Luiza Frazão's Blog, page 2
September 2, 2023
Os Amores da Senhora do Labirinto: Ariadne, Poderosa Deusa Minoica
No Mito doMinotauro, se não fossem as intervenções da humilde princesa Ariadne, Teseu - oherói grego - não teria tido qualquer hipótese. Embora muitas vezes retratadacomo uma simples donzela, a verdade é que dar apoio a um protagonista era amenor das suas qualidades. Proveniente dos céus, as origens de Ariadne acenam-nosa partir da névoa primordial da Creta minoica da Idade do Bronze, onde era adeusa-mãe dominante no panteão minoico - a importantíssima deusa da fertilidadeque se crê ter respondido a títulos como deusa da terra, tecelã da vida esenhora do labirinto.AriadneDeusa minoica da fertilidade
Com odestino dos mortais nas suas mãos, Ariadne era considerada uma deusa brilhante,muitas vezes comparada a Deméter - cujas origens celestes também eram de Creta.De certa forma, Ariadne é análoga tanto à deusa das colheitas como à sua filhaPerséfone - rainha do submundo. Antes do patriarcado, o papel da deusa-mãe eraprimordial - nas sociedades agrícolas, a religião estava centrada nafertilidade e tudo estava centrado na religião. Como a Creta minoica era umasociedade matrilinear em que as mulheres levavam uma vida independente, comotodas as deusas do panteão minoico, Ariadne governava sozinha, sem um consortemasculino. Perto do fim da civilização minoica - com a influência dos micénicosa ser sentida - Ariadne começou a ser acompanhada por um jovem consortemasculino. A sua insígnia, o labirinto - uma estrutura quadrada ou circular commúltiplos circuitos em espiral até ao centro e vice-versa - figura de formaproeminente na sua mitologia e acredita-se que tenha sido um local de iniciaçãoonde as e os mortais passavam de um reino para outro, com o deus-touro - oMinotauro (semelhante a Hades) - a ocupar o seu centro mais profundo e escuro.
MicénicosPatriarcais
O declínioda civilização minoica foi acompanhado pela expansão dos micénicos - como éfrequentemente o caso quando uma cultura se sobrepõe a outra - quando osmicénicos ultrapassaram os minoicos em cerca de 1400 a.C., reformularam osmitos minoicos; os deuses invasores casaram com as deusas indígenas,substituindo os elementos matricêntricos por elementos patriarcais. Aoreescreverem a mitologia, os gregos micénicos provocaram a supressão sistémicado culto das deusas, o que encorajaria a difamação generalizada das mulheres.Mas a reformulação patriarcal dos contos não se ficou pelos micénicos,prosseguiu a bom ritmo nas culturas grega e romana. Ao rever os mitos querodeiam Ariadne, o objetivo deste artigo é expor os tropos patriarcais que têmacompanhado os seus muitos disfarces durante milhares de anos.
Pasífae concebe o Minotauro
Ariadne émais conhecida por um mito da era micénica em que a importantíssima deusa-mãe éreduzida a uma despretensiosa princesa que oferece ajuda ao invasor Teseu, olendário primeiro rei herói de Atenas. A história começa quando Poseidon - deusda terra e do mar - oferece um touro branco raro ao rei Minos de Creta, naexpetativa de que este seja sacrificado em sua honra. Sempre ávido de ter otouro premiado como reprodutor na sua manada, Minos tenta enganar o deus,sacrificando um touro menor em honra de Poseidon. Como tudo vê e tudo sabe,Poseidon, enfurecido, lança um feitiço sobre a rainha de Minos, Pasífae, paraque ela se apaixone perdidamente pelo impressionante touro branco como a neve.O feitiço resultou. De facto, o desejo de Pasífae pelo touro era tão forte queela pediu a ajuda do famoso artesão Dédalo para criar uma vaca de madeira comuma cobertura de pele de vaca para poder copular com o animal. O produto da suaunião foi o Minotauro, um monstro que era um cruzamento entre um humano e umtouro. Sem cuidados e sem amor, o Minotauro foi confinado ao labirinto - quefoi, mais uma vez, projetado pelo perene inventor.
A históriaque conduziu à malevolência do Minotauro para com os atenienses é ilustrativade uma época de grande tensão entre a Creta minoica e Atenas; quando Creta eraa potência do Egeu e Atenas um mero estado incipiente. Reza a lenda que o filhodo rei Minos, Andrógenes, foi traiçoeiramente assassinado pelos atenienses porter ficado com todos os prémios dos Jogos Pan-atenaicos. Como represália pelasua morte, Atenas tinha de enviar todos os anos sete rapazes e sete raparigascomo tributo a Creta. Essencialmente reféns, os jovens atenienses desarmadoseram colocados no labirinto, onde ou se perdiam irremediavelmente nas suasintermináveis passagens sinuosas ou eram devorados pelo Minotauro devorador dehomens ali confinado. Este pesado tributo prolongou-se durante anos, até que Teseu,filho de Egeu, rei de Atenas, se ofereceu para ser uma das sete vítimasmasculinas.

Ariadne eTeseu
Finalmente,Ariadne entra no mito. Filha de Minos e Pasífae e, portanto, irmã do Minotauro,ela fica imediatamente apaixonada pelo herói ateniense e troca a sua famíliapelo estrangeiro de Atenas. Ariadne arma então Teseu com uma espada para queeste possa matar o seu irmão, o Minotauro. Depois, para escapar ao complexolabirinto de Dédalo, dá-lhe um novelo de fio, aconselhando-o engenhosamente aatar uma ponta à entrada e a deixar o fio desenrolar-se à medida que se vaiaprofundando nos caminhos serpenteantes do labirinto. Sempre a estrelaprincipal, Teseu consegue destruir o Minotauro e segue o fio até à entrada, ondeAriadne, apaixonada por ele, o espera. A partir daí, partem juntos para Atenas,mas antes de lá chegarem fazem um desvio pela ilha de Dia (Naxos), onde Teseudecide abandonar Ariadne.
Muitos foramos que se pronunciaram sobre as possíveis razões que levaram o herói grego aabandonar a sua salvadora minóica. Tanto Hesíodo (cerca de 750 a.C.-650 a.C.)como Plutarco (50 a.C.-120 a.C.) inventam que Teseu deixou Ariadne porqueestava apaixonado por Egle, a deusa da boa saúde. Na peça perdida de Eurípides(480 a.C.-406 a.C.), Teseu, o tema sugere que Teseu - tal como Eneiasque abandona Dido na Eneida - deixou a princesa minoica por provocaçãoda própria Atena (a deusa padroeira de Atenas), porque tinha uma carreira heroicapela frente e a exótica Ariadne poderia ser uma distração. Na mesma linha, oautor e académico latino Higino (64 a.C.-17 d.C.) sugere que Teseu pensava queAriadne lhe traria desgraça em Atenas - presumivelmente por ser estrangeira. Anoção de identidade grega começou a tomar forma com o advento da conquista e/oucolonização em terras estrangeiras, a partir do século VIII a.C., quandocomeçaram a definir-se - xenofobicamente - em relação a todos os outros povos.
Ariadne eMedeia
Nestaaltura, a história começa a assemelhar-se a um outro mito da era micénica, emque a falta de paridade entre o casal é uma caraterística marcante. Em Jasão eos Argonautas, Medeia - outra deusa e princesa de uma terra estrangeira(Cólquida - atual Geórgia) - também age contra os seus interesses, abandonandoa sua família real pelo herói grego Jasão, que acaba por a abandoná-la. Para seapoderar do Tosão de Ouro, Medeia ajuda Jasão em todas as etapas do seucaminho, mesmo à custa do seu pai e do assassínio do seu irmão. Embora as suashistórias sejam diferentes em substância, ambas as mulheres partilham aexploração como tema recorrente, quando são postas de lado depois de teremesgotado a sua utilidade para os heróis gregos hegemónicos. Demonstrando afalta de paridade entre os gregos e as suas conquistas, as mulheres -frequentemente os despojos de guerra - representam os subjugados das terrasvencidas, enquanto Teseu e Jasão desempenham o papel de invasores descuidados -símbolo dos gregos micénicos colonizadores - que pilham os recursos dosvencidos enquanto fogem com os seus bens mais valiosos. O facto de seremvencidas não é, no entanto, a única semelhança entre as duas mulheres.
Ao contrárioda sua homóloga da Cólquida, Ariadne não é conhecida pela vingança, mas numapassagem sobrevivente atribuída à Ariadne desprezada de Teseu, de Eurípides,encontra-se a frase: "e, no entanto, contarei uma história digna de sercensurada..." O poeta helenístico Catulo (84 a.C.-54 a.C.) desenvolve estetema no seu poema épico 64, onde, inspirando-se em Medeia, Ariadne apela àvingança contra o seu herói grego. Antes de partir para Creta, Teseu tinhaprometido ao pai que, se a sua missão fosse bem sucedida, içaria uma velabranca em vez da vela negra que, nos anos anteriores, simbolizava os catorzejovens atenienses sacrificados. Por causa da maldição de Ariadne, quando Teseudeixa a princesa perturbada, esquece-se de içar a vela branca. Ao ver a velanegra, Egeu - acreditando que o seu filho estava morto - atira-se de cabeçapara o mar, que passaria a chamar-se em sua honra: o Egeu. Tal como os deusesna Medeia de Eurípides ajudam Medeia na sua busca de vingança, tambémCatulo conta como Júpiter vem em defesa de Ariadne. No entanto, Ariadne não éboa em questões de vingança. Quando Medeia se vingou de Jasão, destruiu a suanoiva, a sua descendência e o seu futuro, ao passo que o ato de vingança deAriadne faria de Teseu rei de Atenas.
