Luiza Frazão's Blog
October 3, 2025
ESCLARECENDO SOBRE O DESAPARECIMENTO DAS MINHAS REDES SOCIAIS
Perdi de acesso às minhas Redes Sociais...
Facebook - Luiza Frazão@sacerdotisaluizafrazao
@templodashesperides
@conferenciadadeusaportugal
Queridas amigas e amigos e membros da comunidadedo Facebook, Instagram, Conferência da Deusa e Templo da Deusa do Jardim dasHespérides,
Na tarde do dia 1 de outubro, enquantoacompanhava as obras de impermeabilização no telhado da minha casa, a minhaconta do Facebook foi alvo de um ataque cibernético grave. Uma publicaçãomaliciosa e criminosa foi feita em meu nome, com conteúdo abjeto de teorped*filo e com o claro objetivo de causar o maior dano possível.
As consequências foram imediatas: as minhas duaspáginas no Facebook — “Luiza Frazão” e “Sacerdotisa em Avalon” — foramdesativadas sem qualquer possibilidade de defesa. Pouco depois, as trêscontas que administro no Instagram também foram removidas:
A minha conta pessoal: @sacerdotisaluizafrazao A página do Templo da Deusa: @templodashesperides A página da Conferência da Deusa em Portugal: @conferenciadadeusaportugalA plataforma assumiu automaticamente que apublicação havia sido feita por mim, sem qualquer investigação técnica maisaprofundada para apurar a verdadeira origem — algo que poderia ter sidofacilmente rastreado através do endereço IP ou da localização do dispositivo.Fui assim penalizada e injustamente associada a um conteúdo abjeto, que repudiode forma absoluta.
Tenho uma presença ativa no Facebook há quase 20anos. Ao longo deste tempo, como muitas outras pessoas, enfrentei algunsataques virais — incómodos, mas sem mais. No entanto, nunca tinha passado poruma situação tão grave, que apagou a minha presença digital e afetoudiretamente o trabalho pessoal, espiritual e comunitário que venhodesenvolvendo há décadas.
Neste momento, estou a tomar todas asdiligências possíveis para tentar recuperar as contas, enquanto mantenho afé num verdadeiro milagre da Deusa. Abençoada.
Agradeço, desde já, a compreensão, o apoio e asboas energias de todas e de todos.
Que a Deusa nos proteja e abençoe — especialmente às crianças deste mundo.
Com gratidão,
Luiza Frazão
March 8, 2025
Feliz Dia da Mulher 2025
Hella Haasse, por Diana VandenbergEsta manhã recebi uma mensagem da minha amiga Fernanda B. que gosta de estudar e de nos trazer de vez em quando estatísticas precisas e bem investigadas:
  
    
  
Olá Amigos!
Ora então… aí vem (outra vez?!), o Dia Internacional daMulher, devidamente alindado com flores e chocolates…
E…, como era de prever… cá estou eu (outra vez?!) adiscordar de um dia dedicado ao GÉNERO feminino.
Alguns de vós já estarão a retorquir: “…tens de entender queo “Dia” se justifica pois é uma chamada de atenção para a violência exercidasobre a Mulher”.
Ai sim?! Então por que é que a violência sobre a Mulher temvindo a aumentar?! … apesar daquantidade de “Dias” dedicados ao “Género Feminino”, como:
· “DiaInternacional da Mulher – 8 de Março”,
· “DiaInternacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres – 25 deNovembro”,
entre outros, de certa forma relacionados:
· “DiaInternacional das Mulheres e Meninas na Ciência – 11 de Fevereiro”,
· “DiaInternacional para Eliminação da Violência Sexual em Conflito – 19 de Junho”,
· “DiaInternacional das Mulheres na Diplomacia – 24 de Junho”,
· “SemanaMundial do Aleitamento Materno – 1 a 7 de Agosto”,
· “DiaInternacional das Meninas – 11 de Outubro”,
· “DiaInternacional da Mulher Rural – 15 de Outubro”,
· “Dia Mundialpara a Prevenção e Cura da Exploração, Abuso e Violência Sexual Infantil – 18de Novembro”
Em Portugal, de acordo com Boletim estatístico"Igualdade de Género em Portugal", em 2023 registaram-se 30.461ocorrências por violência doméstica (em 2022, tinham sido 26.520 ocorrências),das quais apenas 4.141 resultaram em condenações dos agressores. A “esmagadoramaioria das vítimas de violência doméstica” são mulheres (sete em dez, em 2023)e “a larga maioria” de pessoas denunciadas e condenadas são homens (oito emdez, em 2023)
Se acompanharem os relatórios anuais das Nações Unidas,“Gender-related killings of women and girls (femicide/feminicide)”, poderãoconstatar que, globalmente, o número de mulheres e meninas mortas pelos seusparceiros íntimos ou outros membros da família foi, aproximadamente,
· 2021 -45.000
· 2022 –48.000
· 2023 –51.000
E não estão aqui referidos os 612 milhões de mulheres emeninas afectadas por guerras, mulheres que enfrentam situações brutais devidoàs intervenções militares, fonte de um tremendo genocídio de mulheres, muitasvezes acompanhado de violência sexual extrema e impunidade para os seusagressores.
Em 2023, a proporção de mulheres mortas em conflitos armadosduplicou em comparação com 2022. Quatro em cada dez pessoas que morreram emconsequência de conflitos em 2023 eram mulheres. Os casos de violência sexualrelacionados com conflitos verificados pela ONU aumentaram 50% e o número demeninas afectadas por violações graves aumentou 35%.
Digam-me vocês…
Sempre fomos assim ou, em algum momento, algo muito erradoaconteceu?!
Dei a este texto o título “O Sagrado Feminino”, ao qual atédevia ter acrescentado “ e O Sagrado Masculino”, porque, na verdade, ambosdeveriam estar juntos… e estão em desequilíbrio.
Os homens e as mulheres de hoje são seres frágeis emanipuláveis porque, algures no passado, perderam o CONHECIMENTO de quemrealmente são, deixando-se levar pela cultura imposta pelas religiões, pelomercantilismo, pelo domínio territorial., ou seja, romperam a parceria com aNatureza, com a “Mãe Terra”, Ela também vítima de violência.
Vários filósofos e investigadores, como Rousseau, Freudentre outros, fizeram reflexões sobre como e a partir de quando o Ser Humanoficou condicionado a um modo de viver antropocêntrico, hierarquizado,escravizante e, em consequência, tão irremediavelmente conflituoso.
Como nasceu e germinou a civilização patriarcal, dominadapor “sacerdotes, generais e mercadores”??
A cultura patriarcal preconiza que “homem que é homem nãochora”, não se vulnerabiliza, usa a força física, assegurando assim que osjovens nunca cheguem a ser homens conscientes da sua inerente conexão com aNatureza, conscientes dos seus ciclos naturais, da sua capacidade de seconectar com o seu lado feminino e de viver o seu lado masculino de formasaudável, longe dos estereótipos tóxicos.
Líderes que equilibram as suas energias, masculina efeminina, tendem a ser mais justos, compassivos e eficazes, promovendo umambiente de trabalho mais positivo e produtivo. Equilibrar o Sagrado Masculino(analítico, racional, lógico, matemático) e o Sagrado Feminino (intuitivo,criativo, sensível e artístico) ajuda a reduzir comportamentos agressivos eviolentos, promovendo uma cultura de paz e respeito.
Quando o homem perdeu essa ligação com o “Sagrado”, deixoude conseguir solidificar os seus valores e princípios, começando a desrespeitaro “Sagrado Feminino” que existe nas mulheres e também neles próprios.
A partir daí, o desequilíbrio instalou-se, dando origem àopressão e dominação masculina. A sexualidade foi um dos pontos mais marcantes.As religiões transformaram o acto de união entre homem e mulher ( divino esagrado) em pecado…, o mercantilismo transformou-o em negócio… e a mulherfechou-se, para se defender de tanta subjugação e humilhação.
Acontece então que o impulso da mulher é entrar em lutacontra os homens em geral.
Nos últimos cem anos, movimentos de mulheres têm lutado pelaigualdade de oportunidades, a nível de cargos de liderança, diferençassalariais, responsabilizando os homens pela violência física e psíquica contraas mulheres…, mas o desequilíbrio permanece porque, nem homens nem mulheresacolheram ou respeitaram o Sagrado Feminino, a Energia que é maternal, que ébeleza, afecto, sensualidade, criatividade, inspiração, intuição.
