Cristina Torrão's Blog, page 77
May 4, 2015
A Citação da Semana (59)
«Só há felicidade, quando nada exigimos do dia de amanhã e aceitamos agradecidos o que o dia de hoje nos traz».
Hermann Hesse
Hermann Hesse
Published on May 04, 2015 03:24
April 30, 2015
O Meu Irmão
Afonso
Reis Cabral possui um notável sentido de observação e descreve com incrível nitidez
o Portugal interior, a sua miséria e a sua ignorância. Mas a juventude também
se nota na sua escrita, o que, na minha opinião, está longe de ser uma
desvantagem. Há uma sinceridade e uma singeleza que uma pessoa vinte anos mais
velha não conseguiria (e o próprio escreverá de maneira diferente, quando
atingir essa idade). No início, até achei desnecessário que a sua personagem
principal (o narrador, já que o livro é escrito na primeira pessoa) tivesse à
volta de quarenta anos, mas talvez essa minha irritação tivesse a ver com a polémica
gerada pelas declarações
de António Lobo Antunes. Tivesse eu pegado no romance, sem saber a idade do
autor, quiçá ficasse a pensar que ele fosse realmente vinte anos mais velho… E,
à medida que se avança na leitura, vê-se que, por motivos de enredo, a pessoa
tem mesmo de ser daquela idade.
A
convivência com um irmão com o síndrome de Down é-nos transmitida de forma
pragmática, sem sentimentalismos, aliás, uma das razões que justificou a
atribuição do prémio. O autor aproveita inclusive essa relação para denunciar
duas situações. Em primeiro lugar, num paralelismo que achei muito
interessante, mostra-nos que os problemas que tal convivência gere estão longe
de serem exclusivos de uma família que alberga um membro com deficiência. Em
qualquer outra, de pessoas “normais”, se geram dependências e subjugação, se
encontra alguém que vive em função de outrem, numa espécie de servidão, que
pode durar quase uma vida. Em segundo lugar, foi muito interessante testemunhar
os ciúmes que o filho “normal” sentia do filho com deficiência. Claro que tendo um
filho com necessidades especiais, os pais se centram à volta dele, com
tendência a esquecer-se dos restantes. E é difícil explicar a uma criança
pequena que o irmão, apenas um ano mais novo, necessita de mais carinho e
cuidados do que ela. Não se pode mesmo explicar, a criança não o percebe. Achei
comovente a confissão do narrador de, em pequeno, ter desejado
ser o irmão, ter desejado possuir uma deficiência, a fim de ser mais acarinhado e amparado pelos pais. Impressionava-o, acima de tudo, o facto de o irmão poder fazer as
maiores travessuras, poder ser mal-agradecido e mostrar frieza de sentimentos,
sem ser admoestado, nem que ninguém ficasse ofendido com ele.
Trata-se,
por isso, de um livro muito interessante e bem escrito. Porém, e sem querer
revelar muitos pormenores, fiquei surpreendida com o grau de violência de que o
narrador revelou ser capaz. As maiores desumanidades acontecem na
própria família. E as maiores rivalidades, invejas, os maiores ciúmes, criam-se
entre irmãos, independentemente de deficiências ou outro tipo de problemas. Pois
é…
Published on April 30, 2015 04:36
April 28, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (20)
A 16 de junho, a multidão
que se espalhara pelos montes e colinas sobranceiros ao Douro, assim como os
habitantes do Porto e de Gaia, testemunharam a chegada das embarcações. As que
transportavam os comandantes e os clérigos atracaram no cais da Ribeira,
enquanto as restantes se iam acomodando lado a lado, entre uma e outra margem.
Outras ainda tiveram de lançar âncora nos areais junto à foz.
Nunca se vira tão grande armada e crescia o
entusiasmo em relação ao cerco. Tomava proporções de campanha sagrada,
garantindo a salvação a todos que nela participassem. Pois se Deus decidira
enviar tantos cruzados a el-rei D. Afonso!
