Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 99
July 16, 2013
dá um tempo, vândalo
A luta é, entre outras, pela melhoria do transporte público.
A Avenida Paulista, especificamente na Praça do Ciclista, esteve sempre ao lado aliada das manifestações.
A Prefeitura criou faixas exclusivas para ônibus e novos pontos com itinerários.
Sou daqueles que tira o carro da garagem quando não tem alternativa
Há tempos prefiro busão, metrô e táxi.
Não por que eu seja um ícone ambientalista, mas porque vou mais rápido, não preciso me preocupar em estacionar, e é mais barato.
Alguém precisa só dar um toque nos vândalos.
As informações contidas atrás de seus vandalismos ajudam quem prefere transporte coletivo a contaminar o ar da cidade.
July 14, 2013
o presente é afilhado do passado
Levei minha afilhada para dar um rolê pelo meu passado.
Tomamos café. Pão francês quente estalando com dois jornais. Deixaram na madrugada na porta de serviço.
Ensinei a ler jornal, virar uma página, sem esfregar os dedos na foto, para não deixar sujos de tinta.
Descemos.
Estranhou a porta do edifício escancarada. Nada de guarita, grades, cercas, câmeras.
Estranhou o porteiro roncando, apesar do radinho de pilha ligado: “Acorda gorda!” Saímos sem incomodá-lo.
Nas casas vizinhas, pão e leite encaixados nas janelas sem grades. Vamos de táxi. Um Fusca vermelho à frente. Fiz o sinal. Perto, reparei que estava ocupado. Lá vinha outro Fusca. Verde. Parou, abriu a porta da frente, deu bom-dia, pulamos para o banco traseiro, puxou a corda de nylon amarrada na porta, para fechá-la. Vamos para o metrô. Nem precisei indicar a estação. Só havia uma linha.
A menina riu. É, os táxis não seguiam um padrão. Cada um era de uma cor. Fuscas não tinham banco de passageiro na frente. Eram raros carros quatro portas no Brasil. Só para os ricos.
No entanto, apontei, olha lá, os ônibus são padronizados, todos da mesma companhia, CMTC, todos com listas, azul e branco, como pijama de presidiário, ônibus sonolentos, que soltam fumaça escura, fedorenta. O taxista acendeu um cigarro e me ofereceu. Fumamos ouvindo pelo rádio Zé Béttio, com sotaque caipira: “Acorda, gorda!” Em BG, barulhos de passarinho, de gado. “Sete e treze em São Paulo. Acorrrdaaa!” Minha sobrinha ria. Mal sabia que era o programa primeiro lugar em audiência. Que ele era o maior salário da rádio brasileira. Que milhões o escutavam às manhãs: “Gorda, acorda!”
Fomos de metrô até a Estação São Bento. “Não é perigoso, tio?” Não, aqui é tranquilo. Perigoso é só na Praça da Sé, onde tem uns gatunos. Pelo resto da cidade, não tem problemas.
Um grupo se acumulava na lateral da banca de jornal. Lia as capas expostas, pregadas como roupas num varal. Nos juntamos a eles. De repente, alguns jornais eram trocados. Por suas versões matinais. Porque tinham as edições noturnas, matinais e vespertinas. Tinham os tabloides eventualmente recolhidos pela censura. Uma banca de jornal era movimentada. Sempre cercada. Era o ponto de encontro de cada quarteirão. “Como o Twitter”, ela disse. Como.
Descemos a Rua Direita, atravessamos o Viaduto do Chá e fomos tomar um café na Leiteria Americana. Sentamos numa mesa com toalha branca e cheirosa e guardanapos brancos e cheirosos. Um garçom com calça preta e avental branco nos atendeu.
“Uma vez, minha mãe quando era estudante viu o Oswald de Andrade naquela mesa, tomando café. Ele frequentava este lugar.” A menina perguntou se pediu autógrafo, falou com ele. “Ela diz que não. Que, naquela época, não se interrompia os devaneios de um escritor, de uma pessoa famosa.”
“Nem fotos?”
Não, garota, ninguém carregava uma câmera fotográfica portátil no bolso acoplada a um mini telefone, com toda coleção de discos, álbuns de fotos, agenda, banco de dados, bússola, TV, despertador, correio, até aplicativos para transações bancárias, compras de passagem, que cabe na palma da mão. A maioria das pessoas nem telefone tinha.
