Cristina Torrão's Blog, page 76
May 26, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (24)
Jacinta não sabia o que pensar. Tornou a
agradecer ao irmão Ambrósio, mas não conseguia partilhar da sua euforia. Duvidava
que el-rei e o arcebispo se lembrassem dela, uma mulher, depois de terminado o
pesadelo. E quiçá D. João Peculiar houvesse exagerado nas suas afirmações, a
fim de agradar ao monge. Ou o próprio irmão Ambrósio, no seu entusiasmo,
houvesse visto aceitação e admiração a mais nas atitudes dele.
Tornou a concentrar-se no seu labor,
estava ainda longe de poder repousar. E o seu ceticismo em relação ao ataque do
dia seguinte provou não ser infundado. Se bem que houvesse um pequeno avanço, o
desfecho foi, mais uma vez, catastrófico. Os ingleses conseguiram evitar que a
torre pegasse fogo e, dotado de um novo sistema de rodízios, o engenho não
ficou atolado na areia. Os mouros, porém, atreveram-se a uma surtida, por um
dos postigos virados ao rio, e dera-se novo massacre, na areia, que se empapara com o sangue dos
corpos.
Os combates só foram retomados dois dias mais
tarde, quando finalmente se deu a viragem. Os ingleses chegaram às muralhas com
a torre. E, antes que pudessem usar o passadiço que lhes permitiria alcançar o
adarve, os sarracenos depuseram as armas. Anunciaram que desejavam negociar
tréguas, mas apenas com el-rei de Portugal!
Aos cruzados não agradava que D. Afonso
Henriques negociasse sozinho com o alcaide, sendo de opinião que os portugueses
pouco contributo haviam dado para o sucesso do cerco. Seguiu-se uma série de
contratempos e insubordinações e, na noite de 22 para 23 de outubro, um grupo
penetrou traiçoeiramente na cidade, buscando um tesouro que se dizia escondido pelos mouros.
- Os cruzados ainda deitam tudo a perder –
lamentou o irmão Ambrósio, – quando julgávamos haver o pesadelo chegado ao fim!
D. Afonso Henriques acabou por controlar a
situação, garantindo a subjugação dos estrangeiros, mas a busca do tesouro, que
não existia, resultara em mais cadáveres pelas ruas da cidade, incluindo
mulheres e crianças. Também o velho bispo moçárabe foi encontrado no meio de
uma poça de sangue, de goela cortada.
Published on May 26, 2015 02:59
May 25, 2015
A Citação da Semana (62)
Published on May 25, 2015 02:14
May 24, 2015
Licor Chamoa
Tendo
familiares em Santa Maria da Feira, adquiri uma ligação afetiva a essa cidade, na
infância e na juventude, em férias que lá passei e em inúmeras visitas aos meus
tios e primos. Depois, as vidas tomaram outros rumos e, no meu caso, a ida para
a Alemanha, em 1992, afastou-me de pessoas e lugares.
Felizmente
há acasos que despertam coisas adormecidas dentro de nós. Há uns anos, escrevi
o meu romance sobre D. Afonso Henriques decidida a explorar facetas desconhecidas
do monarca. E descobrir que ele terá tido uma grande paixão, com quem terá
pretendido debalde casar, foi quase como abrir uma caixinha de joias, de cuja
existência ninguém desconfiava.
O
nome da protagonista era Châmoa
Gomes, uma relação que, aliás, parece ter acabado com o casamento do
monarca. As razões perderam-se no tempo. Eu é que não podia perder a oportunidade!
E, quando precisei de localizar uma cena decisiva, veio-me ao pensamento a
imagem do castelo de Santa Maria da Feira, que tantas vezes visualizei, da
varanda dos meus tios.
A decisão acarretou
consequências agradáveis. Como
já aqui tinha referido, Miguel Bernardes, um empresário feirense ligado à
restauração, liderou o processo de criação e produção do licor de Chamoa, baseado nessa paixão de D. Afonso Henriques e
tornado na bebida oficial da Viagem Medieval, que se realiza todos os anos em
terras de Santa Maria.
