Cristina Torrão's Blog, page 58
April 21, 2016
O Mandarim
Obra marcada por uma viagem ao reino da fantasia, registo
incomum em Eça, assim como a moralidade latente, mais uma surpresa deste grande
escritor, que se revela filósofo, na medida em que é um pensador da condição humana e de
tudo aquilo que nos move.
A nota moralista está presente logo no início, ainda antes
de começar a narrativa:
«A luta pelo dinheiro é santa - porque é, no fundo, a luta
pela liberdade: mas até uma certa soma. Passada ela - é a tristonha e baixa
gula do ouro».
E, perto do fim, um aviso de Teodoro, o narrador e
personagem principal, já que o romance (ou novela) é escrito na primeira
pessoa, em flash-back:
«Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos:
nunca mates o Mandarim!»
Eça segue aqui o mito da venda da alma ao diabo, talvez
inspirado por Fausto, de Goethe. Basta
tocar uma campainha para matar o Mandarim, que aliás já é muito velho, e herdar-lhe a
imensa fortuna. Uma personagem misteriosa convence Teodoro a dar o passo definitivo (o próprio diabo?).
Porém, ele é incapaz de se manter lúcido, depois de herdar os milhões, cai numa
vida frustrante, de tão ociosa e fútil, ao mesmo tempo que é atacado por
sentimentos de culpa.
No desejo imperativo de fazer alguma coisa pela família do
Mandarim, caída na miséria, Teodoro parte para a China, império por onde vagueia, sem
encontrar quem procura e expondo-se a perigos. Grande parte dos chineses é
apresentada aqui como ignorante e violenta, o que, aos olhos de hoje, roça o racismo. Numa leitura atenta, porém, constata-se que Eça não critica os chineses em particular, mas
sim todos aqueles que são ignorantes, desconfiam de estrangeiros e se deixam
levar pela cobiça.
Uma leitura fascinante, marcada pela habitual ironia deste
génio da literatura.
Nota: li a versão digital do Projecto Adamastor, download gratuito aqui.
Published on April 21, 2016 02:52
April 19, 2016
Mosteiro de Santa Clara de Coimbra e Clemente V
Mosteiro de Santa Clara
A 19 de Abril de 1314, Dona Isabel obtém, do papa
Clemente V, autorização para fundar o mosteiro de Santa Clara em
Coimbra. Neste mesmo dia, a rainha fez o seu primeiro testamento, onde
expressa o desejo de ser enterrada em Alcobaça, desejo que virá a
modificar num outro testamento, optando por Santa Clara. É curioso
verificar que não desejou ser sepultada junto de Dom Dinis, no mosteiro
de Odivelas. O Rei Lavrador morreu onze anos antes dela.
Clemente
V foi o papa que extinguiu os Templários, tão acirradamente defendidos
por Dom Dinis, e é curioso verificar que a autorização para a fundação
do mosteiro de Santa Clara terá sido das últimas, senão a última, que
outorgou, pois morreu apenas um dia depois.
Com a sua morte,
cumpria-se a primeira parte da profecia do Mestre francês dos
Templários, Jacques de Molay, que, a 18 de Março de 1314, dia em que foi
queimado como herege, perto de Paris, previu que o papa e o rei
responsáveis pela supressão dos Templários morreriam nesse mesmo ano. De
facto, também o rei Filipe IV de França morreu em 1314 (29 de
Novembro)!
Imagem daqui
Published on April 19, 2016 03:40
April 18, 2016
A Citação da Semana (109)
«A Igreja que desejamos não se encontra atrás de nós, mas sempre à nossa frente».