Demos uma volta pelas livrarias da Barão de Itapetininga. Eram enormes, entulhadas. Pelas lojas de disco da 24 de Maio.
Ela se surpreendeu, pois loja de sapato se chamavam Sapataria, loja de roupa, Casa das Camisas, Casa dos Ternos, Casa das Cuecas, que lanchonetes se chamavam Lanchonete, Sucos, Sanduíches, que quem vendia óculos era Ótica, e relógios, Relojoaria.
Que os únicos ambulantes tinham placas com dizeres “Compro Ouro”.
Que as ruas eram limpas, as pessoas, elegantes e magras.
Fomos até a Praça da República e, num banco, sob o sol que confrontava a névoa, tomamos um sorvete. “Estudei naquela escola no Primário”, apontei para o prédio do Caetano de Campos. “Minha avó morava naquele prédio”, apontei para o luxuoso edifício da 7 de Abril. “Eu fugia da aula, pedia para alguém me ajudar a atravessar a avenida, a pessoa me dava a mão, atravessávamos, e me deixava naquela portaria. De uniforme. Bermuda azul, camisa de abotoar branquinha, meia até o joelho e sapato engraxado. Eu mesmo engraxava.”
“Você tem saudades?”
“Claro que não. Você ia demorar para nascer.”
Pegamos o trólebus até a Estação da Luz. Subimos a Rua Mauá.
Na Praça General Osório, barricadas impediam a passagem de pedestres. Precisávamos atravessar a rua e caminhar pelo outro lado da calçada. Antes que ela perguntasse, expliquei: “Este prédio é o DOPS. Ninguém pode passar em frente.”
Na Estação Júlio Prestes, pegamos o trem húngaro até Campinas. Rápido, confortável, com ar condicionado.
Em 50 minutos, passeávamos pelo centro de Campinas. Fizemos um piquenique no coreto da Praça Carlos Gomes.
“As pessoas são emburradas”, comentou.
“As pessoas têm medo.”
“De gatunos?”
“Não. Não deles.”
“Teu passado parece triste.”
“Um pouco. Todos devem ser. Quer voltar pro presente?”
Ela fez afirmativo. Não deu tempo para mostrar as pensões em que morei.
Pensei que o passado era mais feliz. Mas passado não é melhor nem pior. Existe porque ainda estamos no presente. Que existe graças ao passado. Mais que parente, o presente é seu afilhado. E as tristezas, relegadas.
Voltamos num Cometa.
July 10, 2013
escola de tortura vira hotel 5 estrelas

ANTES
A Escola das Américas, antigo centro de treinamento de tortura no Panamá mantido pelos EUA, que durou até meados dos anos 1980, virou agora o Meliá Panamá Canal, hotel cinco estrelas comercializado por uma cadeia espanhola:
http://pt.melia.com/hoteis/panama/colon/melia-panama-canal/home.htm

DEPOIS
Segundo descreve o site do hotel, cuja diária gira em torno de R$ 200:
“A Antiga Escola das Américas se transformou em um hotel 5 Estrelas, o Hotel Meliá Panamá Canal, oferecendo elegância e conforto em suas instalações. Este hotel em Colón se encontra às margens do Lago Gatún e a apenas 10 minutos da Zona Livre de Colón. O Meliá Panamá Canal conta com o cenário perfeito para o desenvolvimento de atividades como: tours de aventura em lugares históricos e turísticos; ecoturismo; passeios de bicicleta, canopy, caminhadas ecológicas ou senderismo, onde você poderá observar a exuberante e diversa flora e fauna do entorno de nosso hotel em Colón, passeios em Catamaranes pelas tranquilas águas do Lago Gatún, pesca esportiva, passeios guiados pelo lago em motos de água ou de bote, o primeiro Golf Driving Range sobre a Água no Panamá, compras, praias do Caribe e muito mais. Venha comprovar com seus próprios olhos que o Paraíso existe no Hotel Meliá Panamá Canal!”