Para complicar, o falso binário de “GÉNERO” transformou-senuma ferramenta de divisão sexual, uma forma de desigualdade, que se articulacom outras, como a classe, a etnia, a idade.
Esse é o mundo em que ainda nos encontramos…
Por isso é que algumas mulheres que estão em lugares deliderança não conseguem ainda resgatar, dentro de si, o Sagrado Feminino e usara criatividade, a inspiração, a intuição, para ajudar os homens a criar ummundo de equilíbrio e harmonia…
Por isso e que Ursula van der Leyen saiu de uma reunião ondeera suposto ser encontrado um Caminho para a Paz…, a dizer que é urgentefabricar armas… E, como dizia Eduardo Galeano: “As armas exigem guerras e asguerras exigem armas”
O conceito de “Sagrado Feminino” e “Sagrado Masculino” não éque “homens e mulheres” sejam opostos, mas que existem energias complementaresdentro de cada Ser, que precisam de estar em equilíbrio.
O Sagrado Feminino é uma metade do Todo; o Sagrado Masculinoé a outra metade. Juntos, eles criam um mundo de harmonia e equilíbrio.
Apesar de tudo, estouoptimista! O despertar de consciêncianos homens e mulheres tem sido cada vez maior, já se vão notando casos deintegração do Sagrado Masculino e do Sagrado Feminino.
É o “Regresso a Casa”!!! É o voltar a ter respeito econfiança em nós próprios, honrar a nossa ancestralidade, a Mãe Terra, edesenvolver um olhar sagrado perante a Vida, para que a Humanidade se libertedas “amarras patriarcais” e possa construir um Mundo Novo!
Fernanda Barbosa
September 4, 2024
O Caldeirão de Cerridwen: Roubar da Velha Mãe Universo
Por Kelle ban DeaA história de como Cerridwen, a deusa das bruxas, preparauma poção mágica cheia de awen (inspiração) que é acidentalmenteingerida pelo jovem Gwion Bach, é muito apreciada em todo o mundo ocidental,especialmente pelos neo-druidas. Gwion Bach renasce então como Taliesin, omaior bardo da Grã-Bretanha. É um típico conto de heróis, com Cerridwen comomusa e iniciadora.
Ou será que é? Este conto sempre me deixou um sabor estranhona boca, e quando li recentemente The Broken Cauldron (O Caldeirão Quebrado) deLorna Smithers, percebi porquê. Na versão mais antiga que temos deste conto,Gwion Bach não prova acidentalmente o awen. Ele rouba-o.
E depois o caldeirão parte-se, e o resto da poção derrama-sepelo chão e envenena a terra.
Esta versão faz lembrar outros contos do mundo “celta”, emque os caldeirões ou cálices das mulheres mágicas são roubados ou partidos, opoder das mulheres é afetado por roubo ou violação e a terra fica a sofrer comisso, geralmente por inundação ou, pelo contrário, por seca. É um temarecorrente, que as ecofeministas consideram simbólico tanto da opressão dopatriarcado sobre as mulheres como da exploração da Terra. Estas mulheres sãorepresentantes da Deusa da Soberania, que personifica a terra e determina quemestá apto a governá-la. Um rei tem de fazer um pacto com a deusa para protegera terra e o seu povo.
Só que, contam os mitos, a dada altura os reis e os “heróis”aperceberam-se de que podiam simplesmente violar e roubar, e assim as mulheresretiram-se para o Outro Mundo e a terra fica desolada.
Estes motivos parecem tão óbvios que não consigo compreenderpor que razão, durante tanto tempo, foram lidos como contos de heróis e nãoexatamente o oposto - contos que nos dizem que os heróis são muitas vezes, defacto, homens violentos e que a glória é normalmente sinónimo de conquista.Alguém sai sempre magoado, ou magoada, mas são os vencedores que contam e,durante demasiado tempo, interpretam as histórias.
Prefiro a interpretação de Smithers. Ela refere-se aCerridwen como “uma deusa que passei a conhecer como a Velha Mãe Universo”.Tradicionalmente, o caldeirão simboliza inspiração, sabedoria e renascimento.Mas a maioria das interpretações deste conto centra-se nas façanhas de Taliesine ignora as consequências do caldeirão partido e da magia roubada.
O caldeirão roubado ou partido volta a aparecer num poemamítico galês - alegadamente da autoria do próprio Taliesin - chamado “OsDespojos de Annwfn”. Annwfn é o Outro/ Submundo celta, onde se encontra umcaldeirão mágico de inspiração e renascimento, cuidado por nove sacerdotisas.Taliesin acompanha o famoso herói, o Rei Artur, e os seus guerreiros numaincursão a Annwfn para roubar o caldeirão. Segue-se uma matança e umderramamento de sangue. Apenas sete homens regressam a casa. Mas tudo vale apena, porque os heróis lendários têm o seu prémio.
Na história de Branwen, sobre a qual já escrevi aquianteriormente, o caldeirão do renascimento é roubado a uma mulher gigante eentregue a um rei que o utiliza para ressuscitar guerreiros caídos emguerreiros silenciosos e mortos-vivos. Máquinas de matar. Isto faz claramenteparte de um mito antigo, pois vemos este motivo no artefacto do século I d.C.,o Caldeirão de Gundestrup (embora aqui os guerreiros estejam provavelmente arenascer no Outro Mundo e não como zombies assassinos). O caldeirão do renascimentoé antigo, mas a humanidade corrompeu-o. Derramou uma poção envenenada sobre aterra.Mais tarde, no conto, o brutal meio-irmão de Branwen,Efnisien, mata o seu filho bebé atirando-o para o fogo e depois,presumivelmente num acesso de remorsos, atira-se ao caldeirão, partindo-o paraque deixe de poder ser utilizado. Este é talvez o mais brutal de todos oscontos, um que me faz sempre estremecer quando o leio.
As nove donzelas que cuidam do caldeirão são também ummotivo recorrente, embora nos contos arturianos posteriores se tenhamtransformado em nove bruxas, e são (naturalmente) abatidas pelo herói, como noconto de Peredur.
Se o caldeirão do renascimento e da inspiração representa oventre da Deusa, como a maioria parece interpretá-lo, ou o próprio Feminino,então o que significa o facto de os nossos supostos heróis o terem roubado equebrado? Que os nossos contos heroicos pareçam completamente despreocupadoscom as consequências, mas que celebrem os seus protagonistas másculos? Apenas oconto de Branwen parece apresentar o verdadeiro horror sem restrições, e talveznão seja surpreendente que os estudiosos tenham teorizado que este foi, defacto, escrito pela primeira vez por uma mulher.
Voltando à própria Cerridwen, creio que precisamos de novasinterpretações, como a de Smithers, que, de facto, nos devolvam ao que écertamente o núcleo e a verdade deste conto. Cerridwen não é simplesmente umabruxa-musa, cujo papel é inspirar e dar à luz o herói e depois desaparecer danarrativa; ela é a narrativa, a deusa que produz o awen e que é responsávelpela morte e pelo renascimento. A própria Velha Mãe Universo.
Na verdade, o roubo da nossa humanidade não diminui a VelhaMãe Universo. Como é que isso pode acontecer? Ela continua a destruir estrelas,a dar à luz mundos e a criar vida. As galáxias continuarão a girar sem o nossocontributo. Os que prejudicamos somos nós próprios e o próprio ecossistema deque dependemos para sobreviver.
Aquilo que roubamos aos nossos descendentes.
E por isso temos de fazer o que pudermos para reparar ocaldeirão, antes que sejamos deixados numa Terra Desolada mais uma vez.
[1] Smithers, Lorna The Broken Cauldron (2021) Ritona Press
Fonte:
Imagem 1 - Cerridwen, arte de Wendy Andrew
Imagem 2 - O Caldeirão de Gundestrup, Wikipedia
May 26, 2024
Senhora dos Verdes / Helena dos Caminhos
  
Yueri Leitch
HELENA DOS CAMINHOS
“Se Helena apartar
do campo seus olhos
nascerão abrolhos”
Luís de Camões
“O azar da Península Ibérica foia Inquisição e a caça às bruxas que destruíram todos os rastos da mitologiaarcaica…”
“Sabemosque as estradas romanas seguiam caminhos antigos e sabemos que estes eramcaminhos de transumância pastoril e que antes do pastoreio dirigido existiu omero ato de seguir os trilhos das manadas.”