Para alémdas semelhanças entre as duas mulheres desprezadas, como netas que são do deusSol, Hélio, ambas possuem poderes sobrenaturais e, como tal, representam tambémdivindades vencidas - há quem sugira que Medeia pode também ter sido uma deusapré-patriarcal. No seu livro seminal The Masks of God: The OccidentalMythology, Joseph Campbell afirma que: "Consiste simplesmente emchamar demónios aos deuses dos outros povos, alargar a hegemonia dos seuspróprios homólogos ao universo e depois inventar todo o tipo de grandes epequenos mitos secundários... para validar não só uma nova ordem social mastambém uma nova psicologia". No fundo, o Mito do Minotauro é sobre ummonstro cretense, mais parecido com um touro do que com um humano, que devoraos jovens atenienses. Não se perde de vista o facto de os touros na Creta minoicaserem não só objectos de veneração, como também, muito possivelmente,utilizados nos seus rituais sagrados. No entanto, denegrir um animal sagradoera apenas parte do seu descrédito. Mais poderosa ainda foi a marginalização deAriadne, transformando a grande deusa mãe minoica numa donzela apaixonada que ésubserviente ao herói grego Teseu. Reduzida a um mero canal para o sucesso deTeseu, a verdade é que, se não fosse a ajuda de Ariadne, Teseu seria um meropós-escrito - nem rei nem herói. No entanto, Teseu é a estrela desta história -Ariadne é apenas uma pequena atriz. Depois de renunciar à sua família e à suapátria, Teseu abandona-a - enquanto ela dorme - deixando-a a morrer na ilhaestranha e desolada. Em algumas versões, Ariadne, de coração partido,suicida-se.

Consorte deDionísio
Nestaaltura, entra em cena o folião e bon vivant, Dionísio - deus das vindimas. Deacordo com uma tradição, Teseu foi obrigado a deixar Ariadne devido a ameaçasfeitas pelo deus Dionísio - que queria Ariadne para si. Deixada sem grandeescolha, Ariadne aceita. Por outras palavras, uma Ariadne adormecidaassemelha-se a uma Perséfone inconsciente a colher flores enquanto é levadapelo senhor do submundo - o seu próprio tio Hades - para se casar no abismo.Visto desta forma, o casamento é uma violação, que é precisamente como ohistoriador Pausânias (115 d.C. - 180 d.C.) expressa o casamento de Dionísio eAriadne: "Ariadne adormecida, Teseu faz-se ao mar e Dionísio chega paraviolar Ariadne". Aqui, Ariadne é como todas as raparigas gregas, cujoscasamentos - arranjados pelos pais com estranhos, normalmente com o dobro ou otriplo da sua idade - devem ter sido sentidos como uma espécie de violação.Pensa-se que tenha tido origem na Trácia ou na Ásia Menor, Dionísio é umadivindade estrangeira que se crê estar entre um dos mais antigos deusesctónicos (subterrâneos) conhecidos pelo seu papel na fertilidade.
Ariadne, quejá não é uma princesa minoica, é de novo uma deusa da fertilidade, cujo sono -sugestivo do período de dormência da terra - é análogo ao de Perséfone, quepassa alguns meses por ano no subsolo. Ao contrário da história de amor entre oherói grego e a sua ajudante apaixonada, a união entre Ariadne e Dionísioconsolida-se todos os anos. Além disso, Dionísio oferece a Ariadne um presentedos deuses: uma coroa de ouro, outrora de Afrodite - forjada por Hefesto - compedras preciosas vermelhas em forma de rosas, seria eventualmente colocadaentre as estrelas, tornando-se a Corona Borealis (Coroa de Luzes) no céunoturno.
A morte deAriadne
Mas há umareviravolta na história. Na Odisseia de Homero, Ártemis - a deusa virgem dacaça e da castidade, conhecida por castigar brutalmente as mulheres rebeldes -mata uma Ariadne mortal pela sua infidelidade a Dionísio, que era,evidentemente, o seu marido desde o início. Na Odisseia, a frase é interpretadacomo "na denúncia de Dionísio", aparentemente Dionísio estava aborrecidopor Ariadne ter profanado a sua gruta com o seu amor por Teseu. Não importa queo próprio Dionísio fosse um notório sedutor. Patriarcal até ao âmago, a Odisseia- talvez originalmente composta na tradição oral já na Idade Média grega (entre1200-850 a.C.) - é, no fundo, uma história sobre as aventuras de Odisseu e assuas numerosas infidelidades nos dez anos que demora o seu de regresso,enquanto em casa anseia por ele a sua mulher, Penélope, que se contenta emtecer o tempo. A infidelidade de Ariadne, no entanto, pode ser explicada nocontexto da fertilidade e ocorre durante a época pouco fértil do ano, quando asemente do deus da fertilidade fica adormecida. Nessa altura, o casal dafertilidade separa-se e a deusa vai-se embora - talvez remetendo para uma eraanterior ao casamento, quando as mulheres tinham mais controlo sobre a sua vidareprodutiva. Finalmente, Ariadne dorme ou morre durante o período de dormência.Afinal de contas, para uma deusa da fertilidade, dormir e morrer sãopraticamente a mesma coisa.
Mas não seenganem, ao contrário da sua anterior manifestação no panteão minoico, Ariadneé agora apenas a esposa dum deus da fertilidade. Abundam os mitos sobre asfaçanhas e aventuras de Dionísio sem Ariadne, mas quando Ariadne é mencionadanesses mitos, é apenas em relação a Dionísio. Quando Dionísio volta para ela, oseu casamento é sacralizado todos os anos no meio de celebrações orgiásticas -Ariadne renasce e o planeta volta a ser fecundo. De acordo com o livro seminalde Walter Burkert, Greek Religion, a celebração do casamento sagradoentre Dionísio e Ariadne chamava-se Anthesteria e comemorava o facto de o reiTeseu ter oferecido a sua mulher, Ariadne, ao deus. Além disso, havia duasfestas de Ariadne na ilha de Naxos, uma alegre e outra lúgubre. "Ocasamento com Dionísio situa-se na sombra da morte", afirma Burkert. Comoem todas as festas da fertilidade, a morte - um aspeto da regeneração da vida -está implicada na folia.
A mortevolta a acenar-nos em outro mito associado ao casal da fertilidade, quandoDionísio se encontra em guerra com o seu némesis - Perseu, rei de Argo - e comos Argivos. Perseu, recorde-se, ficou famoso por ter decapitado a Medusa -enquanto ela dormia. Uma das três irmãs Górgonas, o olhar de Medusatransformava os homens em pedra. Há quem afirme que Medusa pode ter sido umadeusa pré-patriarcal, o que poderia ser razão suficiente para a sua morte pelopatriarca. De acordo com o poeta épico Nonos (cerca de 400-500 d.C.), na sua Dionisíaca,uma Ariadne "frágil" e evidentemente mortal é transformada em pedraquando Perseu, "furioso", a atinge por engano numa batalha com umalança. Há, no entanto, inconsistências nos mitos. Ao longo destes mitosposteriores, Ariadne é repetidamente referida como mortal, apesar de, noutratradição, Dionísio ter descido ao submundo para a recuperar e levá-la consigopara o Olimpo como sua esposa imortal. No entanto, ela prova ser mais mortal doque imortal quando, de acordo com Pausânias, a deusa é colocada para descansarnuma "urna de barro".
Finalmente,em Dionisíaca, Nonos revive a sua sombra chorosa: "Dioniso, esqueceste a tuaantiga noiva: desejas Aura e não te importas com Ariadne. Ó meu Teseu, a quem ovento amargo roubou! Ó meu Teseu, que Fedra (irmã de Ariadne) arranjou paramarido! Suponho que estava destinado que um marido perjuro sempre fugisse demim..... Ai de mim, se não tivesse um marido mortal, que morresse em breve;então poderia ter-me armado contra o apaixonado Dionísio..."
Reduzida aum fantasma apaixonado, Ariadne lamenta o seu destino às mãos de dois homensindignos. Nem mesmo o casamento miseravelmente infeliz da sua irmã mais nova, Fedra,com Teseu, é suficiente para aliviar a sua dor. Reduzida a uma mulher cujaúnica fonte de felicidade é representada por um homem, a sombra de Ariadne em400-500 d.C. - quando Nonos escreveu estes versos - é muito diferente da grandedeusa-mãe independente que outrora fora, mais de dois mil anos antes.
Senhora doLabirinto
Honrada numareligião do solo que encorajava não só a reverência pela natureza mas também orespeito pelas mulheres, Ariadne foi subjugada por uma sociedade patriarcal querelegava a mulher enquanto exaltava o homem. Com a sua identidade rebaixada,foi usada como contraste para os homens que iria servir. Ariadne, porém, nãofoi a única grande deusa-mãe assim subjugada. Há quem acredite que, sob asformas arquetípicas da carnal Afrodite, da ciumenta Hera e até da patriarcal Atena,se encontram vestígios da tradição da grande deusa-mãe de onde surgiram. Muitosestudiosos têm-se debruçado sobre a tese de que, por detrás do grande panteãoolímpico - tal como imaginado por Hesíodo e Homero -, se encontra uma base dasreligiões das grandes deusas mais antigas. Se for lido com atenção, este factopode ser evidente na mitologia de Ariadne, quando, de vez em quando, sevislumbra a sua manifestação primeira, tal como foi imaginada na névoaprimordial da pré-história.
Em espiraisque imitavam o seu labirinto, as mulheres rodopiavam, dançando ritmicamente. Osseus movimentos foram concebidos para estimular a fecundidade, à medida quegesticulavam e giravam em harmonia com o movimento do próprio planeta. Nocentro do círculo estava a sacerdotisa de Ariadne - a sua encarnação física naTerra. Embebida em pompa, ela era a deusa - vestida com camadas de ouro e umtraje caleidoscópico que só uma divindade poderia usar. Concebidos para incluiros adeptos num ambiente íntimo com as suas divindades, os templos minoicos eramtão não hierárquicos como a sua sociedade. Mas será que os festivais dafertilidade se realizavam nos templos ou ao ar livre? As mulheres entoavamcânticos enquanto dançavam à volta da personagem de Ariadne? Os homensparticipavam na cerimónia? Só podemos adivinhar. Mesmo num dia de céu limpo, avisão do passado ao longo de várias épocas é nebulosa. Uma coisa é certa: nodomínio primordial e indispensável da fertilidade, eram as mulheres quemandavam.