Escola das Américas era gerenciado pelo Pentágono para treinar oficiais aliados e anticomunistas e manter firme o continente sob seu domínio, numa América Latina envolta em turbulência social e guerras de guerrilha.
O senador democrata Martin Meehan, de Massachusetts, disse uma vez: “Se a Escola das Américas decidisse celebrar uma reunião de ex-alunos, reuniria alguns dos mais infames e notórios malfeitores do hemisfério”.
A junta argentina do general Leopoldo Galtieri, os presidentes e ditadores tais como Roberto Viola, o boliviano Hugo Banzer, Rios Montt da Guatemala, Augusto Pinochet e o ditador equatoriano Rodríguez Lara estão entre os graduados.
O complexo perto da cidade portuária de Colon foi cunhado pelo jornal panamenho Prensa de “Escuela de Asesinos”.
General Roberto D’Aubuisson de El Salvador, cujos esquadrões assassinaram o arcebispo Oscar Romero, Manuel Noriega, generais do Paraguai e Chile, assim como muitos brasileiros, passaram por ela.
Na lista de oficiais brasileiros, estão o Major Bismarck Baracuhe Amancio Ramalho, Capitão Thaumaturgo Sotero Vaz, Capitão Wilson Benito Machado e o Coronel João Paulo Moreira Burnier, acusado de ser um dos chefes da tortura no RJ.
Burnier foi seu aluno entre 21 de agosto e 7 de dezembro de 1967.
Lista completa, no site:
Ao todo, milhares de militares de 23 países passaram pela Escuela de las Américas.
Manuais ensinavam técnicas de interrogatório, tortura, execuções simuladas.

A ESCOLA NO FILME ESTADO DE SÍTIO
“A Escuela de las Américas era um bastião dos Estados Unidos”, lembra José Miguel Guerra, um dos mais prestigiados jornalistas no Panamá, para o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung. “Aqui, os militares de toda a América Latina, com exceção de Cuba, eram doutrinados pelo Pentágono para ter o controle político sobre seus países.”
O prédio começou como hospital no começo do século passado, onde trabalhadores da construção do Canal do Panamá recebiam tratamento médico. A partir de 1946, passou a ser controlado pelos EUA como Fort Gulick.
O novo proprietário do hotel, Barceló Damián, concebeu para simbolizar a nova era um mosaico na entrada do hotel com os dizeres “Et in terra pax”.
July 8, 2013
minoria silenciosa
Encontrei essa turma de manifestantes sábado à noite.
Os líderes indicavam o traçado por sinais.
A PM fazia escolta.
Conheço a árdua batalha de tornar a linguagem dos sinais o padrão.
Convivi na militância com deficientes auditivos que, em encontros e congressos, surpreendiam ao afirmar que a prioridade não é ensiná-los a ler lábios, mas a comunicação com as mãos.
Eles querem escolas ‘bilíngues”.
Conseguimos adaptar cinemas para cadeiras de rodas.
Mas nos esquecemos deles, que querem também, por que não?, assistir a filmes nacionais.
Com legenda.
Existem sistemas em que uma legenda pode ser transmitida por um tablet com baixa luminosidade, para o espectador que precisa de uma.
Tiveram que parar a Avenida Paulista para pedir que nos mexêssemos.
O mesmo vale para teatro.
July 7, 2013
protesto na flip pede liberdade para licença poética
Rolou protesto até na Flip, Festa Literária Internacional de Paraty. Justamente no sábado, dia mais movimentado.
Nada de incidentes, já que a maioria dos escritores curava a ressaca.
Cem pessoas, a maior parte barqueiros, fecharam o acesso ao cais, impedindo turistas de sair para passeios.
As reivindicações?
Pelo fim do foco narrativo autoritário.
Pela presença do narrador onisciente.
Fim da divisão em capítulos.
Não à obrigatoriedade de final feliz.
Por livros mais baratos, com letras maiores e marcadores de página.
Pela democratização do narrador.
Pela liberdade da licença poética.
Nada disso.
Manifestantes aproveitaram o burburinho da Festa Literária para reivindicar de reformas no cais, melhorias na educação e no transporte.
Também exigiram maior participação da comunidade na programação da Flip.
Para moradores, participar da Flip é caro. O ingresso custa R$ 46.
Justo.