Heinz Zahrnt
(teólogo alemão)
Heinz Zahrnt
(teólogo alemão)
Published on April 18, 2016 03:29
April 15, 2016
Dom Dinis e o Bispo do Porto Dom Vicente
Devido à sua política de centralização de bens na Coroa, Dom Dinis
teve muitos problemas com a nobreza e o clero. Um prelado que exerceu
forte oposição foi Dom Vicente, bispo do Porto, por sinal, padrinho do
Rei Trovador. Aqui, uma cena do meu romance:
Em finais de Junho, Dinis deslocou-se
ao Porto, onde o bispo Dom Vicente o recebeu no seu Paço, no ponto mais
alto do burgo sobranceiro ao rio Douro. O rei tentava contemporizar, mas
o velho bispo mostrava-se intransigente. O monarca comprometera-se a
não levantar obstáculos aos eclesiásticos no que se referia a adquirirem
bens de raiz e, entretanto, já havia promulgado duas leis de
desamortização dos bens do clero. Era um escândalo, declarava Dom
Vicente furioso! E não estava sozinho! Junto com o bispo da Guarda Dom
João Martins, o de Viseu Dom Egas e o de Lamego Dom João, preparava um
libelo com mais acusações contra a Coroa, a fim de o enviar ao papa!
Dinis pretendia evitar tal procedimento a todo o custo:
- Estou certo de que conseguiremos resolver o assunto entre nós!
- Não vejo como, Alteza. Se, passados
três anos sobre a Concordata, ainda nos encontramos neste ponto,
dificilmente a situação se modificará.
O velho clérigo, ao abrigo da sua idade
e da sua experiência, não se deixava intimidar. Fizera frente ao pai e
nada o impedia de o fazer ao filho.
Dinis insistiu:
- Presumo que não estareis interessado
num novo interdito, depois do trabalho que deu levantá-lo. Seria uma
desgraça para o reino! Vós, como homem da Igreja, vedes certamente ainda
mais desvantagens nisso do que eu…
- Como homem da Igreja, Dom Dinis,
estou preparado para aceitar qualquer castigo que o pontífice resolva
impor! O reino sobreviveu a mais de vinte anos de interdito e não deixou
de ser cristão. Se for essa a única maneira de acabar com as
inquirições abusivas e as escandalosas leis de desamortização, que seja!
Dom Vicente era um osso duro de roer. E
Dinis estava cheio do Porto, nunca achara grande beleza no cinzentismo
das construções de granito e do próprio Douro, entalado naquele
desfiladeiro. E não se livrava da humidade peganhenta. Mesmo agora, que
se encontravam no pino do Verão, chovia quase todos os dias!
Nota: o meu romance encontra-se à venda na Leya Online e na Wook , por 6,99 €.
Published on April 15, 2016 03:33
April 13, 2016
Mosteiro de Alcobaça
A 13 de Abril de 1310 deu-se a colocação da primeira pedra do claustro do mosteiro de Alcobaça, por Dom Dinis.
O claustro ficaria concluído no ano seguinte.
Imagem daqui
O claustro ficaria concluído no ano seguinte.
Imagem daqui
Published on April 13, 2016 03:23
April 11, 2016
A Citação da Semana (108)
«Ser digno de admiração não quer dizer ser perfeito, mas sim ser o que devo ser, o que Deus me destinou. Ou seja: despedir-me do que os outros esperam de mim, encontrar o meu próprio caminho e segui-lo».
Andrea Schwarz
(teóloga alemã e autora)
Andrea Schwarz
(teóloga alemã e autora)
Published on April 11, 2016 03:19
April 8, 2016
696º Aniversário de Dom Pedro I e Cerco a Portalegre
Imagem daqui
Verifica-se hoje o 696º aniversário de Dom Pedro I, que ficou sobretudo conhecido pelo seu trágico amor por Inês de Castro.
Dom
Pedro I era neto de Dom Dinis e de Dona Isabel, filho de Dom Afonso IV.
Nasceu numa época complicada, em plena guerra civil que opunha Dom
Dinis ao seu herdeiro, pai de Dom Pedro.
Inês de Castro viria a
ser assassinada no Paço que a rainha Santa Isabel mandara construir para
si própria, junto ao mosteiro de Santa Clara, em Coimbra.
