Cristina Torrão's Blog, page 74

July 7, 2015

Da incapacidade de estabelecer ligações

































A
propósito de um homem que, na Tailândia, se dedica a dar banho a cães de rua
,
logo se levantaram as críticas moralistas: num país, onde há tanta pobreza, vai
o homem preocupar-se com rafeiros! Que dê de comer às crianças pobres!






Eu
gostava de perguntar a muita dessa gente o que costuma fazer pelos pobres.

Se
este homem decidisse gastar o seu tempo livre a ver televisão, ou em frente do
computador, indiferente à miséria existente à sua volta, seja de pessoas, seja
de animais, deixavam-no em paz. É essa a grande ironia. Quem resolve agir,
raramente é bem visto. Talvez porque recorde às pessoas que existe algo chamado
consciência…




Em
2003, o escritor colombiano Fernando
Vallejo, que ganhou um prémio no valor de cem mil dólares
, também chocou as
almas dos moralistas de pacotilha ao doar a totalidade do dinheiro para ajudar
os cães de rua da América do Sul. Para ajudar os cães? Num país onde há tanta
pobreza?

Decidisse
o escritor desbaratar o valor do galardão em orgias de sexo e álcool, ou
fosse um colecionador de automóveis e comprasse uns quantos, apenas para os ter
na garagem, não ajudava ninguém. E, no entanto, os moralistas
limitar-se-iam a encolher os ombros e a dizer: o dinheiro pertence-lhe, faz
dele o que quiser!




Gente
dessa, que, ao abrigo da sociedade de consumo, critica quem se dedica aos
animais abandonados, esquece-se que ajudá-los é ajudar as pessoas, ainda que
indiretamente. É preciso olhar mais longe e estabelecer ligações. Que seria deste nosso mundo cheio de cães e gatos esfomeados
pelas ruas, infestados por parasitas e doenças? Um perigo gigantesco para a
saúde pública! E reuni-los e abatê-los também custa dinheiro e carece de
infraestruturas. Por isso, deem graças a Deus por existirem pessoas que se
dedicam a eles!




Fazer
o bem porque se sofre com o sofrer de outros seres, seja em que dimensão for, não deve ser nunca objeto de
crítica, principalmente por quem se acomoda na sua vidinha pasmaceira!




Na sua
encíclica Laudato si’ , o papa
Francisco mostra-nos como a proteção da Natureza e o respeito pela criação divina
(que inclui os animais) estão indiretamente
ligados à justiça social, pelo que ajudam a erradicar a pobreza.

Nem
duvidem!





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Published on July 07, 2015 03:36

July 6, 2015

A Citação da Semana (68)

«Ser aquilo que realmente somos e tornarmo-nos naquilo para que temos capacidade é o único sentido da vida».



Robert Louis Stevenson








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Published on July 06, 2015 03:32

July 3, 2015

O Clube das Efes




«Temos que viver em harmonia com as doninhas, as fuinhas, e até com as ervas daninhas» - palavras do biólogo Tiago A. Marques, no prefácio do livro O Clube das Efes. E não se trata de metáforas. Os livros infantis de Beatriz Lamas Oliveira sensiblizam para a proteção do meio ambiente e, no 2º volume da Coleção Vida Selvagem, as protagonistas são três doninhas: a Faia, a Flor e o Freixo.



Da sinopse:

As
doninhas, os mamíferos carnívoros mais pequenos que vivem em Portugal, vivem as suas ativas vidas de animais selvagens, sem se
preocuparem com os humanos. Procuram alimento, caçam, escondem-se nos
abrigos onde se sentem seguras, acasalam e cuidam dos filhotes sem
precisarem da ajuda das pessoas da aldeia.

Mas,
por vezes, em situações excecionais, como tempestades ou cheias, grandes
secas ou incêndios, o território das doninhas, os seus abrigos,
alimentos ou filhos, podem ficar em perigo. Uma
dessas situações de risco ocorre nesta história. Serão a Faia, a Flor e o Freixo salvos a
tempo?

Mas como, se homens e animais selvagens não falam a mesma língua?



O Clube das Efes vai estar à venda a partir de 10 de julho.





As doninhas Faia, Flor e Freixo



A autora e ilustradora Beatriz Lamas Oliveira no Facebook.




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Published on July 03, 2015 03:17

June 30, 2015

Chamem a Polícia!








Ameaças
não são um bom método educativo. Na verdade, são um sinal de desespero dos
pais, que resolvem delegar responsabilidades. Foi a discussão que se gerou à
volta de um apelo que a Polícia da cidade alemã de Hagen fez a todos os pais no
Facebook . Reza assim (tradução
minha):




«Parem,
por favor, de dizer aos vossos filhos que os vamos buscar, se eles não se portarem
bem! Os vossos filhos devem vir ter connosco, caso algo lhes meta medo… em vez
de ter medo de nós!»




Uma
enfermeira aproveitou a discussão gerada na mais famosa rede social para se
meter ao barulho, anunciando que, no hospital em que trabalha, ouve muitas
vezes os pais ameaçarem: «Se não te portares bem, vem aí a senhora enfermeira e
dá-te uma pica!» A enfermeira lamenta que se criem medos desnecessários nas
crianças que ela, transformada na má da fita, apenas pretende ajudar.