"Conforme versão publicada em outubro de 2020 Ancient Origins Premium."
Referências
Brindel, J.1980. Ariadne: A Novel of Ancient Crete. St. Martin’s Press.
Burkert, W.1985. Greek Religion. Harvard University Press.
Eisner, R.1977. Some Anomalies in the Myth of Ariadne. The Classical World. Vol. 71, No.3.
Herberger,C. 1972. The Thread of Ariadne. Philosophical Library.
Perry, L.2013. Ariadne’s Thread. Moon Books.
Rigoglioso,M. 2010. Virgin Goddesses of Antiquity. Palgrave Macmillan.
Webster, T.1966. The Myth of Ariadne from Homer to Catullus. Greece & Rome. Vol. 13,No. 1.
Fontes das imagens:
Imagem 1 - https://www.goddessariadne.org/page-5
Imagem 2 - Pasífae por Júlio Romano
Imagem 3 - https://jdaviesreazor.com/2008/12/10/ariadne-mistress-labyrinth/
Imagem 4 - Dionysos and Ariadne. Detail from the side A of an Attic red-figure calyx-krater. (ca. 400-375 BC). From Thebes.
Imagem 5 -
Ariadne asleep at Hypnos's side. Detail of ancient fresco in PompeiiImagem 6 - rocha do Minotauro na gruta de Skotino, Creta, que para algumas pessoas está na origem da criação do mito do Minotauro. (Foto da autora do blogue, 2023
Imagem 7 - fresco do palácio de Cnossos (foto da autora do blogue 2015)
August 21, 2023
Casamento sagrado ou encobrimento profano?
Por Carol P. Christ
Há boas razões para acreditar que no casamentocompulsório de Hera com Zeus se reflete a subjugação de uma raça nativa aosinvasores aqueus, daí a importância do casamento ritual, ιερος γαμος (ierosgamos), como comemorativo da reconciliação de dois sistemas religiosos, umtendo um deus, o outro uma deusa como divindade principal.
O Deus do Céu e a Ninfa do MarTétisMuitas mulheres são atraídas pelaimagem do Casamento Sagrado - talvez especialmente aquelas criadas nastradições católica romana ou protestante, onde o sexo é visto como necessáriopara a procriação, mas nada mais, e que aprendem que o corpo feminino nusimbolizado por Eva é a fonte de pecado e maldade. Nesse contexto, avalorização positiva da sexualidade e do corpo feminino presente nos símbolosdo Casamento Sagrado pode ser sentida e ser até libertadora.
Os junguianos afirmam que o Casamento Sagrado é um arquétipodo casamento entre o “masculino” e o “feminino”. Muitas mulheres também sesentiram atraídas por esta ideia. Ela “suaviza” a crítica feminista radical aopatriarcado e à dominação masculina. Em vez de “castrar” a “falocracia” comoinsistia Mary Daly, podemos pensar em termos de “casamento” de qualidadestradicionalmente associadas aos papéis masculino e feminino. As mulheres,dizem, podem usar uma boa dose de ego e assertividade, tradicionalmenteassociadas ao masculino, enquanto os homens precisam de ter seus egos racionaisdominantes temperados por qualidades femininas como cuidado e compaixão.
Aqueles que apoiam a ideia do Casamento Sagrado do masculinoe do feminino podem não perceber que Jung identificou o masculino com o egoconsciente racional e o feminino com o inconsciente, o corpo e a natureza.Embora Jung e os seus seguidores entendessem corretamente que o masculinoprecisava ser complementado pelo feminino, eles eram menos claros sobre oquanto o feminino precisava do masculino. Eles desconfiavam do poder femininonão mantido sob controle nos casamentos patriarcais, e nos círculos junguianosas mulheres que desafiavam as ideias dos homens eram julgadas como “dominadaspelo animus” – por outras palavras, masculinas demais. Os seguidores de Jungcostumam usar a expressão “dominadas pelo animus” para colocar as feministasradicais no seu lugar.
Zeus e Heraparlamento autríacoEscrevendo sobre a religião da antiga Creta em 1909, aarqueóloga Harriet Boyd Hawes e o antropólogo Charles Henry Hawes observaram:
O “Zeus de Creta” e o “Zeus do Machado Duplo” são títulostão familiares que é com surpresa que descobrimos que a arqueologia minoicaoferece muito pouca evidência para a existência de um deus. … A verdade pareceser que os aqueus impingiram Zeus a Creta no final da Idade do Bronze.
Eles continuam:
Há boas razões para acreditar que no casamentocompulsório de Hera com Zeus se reflete a subjugação de uma raça nativa aosinvasores aqueus, daí a importância do casamento ritual, ιερος γαμος (ierosgamos), como comemorativo da reconciliação de dois sistemas religiosos, umtendo um deus, o outro uma deusa como divindade principal.
Se assim é, não deveríamos suspeitar do Casamento Sagrado? Ese a ideia da união de duas culturas num Casamento Sagrado for um encobrimentode algo muito mais sinistro?
Como disse Marija Gimbutas: “Não houve evolução. Foi umchoque de culturas.”
Apesar de uma noite de felicidade conjugal, Zeus continuou asua carreira enganando e violando ninfas, deusas e mulheres mortais, enquantoHera estava longe de ser uma esposa satisfeita.
A Ninfa Danae após violaçãopor Zeus sob a forma de nuvem dourada
Quanto ao casamento da Deusa com um Rei, por que deveríamospresumir que qualquer Deusa iria querer casar-se com um Rei? Nas culturaspré-patriarcais, não havia reis. O que é um Rei senão um guerreiro queconquista terras e culturas alheias e que reivindica o direito de matar homense violar mulheres? Nenhuma deusa em sã consciência iria querer casar-se com umhomem assim.
Os intérpretes dos mitos do Casamento Sagrado falam do Reicasando-se com a terra através da sua união com a Deusa da terra. Mas antes queos reis entrassem em cena, as deusas, a terra e as mulheres não estavamsujeitas a ninguém.
O símbolo do Casamento Sagrado, tal como chegou até nós nomito e na psicologia arquetípica, é sagrado? Eu acho que não. E se o CasamentoSagrado da Deusa com o Rei for parte de um grande encobrimento de uma históriade conquista, dominação e violação? Um casamento muito profano, de facto.*
Então, qual era o papel do sexo nas culturas da Deusa?
Na cultura matriarcal de Mosuo, o sexo é vivenciado como umaparte valiosa da vida. O prazer sexual pode ser dado e recebido livremente,pois não está vinculado ao casamento nem ao sustento e cuidado dos filhos. Noentanto, a relação sexual não é entendida como criando os laços essenciais. Emvez disso, os laços entre mãe e filha/o e os laços entre as mães e a terra sãoos laços essenciais. As mães e a terra são celebradas como sagradas no ritual ena religião.
Então e a sexualidade? É sagrada? E se a resposta for sim enão? E se a sexualidade não for nem mais nem menos sagrada do que muitas outrascoisas boas da vida? Não santa, não profana? Não é uma maneira muito maissaudável e realista de entender o lugar da sexualidade nas nossas vidas?
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*O símbolo do Casamento Sagrado também pode ser criticadopor privilegiar a heterossexualidade e o casal.
January 11, 2023
Santa B��rbara, uma das antigas Deusas Solares celebradas no m��s de Dezembro
Muitas pessoas em Portugal me perguntam sobre Santa B��rbara, festejada a 4 de Dezembro. Ser�� que nas minhas pesquisas j�� me deparei com esta entidade divina? Toda a vida ouviram falar dela, sobretudo pelas trovoadas, e d�� para perceber que ela tamb��m se inclui no grupo das antigas Deusas pag��s destronadas e reduzidas �� condi����o de santas... �� ��bvio que sempre tive curiosidade sobre ela, sempre soube que dominar o tempo atmosf��rico �� uma prerrogativa divina, que a Torre tem tudo a ver com a Deusa, que ela �� atributo de algumas, como Br��gida/Brig��ntia, Cibele e at�� Artemis, enquanto Deusas da Cultura, da Civiliza����o, protectoras da Cidade, mas n��o tinha informa����o suficiente para avan��ar com nenhuma teoria em concreto. At�� que, neste blogue que muito aprecio, a autora, pesquisadora e especialista em alimentos da Deusa, apresentou o resultado da sua fascinante pesquisa sobre Santa B��rbara e aqui est��:"Feliz dia de Santa B��rbara! Nunca deixa de surpreender que,se arranharmos a superf��cie de qualquer prato festivo, encontramos a hist��riaduma deusa com milhares de anos. Vejamos o caso deste p��o de lim��o alem��o quea minha av�� fazia desde que me lembro. A sua cobertura intensamente c��tricapenetra no bolo e deixa uma croc��ncia deliciosa no topo. Alguns anos atr��s,herdei a sua longa forma de p��o de lim��o e decidi pesquisar sobre as origens dareceita. Fiquei encantada ao descobrir que era tradicionalmente servido no diada festa de Santa B��rbara para marcar o in��cio da temporada de Natal. Quemsabia?
