Cristina Torrão's Blog, page 57

May 12, 2016

Amor de Perdição













«- Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltasar, minha
filha. É preciso que te deixes cegamente levar pela mão de teu pai. Logo que
deres este passo difícil, conhecerás que a tua felicidade é daquelas que
precisam ser impostas pela violência. Mas repara, minha querida filha, que a
violência de um pai é sempre amor» (p.33).




Quando leio absurdos destes, arrepio-me. Porém, é precisamente em palavras destas que está o valor desta obra de Camilo
Castelo Branco. É o retrato de uma época, onde a violência, física e
psicológica, imperava nas relações humanas e no seio da própria família.
Qualquer conflito se resolvia à paulada e as armas de fogo eram uma constante.




«Não sofras com paciência», diz Simão numa das suas cartas a
Teresa, «luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder
paternal é uma afronta» (p. 67).




O amor trágico de Teresa e Simão comoveu-me, mas não tanto
como seria de esperar. Não me arrancou lágrimas, antes um abanar de cabeça
incrédulo, pois só jovens totalmente carentes, cujas famílias não lhes
transmitiram amor e carinho suficientes, criam paixões tão obsessivas.
Antigamente, dizia-se que eram almas com grande capacidade de entrega. Hoje,
sabe-se que os jovens procuram fora aquilo que não lhes dão em casa. E,
quanto mais falta sentem de algo, mais obsessivos se tornam.




Sei que esta é uma interpretação desabitual deste romance,
mas é a minha interpretação. De resto, Camilo Castelo Branco é exímio na
caracterização da época, deixando sempre uma nota crítica subjacente,
nomeadamente, em relação ao comportamento do pai de Teresa e da mãe de Simão, uma
mulher fria, mais preocupada em manter as aparências do que com a felicidade
dos filhos.



Camilo Castelo Branco surpreende-nos a cada passo:




«a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza que é toda
galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerências, absurdezas e vícios no
homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai
vivendo e morrendo» (p. 71).




Amor de Perdição,
além de romance, é um documento que importa preservar e ler. Camilo
e Eça deviam ser sempre obrigatórios, no ensino. Se Eça caracterizou a alta
sociedade e a vida citadina, Camilo fê-lo com a província, mostra-nos a maneira de pensar e de
viver do, por muitos apelidado, “Portugal profundo”, o Portugal do século XIX,
cuja mentalidade está bem patente numa frase do pai de Teresa, ao ser informado
de que a filha estaria às portas da morte:




«Que a não desejava morta, mas, se Deus a levasse, morreria
mais tranquilo, e com a sua honra sem mancha» (p. 103).




Nota: li a versão ebook,
disponível no Projecto Adamastor.





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Published on May 12, 2016 03:15

May 9, 2016

A Citação da Semana (112)

«O que o sono é para o corpo, é a alegria para a mente: carregamento de energia».



Rudolf von Ihering




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Published on May 09, 2016 02:22

May 8, 2016

O 1º Conde de Barcelos













Faz hoje 718 anos que Dom Dinis tomou uma medida inédita:
pela primeira vez, um monarca português outorgou um título simbólico a um
fidalgo, o título de conde, sem estar ligado à sua função original: a de o
fidalgo ser governante de um vasto território. Tratava-se apenas de um título
de prestígio.




A 8 de Maio de 1298, Dom Dinis outorgou a carta de doação da
vila de Barcelos «por serviço que me fez dom João Afonso [Telo] e porque o fiz conde».




Dom João Afonso Telo era um nobre leonês, senhor do castelo
de Albuquerque, mas com ligações familiares a Portugal. Tornou-se grande amigo
de Dom Dinis, exercendo atividades diplomáticas em nome da Coroa portuguesa. O
Rei Lavrador decidiu recompensá-lo, dando-lhe o título de conde de
Barcelos, mas de poder muito limitado, já que se confinava à vila de Barcelos.
Este modo de proceder estava de acordo com a política de Dom Dinis de restringir
o poder da nobreza, concentrando-o na Coroa.





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Published on May 08, 2016 03:07

May 6, 2016

Quanto valemos?












Não é fácil viver com a sensação de que não somos amados. Ela acompanha-nos desde que nos lembramos de ser gente. Tentamos  desesperadamente agradar, usando o nosso talento. E conseguimos tudo: o topo das tabelas, a multidão em delírio, prémios sem fim, até o Óscar...