Artur Felisberto
Helena dos Caminhos,conhecida entre nós como a Senhora dos Caminhos, é uma das Deusas de Beltanemais antigas e mais fascinantes e cuja história é mais rica e complexa edifícil de deslindar. Na verdade a história de Helena dos Caminhos parte emvárias direções, fazendo jus ao Seu atributo de Deusa dos caminhos, de Guardiãodos caminhos. Por Helena, e honrando o seu espírito indomado de Deusa Hasteada,de Deusa Rena, ouso entrar por caminhos que não sei ainda aonde me conduzirão,nem isso me importa, porque precisamente o que a Deusa me é inspira é a abrir oua mostrar caminhos…
Entre as divindades relacionadas com Beltane que fiquei aconhecer no meu primeiro ano do treino de sacerdotisa de Avalon, surgiu uma queimediatamente captou a minha atenção duma forma muito premente: Elen of theTrackways. Fiquei sob o Seu encanto e andei uma eternidade às voltas com estaenergia poderosa até ter percebido que Elen, ou Helena, queria ser encontrada eresgatada no nosso território. Ao ler a investigadora britânica Caroline Wise,compreendi melhor aquilo que eu mesma senti no meu primeiro contacto com estaDeusa: “Quando comecei a leitura dessapequena brochura (onde se falava de várias Helenas mitológicas e dapossibilidade da sua origem comum) sentias correntes da kundalini atravessarem o meu corpo”.
Durante omeu treino, com o meu inglês tão insipiente, lia e escrevia em frente docomputador e do tradutor do Google. Na verdade estudar, fazer investigação,hoje em dia é absolutamente fascinante, porque podemos satisfazer a nossa sedede informação e a nossa curiosidade da forma mais simples, pressionando apenasalgumas teclas do computador. Ora, como muito cedo me apercebi das ligações queexistem entre o material britânico e o ibérico, a certa altura resolvi escreverno motor de busca: “Senhora dos Caminhos”. Será que tal epíteto fora alguma vezaqui atribuído à Deusa? Para meu espanto absoluto a resposta foi positiva. Sim,são inúmeras as capelas, santuários, nichos, por todo o país, mais para oNorte, mas na verdade um pouco por todo o país. Existem até duas capelas bemperto da aldeia onde nasci, no distrito de Leiria, uma na Batalha e outra emPorto de Mós. Incrível, capelas da Senhora dos Caminhos mesmo ao pé de casa e eununca tinha ouvido falar desta Deusa! Uma investigação sumária desses locais deculto, trouxe-me uma informação preciosa: em Rãs, freguesia de Sátão, Aguiar daBeira, uma nova capela da Senhora dos Caminhos foi construída sobre outra maisantiga dedicada à… Senhora dos Verdes.
Senhora dos Verdes? Não podia acreditar no que estava a ler…Senhora dos Verdes é nem mais nem menos que a tradução literal de Lady of the Green, uma das primeirasdesignações por que Elen of the Trackways é conhecida, como uma espécie de versãofeminina do Green Man, o Homem Verde,ou seja, uma personificação do espírito da natureza, relacionada com aFertilidade e a Soberania da terra. Ou com a própria Terra, como postulaCaroline Wise no seu brilhante trabalho de investigação sobre esta divindade,segundo ela uma das mais primitivas e importantes do panteão britânico. O nomeda capital inglesa, Londres, poderá estar relacionado com ela, acredita.
Pela etimologia, “Elen” é um termo relacionado com cervídeoscomo a Rena, o Alce, o Veado, a Corça, mas também com o Cisne. Em francês, por exemplo,existe o termo Élentier significandoAlce. Entre a figura referida no Mabinogion, Elen of the Trackways, Helena deTroia e Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, entretanto, existem ligaçõesque levam a investigadora a suspeitar tratar-se da mesma entidade. Helena deTroia nasceu, segundo a lenda, dum ovo de Cisne, forma tomada por Zeus paraseduzir sua mãe, Leda. Quanto a Santa Helena, foi ela quem, supostamente,descobriu na Terra Santa a verdadeira cruz de Cristo. Ora, Cruz do Norte éprecisamente um outro nome dado à constelação de Cygnus. Elen surge assim comouma energia por demais poderosa e fundadora para não irmos no seu encalce.
Voltando aos poderes de Helena, Ela é a Senhora da Soberaniada Terra, Senhora dos Verdes, a Vénus Britânica, Deusa dos Jardins, a Noiva dasFlores, Guardiã dos cursos de água subterrâneos, Guardiã dos antigos trilhosdas migrações da Rena e do Alce, Guardiã das Linhas Ley, Ativadora e Mediadorada Kundalini da Terra. A Sua ligação à Rena parece ser a mais primordial, eRenas existiram também na Ibéria. Nos períodos glaciais, os animaiscaracterísticos foram o mamute, o rinoceronte peludo e a rena, espécies vindasdo centro e do norte da Europa, que buscavam o clima relativamente ameno daPenínsula. Portanto, em épocas glaciares havia renas e a última dessas épocasacabou há 9 mil anos, ou seja, no início do Neolítico. Esta mudançaclimática terá originado a substituição da rena pelo cavalo
“Esta Deusa, com ligação a animais como os cervídeos, cujos caminhosguarda e guia, tornou-se a Deusa das linhas de energia, implicada na soberaniada terra, nas suas medições, mapeamento e na geomancia. Por intermédio dosanimais e dos seus antigos trilhos, ela está relacionada com o equilíbrio dasenergias da terra, com a fertilidade e com os ciclos da natureza”, resumeCaroline Wise. E também por cá temos, entre outros, o Monte de Santa Helena, emLage, freguesia de Vila Verde, onde são visíveis os vestígios duma via romana,que a atravessava e que era parte do caminho de Santiago.
O CISNE DE HELENA
“Como Deusa Hasteada,Ela guia-nos pelos primeiros trilhos da migração das renas. Ela apontou para aantiga cidade de Londres e para as estrelas e revelou-me mistérios do conceitoabstrato de soberania, que liga a fertilidade da terra a quem a governa.” Caroline Wise (http://mirrorofisis.freeyellow.com/id152.html)
Andrew Collins, entretanto, em The Cygnus Mistery, defende que a veneração do Cisne, como aveassociada à vida cósmica, remonta a 17 000 anos atrás quando a constelação deCygnus ocupava posição de destaque nos céus noturnos do Hemisfério Norte, sendoentão Deneb, a estrela mais brilhante desta constelação, a Estrela Polar.Segundo crê, a constelação de Cygnus estaria na origem de todas as religiões domundo, bem como da Astronomia, da Literatura, das cosmologias antigas e dasviagens transoceânicas. Raios cósmicos duma estrela binar desta constelação, a CygnusX-3, defende o autor, terão contribuído para a evolução humana durante a últimaIdade do Gelo, sendo vários os indícios, diz-nos, que provam que as/osnossas/os antepassadas/os tinham consciência de que a vida na Terra tinha umaorigem estelar.
Os animais totémicos de Helena são a Rena e o Veado (oscervídeos) e o Cisne, cuja simbologia é riquíssima e sobre o qual se pode ler naInfopedia: “O cisne é em muitas tradições osímbolo da mulher e da virgem dos céus que em contacto com a terra e com a águadá origem aos seres humanos”. Helena relaciona-se assim com a constelação do Cisne, também conhecida comoCruz do Norte, e estou convencida de que um fóssil da antiga veneração dessaconstelação no nosso território se encontra precisamente no culto prestado àSanta Cruz, na religião católica, curiosamente um dos antigos oragos dafreguesia onde nasci. Na versão oficial, trata-se da cruz onde Cristo terá sidocrucificado, descoberta na Terra Santa, por Helena (santa Helena), mãe doimperador Constantino, aquele que impôs o Cristianismo como religião oficial doImpério Romano.
Podemos avistar Helenados Caminhos nos trilhos dos bosques, entre as árvores, se A invocarmos eestivermos atentas/os à Sua epifania. Aí, é possível vislumbrarmos a Suasilhueta ou recebermos da Deusa um qualquer sinal da Sua presença. Como Deusade Beltane, se nos rendermos à Sua presença em nós, Helena guia-nos pelascorrentes da Kundalini do corpo, pelas indomadas correntes do desejo, quandovibrando em uníssono com o divino masculino, atingimos o portal estelar queconduz o ato de fazer amor à sua cósmica dimensão e apoteose.