Ontem, estive precisamente em
Santa Maria da Feira e o Daniel Santos, promotor do 2711, guiou-me aos locais onde se vende
o licor e se pode ler um pequeno excerto do meu livro. Fiquei com o tal brilho nos olhos,
referido pelo Daniel. E travei conhecimento com o próprio Miguel Bernardes,
proprietário do Praceta
Restaurante, onde adorámos almoçar. Entre outras delícias, o meu marido
ficou maravilhado com o bife Praceta,
servido com um molho que inclui chocolate e que prova o poder de criação do
Miguel Bernardes. De entre as ideias que ele ainda apresentará, talvez arranje
inspiração em mais algum dos meus romances…
Com o Daniel e o Miguel Bernardes, a tentar controlar as diabruras da Lucy
Aproveito para agradecer mais
uma vez ao Daniel o tempo que nos dispensou, proporcionando-nos um dia
excecional, pois tivemos ainda oportunidade de apreciar o Teatro de Rua de Santa Maria da Feira, já
que a nossa visita coincidiu com a edição deste ano.
Published on May 24, 2015 11:37
May 19, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (23)
Os mouros provaram não tencionar desistir.
Martim Moniz e o seu grupo conseguiram forçar a abertura da porta, mas os sarracenos
adiantaram-se, saindo e provocando grande matança entre os cavaleiros
portugueses. Martim Moniz tentou impedir que fechassem novamente os portões e
acabou por morrer esmagado.
O ataque deixou feridos a agonizar na encosta
da alcáçova e, embora já houvesse gente a tratar deles, o irmão
Ambrósio rogou a Jacinta que fosse em seu auxílio, pois mais ninguém curava
como ela.
Seguiu o monge até ao local, apesar de
fatigada, com as madeixas a soltarem-se-lhe da trança, acossadas pelo vento
forte. Movia-se entre os mortos e feridos dando as suas ordens, de sentimentos
fechados, constatando haver poucos guerreiros a quem acudir, pelo que se
despacharia lesta. Não lhe parecia, aliás, haver tarefas que exigissem a sua
intervenção e censurou interiormente o irmão Ambrósio, que a arrastara até ali
sem necessidade.
Antes de volver ao acampamento, deu mais uma
volta, por descarga de consciência. Perto do cemitério islâmico, ouviu alguém
berrar. Virou-se e viu um guerreiro que ainda não estava a ser assistido e que
se tentava arrastar. Gritou-lhe:
- Deixai-vos estar! Vou a caminho!
O homem rebolou, ficando deitado de costas.
Jacinta viu-lhe a barriga ensanguentada. Mas viu algo mais que a fez sentir-se
como se lhe tivessem igualmente furado as entranhas. Ao rebolar, o cavaleiro
perdera o capelo de ferro e o cabelo escapava-se-lhe do almofre, agitando-se ao
vento. Cabelo de um castanho inconfundível!
Published on May 19, 2015 03:56
May 18, 2015
A Citação da Semana (61)
Published on May 18, 2015 02:41
May 14, 2015
Na terça-feira passada, em Bragança
Passei umas horas muito agradáveis na Biblioteca do Agrupamento de
Escolas Abade de Baçal, na passada terça-feira, 12 de maio. A
organização foi um primor, os alunos interessados puseram questões
oportunas, os professores presentes estavam bem preparados para a minha
visita e empenhados em manter o ritmo da conversa (plenamente
conseguido).
E foi tão bom falar de D. Afonso Henriques, de D. Dinis e
dos primeiros portugueses da História, a gente do século XII, que se viu
envolvida na fundação de uma nação. Porque toda essa gente fez
História. Como diz o Professor José Mattoso: «O passado dos homens não
foi só a sua vida pública. Foi também o jogo ou a luta de cada dia e
aquilo em que eles acreditaram».
Muito obrigada a todas as pessoas
que me proporcionaram manhã tão agradável!