Aparentemente, a sua forma longa e estreita caracter��sticarepresenta a torre onde ela foi aprisionada. B��rbara regou diligentemente o galho dumacerejeira durante o seu tempo na torre, e ap��s a sua morte, o ramo de cerejeira queela mantinha floresceu. Da�� vem o ���Barbarazweig���, o costume de mulheressolteiras levarem ramos (de prefer��ncia de cerejeira) para dentro de casa nodia 4 de Dezembro. Se florescessem no dia 25 de Dezembro, era um sinal de boasorte ��� e significava que se casariam no ano seguinte. Este costume de Natalprovavelmente tem ra��zes nos tempos pr��-crist��os, quando galhos e ramosfloridos simbolizavam a Deusa que cria uma nova vida nas profundezas doinverno.Nunca tinha ouvido falar de Santa B��rbara e fiqueisurpreendida ao descobrir que o seu dia �� comemorado a 4 de dezembro (ou 17 dedezembro) em pa��ses distantes como a Alemanha, ��ustria, Fran��a, It��lia,Bulg��ria, Gr��cia, Turquia, L��bano, S��ria, Palestina, Brasil, Chile, Venezuela eM��xico ��� e com bastante variedade de pratos. (Em Portugal, o dia de SantaB��rbara tamb��m �� 4 de Dezembro, de acordo com o Borda d�����gua)*
Ent��o, quem era essa Santa B��rbara associada ��s festas do Inverno? Bem, isso acaba por ser uma hist��ria e tanto. Pesquisar o seu nome noGoogle revela centenas de pinturas, ��cones, obras de arte e esculturas realizadasao longo dos s��culos. A maioria descreve-a como uma jovem vestida de vermelhocom longas tran��as esvoa��antes, segurando ou parada perto de uma torre alta.
Na Igreja Ortodoxa, Santa Barabar, ���Berbara���, era uma meninaind��gena que viveu por volta do s��culo III, no que hoje �� o L��bano. O seu paiera governador da cidade s��ria de Heli��polis e mantinha-a trancada a setechaves numa torre ��� longe da influ��ncia crist��. Para encurtar a hist��ria,depois de soltar os longos cabelos da janela para ser batizada, ela �� executadapelo pr��prio pai.Era um costume comum da Igreja absorver os s��mbolos dasdeusas pag��s na iconografia de santos e santas, por isso acho fascinante queSanta B��rbara seja frequentemente mostrada usando uma coroa imponentesemelhante a Atargatis, a Baalat ("Senhora") da S��ria . Ela era umadeusa da cria����o e fertilidade, respons��vel pela prote����o e bem-estar daspessoas. Acredita-se que a sua coroa em forma de torre simbolize o seu governoe prote����o sobre as muralhas da cidade sagrada de Heli��polis - onde Atargatistinha o seu templo principal.
Heli��polis tamb��m era o local dum templo romano dedicado �� deusada fertilidade V��nus, chamada V��nus Heliopolitana, que se acredita ser umavers��o de Atargatis. Pouco depois da morte de B��rbara, o imperador Constantino,o Grande, demoliu o Templo de V��nus convertendo-o numa igreja crist�� ���posteriormente dedicada a Santa B��rbara.
Algumas pessoas acreditam que Santa B��rbara tem rela����o coma deusa romana Bona Dea, cuja festa era celebrada na noite de 3 para 4 dedezembro, o mesmo dia de Santa B��rbara e em algumas imagens, Bona Dea �� vistausando uma coroa na cabe��a em forma de torre. Bona Dea, literalmente ���a boadeusa��� era a protetora da fertilidade e da prosperidade. Durante a sua festa,s�� para mulheres, flores, galhos e videiras eram oferecidas. Vinho, uma po����ode leite e mel e bolos de espelta contavam-se entre os alimentos e bebidas consumidas.A pesquisadora e autora Margaret Starbird oferece outrateoria sobre a identidade de Santa B��rbara. Ela escreve: ���H�� outra ���Senhora daTorre��� h�� muito negligenciada, cujos ��cones incluem belas tran��as longas,vestes vermelhas e um c��lice ou ���vaso sagrado���. Essa Senhora �� Maria Madalena,cujo t��tulo �� derivado de ���Magdal���, uma palavra de raiz aramaica/hebraica quesignifica ���torre��� ou ���fortaleza��� e uma variedade de imagens medievais retratam-naao ���estilo B��rbara��� com uma torre. Starbird acredita que durante esse tempoMaria Madalena foi um s��mbolo importante para os crist��os her��ticos (queacreditavam que ela trouxe o Santo Graal para a Fran��a ap��s a crucifica����o).Assim, as muitas imagens da dama da torre vestida de vermelho come��aram a seratribu��das a Santa B��rbara.
Apesar da teoria de Starbird, v��rias pinturas medievaisrealmente mostram Santa B��rbara e Maria Madalena juntas ou em tr��ptico comoutros santos, levando algumas e alguns estudiosos a especular que SantaB��rbara (Maria Madalena?) Era um membro da trindade da Deusa, da Deusa Tripla. Um velho ditado diz:
Barbara mit dem Turm (B��rbara com a torre) Margarethe mitdem Wurm (Margarida com o drag��o) * Katherina mit dem Radl (Catarina com a roda)Das sind die heiligen drei Madl. (Essas s��o as tr��s ���donzelas��� sagradas.
*O ���Wurm��� �� uma antiga express��o para o drag��o ou serpente,tamb��m sagrada para antigas deusas.
Se Santa B��rbara era Maria Madalena, nunca saberemos, masacho prov��vel que ela (Maria Madalena) tenha substitu��do as divindades pag��sadoradas na ��poca. Uma raz��o ��bvia �� que Santa B��rbara foi removida doCalend��rio Lit��rgico Cat��lico Romano em 1969 ��� devido �� falta de evid��nciashist��ricas da sua exist��ncia. Outra pista importante �� encontrada na hist��riade muitos alimentos oferecidos no dia da sua festa.
Hoje, no L��bano, S��ria, Jord��nia e Palestina, o Dia de SantaB��rbara (em ��rabe Eid il-Burbara) �� comemorado com um prato de cevada cozida outrigo mo��do, t��maras, sementes de rom��, nozes e am��ndoas. No norte da Gr��cia, 4de dezembro �� o dia da festa de Agia Barbara, onde um doce chamado Varvara, umpudim de trigo cozido, frutas vermelhas, nozes e creme, �� servido paracomemorar o dia. No sul da ��ustria, os cat��licos fazem Kletzenbrot ou SweetBarbara Bread, uma esp��cie de bolo de frutas feito com avel��s e rum ouconhaque.
Na Ge��rgia, o seu dia de festa, Barbaroba, �� a 17 dedezembro e diz-se que teve origem na festa pag�� do sol e da deusa dafertilidade, Barbale ou Barbol. Panquecas rituais redondas com uma camada ��mbarde recheio amanteigado dourado foram oferecidas �� deusa que devolveu luz e vida�� terra. Quando o pa��s se converteu ao cristianismo, os cultos de Santa B��rbarae Barbale misturaram-se e foram feitos bolos dourados redondos (agora recheadoscom feij��o) chamados Lobiani. Hoje eles ainda s��o decorados com o s��mbolo dosol.
No Brasil, Chile, Col��mbia, Honduras, M��xico e Venezuela ela�� conhecida como Sante Barbe ou Santa B��rbara Africana. Nascida do sincretismoentre v��rias religi��es tradicionais da ��frica Ocidental e Central e ocatolicismo romano, ela �� frequentemente retratada como Nossa Senhora deCzestochowa, uma Madona Negra. Curiosamente, as suas representa����es incluem umacicatriz na bochecha semelhante �� de Maria Madalena, que geralmente aparece comuma cicatriz semelhante. Rosas vermelhas e flores, vinho e ma����s vermelhas s��o-lheoferecidas.
�� uma coincid��ncia que cevada, trigo, rom��s, t��maras, ma����s,am��ndoas e avel��s, juntamente com p��o de frutas, papas e panquecas j�� foramtradicionalmente alimentos do ���dia santo��� oferecidos ��s deusas no mundo antigo?N��o de acordo com Susan Starr Sered, cujo livro Priestess, Mother, SacredSister, Religions Dominated by Women (Sacerdotisa, M��e, Irm�� Sagrada, Religi��es Dominadas por Mulheres) explora os muitospratos festivos e alimentos sacramentais que servem como marcas das religi��esfemininas espalhadas pelo mundo e atrav��s dos s��culos.
Isso traz-me de volta ao P��o de Lim��o que marcou o meu pontode entrada na hist��ria de B��rbara. O bolo original provavelmente data da Idade M��dia,quando os lim��es se tornaram populares (e tamb��m Santa B��rbara), mas algumaspessoas sugerem que as suas origens est��o no Levante, onde os lim��es foramcultivados pela primeira vez. A sua cor pode descender dos bolos de soldourados oferecidos ��s deusas do sol locais - mas quem realmente sabe?O que parece evidente, no entanto, �� que provavelmente ele �� o descendente dos muitos pratos sagrados, preparados ������e servidos pelas mulheresdurante esta ��poca do ano. Acho fascinante que Sered argumente que em sistemasrituais sagrados, onde as mulheres s��o l��deres e participantes, ���a ��nfase nacomida e na prepara����o da comida �� um dos temas mais claros e comuns��� juntamentecom ���grandes quantidades de comida elaboradamente preparada��� consumida embanquetes comunit��rios, onde se bebe e se dan��a.
Com esse esp��rito, convido-vos a inaugurarem a pr��ximatemporada de festas com o Bolo de Santa B��rbara. Quer a invoque como St.Berbara, Agia Barbara, Santa ��frica Barbara ou Barbale, que o seu banquete deinverno comece! Adaptei a vers��o tradicional do bolo de Santa B��rbarajuntando-lhe um pouco da magia da comida do velho mundo. Um punhado de p��talasde cal��ndula com as suas cores amarelas brilhantes do sol para Barbal, e emhomenagem a V��nus e Santa B��rbara Africana, um toque de ��gua de rosas e rosasfundentes para o amor e a fertilidade.
Que a sua ��poca festiva seja alegre e brilhante!