A multidão ama-nos. Mas não chega. Aqueles a quem quisemos realmente agradar, aqueles de quem esperávamos reconhecimento, mal ligam. Fingem que não é nada de especial.



Por isso, queremos mais e mais. Mas quanto tempo dura a popularidade? Quanto tempo, até que nos esqueçam, até que nos atirem para o lado, sem pruridos, como a um trapo? Esquecem-nos, assim que deixarmos de sermos novos e bonitos.



Quanto valemos, realmente?



O álcool e as drogas ajudam a dissipar momentos de desespero. E o sucesso, por vezes tornado a atingir, dura pouco, dura cada vez menos. Percebemos que o nosso tempo já passou. Fica cada vez mais cansativo impressionar, estamos a envelhecer...



Não adianta fingir. Já só meia dúzia de saudosos aplaudem... Ninguém nos quer, ninguém nos ama...



Não é fácil viver com a sensação de que não somos amados. Queremos a paz, o sossego! Queremos o fim!



Quanto valemos?




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Published on May 06, 2016 03:32

May 4, 2016

Casamento de Dom Afonso III


Dom Afonso III na Viagem Medieval de Santa Maria da Feira 2015



Também o avô de Dom Afonso IV, Dom Afonso III, casou no mês de Maio,
não se sabendo igualmente o dia. Foi no ano de 1253 e a noiva era a
infanta Dona Beatriz de Castela, que teria apenas onze anos. O noivo ia
pelos quarenta.



Este casamento
surgiu na sequência de um Tratado de Paz entre Portugal e Castela por
causa da questão do Algarve, mas implicou problemas muito graves: Dom
Afonso III foi acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV, que, dois anos
mais tarde, lançaria o interdito sobre Portugal. Um reino sob interdito
estava proibido de celebrar missas e sacramentos (incluindo casamentos e
batizados), situação que durou quase dez anos.



A
razão para medida tão severa: à altura do seu casamento com Dona
Beatriz, Dom Afonso III era ainda casado com Matilde de Boulogne. Dom
Afonso III tinha ido ainda jovem para a corte francesa, que se
encontrava sob a regência de sua tia Branca, antiga infanta de Castela.
Em 1239, a tia arranjou-lhe casamento com a viúva Matilde de Boulogne,
bastante mais velha do que ele, mas filha única da condessa Ida e
herdeira daquele condado.



Seis anos
mais tarde, porém, Dom Afonso regressou sozinho a Portugal, a fim de
tomar conta do reino mal governado por seu irmão. Em 1253, já coroado
rei, e no intuito de pôr fim ao conflito com o monarca castelhano por
causa do Algarve, casou com Beatriz, ignorando Matilde por completo, de
quem vivia separado há oito anos.



O
rei chegou ao ponto de ignorar uma ordenação papal para se apresentar em
Roma, a fim de ser julgado por bigamia, mas o problema resolveu-se com a
morte inesperada de Matilde. No entanto, só passados outros cinco anos,
em Junho de 1263, um novo papa, Urbano IV, legitimou o segundo
consórcio do monarca, levantando o interdito sobre o reino.



À
altura do seu nascimento, a 9 de Outubro de 1261, Dom Dinis era, no
fundo, ilegítimo e este argumento foi usado por seu irmão Afonso,
quando, pela terceira vez, se revoltou contra o rei, em 1299, obrigando
Dom Dinis a montar cerco a Portalegre. Dom Afonso alegava ter mais
direito ao trono do que o irmão mais velho, por ter nascido numa data
mais próxima da legalização do casamento dos pais (a 6 de Fevereiro de 1263).



Dom Afonso III e Dona Beatriz tiveram sete filhos:



Infanta Dona Branca, nascida em Fevereiro de 1259

Dom Dinis, nascido a 9 de Outubro de 1261

Infante Dom Afonso, nascido a 6 de Fevereiro de 1263

Infanta Dona Sancha, nascida 2 de Fevereiro de 1264 (faleceu com cerca de vinte anos)

Infanta Dona Maria, nascida a Fevereiro ou Março de 1265 (faleceu com pouco mais de um ano)

Infante Dom Vicente, nascido a 22 de Janeiro de 1268 (falecido ainda criança)

Infante Dom Fernando, nascido em 1269, falecendo pouco tempo depois.