Do Sul, veio Soeiro Viegas, um outro filho do falecido Egas Moniz, com uma
carta d’el-rei para o bispo, informando que o monarca já se encontrava na região
de Lisboa, conquistando fortalezas e atalaias, a fim de isolar a cidade,
preparando o caminho para a chegada das tropas cristãs.
Também do Norte chegavam barões. O irmão de
Bernardo surgiu com muitos senhores de Entre Cávado e Minho. O Sousão e Mem Pais Bofinho haviam convencido os Braganções
e, no seu caminho, reuniram-se-lhes nobres de Baião, Benviver e Penafiel de
Canas, ou seja, das terras entre Constantim de Panóias e o Porto, que incluíam
o vale do Tâmega.
Os Braganções
eram a prova de que os barões mais renitentes haviam sido convencidos. Ninguém
escapava à febre do cerco, sentiam-se um povo eleito, testemunhas de uma nova
era, a maioria nem considerava que faltava convencer os
cruzados a auxiliar el-rei. Disso dava conta a carta enviada por D. Afonso a
Pedro de Pitões, que pregou aos estrangeiros no Largo da Sé, tendo a secundá-lo
João Peculiar, arcebispo de Braga, surgido entretanto com os recém-eleitos
bispos de Lamego e Viseu.
Jacinta não se deixava contagiar pela febre
do cerco e volvera ao seu mester de curandeira, tratando de um rapazito atacado
por sezões, o membro mais novo de uma família da Terra de Refojos, composta
pelos pais e mais três filhas. Não possuíam terra própria, eram trabalhadores
sazonais que alugavam casais aos fidalgos. Fartos da miséria, iam em busca de
melhor fortuna, crendo que el-rei os recompensaria a todos, havendo mister de
cristãos para povoar as terras que tomaria aos pagãos. Tomavam D. Afonso por
santo, pois se até Cristo lhe surgira, antes da batalha de Ourique!
Published on April 28, 2015 03:46
April 27, 2015
A Citação da Semana (58)
«Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes. Mas desaprendemos a simples arte de vivermos como irmãos».
Martin Luther King
Martin Luther King
Published on April 27, 2015 03:11
April 26, 2015
E soltaram-se os prisioneiros
Libertava-se
a plenos pulmões a repressão acumulada durante décadas. As vozes,
os punhos erguidos, os cravos nas mãos. «O povo unido jamais será vencido». E
dezenas de jornalistas e fotógrafos, flashes,
perguntas…
Esposas,
maridos, pais, filhos, amigos em êxtase. Mal acreditando que aqueles por quem aguardavam
saíam em liberdade. Ansiavam por os abraçar, por festejar com eles.
Fomos
engolidos pela multidão, era um nunca mais acabar de abraços e lágrimas. Alguns
tentavam desesperados furar o mar de gente, a fim de se juntarem aos seus.
Outros não tinham ninguém à sua
espera…
Eu não tinha ninguém à minha espera.
Seria a única?
Nunca o averiguei.
No
início, nem pensei em tal. Cheguei a responder a algumas perguntas de jornalistas
e houve quem me abraçasse, nem sei se era gente que conhecia.
Depois, comecei a ficar atordoada. À
medida que as pessoas se encontravam e iam ficando juntas, crescia o meu
isolamento. Dei-me conta da minha solidão. Estivera presa, fora torturada, era
agora libertada e ninguém em particular me aguardava em júbilo, recebendo-me e
amparando-me no seu calor, no seu amor.
Nem
pai, nem mãe.
Ninguém.
Published on April 26, 2015 08:02
April 24, 2015
A Véspera
Enfim,
não havia como recuar. Restava-lhe tentar compor as coisas de maneira a que o
resto da família não sofresse as consequências do comportamento da filha
subversiva e criminosa. O facto de outros filhos de boas famílias se deixarem igualmente
envolver em ações subversivas dava-lhe um certo conforto, sentia-se menos
sozinho, mais compreendido. Talvez devesse dirigir-se aos seus antigos contactos da PIDE, explicar-lhes
que era vítima de uma filha desmiolada e que fazia questão de que ela fosse
tratada com toda a dureza. Talvez até se oferecesse para ir a Caxias dar-lhe
umas bordoadas.