Bolo de Santa B��rbara
Esta receita �� do Gather Victoria's Winter Magic HolidayECookbook no Gather Victoria Patreon e foi adaptada de Cooking With the Saints porErnst Scheugraf.
Ingredientes
��� 1 lim��o
��� �� ch��vena de manteiga amolecida
��� 1 ch��vena de a����car
��� 4 ovos
��� 2-3 colheres de sopa de p��talas de cal��ndula frescas ousecas
��� 1 de farinha
��� 1 �� ch��vena de amido de milho
��� �� colher de ch�� de fermento em p��
Raspa de Lim��o e ��gua de Rosas
��� Sumo de lim��o do seu lim��o espremido
��� 1 ch��vena de a����car em p��
��� 1-2 colheres de sopa de ��gua de rosas
instru����es
��� Rale a casca do lim��o e reserve. Esprema o sumo para umcopo pequeno e reserve.
��� Numa tigela, bata a manteiga com o a����car. Bata os ovos.Misture a casca de lim��o ralada e as p��talas de cal��ndula. (lembre-se dereidratar as p��talas secas em ��gua).
��� Em outra tigela, misture a farinha, o amido de milho e ofermento. Aos poucos, adicione �� mistura de manteiga para fazer uma massa dura.Espalhe numa forma de p��o untada. Coza em forno pr��-aquecido a 350 graus F por45-55 minutos, fazendo o teste do palito para ver se j�� est�� cozido osuficiente. Tente n��o cozer demais, o bolo ficar�� seco. Retire do forno e deixearrefecer.
Raspa de Lim��o e ��gua de Rosas
��� Misture o a����car de confeiteiro com o sumo de lim��o.Adicione a ��gua de rosas e misture em um glac�� liso.
��� Coloque o bolo sobre uma grelha sobre uma forma pararecolher as gotas de glac��. Fa��a alguns furos no topo do bolo.
��� Despeje a cobertura sobre o bolo e deixe escorrer pelaslaterais. Quando a cobertura endurecer, o bolo est�� pronto para cortar eservir.
��� Embora seja tradicional servir com apenas uma camada deglac�� ��� eu gosto de uma cobertura mais grossa, como glac��, sobre a primeira. Sevoc�� quiser uma cobertura mais espessa, precisar�� fazer um segundo lote decobertura usando metade do suco de lim��o e ��gua de rosas, ou seja, suco de meiolim��o e 1 colher de sopa de ��gua de rosas, mas a mesma quantidade de a����car deconfeiteiro. Espalhe sobre o bolo assim que o glac�� original secar.
Nota final: h�� muito mais lendas, muito mais iconografiareligiosa, erudi����o e receitas por tr��s das muitas faces de Santa B��rbara doque tive tempo de incluir aqui. Pode-se escrever um livro de receitas inteiro���"
https://gathervictoria.com/2022/12/04/season-of-feasting-st-barbara-christmas-cake/
Traduzido e adaptado por Luiza Fraz��o.
*Nota da tradutora
Imagens do blogue GatherVictoria
Santa Bárbara, uma das antigas Deusas Solares celebradas no mês de Dezembro
Muitas pessoas em Portugal me perguntam sobre Santa Bárbara, festejada a 4 de Dezembro. Será que nas minhas pesquisas já me deparei com esta entidade divina? Toda a vida ouviram falar dela, sobretudo pelas trovoadas, e dá para perceber que ela também se inclui no grupo das antigas Deusas pagãs destronadas e reduzidas à condição de santas... É óbvio que sempre tive curiosidade sobre ela, sempre soube que dominar o tempo atmosférico é uma prerrogativa divina, que a Torre tem tudo a ver com a Deusa, que ela é atributo de algumas, como Brígida/Brigântia, Cibele e até Artemis, enquanto Deusas da Cultura, da Civilização, protectoras da Cidade, mas não tinha informação suficiente para avançar com nenhuma teoria em concreto. Até que, neste blogue que muito aprecio, a autora, pesquisadora e especialista em alimentos da Deusa, apresentou o resultado da sua fascinante pesquisa sobre Santa Bárbara e aqui está:"Feliz dia de Santa Bárbara! Nunca deixa de surpreender que, se arranharmos a superfície de qualquer prato festivo, encontramos a história duma deusa com milhares de anos. Vejamos o caso deste pão de limão alemão que a minha avó fazia desde que me lembro. A sua cobertura intensamente cítrica penetra no bolo e deixa uma crocância deliciosa no topo. Alguns anos atrás, herdei a sua longa forma de pão de limão e decidi pesquisar sobre as origens da receita. Fiquei encantada ao descobrir que era tradicionalmente servido no dia da festa de Santa Bárbara para marcar o início da temporada de Natal. Quem sabia?
Aparentemente, a sua forma longa e estreita característica representa a torre onde ela foi aprisionada. Bárbara regou diligentemente o galho duma cerejeira durante o seu tempo na torre, e após a sua morte, o ramo de cerejeira que ela mantinha floresceu. Daí vem o “Barbarazweig”, o costume de mulheres solteiras levarem ramos (de preferência de cerejeira) para dentro de casa no dia 4 de Dezembro. Se florescessem no dia 25 de Dezembro, era um sinal de boa sorte – e significava que se casariam no ano seguinte. Este costume de Natal provavelmente tem raízes nos tempos pré-cristãos, quando galhos e ramos floridos simbolizavam a Deusa que cria uma nova vida nas profundezas do inverno. Nunca tinha ouvido falar de Santa Bárbara e fiquei surpreendida ao descobrir que o seu dia é comemorado a 4 de dezembro (ou 17 de dezembro) em países distantes como a Alemanha, Áustria, França, Itália, Bulgária, Grécia, Turquia, Líbano, Síria, Palestina, Brasil, Chile, Venezuela e México – e com bastante variedade de pratos. (Em Portugal, o dia de Santa Bárbara também é 4 de Dezembro, de acordo com o Borda d’Água)*
Então, quem era essa Santa Bárbara associada às festas do Inverno? Bem, isso acaba por ser uma história e tanto. Pesquisar o seu nome no Google revela centenas de pinturas, ícones, obras de arte e esculturas realizadas ao longo dos séculos. A maioria descreve-a como uma jovem vestida de vermelho com longas tranças esvoaçantes, segurando ou parada perto de uma torre alta.
Na Igreja Ortodoxa, Santa Barabar, “Berbara”, era uma menina indígena que viveu por volta do século III, no que hoje é o Líbano. O seu pai era governador da cidade síria de Heliópolis e mantinha-a trancada a sete chaves numa torre – longe da influência cristã. Para encurtar a história, depois de soltar os longos cabelos da janela para ser batizada, ela é executada pelo próprio pai. Era um costume comum da Igreja absorver os símbolos das deusas pagãs na iconografia de santos e santas, por isso acho fascinante que Santa Bárbara seja frequentemente mostrada usando uma coroa imponente semelhante a Atargatis, a Baalat ("Senhora") da Síria . Ela era uma deusa da criação e fertilidade, responsável pela proteção e bem-estar das pessoas. Acredita-se que a sua coroa em forma de torre simbolize o seu governo e proteção sobre as muralhas da cidade sagrada de Heliópolis - onde Atargatis tinha o seu templo principal.
Heliópolis também era o local dum templo romano dedicado à deusa da fertilidade Vénus, chamada Vénus Heliopolitana, que se acredita ser uma versão de Atargatis. Pouco depois da morte de Bárbara, o imperador Constantino, o Grande, demoliu o Templo de Vénus convertendo-o numa igreja cristã – posteriormente dedicada a Santa Bárbara.
Algumas pessoas acreditam que Santa Bárbara tem relação com a deusa romana Bona Dea, cuja festa era celebrada na noite de 3 para 4 de dezembro, o mesmo dia de Santa Bárbara e em algumas imagens, Bona Dea é vista usando uma coroa na cabeça em forma de torre. Bona Dea, literalmente “a boa deusa” era a protetora da fertilidade e da prosperidade. Durante a sua festa, só para mulheres, flores, galhos e videiras eram oferecidas. Vinho, uma poção de leite e mel e bolos de espelta contavam-se entre os alimentos e bebidas consumidas. A pesquisadora e autora Margaret Starbird oferece outra teoria sobre a identidade de Santa Bárbara. Ela escreve: “Há outra “Senhora da Torre” há muito negligenciada, cujos ícones incluem belas tranças longas, vestes vermelhas e um cálice ou “vaso sagrado”. Essa Senhora é Maria Madalena, cujo título é derivado de “Magdal”, uma palavra de raiz aramaica/hebraica que significa “torre” ou “fortaleza” e uma variedade de imagens medievais retratam-na ao “estilo Bárbara” com uma torre. Starbird acredita que durante esse tempo Maria Madalena foi um símbolo importante para os cristãos heréticos (que acreditavam que ela trouxe o Santo Graal para a França após a crucificação). Assim, as muitas imagens da dama da torre vestida de vermelho começaram a ser atribuídas a Santa Bárbara.
Apesar da teoria de Starbird, várias pinturas medievais realmente mostram Santa Bárbara e Maria Madalena juntas ou em tríptico com outros santos, levando algumas e alguns estudiosos a especular que Santa Bárbara (Maria Madalena?) Era um membro da trindade da Deusa, da Deusa Tripla. Um velho ditado diz:
Barbara mit dem Turm (Bárbara com a torre) Margarethe mit dem Wurm (Margarida com o dragão) * Katherina mit dem Radl (Catarina com a roda) Das sind die heiligen drei Madl. (Essas são as três “donzelas” sagradas.
*O “Wurm” é uma antiga expressão para o dragão ou serpente, também sagrada para antigas deusas.
Se Santa Bárbara era Maria Madalena, nunca saberemos, mas acho provável que ela (Maria Madalena) tenha substituído as divindades pagãs adoradas na época. Uma razão óbvia é que Santa Bárbara foi removida do Calendário Litúrgico Católico Romano em 1969 – devido à falta de evidências históricas da sua existência. Outra pista importante é encontrada na história de muitos alimentos oferecidos no dia da sua festa.