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Published on May 04, 2016 02:57

May 2, 2016

A Citação da Semana (111)

«Reserva-te tempo para brincar - é o segredo da juventude eterna».



Da Irlanda






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Published on May 02, 2016 02:19

May 1, 2016

Casamento de Dom Afonso IV




Foi em Maio de 1309 (não se sabe o dia), que o futuro rei Dom Afonso IV, filho de Dom Dinis, casou com a infanta Dona Beatriz de Castela. Dom Afonso e Dona Beatriz foram os pais de Dom Pedro I,
que ficaria conhecido pelo seu amor trágico por Inês de Castro (tendo
ficado seu pai com a “fama” de ter mandado assassinar a amante do filho,
embora não exista certeza histórica).



À
altura do seu casamento, Dom Afonso tinha dezoito anos e a sua noiva
dezasseis ou dezassete. Os dois conheciam-se desde crianças, Dona
Beatriz foi criada pelos sogros Dom Dinis e Dona Isabel. A infanta
castelhana tinha vindo para a corte portuguesa na sequência do Tratado
de Alcanices, celebrado a 12 de Setembro de 1297, no qual se definiram
definitivamente as fronteiras entre Portugal e Castela e se estabeleceu
um duplo consórcio: além do de Dom Afonso e de Dona Beatriz, ficou
estipulado que o rei Fernando IV de Castela, que à altura tinha apenas
onze ou doze anos, casaria com a infanta Dona Constança de Portugal.



Era
costume que noivas ainda crianças fossem criadas pelos sogros e o casal
Dom Dinis/Dona Isabel trocou a filha com a rainha viúva castelhana Dona
Maria de Molina. Dona Beatriz veio para Portugal com apenas cinco anos,
enquanto Dona Constança, de sete, foi viver para a corte castelhana.



Para
que este duplo consórcio se concretizasse, foi necessário solicitar
dispendiosas bulas de dispensa de parentesco ao papa, já que os nubentes
eram parentes próximos. Dom Fernando IV e Dona Beatriz eram filhos do
falecido rei de Castela, Dom Sancho IV, tio de Dom Dinis.



O
facto de Dom Afonso IV e Dona Beatriz terem crescido juntos parece ter
dado bom resultado, pois este monarca, não obstante a tradição lhe ter
conferido um temperamento irascível, é um caso raro na historiografia
portuguesa: não se lhe conhecem barregãs nem filhos ilegítimos. O casal
teve sete filhos, mas apenas três chegaram à idade adulta, porquanto a
mais nova, Leonor, que casou com Dom Pedro IV de Aragão, morreu com
apenas vinte anos.















Ebook à venda na LeYa Online e na Wook .




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Published on May 01, 2016 03:34

April 25, 2016

Faces da Revolução



Enfim, não havia como recuar. Restava-lhe tentar compor as coisas de maneira a que o resto da família não sofresse as consequências do comportamento da filha. O facto de outros filhos de boas famílias se deixarem igualmente envolver em ações subversivas dava-lhe um certo conforto, sentia-se menos sozinho, mais compreendido. Talvez devesse dirigir-se aos seus antigos contactos da PIDE, explicar-lhes que era vítima de uma filha desmiolada e que fazia questão de que ela fosse tratada com toda a dureza. Talvez até se oferecesse para ir a Caxias dar-lhe umas bordoadas.

Começaria por se desculpar perante o Professor Marcelo Caetano, não deixando margem para dúvidas de que lhe saíra na rifa uma «filha má», apesar do empenho que ele pusera na sua educação. Dedicou vários dias à escrita da carta, relendo e corrigindo, até ela lhe parecer perfeita. Depois, num serão de quarta-feira, aproveitou o facto de a mulher e o filho estarem a ver televisão, para se posicionar no meio da sala e ler-lhes a missiva, deixando claro ao miúdo, ainda a acabar o liceu, a vergonha que a irmã fazia toda a família passar.

Apesar de o rapaz se mostrar enfastiado por aquela interrupção de um jogo de futebol, nada disse. Jogava-se a segunda mão da meia-final da Taça das Taças, com participação portuguesa: o Sporting Clube de Portugal enfrentava o Magdeburgo, da República Democrática Alemã. O rapaz nem sequer perguntou ao pai se não se interessava pelo jogo. Por um lado, receava-o; por outro, mantinha-se a leste do assunto, não mostrando a mínima emoção pelo destino da irmã.