Começaria
por se desculpar perante o Professor Marcelo Caetano, não deixando margem para
dúvidas de que lhe saíra na rifa uma «filha má», apesar do empenho que ele
pusera na sua educação. Dedicou vários dias à escrita da carta, relendo e
corrigindo, até ela lhe parecer perfeita. Depois, num serão de quarta-feira,
aproveitou o facto de a mulher e o filho estarem a ver televisão, para se
posicionar no meio da sala e ler-lhes a missiva, do alto do seu orgulho, deixando
claro ao miúdo, ainda a acabar o liceu, a vergonha que a irmã fazia toda a
família passar.
Apesar de o rapaz se mostrar enfastiado por
aquela interrupção de um jogo de futebol, nada disse. Jogava-se a segunda mão
da meia-final da Taça das Taças, com participação portuguesa: o Sporting Clube
de Portugal enfrentava o Magdeburgo, da República Democrática Alemã. Ernesto
também gostava de futebol, mas a escrita da carta tornara-se na sua obsessão, atirando
o resto para segundo plano.
Depois
do jantar, tornou ao escritório e datou finalmente a
carta: 24 de abril de 1974. Enfiou-a, cheio de brio, num envelope, que endereçou
ao Presidente do Conselho de Ministros. No dia seguinte, metê-la-ia no correio.
Olhou
para o relógio. Eram quase onze horas. Ligou o rádio para ouvir as notícias.
Passava, mais uma vez, a canção interpretada por Paulo de Carvalho, que
representara Portugal no Festival da Eurovisão, havia quase duas semanas.
Ernesto não ligava a cantorias, mal sabia distinguir as canções umas das
outras. Mas, por acaso, conhecia alguns versos de E Depois do Adeus, tantas vezes a ouvia…
Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei.
Published on April 24, 2015 03:57
April 23, 2015
Geração Preguiçosa
Preguiçosos
e egoístas são os atributos mais frequentes na classificação dos jovens de
hoje. Já por várias vezes referi que os educadores são em grande parte
responsáveis. No que respeita à preguiça, há pequenos pormenores que podem
fazer a diferença.
A
propósito disto, uma cena que presenciei hoje:
Passo
muitas vezes pelo complexo de piscinas de Stade, nos meus passeios vespertinos
com a Lucy. Hoje, ia à minha (nossa) frente uma miúda de 6 ou 7 anos, na
companhia de um jovem que seria 10 anos mais velho (entre os 15 e os 17).
Presumi que fossem irmãos. De qualquer maneira, pareciam ter um parentesco
próximo e o mais velho acompanhava a mais nova à piscina. A miúda barafustava,
sem vontade de carregar o saco com as coisas dela. Choramingava, pedinchava,
arrastava o saco pelo chão e batia com ele no dito cujo, de propósito,
enervada, irritada.
O
rapaz mantinha-se calmo. Não lhe bateu, não lhe deu um safanão, não ralhou. Na
verdade, falava tão baixo e tão calmo, que eu, a caminhar a apenas 4 ou 5
metros atrás, não o entendia.
Não cedia. A miúda estava provavelmente
habituada a que os pais lhe carregassem o saco. Mas o jovem mantinha-se
impassível, sem se enervar.
A certa
altura, a miúda tentou pendurar o saco nele (ele tinha as mãos nos bolsos das
calças) e, não adiantando, tentou pendurar-se a ela própria.
Mas
que “melga”, pensei!
Ele
permaneceu calmo. Nesta altura, estavam já em frente da porta do complexo e
ele, apontando, ter-lhe-á dito qualquer coisa como (não consegui ouvir): olha,
já chegamos, vai lá.
A
miúda largou-o e, saltitante, com o saco na mão, entrou no complexo, ele atrás
dela.
Apeteceu-me
ir ter com o rapaz e dar-lhe os parabéns!