July 5, 2013
o livro mais aguardado do ano
Caetano Galindo há anos guerreia para traduzir INFINITE JEST, o romance cultuado de David Foster Wallace.
É o livro mais aguardado do ano.
Para quem não aguenta esperar, a LIVRARIA CULTURA vende a edição portuguesa [da editora Quetzal]. De Portugal, pois.
E está em promoção [de R$ 111,60 foi para R$ 79,90].
Para quem é fã do cara, melhor se preparar fisicamente para a empreitada. Pesa.
Para quem prefere a de Galindo, como eu: está prometido para este ano pela Cia. das Letras.
Ele conta que já terminou um primeiro… tratamento [não é o termo utilizado pelos literatos; versão seria melhor].
Faz agora o trabalho de revisão, se afastando do original.
Não conheço um escritor&tradutor que não ame rever, rever e rever seus textos.
E que consiga dizer, categórico, está pronto!
Uma obra não acaba. Terminamos. Decidimos que está pronta. Com o cano do revólver do editor na têmpora. Com a conta bancária sangrando. Com estresse e tendinites. Com o saco na lua. Com outros trabalhos pipocando, seduzindo como o canto da sereia.
Galindo:
Essa tradução, que chegou até a página 981, na minha cabeça é meio que uma primeira etapa, trabalhosa, lenta e dolorosamente necessária. Uma etapa cujo objetivo é produzir um texto completo em português, que me permita agora trabalhar de verdade, naquilo que a gente convenciona chamar de revisão.
Essa revisão, pra mim, é feita idealmente sem maiores contatos com o original. (A primeira versão me possibilita justamente largar mão do original.) É nela que eu vou realmente me concentrar em empetecar o texto, afinar detalhes finos finais, acertar aquelas correspondências diagonais (termos repetidos, leitmotive, chaves espalhadas pelo texto [já falei disso aqui?]) que são às vezes centrais para os romances mais amarradinhos, uniformizar certas decisões (desde Mr. fulano vs. Sr. Fulano até tipo o nome de uma organização importante que eu posso ter traduzido de duas [três!] maneiras diferentes) e tal.
Quanto mais eu fui rigoroso na primeira passada, sem deixar grandes coisas em aberto (eu não costumo deixar de propor soluções na primeira versão), sem inventar distâncias demasiadas, mais eu posso, na segunda, me sentir à vontade para finalmente trabalhar sobre o texto como o texto final, em português, que eu quero entregar ao leitor (ao preparador/revisores/editor, na verdade).
É impossível ter a visão geral do livro na primeira passada, mesmo no caso de um livro que eu já li e reli, como esse. Traduzir é definitivamente a leitura mais funda de um livro e, na melhor das hipóteses, você só traduz um livro deste tamanho uma vez! Logo, aquela primeira passada de certa forma foi também uma primeira leitura.
O nome do livro, que em Portugal saiu INFINITA PIADA, não sei se já foi decidido.
Galindo escreveu:
“Até aqui eu estava traduzindo Infinite Jest. Agora é que eu vou começar a escrever Infinda Graça.”
INFINDA GRAÇA?
Sei não… Pomposo.
Sempre achei que INFINITE JEST deveria sair no Brasil INFINITE JEST.
INFINDA GRAÇA parece livro religioso.
Jest é algo sim como piada, onda, sarro. Graça, do latim “gratia”, tem o sentido duplo: uma gozação, mas também um gozo místico. Sem contar que lembra agradecimento em castelhano e italiano.
Galindo, que mantém uma coluna no site da editora contando, passo a passo, o processo da tradução, escreveu:
Infinite Jest é um romance estranho. Eu estava falando com um aluno ainda essa semana. É um livro que corre muitos riscos. E não só do jeito chique e cômodo de “correr riscos” que é comum às “vanguardas” que contam com aceitação automática das suas panelinhas. Risco MESMO.
De parecer feio.
De parecer velho.
De parecer bobo.
De parecer autoajuda. (Uiuiui)
De ser essas coisas todas ao mesmo tempo em que é novo, lindo, inteligentíssimo e profundo.
Infinite Jest é um livro que leva quase todo leitor que vai até o fim a reconhecer que aprendeu coisas ali, sobre a vida mesmo.