©Luiza Frazão, Maio 2015
April 1, 2024
A PÁSCOA DA DEUSA
Legado de Carol P. Christ: PÁSCOA DA DEUSA: UMA VISÃO DESDE AGRÉCIAEste texto foi originalmente publicado em 16 de abril de2012
Nota da revista Feminism andReligion: “Na Sexta-feira Santa, no Sábado de Páscoa, no Domingo de Páscoa e naSegunda-feira de Páscoa, os blogues do feminismandreligion.com celebraram asmães e Deus Mãe.”
Este é o meucorpo, a vós doado.
Este é o meu sangue, a vós doado.
Embora estas palavras sejam o centro de uma liturgia cristãque celebra o sacrifício de Jesus como o Cristo, são mais apropriadas parafalar das nossas próprias mães. A tua mãe, a minha mãe e todas as mães, humanase não humanas, mamíferas, aviárias e répteis, dão o seu corpo e sangue para queos seus filhos tenham vida. É verdade que as mães nem sempre fazem escolhasconscientes para engravidar, mas quase todas as mães afirmam a vida na suavontade de nutrir as crias que emergem dos seus corpos e dos seus ninhos. Se asmães - humanas e não humanas - não tivessem dado o seu corpo e o seu sanguedesde tempos imemoriais, tu e eu não estaríamos aqui.
A liturgia pascal não reconhece que a oferta original docorpo e do sangue é a oferta da mãe. O cristianismo "roubou" asimagens associadas ao nascimento e atribuiu-as a um salvador masculino. Se issofosse tudo o que os cristãos fizeram, já seria suficientemente mau. Atualmente,na maioria dos países, existem leis contra o roubo. Os teólogos e liturgistascristãos deveriam também ser punidos com um "F" por plágio - definidocomo a apresentação das ideias de outros como se fossem suas. Z Budapest tinharazão quando opinou, de forma célebre, que "o cristianismo não tinhaideias originais.
Não ter ideias originais talvez seja perdoável. Se as mãesainda fossem honradas, certamente teriam perdoado aos seus filhos o facto detambém quererem ser honrados. A maioria das mães está disposta a partilhar oque tem com os seus filhos. A essência da maternidade é a generosidade, amar ooutro como a si mesmo. No entanto, os cristãos continuam a insistir que a ideiado amor auto-doador teve origem em Jesus e que ninguém teria pensado nisso senão fosse por ele.
Os cristãos não se limitaram a roubar ideias das culturasque honram a mãe. Eles torceram o nariz para as mães. Diziam que o corpo que osgerou era mau: era a fonte do pecado, a "porta de entrada dodemónio", nas palavras infames de Tertuliano. Eles agravaram o crime deroubo, acrescentando-lhe o crime de calúnia! Desde então, as mulheres reais têmsido castigadas pelo "pecado" de "Eva".
A negação da mãe é inerente à visão platónica do mundoadoptada pelo cristianismo. A visão platónica do mundo, tal como outras vias de"renúncia" ao "mundo", é o auge da ingratidão. No fundo,despida das suas roupagens, a sua essência é a seguinte: o nascimento nestemundo através do corpo de uma mãe não é suficientemente bom. O nascimento nestemundo não é suficientemente bom. O nascimento através do corpo de uma mulhernão é suficientemente bom.
Embora reconheça a esperança de vida eterna em que se baseiaa rejeição da vida neste mundo, considero a renúncia à vida no corpo e nestemundo um erro de "categoria" fundamental. Aqueles que escolhem ocaminho da renúncia são "vida" rejeitando "vida". A vida nocorpo não é vida sem morte. Mas será que devemos rejeitar a dádiva da vidaporque ela não dura para sempre? Devemos rejeitar as flores porque a maiorparte delas só floresce na primavera? Ou devemos deliciar-nos com a belezaefémera e com as nossas próprias vidas que não são eternas? Parece-me que asnossas civilizações ditas "superiores" tomaram um rumo errado háalguns milénios.
Talvez não seja demasiado tarde para voltar atrás. Podemoscomeçar por dar graças às nossas mães, aos nossos antepassados, mulheres ehomens, à teia da Vida, à própria Terra e ao cosmos, sem os quais e sem asquais não existiríamos. A minha oração pascal é simples:
Abençoemos a Fonte da Vida,
e os ciclos de nascimento, morte e regeneração.
Com esta simples oração, podemos substituir o egoísmo poruma afirmação da nossa interdependência, e a nossa ganância pelo que não temos,pela gratidão por tudo o que nos foi dado.
*Ontem foi segunda-feira de Páscoa na Grécia.
Imagem 1 - a Mãe Poupa
Imagem 2 - Deusa Deméter e Sua filha Perséfone
Imagens originais do texto em inglês aqui.
March 26, 2024
Como Cultuamos a Deusa?
Criando espaço para a reverênciapor
KellyApplegate-Nichols
Enquanto o movimento de espiritualidade da Deusa acompanhaos movimentos de espiritualidade feminina e feminista, estou certa de que aprópria Deusa olha com admiração e orgulho para as Suas criações. Tenho acerteza de que Lhe agrada ver mulheres tão dedicadas ao empoderamento pessoal,e à determinação feroz de sair de debaixo do chicote do patriarcado, para semanterem juntas como mulheres, unidas na nossa paixão por um mundo melhor.
Embora saiba no meu coração que estamos continuamente namente da Deusa, sou levada a perguntar-me: quantas vezes é que Ela está nanossa?
Embora façamos grandes progressos juntas no nosso objetivocomum de liberdade e paz, algumas de nós parecem estar menos em paz do quenunca; parece haver uma corrente subjacente de solidão, de desconexão.Ultimamente, tenho pensado que é pelo menos possível que aquilo que nos mantémacordadas à noite tenha menos a ver com o estado do mundo e mais com a ligação,por vezes ténue, com a nossa Mãe. Talvez estejamos tão concentradas no nossoempoderamento pessoal que nos esquecemos de que existe outro poder, um"poder superior", se preferirmos. E Ela quer comungar connosco.
Parte da nossa saída do domínio do patriarcado tem sido oabandono da religião centrada no deus masculino. Durante demasiado tempo,foi-nos ensinado que, mesmo no domínio espiritual, são os homens que nossupervisionam a nós e às nossas almas. Um problema potencial surge quandodeixamos isso para trás sem um substituto suficiente, o que pode levar à quedalivre religiosa e espiritual. Por vezes, desafiamos de tal forma a linguagem dareligião patriarcal que podemos ficar desligadas das ideias que estão por detrásdas palavras. Mas e se houvesse um caminho melhor? E se pudéssemos ter umarecuperação dos termos religiosos e espirituais, para nosso benefício, paradesenvolver a nossa ligação com a nossa Criadora?
Parte da nossa saída do domínio patriarcal tem sido oabandono da religião centrada no Deus masculino. Durante demasiado tempo,foi-nos ensinado que, mesmo na área espiritual, são os homens que nossupervisionam a nós e às nossas almas. Um problema potencial surge quandodeixamos isso para trás sem um substituto suficiente, o que pode levar-nos àqueda livre religiosa e espiritual. Por vezes, desafiamos de tal forma alinguagem da religião patriarcal que podemos ficar desligadas das ideias queestão por detrás das palavras. Mas e se houvesse um caminho melhor? E sepudéssemos ter uma recuperação dos termos religiosos e espirituais, para nossobenefício, para desenvolver a nossa ligação com a nossa Criadora?
O Dicionário Oxford define adoração como "o sentimentoou expressão de reverência e adoração por uma divindade" e "mostrarreverência e adoração por (uma divindade); honrar com ritos religiosos".No entanto, algumas de nós desenvolveram a ideia de que "adoração"significa ser subserviente ou ajoelhar-se, uma ideia apoiada pelos seguidoresde uma figura divina masculina, irada e punitiva. Eu sugeriria que adorar aDeusa é um assunto completamente diferente. Porque parte da minha própria adoração é a compreensão do Seu poder, dofacto de que Ela é um poder muito maior do que o meu eu humano. Para mim e paratodas as mulheres, esse Poder que cria mundos está sempre à nossa volta.
A própria palavra "religião" deixa muitas vezes ummau gosto na boca das mulheres se a associarmos a todo o mundo do patriarcado.No entanto, se tomada isoladamente e fora de contexto, religião significasimplesmente "a crença e o culto de um poder ou poderes sobre-humanos, umsistema particular de fé e culto". A religião como conceito pode serdivorciada do clima religioso atual. Se dedicarmos tempo ao desenvolvimento danossa vida espiritual, estamos, de facto, a praticar uma religião da Deusa.