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Published on June 30, 2015 04:43

June 29, 2015

A Citação da Semana (67)

«Basta que digas sim, quando for sim, e não, quando for não».



Mateus 5,37




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Published on June 29, 2015 03:02

June 27, 2015

O Futuro é Passado no Presente




Depois de Obsessão e Moolb - o reverso, o autor continua a sua "saga" de dissecação do nosso tempo, em que as desigualdades, a desumanidade e a solidão atingem níveis absurdos, resultado da globalização e do capitalismo desenfreado. Há cenas que atingem nível de caricatura e é impossível não reconhecermos certas facetas da nossa sociedade, em momentos como:



«Quando M. entrou no hospital havia um estranhíssimo cheiro a morto (...) Na recepção, uma mulher, de má cara e poucas falas, atirou-lhe com um questionário para preencher. Olhou-a irritado... «Doía-lhe horrivelmente o braço, possivelmente estava fracturado e aquela desagradável mulher a querer obrigá-lo a preencher papelada sem fim.

- ??? - foi tudo o que recebeu na volta de um papel esbranquiçado, sem uma pupila de olho, só com aquele rosnado gutural, seguro por uma mão que o convidava ameaçadoramente a preencher» (p. 94).



Não resisto a citar outro momento, que considero o melhor deste livro. Trata-se de uma redação de uma criança, instada, na escola, a exprimir o seu maior desejo:





«Senhor, esta noite
peço-te algo de especial: transforma-me num televisor! Quero ocupar o lugar
dele. Viver como vive a televisão da minha casa. Ter um lugar especial para
mim, e reunir a minha família à volta... Ser levado a sério quando falo...
Quero ser o centro das atenções e ser escutado sem interrupções nem perguntas.
Quero receber o mesmo cuidado especial que a televisão recebe quando não
funciona. E ter a companhia do meu pai quando ele chega a casa, mesmo quando
está cansado. E que a minha mãe me procure quando estiver sozinha e aborrecida,
em vez de me ignorar ou desfazer-se em gostos para estranhos. E ainda, que os meus irmãos lutem e se
batam para estar comigo... sem me magoar, claro está! Quero sentir que a minha
família deixa tudo de lado, de vez em quando, para passar alguns momentos
comigo. E, por fim, faz com que eu possa diverti-los a todos. Senhor, não te
peço muito... Só quero viver o que vive qualquer televisor».





 Penso que as palavras de Pedro Sande falam por si.





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Published on June 27, 2015 04:00

June 25, 2015

Que emoções sentimos quando caminhamos de mãos dadas?

Esta pergunta da Alice Alfazema fez-me ir ao baú onde guardo coisas que escrevo, a fim de ir buscar este pequeno texto:










A
menina segue pela mão frouxa da mãe. A menina gostava que ela a agarrasse melhor, para o caso de vir uma
lufada de vento, que a levasse da mãe. E ela não quer ser levada da mãe. Mas a
mãe caminha sem lhe prestar atenção, como se lhe fosse indiferente que a filha
ali esteja. Por isso, não se dá ao trabalho de lhe segurar melhor a mão.

A
menina não sente que a mãe a quer muito e que não a largaria por nada deste
mundo. De vez em quando, põe a outra sua mão sobre a mão da mãe e aperta, mostrando-lhe
que se quer sentir mais agarrada. A mãe reage impulsivamente e aperta mais os
dedos sobre a mão da menina. Mas é sol de pouca dura. Depressa os seus dedos readquirem
a frouxidão habitual.

A
menina repete aquele gesto várias vezes, pelo caminho, até que a mãe pergunta
porque faz ela isso. A menina diz que quer que ela a agarre melhor. A mãe
olha-a como se a achasse estranha, pateta. E não se apercebe de que o insólito consiste
em ela ter necessidade de fazer aquela pergunta.





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Published on June 25, 2015 03:38

June 23, 2015

História da Vida Privada em Portugal - A Idade Média (17)




O desempenho de funções paternais e maternais por parte de outros parentes também se encontra recordado na cronística dos finais da Idade Média.

(...)

O sentimento do privado transborda, assim, da casa para a parentela, mais vulgarmente tios ou primos, na companhia dos quais decorria, muitas vezes, uma parte significativa da infância.

Entre a fidalguia rural minhota dos séculos XII e XIII, era costume confiar o aleitamento e a criação dos seus filhos às mulheres das famílias locais de camponeses livres, as quais, ao amamentá-los em conjunto com os seus próprios bebés, no quadro de uma irmandade de leite, passavam, por via desse serviço, a isentar o seu lar de pagamento de tributos régios.

(...)

Durante os séculos XII e XIII, a aprendizagem dos jovens fidalgos implicava, frequentemente, o abandono da casa paterna, por vezes logo após o desmame. Separados da mãe e das irmãs, os pequenos nobres passavam, então, a participar no mundo viril das cavalgadas, caçadas, armas e jogos de destreza guerreira, ao mesmo tempo que se incorporavam nos quotidianos próprios das famílias nobres onde passavam a viver, contribuindo deste modo para o reforço dos laços de dependência feudal que os uniam às suas linhagens de origem. Esta integração numa nova família podia, inclusivamente, sobrepor-se à própria consaguinidade, reforçando-a ou mesmo substituindo-a como laço vinculador, originando uma ligação social e afectiva muito forte.