Também
a 8 de Abril, mas uns anos antes, em 1299, Dom Dinis, que contava
trinta e sete anos, fez o seu primeiro testamento, antes de partir para
uma campanha contra o irmão. O infante Dom Afonso revoltava-se pela
terceira vez e Dom Dinis montou cerco a Portalegre, a 27 de Abril. Dom
Afonso resistiu mais tempo do que o esperado e o rei solicitou a
intervenção da infanta Dona Branca, a irmã de ambos.
- Afonso anda mui estranho - anunciou Branca a Dinis. - Acha-se com mais direito ao trono do que vós!
Com dificuldades em controlar a sua fúria, o rei remeteu-se ao silêncio. E foi Frei Vasco Fernandes quem inquiriu:
- Em que se baseia Dom Afonso para afirmar tal?
Depois de uma hesitação, Branca acabou por responder:
- Baseia-se no facto de o matrimónio de meus pais só haver sido reconhecido pela Igreja em Junho de 1263!
Gerou-se
um silêncio embaraçante, perante o abordar de um assunto julgado
esquecido. À altura do seu matrimónio com Dona Beatriz, Afonso III havia
sido acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV, pois estava ainda
casado com Matilde de Boulogne, apesar de os dois já viverem separados
há quase uma década.
Seguiram-se
cinco anos de contendas graves com a cúria pontifícia. O problema
acabou por se resolver com a morte inesperada de Matilde, mas só passada
mais meia década, Urbano IV legitimara o segundo consórcio do monarca.
-
Afonso nasceu em Fevereiro de 1263 - prosseguiu Branca, - escassos
quatro meses antes de o papa passar a bula de legitimação. Essa é a
razão que ele dá para se considerar, digamos, mais legítimo do que o
irmão rei.
Dinis tinha ganas de ir arrancar o estouvado do irmão ao castelo de Portalegre, a fim de lhe dar uma valente sova.
História Universal da Literatura Portuguesa, Abril 2006
Dom Afonso só se renderia em Outubro, logo partindo para o reino de Múrcia, onde possuía senhorios, por parte da esposa.
Os excertos são do meu romance, disponível em ebook na LeYa Online (clique).
Published on April 08, 2016 03:32
April 6, 2016
Cantiga de Amor de Dom Dinis
A imagem mostra uma anotação musical original de Dom Dinis - ©Arquivo Nacional Torre do Tombo. Dom Dinis não só escrevia os versos, como compunha a música das suas cantigas.
E aqui mais uma Cantiga de Amor:
«O
meu grande mal foi pousar os olhos na “mia senhor”, pelo que muitas
vezes me amaldiçoei, e ao mundo e a Deus. Desde que a vi, nunca mais
recordei outra coisa, se não ela; nunca mais sofri por outra coisa,
senão por ela. Faz-me querer mal a mim mesmo e desesperar de Deus. Por
ela, quer este meu coração sair do seu lugar e eu morro, já depois de
ter perdido o juízo e a razão. Todo este mal ela me fez e mais fará».
A mia senhor que eu por mal de mi
vi, e por mal daquestes olhos meus
e por que muitas vezes maldezi
mi e o mund’e muitas vezes Deus,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.
A que mi faz querer mal mi medês
e quantos amigos soía haver,
e desasperar de Deus, que mi pês,
pero mi tod’ este mal faz sofrer,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.
A por que mi quer este coraçom
sair de seu lugar, e por que já
moir’ e perdi o sem e a razom,
pero m’ este mal fez e mais fará,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.
Published on April 06, 2016 03:18
April 4, 2016
Afonso X de Leão e Castela
Verifica-se hoje o 732º aniversário da morte de Afonso X de Leão de Castela, que ficou conhecido como o Sábio. Afonso X era o avô materno de Dom Dinis e igualmente poeta. Deixou as Cantigas de Santa Maria
para a posteridade, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete
composições em galaico-português, à época, a língua fundamental da
lírica culta em Castela.