Parte dos meus rituais para a Deusa é dizer-Lhe que A amo,muitas vezes. É a mais simples das orações, mas é a que me faz sentirimediatamente ligada. Também passo algum tempo nos vários altares da minhacasa, inclino-me para beijar o chão à minha porta, faço oferendas, escrevo erealizo rituais em Sua honra. A religião da Deusa permite-me desenvolver aminha prática da forma que eu quiser, não há nenhuma doutrina a que me devaconformar. Não acho que Ela exija essas coisas de mim, e certamente não sereipunida se não as fizer. Faço-o porque me faz sentir próximo d'Ela. Faço-oporque, como disse Thomas Merton de forma tão eloquente, "...acredito queo desejo de vos agradar vos agrada de facto. E espero ter esse desejo em tudo oque estou a fazer".
Há muitos outros termos religiosos e espirituais que setornaram distorcidos pelas circunstâncias, merecem outro olhar, e que cadamulher se pergunte: "O que é que estes termos significam realmente paramim? O que é que eles podem significar para mim?" Palavras como milagre,reverência, devoção, humildade. Podemos personalizar as nossas definições deuma forma que funcione para nós, e só para nós. Podemos criar espaço nos nossoscorações para a admiração e a reverência.
  
October 13, 2023
SENHORA DAS FLORES - uma das faces da Deusa de Beltane
Sabias que uma das invocações da face da Deusa de Beltane éSenhora das Flores?As flores são, como sabes, os órgãos sexuais das plantas,puras manifestações da beleza e sabedoria divinas e têm um grande poder, magiae capacidade de cura para nos oferecerem. Como nos diz a autora do livro AMagia das Flores, Tess Whitehurst, elas situam-se na fronteira entre o visívele o invisível, mais perto do reino etérico da energia pura e por isso permitem-nosver o coração da verdade. Se nos sintonizarmos com as suas vibrações únicas,podemos melhorar muito a nossa saúde e vitalidade, poder e sucesso pessoal.Temos a aromaterapia e os florais de Bach, por exemplo, para o atestarem.
Na verdade elas tanto podem servir como terapeutas como comoperfeitas e maravilhosas emissárias do poder da Deusa, por isso a Senhora dasFlores é tão importante e será honrada na nossa Conferência da Deusa, entre 10e 12 de Maio de 2024.
Sem dúvida que quanto mais reconhecemos este poder inefável dasflores mais paz e harmonia e alma trazemos ao mundo. Na nossa cultura existe uma rainha que realizou o célebreMilagre das Rosas. Foi Isabel de Aragão, mais conhecida como a Rainha SantaIsabel (1270-1336), mas parece que outras santas e rainhas realizaram o mesmo,inclusive uma sua tia na Hungria.
Seja como for, desta história existe uma parte que nãoparece ser vista nem interessar: a proibição do Rei, em relação à Rainha, de estaexercer a caridade. Esta foi a real causa do milagre: esconder do Rei, no casoDinis, as suas acções em prol das pessoas pobres e esfomeadas, já que o que elatransformou em rosas foi o próprio pão que lhes mataria a fome naquele dia…Esta é a parte do milagre que não se conta, mas que deveria causar-nos indignação, é que, mesmo sendo Isabel de Aragãorainha, e por isso mesmo possuidora de riqueza própria, ela não podia fazer oque queria com o seu dinheiro…
As flores têm destas coisas, um lado sombra… Muitas vezes tambémsão conectadas com futilidade, superficialidade, vaidade, ou desempoderamento… Invocandoaspectos sombra do feminino que podem levar-nos até à própria história da Deusacelta Blodeuwedd, a Deusa feita de flores… um pouco como Eva foi feita para Adão…Só que Blodeuwedd se libertou ao apaixonar-se pelo eleito do seu coração… Foientretanto amaldiçoada até as mulheres da Deusa se terem identificado com o seudestino e reconhecido o seu antigo poder quando se transformou numa coruja, oumocho, qualquer uma delas muito sagrada da Deusa…Em Portugal, existem templos cristãos à Senhora das Floresem, pelo menos, Travanca e em Oliveira de Azeméis.
Imagens: Milagre das Rosas, pintor André Gonçalves, 1735
October 10, 2023
Max Dashu - O Conselho Pontifício para a Cultura tem uma agenda para as mulheres: a mesma gaiola de sempre
Publicado em 2 de fevereiro de 2015 por Veleda (Max Dashu)
O Conselho Pontifício para a Cultura reúne-se em Roma, de 4a 7 de fevereiro de 2015, para refletir sobre "Culturas femininas:Igualdade e diferença". O documento preliminar que publicaram dá uma dica,caso tenha ficado com dúvidas de que as suas ideias sobre as mulheres mudaramum pouco. O documento intitula-se "Culturas Femininas: Igualdade eDiferença", e tenta - mais uma vez - convencer as mulheres do que ahierarquia masculina insiste ser o seu lugar de direito:
"No início da história da humanidade, as sociedadesdividiam rigorosamente os papéis e as funções entre homens e mulheres. Aoshomens cabia a responsabilidade, a autoridade e a presença na esfera pública: alei, a política, a guerra, o poder. Às mulheres cabia a reprodução, a educaçãoe o cuidado da família na esfera doméstica."
Esperem aí. O que é que aconteceu à responsabilidade eautoridade femininas - mulheres chefes, curandeiras e chefes de clã? Durantemuito tempo, foi possível afirmar que as líderes femininas públicas nunca existiram,mas há demasiada documentação acumulada para que isso continue a ser verdade.
Mulher xamã Manchu: uma importante líder espiritual e socialna sua cultura do nordeste asiático
"Na Europa antiga, nas comunidades de África, nascivilizações mais antigas da Ásia, as mulheres exerciam os seus talentos noambiente familiar e nas relações pessoais, evitando a esfera pública ou sendopositivamente excluídas. As rainhas e imperatrizes recordadas nos livros dehistória eram notáveis excepções à norma."
Figurafeminina invocatória de Netafim, cerca de 5000 a.C.Estes prelados estão a avançar uma reivindicação dedominação universal masculina - uma doutrina à qual a hierarquia da Igreja estáprofundamente ligada. Não sentem qualquer necessidade de fundamentar estaafirmação com provas. O seu decreto foi suficiente durante tanto tempo que nãoconseguem reconhecer que o mundo mudou. Tomando como norma as sociedadesbaseadas no Estado, passam ao lado de longas épocas da história humana,incluindo as sociedades neolíticas, com as suas muitas representações deliderança feminina, e um vasto leque de sociedades indígenas que não seenquadram na política sexual apertada que aqui se apregoa.
A liderança cerimonial das mulheres é um tema central daarte egípcia pré-dinástica
  
As mulheres das sociedades antigas não "evitavam aesfera pública": nem as guerreiras africanas, nem as sacerdotisascretenses e ibéricas, nem mesmo as sacerdotisas sumérias, babilónicas efenícias. Estamos a falar de história registada, que não deixa margem paraambiguidades. Mesmo em períodos muito posteriores, conhecemos as cantorasépicas turcas, as juízas e escribas do Camboja, as poderosas associações demulheres do mercado da África Ocidental. Mas porquê falar apenas destescontinentes, deixando de fora as Américas, a Austrália e as ilhas do Pacífico?Também eles contam como sociedades antigas e têm as suas próprias histórias demulheres proeminentes, de legisladoras, diplomatas e chefes, de líderes cerimoniaise guerreiras.
ASenhora de Cao, sacerdotisa-chefe no Peru do século IV (encenação modernabaseada em achados arqueológicos)Os iroqueses e os cherokees recordam que as "fabricantes de mocassins" (mocassins-makers) tinham o direito de atuarcomo "travão de guerra", recusando-se a abastecer homens quequisessem ir para a guerra sem o consentimento do conselho das mulheres. EmYunnan, o povo Lisu conta que os homens tinham de parar de lutar se uma mulherde qualquer dos lados abanasse a saia para pedir um armistício. Do mesmo modo,na ilha Vanatinai, no Pacífico, uma mulher podia dar o sinal de guerra ou depaz tirando a saia exterior. Isto é autoridade feminina. Não se trata de umafantasia. É a realidade histórica.
OsHuastecas esculpiram um grande número de monumentos femininos em pedra, noleste do MéxicoA declaração do Conselho Pontifício passa ao lado da grandemaioria das sociedades indígenas, incluindo aquelas em que a responsabilidadefeminina, a autoridade e a presença pública eram e continuam a ser parteintegrante. Entre as Seis Nações dos Iroqueses, os Gantowisas têm autoridadeestrutural para selecionar os chefes e para lhes "tirar os chifres"se falharem nas suas responsabilidades. Estes chefes actuam como delegados dopovo e não como senhores sobre ele, um facto que continuou a surpreender osobservadores europeus, que faziam suposições muito diferentes sobre aliderança, bem como sobre o poder feminino.