(...)

No âmbito das elites aristocráticas, sobretudo fidalgas, as crianças ainda poderiam integrar uma nova família por outros motivos. Quando raparigas, era frequente o abandono da casa paterna, quando atingiam a idade requerida para o permitir, ou seja, a partir dos sete anos, para os prometimentos «que o direito chama esposórios», para serem criadas na própria casa dos futuros sogros, onde passavam a integrar uma nova família que as tratava como filhas, aí aguardando a idade convencionada para a concretização dos matrimónios previamente negociados, aos doze anos. Na cronística de Avis mencionam-se várias meninas infantas que, muito novas, e para cumprir o seu destino matrimonial, se viram obrigadas a abandonar a corte paterna.



A Criança, Ana Rodrigues Oliveira, pp. 277, 278 e 279.




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Published on June 23, 2015 06:31

June 22, 2015

A Citação da Semana (66)

«Tudo acaba bem para quem sabe esperar».



Leo Tolstoi




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Published on June 22, 2015 03:05

June 20, 2015

O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel













Em
dois contos, situados em dois grã-ducados imaginários,
algures na passagem do século XIX para o XX, Mário de Carvalho
apresenta-nos características e dramas humanos como a ambição, a hipocrisia, o
medo do desconhecido, o deslumbramento por coisas banais, a indiferença por
coisas menos banais ou mesmo perigosas, o acreditar em coisas fáceis porque é
mais fácil, a esperança, a desilusão, a desumanidade.




Tudo
nos é apresentado numa escrita fresca, de tão criativa, com pormenores geniais,
temperada com uma fina ironia, a presença constante nestas duas narrativas
(quase podemos dizer que a ironia é a verdadeira personagem principal), embora,
quase sempre, os acontecimentos narrados sejam trágicos. O difícil balanço
entre tragédia e comédia é, porém, perfeitamente conseguido.




Gostei
mais do conto O Varandim, em que há
um avô constantemente transportado na sua cama escada acima, escada abaixo, por
motivos que só no final se vislumbram. Aproveito uma dessas cenas (p. 54) para
dar uma amostra da escrita extraordinária de Mário de Carvalho:




Mas,
em casa, estava instalado o pandemónio. Abrir a porta foi como destapar uma
daquelas caixas míticas de onde irrompem, explodindo, males e prodígios. À
entrada, Kosm ladrou, rebolou-se,
correu, voltou, agachou-se, saltou, as orelhas num virote, a cauda num
torvelinho. Pela escada ribombavam ecos de pancadas incertas na madeira dos
painéis, no corrimão, nos degraus. A meio da escada, meio descomposto, em
colete, as mangas da camisa enfunadas, Cleonardo em feroz gesticulação dirigia
uma manobra, dando ares de um jovem pirata comandando uma abordagem cruel.





Ondulando
e derivando, de degrau em degrau, mal amparada por Bekushka e Bucheon e
orientada por uma Arnolda excitada, descia a cama do avô, atravessado e convulso
entre amontoados de roupa, emitindo, na sua obliquidade, uns gemidos
prolongados, sonoros a cada arranque, lentos no esvair das expirações.





-
Papá, papá. É preciso desocupar o sótão!





E
Zoltan viu nos olhos acesos do filho, nos gestos largos e bruscos, na aura de
vibrações que lhe electrizava os cabelos e a própria roupa, um assomo de
energia de que nunca pensou que ele fosse capaz. Sentou-se no canapé, lasso,
sem forças.





-
Água, água para o papá, imediatamente.





E,
quando Bekushka largou a cama, os ferros tiveram mais um baque e o velho soltou
mais um gemido.




Neste
excerto, apercebemo-nos dos nomes curiosos que Mário de Carvalho dá às
personagens desses locais imaginários. Para quem sabe alemão, alguns tornam-se
particularmente hilariantes e não resisto a dar alguns exemplos:



- um homem
chamado Zauerkraut (com Z em vez de S, que, como todos sabem, é a chucrute)

- a marquesa de Zufriedenheit (ou seja, do contentamento)

- a família Unmöglich (impossível)

- o barão
Kindlich (jogando com a palavra "kindig", que significa infantil ou acriançado)

- a ilha de Katzenjammer (a ilha do lamento do gato)

- o conde de Überalles (sobretudo, pois claro)

- a senhora Dummschen (mais um jogo, com a palavra "dümmchen", que significa tolita ou parvita)

- os jesuítas Schlachten (batalha, carnificina) e Scröpfen (enfim, "Kropf" é bócio).







(Sem
ousar comparar-me a tão talentoso escritor, apenas para publicidade, até me apetece recordar os nomes do
meu Cloning Adolf : Kornflock, Matrix
Relot, Obskur, Chanel Luninski, Tortinova e Cia.).





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Published on June 20, 2015 04:56