Hoje, no Líbano, Síria, Jordânia e Palestina, o Dia de Santa Bárbara (em árabe Eid il-Burbara) é comemorado com um prato de cevada cozida ou trigo moído, tâmaras, sementes de romã, nozes e amêndoas. No norte da Grécia, 4 de dezembro é o dia da festa de Agia Barbara, onde um doce chamado Varvara, um pudim de trigo cozido, frutas vermelhas, nozes e creme, é servido para comemorar o dia. No sul da Áustria, os católicos fazem Kletzenbrot ou Sweet Barbara Bread, uma espécie de bolo de frutas feito com avelãs e rum ou conhaque.
Na Geórgia, o seu dia de festa, Barbaroba, é a 17 de dezembro e diz-se que teve origem na festa pagã do sol e da deusa da fertilidade, Barbale ou Barbol. Panquecas rituais redondas com uma camada âmbar de recheio amanteigado dourado foram oferecidas à deusa que devolveu luz e vida à terra. Quando o país se converteu ao cristianismo, os cultos de Santa Bárbara e Barbale misturaram-se e foram feitos bolos dourados redondos (agora recheados com feijão) chamados Lobiani. Hoje eles ainda são decorados com o símbolo do sol.
No Brasil, Chile, Colômbia, Honduras, México e Venezuela ela é conhecida como Sante Barbe ou Santa Bárbara Africana. Nascida do sincretismo entre várias religiões tradicionais da África Ocidental e Central e o catolicismo romano, ela é frequentemente retratada como Nossa Senhora de Czestochowa, uma Madona Negra. Curiosamente, as suas representações incluem uma cicatriz na bochecha semelhante à de Maria Madalena, que geralmente aparece com uma cicatriz semelhante. Rosas vermelhas e flores, vinho e maçãs vermelhas são-lhe oferecidas.
É uma coincidência que cevada, trigo, romãs, tâmaras, maçãs, amêndoas e avelãs, juntamente com pão de frutas, papas e panquecas já foram tradicionalmente alimentos do “dia santo” oferecidos às deusas no mundo antigo? Não de acordo com Susan Starr Sered, cujo livro Priestess, Mother, Sacred Sister, Religions Dominated by Women (Sacerdotisa, Mãe, Irmã Sagrada, Religiões Dominadas por Mulheres) explora os muitos pratos festivos e alimentos sacramentais que servem como marcas das religiões femininas espalhadas pelo mundo e através dos séculos.
Isso traz-me de volta ao Pão de Limão que marcou o meu ponto de entrada na história de Bárbara. O bolo original provavelmente data da Idade Média, quando os limões se tornaram populares (e também Santa Bárbara), mas algumas pessoas sugerem que as suas origens estão no Levante, onde os limões foram cultivados pela primeira vez. A sua cor pode descender dos bolos de sol dourados oferecidos às deusas do sol locais - mas quem realmente sabe? O que parece evidente, no entanto, é que provavelmente ele é o descendente dos muitos pratos sagrados, preparados e servidos pelas mulheres durante esta época do ano. Acho fascinante que Sered argumente que em sistemas rituais sagrados, onde as mulheres são líderes e participantes, “a ênfase na comida e na preparação da comida é um dos temas mais claros e comuns” juntamente com “grandes quantidades de comida elaboradamente preparada” consumida em banquetes comunitários, onde se bebe e se dança.
Com esse espírito, convido-vos a inaugurarem a próxima temporada de festas com o Bolo de Santa Bárbara. Quer a invoque como St. Berbara, Agia Barbara, Santa África Barbara ou Barbale, que o seu banquete de inverno comece! Adaptei a versão tradicional do bolo de Santa Bárbara juntando-lhe um pouco da magia da comida do velho mundo. Um punhado de pétalas de calêndula com as suas cores amarelas brilhantes do sol para Barbal, e em homenagem a Vénus e Santa Bárbara Africana, um toque de água de rosas e rosas fundentes para o amor e a fertilidade.
Que a sua época festiva seja alegre e brilhante!
Bolo de Santa Bárbara
Esta receita é do Gather Victoria's Winter Magic Holiday ECookbook no Gather Victoria Patreon e foi adaptada de Cooking With the Saints por Ernst Scheugraf.
Ingredientes
• 1 limão
• ¾ chávena de manteiga amolecida
• 1 chávena de açúcar
• 4 ovos
• 2-3 colheres de sopa de pétalas de calêndula frescas ou secas
• 1 de farinha
• 1 ¼ chávena de amido de milho
• ¾ colher de chá de fermento em pó
Raspa de Limão e Água de Rosas
• Sumo de limão do seu limão espremido
• 1 chávena de açúcar em pó
• 1-2 colheres de sopa de água de rosas
instruções
• Rale a casca do limão e reserve. Esprema o sumo para um copo pequeno e reserve.
• Numa tigela, bata a manteiga com o açúcar. Bata os ovos. Misture a casca de limão ralada e as pétalas de calêndula. (lembre-se de reidratar as pétalas secas em água).
• Em outra tigela, misture a farinha, o amido de milho e o fermento. Aos poucos, adicione à mistura de manteiga para fazer uma massa dura. Espalhe numa forma de pão untada. Coza em forno pré-aquecido a 350 graus F por 45-55 minutos, fazendo o teste do palito para ver se já está cozido o suficiente. Tente não cozer demais, o bolo ficará seco. Retire do forno e deixe arrefecer.
Raspa de Limão e Água de Rosas
• Misture o açúcar de confeiteiro com o sumo de limão. Adicione a água de rosas e misture em um glacê liso.
• Coloque o bolo sobre uma grelha sobre uma forma para recolher as gotas de glacê. Faça alguns furos no topo do bolo.
• Despeje a cobertura sobre o bolo e deixe escorrer pelas laterais. Quando a cobertura endurecer, o bolo está pronto para cortar e servir.
• Embora seja tradicional servir com apenas uma camada de glacê – eu gosto de uma cobertura mais grossa, como glacê, sobre a primeira. Se você quiser uma cobertura mais espessa, precisará fazer um segundo lote de cobertura usando metade do suco de limão e água de rosas, ou seja, suco de meio limão e 1 colher de sopa de água de rosas, mas a mesma quantidade de açúcar de confeiteiro. Espalhe sobre o bolo assim que o glacê original secar.
Nota final: há muito mais lendas, muito mais iconografia religiosa, erudição e receitas por trás das muitas faces de Santa Bárbara do que tive tempo de incluir aqui. Pode-se escrever um livro de receitas inteiro…"
https://gathervictoria.com/2022/12/04/season-of-feasting-st-barbara-christmas-cake/
Traduzido e adaptado por Luiza Frazão.
*Nota da tradutora
Imagens do blogue GatherVictoria
January 10, 2023
A ��tica da Religi��o da Deusa: Curando o Mundo - Carol P. Christ
JUNE25, 2018
Nutre a vida.
Caminha no amor ena beleza.
Confia noconhecimento que vem atrav��s do corpo.
Diz a verdadesobre conflito, dor e sofrimento.
Toma apenas onecess��rio.
Pensa nasconsequ��ncias das tuas a����es por sete gera����es.
Considera a ideiade ceifar uma vida com grande modera����o.
Pratica grandegenerosidade.
Remenda a teia davida.
Numa entrevista recente no Voices of the Sacred Feminine (Vozesdo Sagrado Feminino), sobre ���Gratid��o e Partilha: Princ��pios da Espiritualidadeda Deusa���, Karen Tate pediu-me para rever as ���Nove Pedras de Toque��� da religi��oda Deusa que ofereci em Renascimento da Deusa como uma alternativa aos DezMandamentos . Tate expressou preocupa����o com a falta de ��tica social e pol��ticana espiritualidade da Nova Era e em algumas partes do movimento neopag��o nummomento em que o discernimento ��tico e a a����o s��o mais necess��rias do quenunca.
Antes de discutir os princ��pios ��ticos do feminismo daDeusa, �� necess��rio dissipar uma suposi����o comum de que n��o pode haver ��tica nareligi��o da Deusa porque a ��tica decorre dum princ��pio transcendente de justi��aque est�� fora do mundo. Os te��logos crist��os da liberta����o geralmenteidentificam esse princ��pio transcendente com o comando da ���Palavra de Deus��� nastradi����es prof��ticas da B��blia. Muitas vezes assumem que esta palavra vem defora de n��s mesmas/os e da natureza e, como tal, �� a ��nica base s��lida para a��tica.
Em Gaia e Deus, Rosemary Radford Ruether argumentou que���Gaia���, que �� o antigo nome grego para a M��e Terra, representa o corpo e anatureza, enquanto ���Deus��� �� o nome da divindade da B��blia e das tradi����esjudaica e crist�� dele derivadas. De acordo com Ruether, a tradi����o crist��dominante adoptou do platonismo os ���dualismos cl��ssicos��� que separavam a mentedo corpo e o esp��rito da natureza. Gaia e todas as outras deusas eram vistascomo antit��ticas em rela����o ao Deus crist��o, e o corpo e a natureza erammenosprezadas na teologia crist�� e nas pr��ticas asc��ticas crist��s. SegundoRuether, a crise ecol��gica do mundo moderno �� um dos frutos dos dualismoscl��ssicos que continuam informando o paradigma cient��fico moderno em que anatureza �� dita como ���simples��� ou ���morta��� mat��ria a ser moldada para os finshumanos.
Ruether clama por uma nova teologia feminista ecol��gica naqual tanto Gaia quanto Deus sejam reconhecidos. Incorporar Gaia �� compreens��ocrist�� de Deus, diz ela, encorajar�� os crist��os a respeitar o corpo e anatureza. Ironicamente, o casamento de Gaia e Deus que Ruether imagina ��moldado pelos dualismos cl��ssicos que ela identificou e criticou em ���MotherEarth and the Megamachine���.