Coisas tipo filosóficas. Autoajúdicas…?
Ele lembra que um blog especialmente dedicado a WALLACE é mantido desde 1997: http://thehowlingfantods.com/dfw/
Blog que anuncia um crowdfunding para produção do filme OBLIVION, baseado na história de Wallace.
Contando os dias…
July 3, 2013
gigante precisa de vacina
No Brasil de hoje, os conflitos de uma sociedade mobilizada acabam interferindo na rotina de uma família que “despertou”.
Os protestos de rua e a indignação coletiva promovem uma nova forma de ativismo doméstico.
Como na família de Jurandir.
Um honesto gerente de estoque, que chegou em casa no começo da noite, olhou para os lados, não viu ninguém suspeito na calçada, encostou o Pallio 1.5 na garagem, abriu o portão com o controle remoto, estacionou, desligou o carro, fechou o portão e respirou aliviado.
Sobrevivi.
Atravessei uma cidade de fúria e caos, encontrei rotas que fluíram, lutei como um cavaleiro medieval por espaços nos cruzamentos, enfrentei a ira dos concorrentes no congestionamento monstro sem perder o foco.
Jurandir desligou o cronômetro. Uma hora e 57 minutos para chegar em casa. Comemorou. Anotou na agenda que guardava no porta-luvas: 1h57. Olhou na planilha os dias anteriores. Era das melhores marcas.
Fechou os olhos.
Dormir agora seria bom: o sono merecido do guerreiro que rala o dia inteiro.
Poderia estar sob o sol de Peruíbe.
Até a voz do caçula reverberar entre as ondas do mar, competir com o som repousante de um jogo de tamboréu. Parecia urgente. “O gigante, o gigante…” Abriu os olhos com o filho batendo na janela do carro. Como estou estressado. Como preciso de um café. Como é que é?
“O Gigante acordou! Precisa levar no veterinário!”, gritou o moleque.
E nem tinha desatado o cinto. Já começava o segundo tempo: gerenciar os problemas comuns de uma família comum em dias históricos.
“Fala com sua mãe.”
“Saiu.”
“Sua irmã?”
“Saíram todos.”
Quase hora da janta. Deixaram o moleque sozinho?
“Precisa levar no veterinário.”
“Já ouvi.”
Pegou sua pasta, desceu do carro. Entraram pela cozinha.
“Liga pra sua mãe?”
“O celular não pega.”
“Ela disse pra onde ia?”
“Manifestação.”
“PEC 37?
“Fora Feliciano.”
“E sua irmã? PEC 37?”
“Já foi rejeitada pela Câmara, pai. Ia no Passe Livre, mas o cartaz dela não tinha nada a ver com isso.”
“O que dizia, Hospital Padrão Fifa?”
“Não posso dizer.”
“Fala, o que estava escrito no cartaz?”
“Não.”
“Te dou cinco.”
“Vinte.”
“Dez.”
“OK.”
Serviu o café morno e já adoçado da garrafa térmica, tomou um gole, olhou a carteira. Tirou uma nota de dez, a única nota que tinha.
“Não Sou Puta.”
“O quê?!”
“Tava no cartaz.”
“Sem vergonha! Ela foi pra Marcha das Vadias! Foi vestida, pelo menos? O que está acontecendo com essa família?”
O moleque arrancou a nota da mão do pai.
Entrou apressado o filho mais velho, com um saco de lixo preto que embrulhava algo pesado. Escondia alguma coisa. Tentou apressadamente ir para o quarto, quando o pai impediu.
“O que você estava aprontando?
“Nada, pai, estava protestando, mudando o Brasil. Desculpe o incômodo, beleza?”
O filho segurou o embrulho nas costas. O pai num gesto rápido o arrancou. O filho pegou de volta. Lutaram pelo saco de lixo, que rasgou em dois. Um objeto redondo caiu no chão, estalou e rolou para debaixo da mesa. O pai correu para verificar. Não era uma bola. Era duro. Tinha viseira. Cores de camuflagem. No topo, lia-se: Tropa de Choque.
“Você é um vândalo. Roubou este capacete?”
“Não sou vândalo. Nem arruaceiro. Sou radical. Isto é espólio de guerra. Me dá!”