Mas há mais: o conselho feminino de Gantowisas("matronas" nos relatos europeus) discutia questões e, como escreve ahistoriadora Séneca Barbara Mann, o conselho masculino não podia debaterqualquer questão até que o conselho feminino lha transmitisse. Havia umequilíbrio estrutural entre a soberania masculina e a feminina. Mann tambémchama às mulheres anciãs o "conselho federal de reserva" das SeisNações, referindo-se ao seu controlo dos recursos económicos.
Asmulheres Hopi realizam a cerimónia Lakon; os homens não têm autoridade sobreelas nesta cultura matrilinear / matrilocalE onde estão, na visão cega dos padres, as mulheresfundadoras, como Ti-n-Hinan, a mãe ancestral do povo Imushagh / Tuareg doHoggar, cujo túmulo do século IV é o monumento mais proeminente da região? E asmulheres chefes dos edomitas, cujos nomes figuram no Génesis, ou ainda a profetisaMiriam, Débora e Hulda? Onde estão as profetisas montanistas que foramdenunciadas como heréticas na Ásia Menor do século III? As mulheres quelideraram rebeliões contra a conquista e a colonização, movimentos detrabalhadores, cujas acções deram origem às revoluções francesa e russa?
Ti-n-Hinan,fundador ancestral do povo Imushagh/TuaregA negação da liderança espiritual feminina é especialmentepreocupante para uma instituição que luta com todas as suas forças para contera maré de ordenações femininas. Admitir as provas maciças do sacerdóciofeminino - o wu na China antiga, o mikogami no Japão, o mudang na Coreia, paracitar algumas das sociedades da Ásia Oriental onde predominavam (e aindapredominam na Coreia) xamãs do sexo feminino - seria arrancar os últimosesteios que sustentavam o edifício em ruínas de uma estrutura de poderexclusivamente masculina. Esta hierarquia foi gravemente abalada pelosescândalos relacionados com a pandemia de violações de crianças e com oencobrimento dos bispos, bem como com a corrupção financeira na Cúria. Muitaspessoas declaram prontamente que as mulheres fariam um trabalho muito melhor nadireção da Igreja.
As Wu(mulheres xamãs) actuavam como curandeiras, profetas e fazedoras de chuva naChina antiga. Bronze hu cerca do século IV a.C.Depois de pretenderem que a liderança masculina é um dadohistórico universal, uma qualidade inata e essencial, os ConselheirosPontifícios passam ao tema dos movimentos de mulheres que desafiaram esubverteram velhos constrangimentos habituais:
A partir da segunda metade do século XIX, sobretudo no Ocidente,a divisão dos "espaços" masculinos e femininos foi posta em causa. Asmulheres exigiram direitos, como o direito de voto, o acesso ao ensino superiore às profissões liberais. E assim se abriu o caminho para a paridade dossexos".
Isso soa muito bem, certo? Que as mulheres conquistaram osseus direitos e as coisas abriram-se. Oh... espera. Uh-oh: "Este passo nãofoi, e não é, isento de problemas."
Quais eram esses problemas? Dizem-nos que as mulheresestavam a assumir papéis "que pareciam ser exclusivamente destinados aomundo masculino" [destinados, por quem?] e que as suas reflexões sobre asua situação estavam "por vezes a envolver-se em movimentos políticos efortemente ideológicos". Estas constatações, devemos compreender, sãomuito mais problemáticas do que as doutrinas "fortemente ideológicas"de subordinação feminina que a igreja institucional impôs através de meios"políticos", desde as cruzadas aos julgamentos inquisitoriais e àcaça às bruxas, até às leis e políticas modernas que a igreja defende e quecontinuam a fazer das mulheres cidadãs de segunda classe, cujas vidas e corpossão dispensáveis.
O Conselho Pontifício não considera que as estruturaspatriarcais sejam problemáticas; continua a defender que estão de acordo com asqualidades essenciais dadas por Deus. É a reação feminina contra elas que elenão aprecia e deplora. Mulheres! Fiquem no vosso lugar.
"Que anúncio querigmático ["pregação", emlinguagem simples] deve haver para as mulheres, que não se feche numa visãomoralista? De que indicações precisamos para uma nova praxis pastoral, para umcaminho vocacional para o matrimónio e a família, para a consagração religiosa,tendo em conta a nova consciência de si que as mulheres têm?"
O que há de "novo" em empurrar as mulheres"para o matrimónio e a família"? Uma coisa é certa: por"consagração religiosa" não se entende a ordenação sacerdotalfeminina. O mais provável é que estejam a sonhar com novos adereços religiosospara o papel de esposa e mãe, como forma de dar resposta ao anseio das mulherespor uma maior inclusão na Igreja.
O pior que poderia acontecer, na mente dos escritores, é amulher rejeitar o papel feminino tal como eles o definem: "Trata-se deproteger a dignidade da mulher, de respeitar o que é genuinamente feminino (eesta é a verdadeira igualdade) e de evitar que a mulher, ao tentar inserir-seresponsavelmente numa sociedade marcadamente masculina, perca a suafeminilidade [sic]."
Isto é nada mais nada menos do que a reafirmação do velhoprincípio patriarcal: o lugar da mulher é na esfera privada, sob a autoridadedo homem. Não só isso, mas "sociedade" significa "homens".Se as mulheres estão incluídas na forma como se pensa a "sociedade",não há necessidade de nos "inserirmos" nela. Nós já fazemos partedela. Mas a declaração não mostra qualquer consciência deste simples facto.Estes prelados de alto nível não acreditam que as mulheres pertençam de todo àesfera pública - e muito menos ao sacerdócio.
De facto, eles não querem que as mulheres participem nestainiciativa sobre a "Cultura das Mulheres". Como me informa SolineHumbert, "o Conselho Pontifício para a Cultura tem 32 membros permanentes,todos homens, nomeados por 5 anos. Quase todos são cardeais, bispos e padres, eum par de leigos ("homens de cultura"... Não há "mulheres decultura"...) Há também consultores que são nomeados pelo papa... Há 27consultores homens, e 7 mulheres, ( se bem me lembro), nomeados no verão passadopelo Papa Francisco."
Por outras palavras: são zero mulheres entre os 32 membrospermanentes do Conselho Pontifício, enquanto no círculo exterior de Consultoreso rácio de homens para mulheres é de 4:1, num total de 59 homens e 7 mulheres.É esta a pessoa que vai emitir uma declaração definitiva sobre a "Culturada Mulher" - e esperam que isso passe por uma mudança, na sua iniciativade envolver as mulheres católicas.
Este é um padrão familiar da alta hierarquia sacerdotal:excluir totalmente as mulheres do núcleo do poder e admitir algumas mulherescuidadosamente seleccionadas para um círculo exterior, onde são muito maisnumerosas (e superiores) do que os homens. Soline acrescenta que "houveuma menção a um grupo de mulheres que trabalhou no documento de discussão agorapublicado, mas não vi os nomes dos membros desse grupo (mulheres anónimas?) nemcomo foram seleccionadas. Além disso, apesar de terem mencionado que haveria um'Dia Aberto', parece que, mais uma vez, é apenas por convite para algunsseleccionados...."
Vénusem cativeiro: a visão da hierarquia sobre a cultura femininaA imagem selecionada para esta iniciativa é altamentesimbólica: uma mulher nua, sem cabeça, sem braços, sem pernas e em estado deescravidão. É a fotografia de Man Ray de 1936 "Vénus Restaurada". Éesta a sua ideia de Cultura Feminina?!? Já indignou inúmeras mulheres. SolineHumbert resume o contexto desta peça no blogue We Are Church Ireland:
"Man Ray tinha um forte interesse por Sade e pelosadismo e há um traço sádico recorrente na sua obra de arte, bem como nas suasrelações com as mulheres, caracterizadas pela dominação e pela agressão. ManRay fotografou mulheres usando instrumentos de bondage e encenando cenas detortura. Também ajudou outros, como William B Seabrook, a concretizar na vidareal as suas fantasias de bondage com mulheres.
"O que é que está por detrás desta escolha da imagem daescravidão feminina pelo (todo masculino) Conselho Pontifício para a Cultura?Será a escolha do grupo de mulheres (quem são elas?) que está por detrás destedocumento? Que mensagem se pretende transmitir?"
