parece-me mais do que provável que tenha sido ela a tradução garfada pela pongetti. encontrei referências em alguns sebos e consta num site sueco dedicado à obra de selma lagerlöf a seguinte ficha, aqui:
Lagerlöf, Selma: En herrgårdssägen.
A lenda de uma quinta senhorial / trad. directa e integral dos originaes suecos de Araujo Ribeiro
Lagerlöf, Selma, 1858-1940 (författare)
Ribeiro, Araujo (översättare)
Rio, 1937
Portugisiska 187 s., 1 portr.
Serie: Collecção "Scandinavia"
Bok
agora, que seja uma tradução directa dos originaes suecos até me surpreendeu, ainda mais se lembrarmos que o título de uma das traduções francesas de en herrgårdssägen é justamente la légende d'un vieux manoir. como é difícil reconstituir nosso acervo tradutório!
mas que seja... pelo menos ficamos sabendo a que (ou de onde) veio a tal da "tradução revista" que saiu pela pongetti.
sobre os procedimentos da editora e os préstimos de seus revisores, ver também marques rebelo e a pongetti, aqui.
Published on May 31, 2012 19:51
Denise Bottmann's Blog
- Denise Bottmann's profile
- 23 followers
Denise Bottmann isn't a Goodreads Author
(yet),
but they
do have a blog,
so here are some recent posts imported from
their feed.