Em Gaia e Deus, Ruether afirma que a ��tica n��o pode serderivada de Gaia porque a natureza �� indiferente ao bem e ao mal. Em vez disso,diz ela, a ��tica deve vir do Deus transcendente conhecido por meio dastradi����es prof��ticas da B��blia. Embora a contribui����o de Gaia seja importante,Gaia continua sendo a parceira minorit��ria na nova teologia crist�� ecofeministaque Ruether imagina, incapaz de inspirar ou incutir moralidade nos sereshumanos. Ruether afirma que o movimento feminista da Deusa ���precisa��� (ob��blico) de Deus para fornecer padr��es ��ticos tanto quanto os crist��os���precisam��� de Gaia para apreciar o corpo e a natureza.
Mas essa compreens��o dual��stica de Gaia e Deus resiste aoescrut��nio? Gaia realmente precisa de Deus? As feministas da Deusa precisam datradi����o prof��tica para fornecer a orienta����o ��tica de que precisamos paracombater as for��as do mal no nosso mundo? Os princ��pios ��ticos encontrados natradi����o prof��tica realmente derivam de um Deus que est�� fora do corpo e danatureza? Os profetas ouviram uma voz que veio de fora da natureza? Ou ouviramuma voz dentro de si mesmos, enraizada em tradi����es sociais e culturais queforam criadas por seres humanos enraizados na natureza?
Recentemente, tenho discutido a sociedade matriarcaligualit��ria de Minangkabau, Sumatra Ocidental, conforme descrita por PeggyReeves Sanday, em Women at the Center (Mulheres no Centro). O seu sistema ��ticotradicional, baseado em nutrir as pessoas necessitadas, �� derivado da natureza.Como Ruether, os Minangkabau reconhecem que a natureza cont��m o bem e o mal,mas dizem que optam por afirmar o bem na natureza e rejeitar o mal. Nessesentido, fazem uma escolha consciente sobre a qual parte de ���Gaia��� ir��o afirmare qual a parte que n��o ir��o afirmar. No entanto, elas/es n��o atribuem essaescolha a uma voz prof��tica que vem de fora do mundo.
Em vez disso, os Minangkabau baseiam a sua escolha naobserva����o da natureza e da vida humana. Eles e elas ���veem��� que a continua����oda vida humana depende de cuidar de beb��s e crian��as e de cuidar de quem cuida debeb��s e crian��as. Igualmente veem como a agricultura requer o cultivo desementes e de plantas jovens, o mesmo tipo de cuidado dispensado aos beb��shumanos. Os Minangkabau derivam a sua ��tica das suas pr��prias observa����es daterra na qual est��o enraizadas/os, fazendo escolhas conscientes sobre a melhorforma de promover a vida humana e outras formas de vida.
A te��loga feminista judia Judith Plaskow est�� firmementeenraizada na tradi����o judaica. Como Ruether, Plaskow reconhece que a B��blia eas tradi����es judaica e crist�� cont��m coisas boas e m��s. Embora ela seja inspiradapela preocupa����o dos profetas com os pobres e fracos, ela reconhece que atradi����o prof��tica �� boa e m��. A teologia prof��tica visualiza Deus como um sermasculino dominador que realiza a sua vontade recorrendo �� viol��ncia, umaimagem que Plaskow considera preocupante. Por causa da ambiguidade dentro datradi����o prof��tica, Plaskow afirma que ela n��o pode ser considerada um padr��opara julgar o resto da B��blia ou a tradi����o judaica como um todo. Plaskowafirma que os seres humanos enraizados em comunidades s��o os que devem escolherquais as partes de qualquer tradi����o ��� incluindo as tradi����es prof��ticas ��� que ir��oafirmar e quais as que n��o ir��o afirmar. Ela opta por afirmar a preocupa����o dosprofetas com os pobres e fracos, enquanto rejeita a imagem dos profetas de umDeus masculino que realiza a sua vontade por meio da viol��ncia.
Enquanto escrev��amos Goddess and God in the World (A Deusa eo Deus no Mundo), Judith Plaskow e eu entendemos que enquanto uma de n��senra��za a sua teologia em ���Gaia��� e a outra em ���Deus���, permanecemos na mesmaposi����o hermen��utica e chegamos �� mesma conclus��o. conclus��es ��ticas. Nenhumade n��s apela para uma voz transcendente como fonte das nossas teologias. Ambosafirmamos que selecionamos e escolhemos as partes da natureza e as partes dastradi����es que iremos afirmar e aquelas que rejeitaremos. A partir dessaperspectiva, a afirma����o de Ruether de que ���Gaia��� fornece fundamento, enquanto���Deus��� fornece ��tica pode ser vista como fundamentalmente inadequada. Em vezdisso, os seres humanos enraizados na natureza e nas tradi����es s��o quem cria a��tica.
BIO: Carol P. Christ(1945-2021) foi uma escritora, ativista e educadora feminista e ecofeministaconhecida internacionalmente. O seu trabalho continua por meio da sua funda����osem fins lucrativos, o Ariadne Institute for the Study of Myth and Ritual.
Original: https://feminismandreligion.com/2018/06/25/ethics-of-goddess-religion-by-carol-p-christ/
Primeira imagem - Representa����o das Fogaceiras de Santa Maria da Feira
A Ética da Religião da Deusa: Curando o Mundo - Carol P. Christ
JUNE 25, 2018
Nutre a vida.
Caminha no amor e na beleza.
Confia no conhecimento que vem através do corpo.
Diz a verdade sobre conflito, dor e sofrimento.
Toma apenas o necessário.
Pensa nas consequências das tuas ações por sete gerações.
Considera a ideia de ceifar uma vida com grande moderação.
Pratica grande generosidade.
Remenda a teia da vida.
Numa entrevista recente no Voices of the Sacred Feminine (Vozes do Sagrado Feminino), sobre “Gratidão e Partilha: Princípios da Espiritualidade da Deusa”, Karen Tate pediu-me para rever as “Nove Pedras de Toque” da religião da Deusa que ofereci em Renascimento da Deusa como uma alternativa aos Dez Mandamentos . Tate expressou preocupação com a falta de ética social e política na espiritualidade da Nova Era e em algumas partes do movimento neopagão num momento em que o discernimento ético e a ação são mais necessárias do que nunca.
Antes de discutir os princípios éticos do feminismo da Deusa, é necessário dissipar uma suposição comum de que não pode haver ética na religião da Deusa porque a ética decorre dum princípio transcendente de justiça que está fora do mundo. Os teólogos cristãos da libertação geralmente identificam esse princípio transcendente com o comando da “Palavra de Deus” nas tradições proféticas da Bíblia. Muitas vezes assumem que esta palavra vem de fora de nós mesmas/os e da natureza e, como tal, é a única base sólida para a ética.
Em Gaia e Deus, Rosemary Radford Ruether argumentou que “Gaia”, que é o antigo nome grego para a Mãe Terra, representa o corpo e a natureza, enquanto “Deus” é o nome da divindade da Bíblia e das tradições judaica e cristã dele derivadas. De acordo com Ruether, a tradição cristã dominante adoptou do platonismo os “dualismos clássicos” que separavam a mente do corpo e o espírito da natureza. Gaia e todas as outras deusas eram vistas como antitéticas em relação ao Deus cristão, e o corpo e a natureza eram menosprezadas na teologia cristã e nas práticas ascéticas cristãs. Segundo Ruether, a crise ecológica do mundo moderno é um dos frutos dos dualismos clássicos que continuam informando o paradigma científico moderno em que a natureza é dita como “simples” ou “morta” matéria a ser moldada para os fins humanos.
Ruether clama por uma nova teologia feminista ecológica na qual tanto Gaia quanto Deus sejam reconhecidos. Incorporar Gaia à compreensão cristã de Deus, diz ela, encorajará os cristãos a respeitar o corpo e a natureza. Ironicamente, o casamento de Gaia e Deus que Ruether imagina é moldado pelos dualismos clássicos que ela identificou e criticou em “Mother Earth and the Megamachine”.
Em Gaia e Deus, Ruether afirma que a ética não pode ser derivada de Gaia porque a natureza é indiferente ao bem e ao mal. Em vez disso, diz ela, a ética deve vir do Deus transcendente conhecido por meio das tradições proféticas da Bíblia. Embora a contribuição de Gaia seja importante, Gaia continua sendo a parceira minoritária na nova teologia cristã ecofeminista que Ruether imagina, incapaz de inspirar ou incutir moralidade nos seres humanos. Ruether afirma que o movimento feminista da Deusa “precisa” (o bíblico) de Deus para fornecer padrões éticos tanto quanto os cristãos “precisam” de Gaia para apreciar o corpo e a natureza.
Mas essa compreensão dualística de Gaia e Deus resiste ao escrutínio? Gaia realmente precisa de Deus? As feministas da Deusa precisam da tradição profética para fornecer a orientação ética de que precisamos para combater as forças do mal no nosso mundo? Os princípios éticos encontrados na tradição profética realmente derivam de um Deus que está fora do corpo e da natureza? Os profetas ouviram uma voz que veio de fora da natureza? Ou ouviram uma voz dentro de si mesmos, enraizada em tradições sociais e culturais que foram criadas por seres humanos enraizados na natureza?
Recentemente, tenho discutido a sociedade matriarcal igualitária de Minangkabau, Sumatra Ocidental, conforme descrita por Peggy Reeves Sanday, em Women at the Center (Mulheres no Centro). O seu sistema ético tradicional, baseado em nutrir as pessoas necessitadas, é derivado da natureza. Como Ruether, os Minangkabau reconhecem que a natureza contém o bem e o mal, mas dizem que optam por afirmar o bem na natureza e rejeitar o mal. Nesse sentido, fazem uma escolha consciente sobre a qual parte de “Gaia” irão afirmar e qual a parte que não irão afirmar. No entanto, elas/es não atribuem essa escolha a uma voz profética que vem de fora do mundo.