Arrancou da mão do pai.
Quando entrou pela sala a filha com a cara pintada, sem camisa, com estrelas nos bicos dos seios, e escrito com batom no peito: IMORAL É O SEU PRECONCEITO.
“Ponha já uma camisa!”
Atrás dela, dois PMs pediram licença, entraram e cumprimentaram o pai, o filho mais novo, enquanto o mais velho embrulhou seu espólio com um pano de chão e correu para o quarto num pulo.
Antes que o pai perguntasse, a filha logo explicou: “Passaram para o nosso lado.”
“Que lado?”
“Dos explorados.”
E saiu para se vestir.
“Desculpe, mas elas gritavam o tempo todo: ‘você que é explorado, passe para o nosso’…”
Tiraram os capacetes, os cintos com cassetete, spray de pimenta e algemas.
“Podemos nos sentar, estamos exaustos. Trabalhamos muito nesse mês.”
“Todo dia agora é um dia histórico”, comentou o outro.
“Os senhores têm mandado?”, Jurandir perguntou.
“Vocês estão com fome?”, perguntou a filha voltando com a cara lavada e uma camiseta da banda Pussy Riot.
“Podemos pedir um McDonald’s”, sugeriu o caçula.
“Foi queimado por vândalos mascarados”, lembrou um PM.
“Pizza”, sugeriu a filha.
“Preciso ir no baco sacar algum”, pensou alto o pai.
“Foi depredada por arruaceiros”, lembrou o outro PM.
“A pizzaria?”, perguntou o pai.
“O banco.”
“Tem a lasanha congelada. Está sem tempero”, sugeriu a garota.
Os PMs sorriram satisfeitos. Àquela altura, comeriam até sola de coturno.
Ela tirou a lasanha da geladeira. O pai preocupado andou pela casa, buscando um canto em que o celular tivesse sinal. Se ao menos lutassem por um 3G decente, pensou. A lasanha foi para o micro-ondas.
Um dos PMs ajudou a colocar a mesa, enquanto o outro sociabilizou.
“Que gracinha, é chihuahua, né? São inteligentíssimos. Como se chama?”
“Gigante. Precisa ir pro veterinário”, disse o caçula
“O Gigante tá doente?”
“Precisa de vacina.”
O forno apitou. A filha tirou a travessa e colocou na mesa. Deu uma prova. Estava sem gosto.
“Com licença”, ela disse, pegando o tubo de spray do cinto do policial.
June 30, 2013
vendo palio 98
As manifestações extrapolaram.
Um plebiscito se anuncia.
Reformas devem ser debatidas. Voto distrital, já sabe do que se trata?
O voto deve ser obrigatório?
Continua releição?
Mandato de 4 ou 5 anos?
Voto distrital deve ser puro ou misto?
Você é a favor de lista fechada?
Tem ideia do que significa lista fechada? Nem eu.
Sabe como serão demarcados os distritos?
Você é a favor da unificação das eleições?
O dinheiro público pode financiar campanhas? As empresas podem investir em candidatos? E o cidadão? Poderão doar só para os partidos? Pode ter candidatos avulsos? Quem os financia?
…
E pensar que tudo começou por causa de 20 centavos.
Depois de anunciar o Palio, está na hora de se fazer política como gente grande.
Fim do horário eleitoral gratuito nas rádios e tevês. Está aí uma proposta que ganharia, se colocada em votação num plebiscito, com ampla maioria. E acabaria com distorções como Tiririca.
June 28, 2013
Bart Simpson entra na luta
Depois de dedicar todo o 15º. episódio da 13ª. temporada ao Brasil, Matt Groening, criador dos Simpsons, fará mais um episódio em nossa homenagem, anunciou o canal Fox.
Dessa vez, os protestos estarão em foco. O criador se diz sensibilizado ao que ocorre por aqui e tem acompanhado de longe.
Na primeira homenagem do começo dos anos 2000, a pequena Lisa vem conhecer com toda a família um órfão que apoia à distância, Ronaldo. Homer é sequestrado. Há ratos pelas ruas cariocas.