Destaco a Diretora do
Agrupamento das Escolas Abade de Baçal, Teresa Sá Pires; a Coordenadora
das bibliotecas do Agrupamento e professora bibliotecária da escola
Básica Augusto Moreno, Elisa Ramos; e um obrigada muito especial ao professor bibliotecário da Escola Secundária Abade de Baçal, António da Palma Ferreira.
"Last but not the least", agradeço aos alunos, que me fizeram acreditar
nos jovens de hoje, apesar de tudo o que é dito e do que circula nas
redes sociais. Vocês foram impecáveis!!!
Published on May 14, 2015 13:02
May 12, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (22)
- Que desgraça, D. Jacinta! Que grande
matança… Os cruzados estão desesperados… Hão mister de auxílio… Vós sabeis
falar latim… E sois tão boa curandeira…
Os mouros haviam dado a volta à situação,
disparando setas incendiárias com as suas bestas, ao abrigo dos merlões
quadrados. As fundas baleares dos alemães e flamengos arderam e a pesada torre
dos ingleses acabou atolada na areia e igualmente consumida pelo fogo. Os
cruzados fugiram desordenadamente, sob a chuva de projéteis vinda do adarve.
Jacinta reuniu as suas ajudantes e seguiram o
irmão Ambrósio com o seu grupo de monges, encosta abaixo. Viram os corpos
espalhados entre as muralhas e a colina do oriente, mas nem todos estavam
mortos. Braços agitavam-se, ouviam-se gritos desesperados, alguns arrastavam-se
a esvair-se em sangue.
O grupo de Jacinta juntou-se aos que já tentavam
tirar dali os sobreviventes. Não se abeiravam, contudo, das muralhas, receando
que ainda viesse uma ou outra seta moura, pelo que se viam obrigados a ignorar
os feridos que nesse local de perigo jazessem. Agiam por instinto, no meio do
desespero daqueles que viam a morte à frente e imploravam salvação. No ar
empestado com o odor metálico do sangue e dos engenhos queimados, tentavam
suster as hemorragias com panos. Alguns monges dedicavam-se aos moribundos,
murmurando as orações da extrema-unção, garantindo-lhes que iriam direitos ao
Paraíso, procurando assim aliviar as suas almas atormentadas.
Entretanto Jacinta e as outras mulheres
dirigiram-se às tendas onde se depositavam os feridos. Tentar salvá-los era,
porém, uma tarefa quase inglória, além de que não havia como minorar o
sofrimento e as dores. Labutaram pela noite fora, tão ensopadas em sangue como
os seus enfermos.
Published on May 12, 2015 03:53
May 11, 2015
A Citação da Semana (60)
«Não devemos possuir apenas a arte de oferecer, também a de saber receber e aceitar».
Adrienne von Speyr
Adrienne von Speyr
Published on May 11, 2015 02:32
May 8, 2015
Do cliché: pessoas que gostam de animais não gostam de pessoas
No
início de abril, o ARD (1º canal alemão) mostrou um filme
sobre o Professor
Bernhard Grzimek, pioneiro na defesa dos animais e na preservação do meio-ambiente,
na Alemanha do pós-guerra. Com o seu documentário Serengeti
Shall Not Die , Bernhard Grzimek ganhou, em 1960, o
Óscar para o melhor documentário de longa-metragem. Relata os inícios
do Parque Nacional Serengeti (no Ngorongoro), na Tanzânia, e contém
imagens lindíssimas, captadas pelo Professor e o seu filho, Michael Grzimek, a partir
do seu pequeno avião, pintado como uma zebra.
O acontecimento teve uma nota
trágica: o filho Michael não esteve presente na cerimónia dos Óscares, pois morreu,
no final das filmagens, num desastre com esse mesmo avião, numa altura em que,
por acaso, voava sozinho.
