Cristina Torrão's Blog, page 80
March 6, 2015
Um Bom Exemplo
Traduzido do alemão, a partir de um apontamento de Christine Bollhorn, jornalista num jornal local de Stade:
«Educar
uma criança não é só ensinar-lhe boas maneiras, é também transmitir-lhe como
deve encarar e agir com os seus semelhantes. Os pais são o maior exemplo, na
maneira como encaram vizinhos, colegas, empregados. Fazem-no com simpatia e
respeito, ou são rudes e hostis, quando algo não se passa de acordo com o que
desejam? Apresentam-se abertos e descomplicados perante pessoas de outra raça/cor,
ou mantêm a distância? Enchem-se de doçarias e fast-food, ou escolhem as suas refeições com cuidado? E que papel
representam álcool, drogas e medicamentos na sua vida?
Bobbi
Kristina, a filha de Whitney Houston, imitou a mãe: escolheu as drogas como
solução para os seus problemas – com consequências drásticas.
Que
tipo de exemplo é você?»
Published on March 06, 2015 03:45
March 4, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (14)
A moura regateou o preço na língua dos
infiéis. Jacinta nunca a ouvira falar assim. Também Zaida tinha o seu passado,
crescera num outro mundo, aprendera as suas primeiras palavras num outro
idioma. Teria nascido em berço rico, ou pobre? Que vida levara, antes de ser
feita cativa e trazida para a terra dos cristãos?
Jacinta sabia como se tratavam as mouras
cativas, principalmente, as formosas. Quantos Fuças houvera na vida de Zaida? Quantas vezes tivera ela de passar
por tal tormento?
Finda a transação, as três
encantavam-se com as suas compras, também Rosinha exibia orgulhosa a pequena
bracelete que Zaida lhe oferecera como prenda de anos. Completava os seis, a
mãe dizia que ela nascera «pela Páscoa». Jacinta ia ficando para trás, tentando
segurar as lágrimas.
A moura aguardou-a, deixando as outras
adiantarem-se, e disse-lhe:
- Também devias ter comprado alguma cousa,
para te alegrares.
Jacinta olhou-a, começou a murmurar:
- Peca-se, quando se escolhe o caminho do
mal. Mas como é, quando não se tem escolha?
- Que dizes?
- Supõe que vamos por uma estrada fora, que,
num certo ponto, se divide em duas. Dizem-nos que a da direita leva a anos de
sacrifício, mas, no fim, à salvação. A da esquerda leva-nos a anos de folia e
prazeres, mas, no fim, à condenação. Sabemos que pecamos se nos deixarmos levar
pela folia. Mas… E se não nos dão escolha? Se nos encaminham para uma estrada
que nunca se bifurca e somos obrigados a percorrê-la até ao fim, seja ela qual
for? Pecamos, mesmo que escolhêssemos outra, tendo essa oportunidade?
Zaida olhava-a, agora, igualmente séria.
Jacinta acrescentou:
- Nem a D. Mafalda, uma donzela tão nobre, se
permite escolher o rumo da sua vida. Temos de nos sujeitar àquilo que decidem
por nós… Ou àquilo que nos fazem…
Apesar de os olhos da moura não poderem ser
mais negros, Jacinta viu uma sombra de tristeza e sofrimento perpassá-los. Por
fim, Zaida murmurou:
- Estamos todos nas mãos de Deus… Não podemos
cair mais fundo do que isso…
Published on March 04, 2015 03:24
March 3, 2015
Da mais antiga profissão do mundo
«Aquele
que usa os serviços de uma prostituta não é um homem a sério».
Estas
palavras soam, à primeira vista, exageradas. Afinal, não se considera a
prostituição uma profissão como outra qualquer?
Para
a freira italiana Valeria Gandini, não.
Ora,
perguntarão muitos, que se esperaria de uma freira?
Bem,
esta não é uma freira qualquer. Há vinte anos que Valeria Gandini se ocupa de
prostitutas, em Palermo, na Sicília. Dá-lhes assistência, conforta-as, ajuda-as
a superar muitos problemas e a mudar de vida. E sabe, melhor do que ninguém,
que a maioria delas exerce forçada essa profissão, ou não viu outra alternativa.
Existem
redes de prostituição e tráfico de mulheres por toda a Europa, muitas das moças
não sabem para o que vão. Este é, porém, um assunto pouco divulgado e discutido
e os homens que usam tais serviços não perdem um segundo a questionar-se se as
mulheres ali estão de livre vontade, ou forçadas, escravizadas mesmo.
Ao
abordar o assunto sob essa perspetiva, confesso que me vejo tentada a concordar, pelo menos, em parte,
com Valeria Gandini, já que as generalizações são sempre
traiçoeiras.