Bart e o pai babam por uma apresentadora infantil sexy a que assistem na TV do hotel, referência explícita à Xuxa
O episódio, escrito por Bob Bendetson e dirigido por Steven Dean Moore, “Blame It on Lisa”, foi lançado em 2002. O Governo FHC achou ofensivo e soltou uma nota que repudiava a inclusão de clichês e estereótipos. “O episódio traz uma distorcida visão da realidade dos brasileiros”, chegou a declarar o presidente.
Os personagens tinham bigodões, dançavam conga e falavam com sotaque espanhol.
A Riotur chegou a anunciar que processaria a FOX por danos na imagem da cidade.
James L. Brooks, produtor-executivo da emissora, teve que pedir desculpas publicamente à cidade do Rio de Janeiro.
A estreia da nova temporada de Simpsons será em setembro nos EUA.
Esperamos que, dessa vez, nossas autoridades deixam o provincianismo e o complexo de inferioridade de lado, e não nos envergonhem.
Pois o povo, inclusive os fãs de Simpsons, está esperto.
June 26, 2013
o face-ativismo de direita despertou
[foto Avener Prado/Folhapress]
Os protestos dos últimos dias despertaram um ativismo de direita que não estava programado pelo Movimento Passe Livre. E revelaram que muitos ainda acreditam que só as Forças Armadas podem dar um jeito no Brasil.
Grupos que atuam nas redes sociais recuperaram slogans do Golpe de 1964. Até a ameaça comunista voltou a aglutinar o face-ativismo.
Minha colega NATALY COSTA do Estadão publicou ontem o perfil de uma “ativista” de direita que pratica sua militância através do Facebook: Carla Zambelli, fomentadora de atos de várias organizações.
Que marcaram para hoje, 17h, em frente ao Masp, os atos Por Um Brasil Melhor e Menos Corrupto e Reconstruindo o Brasil – este último organizado pela Organização de Combate à Corrupção (OCC).
Sigla que lembra CCC, Comando de Caça ao Comunismo, grupo paramilitar que trocou tiros com estudantes da USP, aterrorizou a classe teatral no final dos anos 1960, espancou atores e promoveu o quebra-quebra em teatros.
Sigla recuperada por outro grupo, o Comando de Caça aos Corruptos, cujo perfil apresenta:
O CCC É UMA ORGANIZAÇÃO REVOLUCIONÁRIA NACIONAL COMPOSTA POR CIDADÃOS E CIDADÃS PATRIOTAS E POR MILITARES, POLICIAIS E SIMPATIZANTES. TEM COMO FINALIDADE PRECÍPUA COMBATER A CORRUPÇÃO, O COMUNISMO E RESGATAR A DIGNIDADE NACIONAL. Missão SERVIR E PROTEGER. O QUE SÃO A PÁTRIA, AS FORÇAS ARMADAS E A POLÍCIA.
https://www.facebook.com/ComandoDeCacaAosCorruptos?fref=ts
O administrador da sua página, Rui Cosmedson, tem 25 seguidores. E ironicamente segue o grupo da página PSDB e DEM [http://www.facebook.com/groups/psdbedem/]
Cosmedson também administra a página do OCC, fundada há 20 dias.
“Roubamos a pauta porque o Movimento Passe Livre tem um tema muito restrito, que não nos representa. Eles insistem em dizer que o tema é reforma agrária e mobilidade, mas o povo brasileiro provou que a luta é contra corrupção. No protesto de quinta, ninguém tinha cartaz de reforma agrária”, diz Carla. “Se não for pelo amor é pela dor, a gente quer parar o Brasil mesmo.”
Carla defende que não existe direita e esquerda, mas o que é bom e o que é ruim. Acredita que se a Comissão de Ética não tirar os fichas-sujas do Congresso, as Forças Armadas tem que tirá-los.
Marcello Reis, fundador do Revoltados Online, é outro face-ativista que afirma que “não é o momento” de falar se o grupo é contra ou a favor do militarismo. “Não achamos que agora há necessidade de falar isso. Não é que nós somos contra ou a favor (da intervenção armada). Se for necessário, sim.”
O Movimento Pátria Minha é a favor de que se queimem “todas as bandeiras que aparecerem em manifestação”. Segundo as redes sociais, o Pátria Minha rachou e fará outra manifestação, no dia 3.