Imagem daqui
Como se vê, Dom Dinis tinha a quem sair, não só no que diz respeito à
poesia, como a outras medidas régias. Também o avô foi um grande
legislador, autor do Fuero Real de Castilla, um conjunto de leis adaptadas às diversas regiões dos seus reinos, e das Siete Partidas,
leis baseadas no direito romano. Afonso X determinou que os documentos
régios fossem redigidos em castelhano e não em latim, como era costume, e
como o neto Dinis viria a fazer com o português. Fundou igualmente a
Escola de Tradutores de Toledo, onde se traduziam documentos do árabe,
do grego e do latim para o castelhano. Inúmeros estudiosos de várias
nacionalidades se reuniram nessa Escola, pelo que o reinado de Afonso X
ficou conhecido por as três religiões - cristã, judaica e muçulmana -
terem convivido pacificamente em Toledo.
Catedral de Toledo
Foto © Horst
Neumann
Este rei poderoso e culto teve um fim amargo. Descontentes com a sua
política de centralização de bens na Coroa, os nobres revoltados
conseguiram depô-lo, substituindo-o por seu filho Sancho IV.
Afonso
X viveu os seus últimos anos em exílio, na cidade de Sevilha. Sua filha
Dona Beatriz, mãe de Dom Dinis, acompanhou-o nessa fase difícil, pelo
que o pai lhe deixou, em herança, as vilas de Moura, Serpa, Noudar e
Mourão. Graças a esta herança, Dom Dinis conseguiu alargar a fronteira
portuguesa para leste do Guadiana.
Afonso X, o Sábio (imagem daqui)
O meu romance sobre Dom Dinis encontra-se disponível em ebook na LeYa Online (clique).
para a posteridade, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete
composições em galaico-português, à época, a língua fundamental da
lírica culta em Castela.
Imagem daqui
Como se vê, Dom Dinis tinha a quem sair, não só no que diz respeito à
poesia, como a outras medidas régias. Também o avô foi um grande
legislador, autor do Fuero Real de Castilla, um conjunto de leis adaptadas às diversas regiões dos seus reinos, e das Siete Partidas,
leis baseadas no direito romano. Afonso X determinou que os documentos
régios fossem redigidos em castelhano e não em latim, como era costume, e
como o neto Dinis viria a fazer com o português. Fundou igualmente a
Escola de Tradutores de Toledo, onde se traduziam documentos do árabe,
do grego e do latim para o castelhano. Inúmeros estudiosos de várias
nacionalidades se reuniram nessa Escola, pelo que o reinado de Afonso X
ficou conhecido por as três religiões - cristã, judaica e muçulmana -
terem convivido pacificamente em Toledo.
Catedral de Toledo
Foto © Horst
Neumann
Este rei poderoso e culto teve um fim amargo. Descontentes com a sua
política de centralização de bens na Coroa, os nobres revoltados
conseguiram depô-lo, substituindo-o por seu filho Sancho IV.
Afonso
X viveu os seus últimos anos em exílio, na cidade de Sevilha. Sua filha
Dona Beatriz, mãe de Dom Dinis, acompanhou-o nessa fase difícil, pelo
que o pai lhe deixou, em herança, as vilas de Moura, Serpa, Noudar e
Mourão. Graças a esta herança, Dom Dinis conseguiu alargar a fronteira
portuguesa para leste do Guadiana.
Afonso X, o Sábio (imagem daqui)
O meu romance sobre Dom Dinis encontra-se disponível em ebook na LeYa Online (clique).
Published on April 04, 2016 09:05
A Citação da Semana (107)
«De facto, quem faz o mal detesta a luz e foge dela, para que as suas más obras não sejam descobertas; mas o que pratica a verdade, aproxima-se da luz e assim mostra publicamente que as suas obras foram feitas segundo a vontade de Deus».
Jo 3, 20-21
Jo 3, 20-21
Published on April 04, 2016 03:10