Nota:
baseado em artigo da KirchenZeitung.
Published on March 03, 2015 03:41
March 2, 2015
A Citação da Semana (50)
«O ser humano raramente se mantém ao seu nível, em situações críticas. Ou se eleva, ou desce».
Alexis de Tocqueville
Alexis de Tocqueville
Published on March 02, 2015 03:19
March 1, 2015
Ódio
Li, num jornal alemão, uma interessante interpretação de ódio:
«É
quando alguém não vê no seu semelhante a imagem de Deus, mas sim escumalha».
Deus
criou o Homem à sua imagem e semelhança, lembram-se? Se não conseguirmos ver no próximo essa imagem, então estamos perto do ódio. Se virmos escumalha, odiamos.
«É
quando alguém não vê no seu semelhante a imagem de Deus, mas sim escumalha».
Deus
criou o Homem à sua imagem e semelhança, lembram-se? Se não conseguirmos ver no próximo essa imagem, então estamos perto do ódio. Se virmos escumalha, odiamos.
Published on March 01, 2015 03:32
February 27, 2015
Moolb O Reverso
«Um
dos problemas de Inverso, Reverso ou Anti-Bloom, era saber se algum dia poderia
igualar-se a Bloom» (p. 59).
O
nome Bloom é paradigmático, na literatura. Originalmente personagem de Ulisses, de James Joyce, surge-nos em Uma Viagem à Índia, de Gonçalo M.
Tavares. Sobre Moolb, o seu inverso, criado por Pedro A. Sande, paira ainda o
fantasma de Harold Bloom, cujo humanismo, segundo Terry Eagleton, um teórico da
literatura, «sofreu as pressões agónicas» das doutrinas de Marx, Freud e do pós-estruturalismo,
não sendo possível «uma reversão a uma fé humana optimista, serena», (citações
que me foram fornecidas pelo autor de Moolb).
Este
ponto de partida de Pedro A. Sande revela o carácter filosófico da sua obra,
onde a procura desemboca em desilusão. Através de uma viagem à Índia, um
território que já foi considerado quase mágico (para nós portugueses,
especialmente: o destino de Vasco da Gama; o mito camoniano), a antítese da
nossa civilização (onde os hippies
pensavam encontrar o sentido da vida), Moolb anda à procura do seu EU, sendo
esta palavra igualmente a sigla de European
Union, um paralelo interessante estabelecido por Pedro A. Sande. Como
europeus, o nosso eu está intimamente ligado à cultura deste continente, que se
diz unido, mas numa união que toma rumos cada vez mais obscuros. Moolb anda à
deriva, assim como a União Europeia. Pedro A. Sande aproveita para fazer uma
crítica mordaz ao sistema. E à sociedade: «se o homem culto desconhece o homem
inculto poderá dizer não ser ignorante?» (p. 58).
A
solução, porém, parece também não estar na antítese. Moolb não encontra
resposta, regressa desiludido. O exótico fascinou-o, mas, ao mesmo tempo, impressionou-o
a miséria e certas atrocidades de que foi testemunha. Resta à condição humana
continuar a procurar, vagueando eternamente, na esperança de encontrar aquilo
que deseja.
«Nesta
Índia que habitamos nem todos somos castos ou produtos de castas. Nesta Índia
que habitamos rumam naus e caravelas, por entre nevoeiros, à procura do que nos
faça especiais» (p. 47).
Published on February 27, 2015 03:15
February 25, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (13)
Jacinta abriu igualmente os braços e ensaiou
umas voltas. Não tardou, porém, a parar, muito tonta. A moura lançou, no meio
dos seus rodopios:
- Assim que te sentires recobrada, recomeça!
Se quiseres ser bailadeira, tens de te acostumar, quanto mais voltas, melhor.
Jacinta assim fez. De braços abertos, dava
voltas e mais voltas.
Diogo e Rosinha abeiraram-se, fascinados,
como agem as crianças quando veem adultos a soltarem-se como elas. A pequena
Rosa decidiu imitar as duas e pôs-se a rodopiar, de braços abertos, dando
gritinhos de prazer. Mas também cedo perdeu o equilíbrio, foi de encontro a
Jacinta e as duas caíram na areia, soltando gargalhadas. Zaida puxou-lhes pelos
braços:
- Mas que ronceiras vós me saístes!
Erguei-vos, vamos!
Recomeçaram as três a rodopiar, rindo de
satisfação. Diogo, que até aí mantivera a pose, não se conseguiu segurar mais e
os quatro rodopiavam, de braços abertos, olhos fechados e cara levantada ao
sol. Por vezes, iam de encontro uns aos outros e caíam, para se tornarem a
erguer, numa galhofa pegada.