P.S. Levar os miúdos a carregar as suas próprias coisas, como a pasta da escola ou o saco do desporto, é, na minha opinião, uma boa maneira de combater a preguiça e incutir-lhes sentido de responsabilidade.
Published on April 23, 2015 11:13
April 21, 2015
Os Segredos de Jacinta - Excertos (19)
Tais novidades não estarreceram apenas
Jacinta. Durante todo o dia, não se falou de outra cousa, no castelo de
Lanhoso. O acontecimento teria repercussões em todo o reino, logo começando num
despovoamento temporário do Norte, o que pôs o jogral Francisco Lopes de Braga
deveras preocupado. Se os mais poderosos se deslocariam para Sul, pouco
compensaria atuar nas romarias de Entre Douro e Minho. O melhor seria
acompanhar os guerreiros que haveriam mister de divertimento.
Jacinta notou, porém, que Zaida se quedava
cabisbaixa, contrastando com a euforia geral. Estaria ainda amuada com o que se
passara no serão? Mas a moura revelou que as suas cismas eram outras: não
desejava rumar a Sul.
-Eu sei o que se passará - disse-lhe, com lágrimas nos olhos. – Pelejas, mortes,
padecimento… Não o quero tornar a testemunhar. Aumentará o ódio pelos mouros…
- Estarás protegida pelo grupo…
- Mesmo que não haja mister de temer por mim,
recuso-me a assistir às injúrias a que o meu povo será infligido!
Jacinta recordou os mouros cativos, depois da
Batalha de Ourique, e igualmente se perguntou se deveria acompanhar o grupo.
Como poderia entreter os guerreiros, assistindo à miséria e ao sofrimento?
Published on April 21, 2015 03:41
April 20, 2015
A Citação da Semana (57)
Published on April 20, 2015 03:08
April 18, 2015
Ainda em relação às cápsulas do café
Depois de publicar o post anterior, contactei a Vespinha, do blogue Uma Vespa a Abrandar, pois tinha ideia de já ter lido algo sobre a reciclagem das cápsulas do café no espaço dela. E de facto! A Vespinha foi amável ao ponto de me enviar o link de um post publicado em 2009.
Lá, ela explica-nos que existe um processo, em Portugal, para reciclar as cápsulas, mencionando ser a Suíça o país pioneiro neste projeto. Fui novamente ler o artigo (em alemão) em que me baseei para escrever o post anterior e verifiquei que Jürgen Resch, dirigente de uma instituição alemã para a defesa do ambiente, menciona realmente que na Suíça existe esse sistema. De qualquer maneira, ele lamenta a tendência para empacotar cada vez menos quantidade de um produto em embalagens.
Não quis deixar de pôr aqui esta informação. Mas também a minha opinião: para quem ainda não se rendeu às cápsulas, o melhor caminho é mesmo continuar a fazer o seu café de maneira tradicional, pois aí há a certeza de que os danos ambientais são mínimos; quem não se acha capaz de prescindir delas, procure, pelo menos, colaborar para a sua reciclagem! Informem-se! Podem começar n' A Vespa a Abrandar ;-)
Lá, ela explica-nos que existe um processo, em Portugal, para reciclar as cápsulas, mencionando ser a Suíça o país pioneiro neste projeto. Fui novamente ler o artigo (em alemão) em que me baseei para escrever o post anterior e verifiquei que Jürgen Resch, dirigente de uma instituição alemã para a defesa do ambiente, menciona realmente que na Suíça existe esse sistema. De qualquer maneira, ele lamenta a tendência para empacotar cada vez menos quantidade de um produto em embalagens.
Não quis deixar de pôr aqui esta informação. Mas também a minha opinião: para quem ainda não se rendeu às cápsulas, o melhor caminho é mesmo continuar a fazer o seu café de maneira tradicional, pois aí há a certeza de que os danos ambientais são mínimos; quem não se acha capaz de prescindir delas, procure, pelo menos, colaborar para a sua reciclagem! Informem-se! Podem começar n' A Vespa a Abrandar ;-)
Published on April 18, 2015 08:49