Podemos perguntar-nos.
O mesmo se aplica às recentes repreensões do Papa Franciscoàs mulheres das Filipinas pelas suas elevadas taxas de natalidade, depois dedécadas em que os eclesiásticos defenderam firmemente o método do ritmo! Comose a abstinência fosse uma opção real para a maioria das mulheres casadas destemundo. Ele não faz a mínima ideia da realidade que estas mulheres vivem. No que respeita às mulheres, nada mudou.
Nem a atitude fria para com os povos indígenas, cujaescravatura, fome, flagelações e outros abusos no sistema missionário estão aser postos em causa pela planeada canonização de Junípero Serra. (Ver 8:50>> no vídeo com link, onde os descendentes falam sobre raptos, sobre os seusantepassados que passavam fome com 700 calorias por dia, enquanto eram forçadosa trabalhar, e obrigados a ajoelhar-se em azulejos durante toda a missa,mantidos em fila por guardas com chicotes e baionetas). Nestas duas importantesquestões de justiça social, as mulheres e os povos indígenas, o pontífice surdonem sequer finge querer mudar.
A reação contra as mulheres chegou mesmo à liberal SãoFrancisco. Foram precisos 16 séculos para que a proibição de mulheres no altarfosse revogada, durante algumas décadas, em alguns locais, e agora algunspadres estão a tentar voltar atrás. "O reverendo Joseph Illo, pároco daIgreja da Estrela do Mar desde agosto, disse acreditar que existe uma "ligaçãointrínseca" entre o sacerdócio e o serviço no altar - e como as mulheresnão podem ser padres, faz sentido ter apenas acólitos. "Talvez o maisimportante seja o facto de preparar os rapazes para considerarem osacerdócio".
"A paróquia do distrito de Richmond é agora a única naArquidiocese de São Francisco que excluirá as raparigas do serviço do altar.Tal decisão é "uma decisão do pároco", disse o porta-voz daarquidiocese Chris Lyford. "Um programa de acólitos seria uma experiênciade ligação entre homens, que os ajudaria a socializar e a desenvolver o seupotencial de liderança, disse Illo. As raparigas continuariam a poder fazer asleituras durante a missa." Não é especial? As raparigas vão poder ler emvoz alta.
Acurandeira mexicana que defuma o Papa: dádivas e bênçãos de fontes ainda nãoreconhecidasIsto não vai resultar, porque demasiadas/os católicas/osdespertaram para o facto de que elas/es são a Igreja. As mulheres,especialmente, sabem que as coisas têm de mudar, porque são elas que estão láfora a fazer o verdadeiro trabalho, a manter as coisas unidas e a apanhar oscacos, à medida que o número de homens ordenados diminui e a hierarquia seesforça por encontrar homens para ficarem no comando. Tudo isto tem de mudar. Aopção pelos pobres não tem grande significado sem o reconhecimento de que asmulheres são as mais pobres dos pobres, as que carregam um fardo tremendo,sobre cujos ombros assenta todo o edifício. Não se pode ter uma agendaprogressista sem reconhecer que as suas responsabilidades lhes conferem umaautoridade espiritual própria. Já é mais do que tempo dos prelados reconheceremo saber das mulheres, a autoridade das mulheres, os direitos das mulheres.
Max Dashu
Fonte do texto original e imagens
  
October 9, 2023
Legado de Carol P. Christ: Podemos celebrar a escuridão? Podemos dormir?
Deuses do Céu e do Sol suplantando as Deusas da Terra... valorização da Luz e desvalorização da Escuridão... Céu suplantando a terra, ascensão dos Deuses do Céu e diminuição das Deusas da Terra...
"Segundo Marija Gimbutas, a religião da Velha Europacelebrava a Deusa como o poder do nascimento, da morte e da regeneração de todaa vida. Os povos agrícolas compreendem que as sementes devem ser mantidas numlocal frio e escuro durante o inverno para que possam germinar quando foremplantadas na primavera. As pessoas que trabalham arduamente durante os longosdias que começam na primavera, atingem o seu auge em meados do verão econtinuam até ao outono, estão gratas pelos tempos sombrios do ano em que podemdescansar os seus ossos cansados nas longas noites de inverno. As longas noitesde inverno são uma altura para sonhar, uma altura em que as pessoas se reúnem àvolta do fogo da lareira para partilhar canções e histórias que expressam a suacompreensão do significado dos ciclos da vida.Os indo-europeus não eram um povo agrícola. Pastores,nómadas e cavaleiros, celebravam os brilhantes Deuses do Céu, cujo poder se reflectianas suas reluzentes armaduras e armas de bronze. Quando os povos de línguaindo-europeia entraram na Europa, casaram os seus Deuses do Sol e do Céu com asDeusas Mãe da Terra dos povos que conquistaram. Tratava-se de casamentosdesiguais em que o Sol era visto como superior à Terra. O casamento infeliz deHera e Zeus reflecte este padrão, tal como as muitas violações de Deusas eninfas registadas na mitologia grega e romana.
As Deusas mais velhas que recusavam a violação e o casamentoeram relegadas para as fendas escuras da terra, que eram vistas como a entradapara o submundo. Estas deusas "ctónicas" emergiam das profundezas daterra em fúria, causando morte e destruição. Para os antigos europeus, asserpentes que emergiam das fendas das rochas na primavera eram prenúncios derenovação e regeneração. Tal como as sementes, dormiam num local frio e escurodurante o inverno, mas emergiam na primavera para despir a pele e pôr os ovos.O submundo era entendido como um lugar de transformação - e não como setornaria mais tarde, um lugar de morte e destruição. A serpente era um símbolode regeneração, não um símbolo do mal.
Segundo Marija Gimbutas, o branco era a cor da morte naVelha Europa, enquanto o preto era a cor da transformação e da renovação davida. Os antigos europeus entendiam que a vida era cíclica. Tudo morreria, masa vida renasceria com a mesma certeza. Foram os indo-europeus que nos ensinaramque a morte é um fim a temer. E foram eles que nos ensinaram que a luz deve serreverenciada e a escuridão deve ser evitada a todo o custo. Foram eles quedesenvolveram o binário claro-escuro, em que o branco é positivo e o preto énegativo. Os indo-europeus entraram na Índia e na Europa. A noção de iluminaçãoencontrada no hinduísmo e no budismo é um legado do binário claro-escuro dosindo-europeus. Os indo-europeus eram de pele mais clara do que os povos queconquistaram: assim, o binário claro-escuro podia ser utilizado para justificaro domínio dos guerreiros e reis de pele mais clara.O binómio luz-escuridão está presente no enfoque da Nova Erana luz e no amor. Não há nada de "novo" nisso! Aqueles que seguemcaminhos espirituais baseados na Terra afirmam frequentemente que celebram aescuridão igualmente com a luz. Mas será que o fazemos? Ou será que aindaestamos presos à glorificação indo-europeia do branco e da luz? Celebramos odia mais longo no solstício de verão e a noite mais longa no meio do inverno.E, no entanto, há uma diferença. No meio do inverno, regozijamo-nos com "oregresso da luz". Não existe uma celebração paralela do "regresso dastrevas" no solstício de verão. Pelo contrário, parece que celebramos a luztanto no solstício de verão como no meio do inverno.
O que significaria abraçar e celebrar a escuridão tantoquanto a luz? Se nos permitíssemos dormir durante as noites mais longas, quesonhos poderiam surgir? Poderíamos reaprender que o ciclo da vida é feito detrês em três: nascimento, morte e regeneração? Não em dois: o bem e o mal, avida e a morte, o preto e o branco, a escuridão e a luz?
Poderíamos começar por ter "uma boa noite de sono"nestas longas noites de inverno. Penso que o nosso corpo pode começar amostrar-nos e a dizer-nos que a escuridão é realmente tão importante como aluz."
Original
Fontes das imagens:
1 - https://olhardigital.com.br
2 - https://www.correiodoporto.pt
  
October 7, 2023
Reconsiderando o Essencialismo - Carol P. Christ
Na minha aula de Ecofeminismo temos estado a discutir oessencialismo porque algumas feministas alegam que outras feministas,particularmente as ecofeministas e as feministas da Deusa, são"essencialistas". Argumentam que as visões essencialistas reforçam osestereótipos tradicionais, incluindo aqueles que designam os homens comoracionais e as mulheres como emocionais. Também eu considero o essencialismoproblemático, mas não concordo que o feminismo da Deusa e o ecofeminismo sejamintrinsecamente essencialistas.As feministas da Deusa e as ecofeministas criticam odualismo clássico: as tradições de pensamento que valorizam a razão emdetrimento da emoção e do sentimento, o homem em detrimento da mulher, o homemem detrimento da natureza. Defendemos que a tradição racional ocidental lançouas sementes da crise ambiental quando separou o "homem" da"natureza".