Jacinta sentia-se inebriada de alegria e
liberdade, como se voasse. A felicidade suprema consistia em rodopiar ao sol,
de cabelos soltos e braços abertos, gargalhando a seu bel-prazer. Era tão
simples! Porque não se soltavam as pessoas mais vezes, alegrando-se apenas por
estarem vivas, rindo a bom rir, até ficarem tontas, até perderem o ar?
Published on February 25, 2015 03:19
February 23, 2015
A Citação da Semana (49)
«Educação (cultura) é a capacidade de conseguir ouvir quase tudo sem perder a calma nem a autoconfiança».
Robert Frost
Robert Frost
Published on February 23, 2015 04:15
February 20, 2015
Danos Colaterais
Daqui
Estas
crianças parecem ter uma boa vida. Estão bem alimentadas, bem vestidas e lavadas.
Porém, reparando nos seus olhares (é tão importante reparar nos olhares!),
constatamos que algo os incomoda. Os olhos são profundamente tristes,
desiludidos, um tanto desconfiados.
Estas
crianças foram simplesmente abandonadas! Não só pela família, como por toda a
aldeia onde viviam. A razão? Algum seu familiar adoeceu com ébola, ou elas
próprias apresentaram sintomas: febre, vómitos, dores nas articulações. Na
verdade, muitas nem contraíram o ébola! Quantas outras doenças há com os mesmos
sintomas?
Para
estas crianças, não costuma haver regresso. As portas fecham-se-lhes, sentem na
pele a frieza, a recusa, a segregação. Vagueiam pelas ruas e, se têm sorte, são
recolhidas numa aldeia SOS, como estas, em Freetown, na Serra Leoa.
O
monge salesiano alemão Lothar Wagner é uma das pessoas que se ocupam destes “órfãos”,
lhes tentam incutir nova coragem, gosto e confiança na vida. O sucesso não está
garantido. Mesmo os fisicamente saudáveis, quedam-se sem iniciativa, queixam-se
de falta de apetite, alguns passam a vida a chorar silenciosamente, ou
mantêm-se apáticos.
Já
não se fala de ébola, na Europa e nos Estados Unidos. Depois da histeria de
alguns casos (meu Deus, a doença já está entre nós!), o perigo passou. É como
se o ébola estivesse debelado. Apesar de a situação estar mais ou menos
controlada, porém, o ébola continua a matar. E a condenar crianças ao abandono.
Post baseado neste artigo (em alemão).
Published on February 20, 2015 03:55
February 18, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (12)
- Não te queres tornar uma de nós?
Jacinta olhou a moura tão atónita, que esta
acrescentou:
- Ou julgas-te preciosa demais? Afinal,
estiveste num convento… E deves saber ler e escrever, guardas esse teu livrinho
como se de um tesouro se tratasse.
Jacinta remeteu-se ao silêncio, lutando
consigo própria. Estava sozinha no mundo, valia menos do que um cão de pastor,
ou uma vaca de camponês. Mais cedo, ou mais tarde, haveriam de
abusar dela, como o Fuças fizera.
Também nessa altura ela se esforçara por ser humilde e recatada. E de nada
adiantara!
Não seria melhor passar da defesa ao ataque?
Várias vezes, constatara que o mal não estava nos atos em si, mas nas
circunstâncias em que ocorriam. Como soldadeira, poderia, pelo menos, escolher
com que homem se deitar. E ainda ganharia dinheiro com isso.
Que mais lhe restava, como mulher, esgotadas
que estavam as possibilidades do casamento e do mosteiro? Possibilidades que
desperdiçara, fosse por azar, por burrice, ou por ruindade…
Olhou para Rosinha, de apenas cinco anos, que
corria livre e feliz, pela areia. A única hipótese daquela catraia era
tornar-se soldadeira, todas as outras lhe estavam vedadas. Porque condenava
Deus crianças doces e inocentes a tal destino?
Não passaríamos todos de gotas de chuva a
vaguear ao sabor do vento…
- Crês que me podias ensinar a bailar?
Zaida, que, perante o silêncio dela, tornara
a concentrar a sua atenção no mar, mirou-a crítica. Depois, considerou:
- Bem, és tão alta como eu e, embora sejas
magra, pareces-me bem-feita. Além disso, – pôs-lhe a mão debaixo do queixo,
obrigando-a a erguer a cabeça, – tens uma pele clarinha e mimosa. Há homens
doudos por isso. E esses olhos de gata também os enfeitiçam. – Recolheu a mão e
acrescentou: - Desprende lá os cabelos!
Published on February 18, 2015 03:16