O
Professor Bernhard Grzimek foi uma celebridade na Alemanha, pois, além de ter
realizado o famoso documentário, foi o coordenador de uma completíssima enciclopédia
da vida animal, em 13 volumes, sendo inúmeras entradasde sua autoria. Teve, igualmente, durante décadas, um programa
televisivo em defesa dos animais. Aparecia, quase sempre, acompanhado por um
animal, que podia ser feroz, como um tigre. Grzimek era também Diretor do
Jardim Zoológico de Frankfurt, lugar que ocupou logo a seguir à guerra, quando o
zoo estava destruído e quase todos os animais mortos (restavam vinte). Os
correios alemães homenagearam-no e ao seu programa televisivo num selo, nos 20 anos da sua morte.
O
filme que o ARD mostrou, tentou dar a imagem de um homem empenhado na defesa
dos animais, mas com imensas dificuldades em lidar com as pessoas, nomeadamente,
os seus familiares: nunca conseguiu ser fiel à primeira mulher e o seu filho negro
adotivo queixava-se da falta de tempo do pai, acabando
por se suicidar, ainda jovem, preso por tráfico de droga. Além disso, Grzimek enfrentou
grande desaprovação social, ao ter-se separado de sua mulher para casar com… a
nora viúva!
Os humanos que se dedicam
aos animais têm dificuldades em fazê-lo com os seus semelhantes? Ou o filme que
o ARD mostrou foi realizado a fim de servir esse cliché?
Eu inclino-me
para a segunda hipótese. O Professor Grzimek era um homem célebre, muito
solicitado, cheio de compromissos e projetos, e todos sabemos que pessoas assim têm frequentemente problemas familiares. Além disso, passou
grandes temporadas em África, sempre empenhado na preservação do Parque
Nacional tanzaniano. E nem todas as suas relações pessoais falharam. Entendia-se lindamente com
o seu filho Michael, também apaixonado pela vida animal. Curiosamente, foi com a viúva deste que cimentou uma
relação duradoura, até à sua morte, em 1987. Claro que é raro um homem casar com a nora viúva. Mas acontece. E não será apenas com pessoas que se dedicam
aos animais…
Cito uma frase que
encontrei na Wikipedia e que confirma o seu bom carácter: during World War II he was
a veterinarian in the Wehrmacht and worked for the Food Ministry of the 3rd Empire in
Berlin. In early 1945, the Gestapo raided Grzimek's Berlin apartment, because
he had repeatedly supplied food to hidden Jews.
Bernhard Grzimek encontra-se
sepultado no alto de uma falésia, com vista para a Cratera de Ngorongoro, ao
lado do filho Michael.
O trailer de Serengeti Shall Not Die:
Published on May 08, 2015 03:30
May 5, 2015
Os Segredos de Jacinta (21)
O
povo dirigia-se aos magotes para a foz do Tejo. Todos queriam dar o seu contributo para a
expulsão dos infiéis, consideravam-se peregrinos em missão de fé. Os mais
pobres e miseráveis, gente sem eira nem beira, viam na campanha de Lisboa uma
oportunidade de mudança de vida. Famílias sonhavam com propriedades férteis em
terras de mouros; aventureiros e mendigos viam-se a arrebanhar as riquezas dos
pagãos; soldadeiras, rameiras e outras mancebas perguntavam-se se os cruzados,
estrangeiros à solta num reino desconhecido, não engraçariam com elas e não
lhes proporiam casamento. Muitos previam a ocorrência de milagres, numa
expedição levada a cabo por cruzados, comandados por el-rei D. Afonso, a quem
já surgira Jesus Cristo.
Jacinta limitava-se a ouvir sem se expressar.
Que pensassem o que quisessem! Sabia que só podia contar com uma pessoa: ela
própria. Na vida terrena, Deus só atuava se o descobríssemos dentro de nós.
Vê-Lo como uma entidade exterior e esperar que Ele nos resolvesse os problemas
não passava de ilusão. Só nós, em sintonia com Ele, sentindo-O no nosso
interior, estávamos em condições de mover montanhas.
Published on May 05, 2015 03:49