Ao jantar, apercebendo-se de que o Sporting falhara a final, ao não conseguir marcar um segundo golo, o pai iniciou uma divagação sobre o desempenho das equipas portuguesas em taças europeias. A esposa e o filho comeram no mais completo dos silêncios.

Em seguida, viu um pouco de televisão, tornou ao escritório e datou finalmente a carta: «24 de Abril de 1974». Enfiou-a, cheio de brio, num envelope, que endereçou ao Presidente do Conselho de Ministros. No dia seguinte, metê-la-ia no correio.

Olhou para o relógio. Eram quase onze horas. Ligou o rádio para ouvir as notícias. Passava, mais uma vez, a canção interpretada por Paulo de Carvalho, que representara Portugal no Festival da Eurovisão, havia quase duas semanas. Não ligava a cantorias, mal sabia distinguir as canções umas das outras. Mas, por acaso, conhecia alguns versos de E Depois do Adeus, tantas vezes a ouvia…



Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei.






© Cristina Torrão













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Published on April 25, 2016 03:47

A Citação da Semana (110)

«É bom ter a cabeça fria, mas só quando um coração ameno se encontra debaixo dela».



Julius Langbehn




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Published on April 25, 2016 01:33

April 24, 2016

Assinatura do Compromisso de Casamento


Ebook à venda na Leya Online (clique)



Faz hoje 735 anos que Dom Dinis assinou o seu
compromisso de casamento, em pleno cerco da vila de Vide. O rei cercara o
irmão Afonso por este ter decidido construir muralhas em torno da vila e
aumentar uma torre, sem lhe pedir autorização.



Os agentes de
Dom Pedro III de Aragão, pai da noiva, eram Conrado Lanceote e Bertrando
de Vila Franca. O Rei Lavrador fez doação à noiva por núpcias das vilas
de Óbidos, Abrantes e Porto de Mós, doação que ficava assegurada pelas
arras dos castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia,
Lanhoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte de Rio Livre,
Portel e Montalegre e mais dez mil libras.



Nesta altura,
Dom Dinis e Dona Isabel, na verdade, já estavam casados, embora ainda
não se conhecessem. O casamento ocorreu por procuração, a 11 de Fevereiro de 1281,
no Paço Real de Barcelona. Os procuradores do rei que o representaram,
por palavras de presente, na cerimónia de recebimento da noiva, foram os
cavaleiros João Pires Velho e Vasco Pires e o clérigo Dom João Martins
de Soalhães, futuro bispo de Lisboa.



Dona Isabel só deu
entrada em Portugal cerca de ano e meio mais tarde, sendo as bodas do
par real festejadas em Trancoso, a 26 de Junho de 1282.



A tradição diz-nos que Dom Dinis não apreciava os exageros
caritativos da sua rainha. E que esta muito sofreu com os casos
extra-conjugais do esposo. A este propósito, transcrevo um pequeno
excerto do meu romance:



Num
serão abafado e quente de Junho, vieram dizer-lhe que a rainha não
viria aos seus aposentos, como por ele solicitado, pois preparava-se
para ir ao hospital de Santo Elói. Dinis dirigiu-se furioso ao Paço da
sua consorte, apanhando-a já de saída, envolta pela cabeça numa capa
escura muito simples, de camponesa.

- Proíbo-vos de deixar o Paço!

Ela limitou-se a replicar, serena:

- Tenho os meus compromissos.

- Que adiareis, por uma vez! Hei mister de vos falar. Ou achais que os vossos enfermos são mais importantes do que el-rei?

- Não se trata de serem mais ou menos importantes. Trata-se de cuidar de quem precisa.

- Também eu hei mister de algo: de esclarecimentos! Dizei, que vos incomoda? Foi algo que disse ou… fiz?

Isabel
fixou-o com os seus olhos perscrutadores. Dinis pensou ver naquele
brilho uma certa acusação, algum ciúme, e convenceu-se de que ela
realmente se vingava do que sucedera em Coimbra. Naquele momento, porém,
em vez de se sentir culpado, empertigou-se. Quiçá fosse aquele jeito
dela de desprezar tudo o que fosse mácula humana. O certo é que deu
consigo a pensar que a ela lhe competia aceitar que ele tivesse as suas
barregãs!


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Published on April 24, 2016 04:01