O OCC chama também para o dia 10 de julho, às 18h, também no Masp, a MARCHA DAS FAMÍLIAS COM DEUS NA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL:
“ATENÇÃO PATRIOTAS QUE NÃO QUEREM VER A BANDEIRA DO BRASIL MANCHADA DE VERMELHO! Surgiu uma grande oportunidade para você fazer algo por seu país e por seus descendentes! Estamos organizando, com o apoio dos administradores das páginas adiante mencionadas, a MARCHA DAS FAMÍLIAS COM DEUS NA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL (EM DEFESA DA VIDA, DA LIBERDADE, DA PÁTRIA E DA DEMOCRACIA, CONTRA O COMUNISMO), programada para o dia. POR ALGUMAS HORAS INUNDAREMOS O VERMELHO DO MASP DE VERDE E AMARELO!!!
Patriotas, estamos chegando a um tempo em que literalmente ficaremos sem saída, um futuro à La Venezuela, à La Cuba, um futuro da URSAL (União das Repúblicas Socialistas Latino Americanas). Portanto, urge agirmos enquanto há possibilidade, enquanto é permitido, enquanto não há guerrilheiros armados nas ruas para nos combater.
Temos um governo que pretende implantar uma ditadura comunista no Brasil, isto é fato, é de conhecimento de uma grande parcela da população, e com a perfeita e harmoniosa colaboração dos partidos socialistas, que têm por objetivo estatutário a tal “democracia socialista”, e dos partidos sem objetivo estatutário algum, apenas destinados à locação.
Com a colaboração e ciência destes partidos, o comunismo está sendo implantado no Brasil sorrateira e imperceptivelmente, cumprindo regiamente a agenda do Foro de São Paulo e a agenda estabelecida pelo “stablishment” que financia a ONU, para implantar a Nova Ordem Mundial.”
Seus organizadores listam algumas bandeiras que abordam corrupção, moral sexual, religião, numa salada de frutas do pensamento conservador. São contra, por exemplo:
“O perdão de dívidas de países africanos, para que os ditadores continuem com a gastança particular às custas do suor do nosso trabalho.”
“A promoção do aborto, à revelia da constituição federal.”
“A redução do consentimento do sexo com menores para 12 anos consentindo a pedofilia, à revelia da constituição federal.”
“Confisco de propriedade, à revelia da constituição federal.”
“O sucateamento das forças armadas e fim da polícia militar, para criação da Força Nacional como guarda pretoriana, à revelia da constituição federal.”
“O desarmamento da população, deixando os bandidos totalmente armados, à revelia do referendo.”
“A vinda de guerrilheiros cubanos para o Brasil, disfarçados de médicos, para ensinar às pessoas simples do nosso extenso interior e sertão os métodos revolucionários.”
“A infiltração de membros das FARC em vários órgãos políticos.”
Termina o manifesto: “Como todo cristão, é nosso dever defender a nossa crença e deixarmos para o futuro um Brasil melhor do que aquele que vivemos e encontramos.”
A lista de apoiadores, segundo o OCC, é de páginas do Face. E, pelos nomes, já se descobre a linha ideológica em comum:
AMIGOS DA GUARDA CIVIL
https://www.facebook.com/AmigosDaGuardaC…
AMIGOS DA DIREITA
https://www.facebook.com/pages/Amigos-da…
ANTI-NEO ATEÍSMO
https://www.facebook.com/antineoateismo?…
ANUÁRIO DA CORRUPÇÃO BRASILEIRA
https://www.facebook.com/anuariodacorrup…
BOICOTE NACIONAL AO PT
https://www.facebook.com/BoicoteNacional…
CHEGA DE CORRUPTOS
https://www.facebook.com/bodegadelinksde…
COMANDO DE CAÇA AOS CORRUPTOS
https://www.facebook.com/ComandoDeCacaAo…
CONS BRASIL (OFICIAL)
https://www.facebook.com/ConsBrasilOfici…
CONSERVADORISMO BRASIL
https://www.facebook.com/Conservadorismo…
CRISTIANISMO ON-LINE
https://www.facebook.com/messages/Cristi…
DILMA ROUSSEF, NÃO
https://www.facebook.com/DilmaRousseffNa…
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