As feministas da Deusa e as ecofeministas afirmam as ligaçõesentre as mulheres e a natureza numa visão do mundo ambiental que reconhece ainterligação de todos os seres na teia da vida.
Esta visão tem sido criticada como essencialista. Será queé?
O essencialismo é o ponto de vista segundo o qual "aessência precede a existência". As e os essencialistas (que são platonistas oucripto-platonistas) dizem que a "ideia" ou "qualidadesessenciais" de uma coisa (uma mesa, um cavalo, uma mulher ou um homem)precede a "existência" de qualquer indivíduo no grupo a que pertence;estas qualidades são universalmente - sempre e em todo o lado - expressas pelosmembros do grupo.
As feministas da Deusa e as ecofeministas têm sido lidascomo dizendo que é da natureza dos homens estarem separados da natureza e que éda natureza das mulheres estarem ligadas à natureza. O que estávamos realmentea dizer era algo mais subtil: que os homens, especialmente os dominantes epoderosos, imaginam que estão separados da natureza; e que as mulheres, queforam identificadas com a natureza, têm mais probabilidades do que os homens dereconhecer a ligação humana à natureza.As feministas da Deusa e as ecofeministas também disseramque as emoções e as relações são valiosas. Defendemos que a racionalidade foiincorretamente definida para excluir os sentimentos. Sugerimos que ossentimentos em relação aos seres humanos, aos animais e a toda a naturezadeveriam inspirar as nossas visões do mundo e a nossa ética. Por vezes, temosfalado de uma forma de pensar que inclui os sentimentos como sendo maissuscetível de ser praticada pelas mulheres.
As feministas da Deusa e algumas ecofeministas argumentaramque as mulheres precisam da Deusa como uma imagem positiva do poder feminino esugeriram que a imagem da Mãe Terra fosse incluída juntamente com outrasimagens.
Ainda operando dentro de dualismos binários, os críticos leemas feministas da Deusa e as ecofeministas como repetindo a "velhahistória" de que os homens são racionais e as mulheres não. Não conseguemver que as feministas da Deusa e as ecofeministas estão a apelar a umareintegração da razão e da emoção, da mente e do corpo, da humanidade e danatureza - e que encontramos "inteligência" na natureza. Emboramuitas de nós queiramos celebrar os poderes do corpo feminino e os valorespositivos associados à maternidade, poucas de nós argumentaram que as mulheres sãoapenas corpos ou que devem ser restringidas a papéis de cuidadoras.
A maioria das feministas da Deusa e das ecofeministasrejeita os dualismos binários que caracterizam o pensamento essencialista -mesmo quando a situação se inverte para beneficiar as mulheres. Por isso,ficamos perplexas ao sermos classificadas como essencialistas. Tal como outras,tive de recorrer ao dicionário para perceber a acusação que estava a ser feita.
Não creio que existam "diferenças essenciais"entre mulheres e homens ou entre machos e fêmeas. Pode haver algumas pequenasdiferenças entre os que têm ADN masculino e os que têm ADN feminino. Atestosterona tem sido associada a comportamentos ligeiramente mais agressivosdo que os produzidos pelo estrogénio. Estas diferenças são estatísticas, masnão são verdadeiras para todos os indivíduos. Os corpos masculinos e femininossão diferentes, mas também o são os corpos pequenos e os corpos altos.
No entanto, não considero que estas diferenças criem uma"diferença essencial" entre mulheres e homens. Uma "diferençaessencial" é aquela que determina inevitavelmente a forma como vivemos ereagimos ao mundo. Estudos sobre culturas tradicionais e matriarcais sugeremque as culturas podem sobrepor-se a quaisquer tendências que se encontrem nanossa constituição genética. Os homens não têm de ser agressivos ou violentos -podem ser tão carinhosos e generosos como as suas próprias mães. Na naturezanão-humana também há machos carinhosos: alguns pássaros machos sentam-se emcima dos ovos; os machos bonobos não são tão agressivos como os machoschimpanzés.Embora pense que a crítica anti-essencialista (geral) doecofeminismo e do feminismo da Deusa está errada, desconfio de termos como"o feminino", "o divino feminino" e o "sagradofeminino" que são amplamente utilizados no pensamento da nova era e em algumaspartes do movimento de espiritualidade das mulheres. Suspeito que estes termossão escolhidos para evitar o "afrontamento" aos sistemas de dominaçãomasculina provocado pela palavra "f" (feminista) e pela palavra"G" (Deusa).
O "feminino" está associado a um conjunto dequalidades, muitas vezes não claramente definido, que inclui "maisemocional e intuitivo, mais amoroso e carinhoso". "O masculino",também muitas vezes sem uma definição clara, é entendido como "maisracional, assertivo e, por vezes, agressivo". A maioria dos que usam estestermos reconhecem uma dívida para com Carl Jung.
Jung definiu "o masculino" como racional econsciente e "o feminino" como inconsciente. Jung tinha um granderespeito pelo inconsciente e acreditava que a cultura ocidental tinhadesvalorizado o "feminino". No entanto, isso não faz com que o seupensamento seja feminista. Jung sentia-se pessoalmente desconfortável com asmulheres que entravam em discussões racionais com ele ou com outros homens. Elee os seus seguidores chamavam a essas mulheres "animus ridden"(dominadas pelo animus), um termo de código para "não femininas".
A noção de que "todas e todos nós temos os nossos ladosmasculino e feminino" não resolve os problemas inerentes a estes termos. Ofacto de Jung e os seus seguidores poderem falar de mulheres fortes comoestando cheias de animus sugere que as suas teorias eram inerentementepatriarcais. Quando identificou o feminino com o inconsciente, Jung estava areafirmar (embora talvez de uma forma mais palatável) a visão tradicional deque as mulheres são menos racionais do que os homens.Sou uma mulher altamente racional e altamente emocional.(Tenho o meu Sol em Sagitário e a minha Lua em Caranguejo.) Não vejo a minhamente racional como o meu "lado masculino". Fazê-lo seria reconhecerque é "pouco feminino" ser racional. A minha mente é tão minha comoas minhas emoções. E ambas fazem parte do meu ser feminino. Da mesma forma, nãogostaria de dizer a um homem carinhoso que ele é "feminino"; issosugeriria que cuidar não é "masculino".
Há outros problemas. Jung via as Deusas como reflectindo oinconsciente e os Deuses a consciência racional. O seu seguidor Erich Neumannafirmou que era necessário que as culturas da Deusa fossem derrubadas para queo indivíduo racional pudesse emergir.
Penso que toda esta forma de pensar sobre qualidades ecomportamentos "masculinos" e "femininos" é essencialista;e concordo que o pensamento essencialista deve ser rejeitado pelas feministas.
Ao mesmo tempo, penso que é importante elevar as qualidadesque têm sido associadas ao feminino, de modo a provocar um repensar dosdualismos que moldaram as culturas ocidentais (e outras) - em detrimento dasmulheres e das pessoas consideradas "outras" pelo "homemracional". Os símbolos da Deusa e da Mãe Terra podem ter um "podermetafórico" para alterar estereótipos familiares, transformando a formacomo pensamos o mundo.
Também precisamos de afirmar que todos os indivíduos sãointeligentes (sendo a racionalidade apenas uma parte disso) e que os indivíduostêm a capacidade de captar os sentimentos das outras pessoas e de sepreocuparem com elas. Isto aplica-se aos seres humanos do sexo feminino e masculino,bem como a todos os outros indivíduos na teia da vida neste planeta e nouniverso como um todo.
A filosofia do processo afirma que "sentir e sentir ossentimentos dos outros" é fundamental em toda a vida: humana, animal,celular, atómica e divina. Nesta perspetiva, podemos ver que, quando divorcioua racionalidade do sentimento e designou as mulheres e toda uma série de outraspessoas como deficientes em termos de racionalidade, a filosofia ocidental deuuma volta enorme e errada. Esta viragem errada tem sido usada para justificargrandes injustiças e ameaça o futuro da vida nesta terra. As feministas daDeusa e as ecofeministas estão entre aqueles que veem isto claramente.
Publicação original
Imagens: Creta, Junho 2023
Luiza Frazão's Blog