Em vez disso, os Minangkabau baseiam a sua escolha na observação da natureza e da vida humana. Eles e elas “veem” que a continuação da vida humana depende de cuidar de bebés e crianças e de cuidar de quem cuida de bebés e crianças. Igualmente veem como a agricultura requer o cultivo de sementes e de plantas jovens, o mesmo tipo de cuidado dispensado aos bebés humanos. Os Minangkabau derivam a sua ética das suas próprias observações da terra na qual estão enraizadas/os, fazendo escolhas conscientes sobre a melhor forma de promover a vida humana e outras formas de vida.
A teóloga feminista judia Judith Plaskow está firmemente enraizada na tradição judaica. Como Ruether, Plaskow reconhece que a Bíblia e as tradições judaica e cristã contêm coisas boas e más. Embora ela seja inspirada pela preocupação dos profetas com os pobres e fracos, ela reconhece que a tradição profética é boa e má. A teologia profética visualiza Deus como um ser masculino dominador que realiza a sua vontade recorrendo à violência, uma imagem que Plaskow considera preocupante. Por causa da ambiguidade dentro da tradição profética, Plaskow afirma que ela não pode ser considerada um padrão para julgar o resto da Bíblia ou a tradição judaica como um todo. Plaskow afirma que os seres humanos enraizados em comunidades são os que devem escolher quais as partes de qualquer tradição – incluindo as tradições proféticas – que irão afirmar e quais as que não irão afirmar. Ela opta por afirmar a preocupação dos profetas com os pobres e fracos, enquanto rejeita a imagem dos profetas de um Deus masculino que realiza a sua vontade por meio da violência.
Enquanto escrevíamos Goddess and God in the World (A Deusa e o Deus no Mundo), Judith Plaskow e eu entendemos que enquanto uma de nós enraíza a sua teologia em “Gaia” e a outra em “Deus”, permanecemos na mesma posição hermenêutica e chegamos à mesma conclusão. conclusões éticas. Nenhuma de nós apela para uma voz transcendente como fonte das nossas teologias. Ambos afirmamos que selecionamos e escolhemos as partes da natureza e as partes das tradições que iremos afirmar e aquelas que rejeitaremos. A partir dessa perspectiva, a afirmação de Ruether de que “Gaia” fornece fundamento, enquanto “Deus” fornece ética pode ser vista como fundamentalmente inadequada. Em vez disso, os seres humanos enraizados na natureza e nas tradições são quem cria a ética.
BIO: Carol P. Christ (1945-2021) foi uma escritora, ativista e educadora feminista e ecofeminista conhecida internacionalmente. O seu trabalho continua por meio da sua fundação sem fins lucrativos, o Ariadne Institute for the Study of Myth and Ritual.
Original: https://feminismandreligion.com/2018/06/25/ethics-of-goddess-religion-by-carol-p-christ/
Primeira imagem - Representação das Fogaceiras de Santa Maria da Feira
October 26, 2022
TOMAR, 20 DE OUTUBRO - DESPEDINDO-NOS DA SENHORA DO VERÃO
No nosso calendário da Deusa do Jardim das Hespérides, foram incluídas, para além das dos festivais da Roda do Ano, duas datas muito significativas na nossa tradição: 13 Maio e 20 de Outubro. Em Maio, celebramos o regresso da Rainha do Verão e em Outubro dela nos despedimos para acolhermos a Anciã do Inverno. Este é um culto muito arcaico da Deusa de Dupla Face, Calaica-Beira, a Senhora da Terra do Meio, que continua bem vivo na nossa tradição. Por isso, nós, mulheres e homens da Deusa deste tempo, celebramos cada vez com maior intensidade momentos tão importantes do tempo cíclico da Deusa. Os dois lugares que melhor conservam a memória destes antigos cultos no nosso território são sem dúvida a Cova da Iria e a cidade de Tomar. No primeiro, a Senhora aparece a 13 de Maio, pela primeira vez, e a 13 de Outubro pela última, sendo “morta” uma semana depois em Tomar. Temos assim uma actualização do mito do rapto de Perséfone, que na Grécia antiga também acontecia no mês de Outubro, quando a estação muda, a natureza morre e a Deusa nos mostra a Sua face de Anciã da Morte, Transformação e Renascimento. Ela é agora Calaica, a Anciã do Inverno.
A nossa primeira celebração deste tema da Deusa Dupla aconteceu online, em 2020, e a segunda foi na nossa Conferência da Deusa de 2022, dia 13 de Maio, com um grupo de formandas da primeira espiral do treino de Sacerdotisa da Deusa realizando uma bela cerimónia dedicada ao acolhimento da Rainha do Verão. Maio, no nosso território, é de facto um mês muito importante da Deusa, repleto de festas em Sua honra, não só na Cova da Iria, como também no Almurtão, na Senhora da Azenha, na Lousa, no Monte de Quitéria em Felgueiras, e em vários outros lugares onde o povo se regozija com o retorno da face jovem da natureza da Deusa, que derrama pelos campos a beleza das flores e todas as promessas de abundância da terra fértil e dos dias longos e ensolarados, quando a alegria do convívio e da festa encurta ainda mais as breves noites de verão.
Porém, tal como celebramos a Senhora do Verão, celebramos também a Senhora do Inverno, e não existe melhor lugar neste país para acolher a face Anciã da Deusa do que Tomar. Com efeito, esta cidade do Ribatejo acabou por conseguir conservar as celebrações da antiga religião da Terra, no seio da instituição que a destruiu, como de resto aconteceu com várias outras comemorações em outros lugares. Mas Tomar, tal como refiro no meu livro, A Deusa Celta de Portugal: a Rainha do Verão e a Anciã do Inverno, pela riqueza de lugares sagrados relacionados com a antiga celebração do mito da alternância das estações, é especial para nós. A própria morte de Iria é uma actualização do mito do rapto de Core/Perséfone, a Proserpina cultuada pelo povo romano, que habitou a área. E nem sequer falta em Tomar a memória de Hades, o raptor de Perséfone, conservada no velho lintel da Sua antiga porta para o inframundo, que entretanto foi deslocada para lugar de tipo oposto ao original, certamente para nos trocar as voltas. Comecei as minhas peregrinações solitárias a Tomar nesta data, no ano de 2020. Como estávamos em época de pandemia, apenas consegui ver as pétalas sobre as águas do Nabão, junto da Ponte Velha, nas imediações do antigo convento de Santa Iria, lançadas bem cedo, possivelmente por crianças de algum infantário ou escola que permanecera em funcionamento. Em 2021, porém, fui acompanhada da Sacerdotisa Cristina Grumete e de uma sua amiga, e para essa ocasião criámos a nossa oração especial para acolhermos a Senhora do Inverno. Já em 2022 éramos nove Sacerdotisas do Jardim das Hespérides e uma participante natural da cidade de Tomar, que se revelou uma preciosa bênção da Senhora do lugar. Criámos então uma programação de um dia, que começou pela visita à igreja de Santa Maria do Olival, já que, como eu defendo sempre, Santa Maria parece ser um avatar desta Grande Deusa celta no nosso território; acredito ser Ela a herdeira das tradições de Brígida/Brigântia e sobre a Sua relação com Iria largamente escrevi no meu livro acima referido.
Quando, entretanto, chegámos a Santa Maria, verificámos que estava a decorrer uma missa, a seguir à qual haveria uma procissão até ao rio onde as pessoas lançariam as suas oferendas de pétalas de rosas. Resolvemos assim que iríamos esperar, e enquanto o fazíamos conversávamos sobre aquele templo cristão tão importante, que ficava no casco da antiga cidade romana, e quem sabe o que haveria ali antes dele ser um templo cristão. Trata-se dum monumento central na cidade, e a torre que vemos junto dele acredito que seja a representação dum Axis Mundis, um “eixo do mundo”, que estabelece a ligação entre os três mundos, o de cima, o do meio e o de baixo. É deste lugar tão sagrado em Tomar que, neste dia, sai a procissão até ao rio. Quando o serviço religioso católico terminou, seguimos o cortejo, que foi encabeçado por nada mais nada menos que um tocador de gaita de foles, seguido de clérigos, acólitos, bombeiros e demais habitantes de Tomar que carregavam o andor com a imagem da Senhora da Terra do Verão. Mais atrás seguia um grupo de nove mulheres, vestidas com trajos de época, transportando cestos de rosas e cantando os versos populares que relatam o mito do assassínio de Iria, com todo o cru vocabulário evocativo do crime. Ouviam-se termos como “algoz”, “carniceiro”, degolar”, “morte”, que precisamente nos situavam na energia no tema da celebração: a morte da estação quente, o fim dos dias longos e ensolarados, da fartura da terra e prenúncio da chegada bem próxima da estação invernosa, que para os povos do passado representava uma real ameaça, muitas vezes associada à morte, pela escassez dos alimentos, que gerava fome e dava origem a guerras pelos parcos recursos. Este é portanto um momento pesado de tristeza e de receio até pelos excessos do tempo, das enxurradas, do frio, da geada, das tempestades do Inverno. Os povos ribeirinhos pediam, e continuam a pedir, em particular à Deusa protecção contra os excessos das águas, contra a devastação das cheias, que ainda hoje são uma ameaça real para as gentes da Ribeira de Santarém, lugar onde, segundo reza a lenda, o cadáver da Santa terminou o seu périplo rio abaixo, depois de ter sido levado pelas águas de Nabão, do Zêzere e finalmente do Tejo.
A procissão acabou por ser de facto muito emotiva e muito bonita. Chovia, não muito, mas alguns abençoados pingos de água caíam do céu ainda quando parámos sobre a Ponte Velha e lançámos as nossas pétalas de rosas vermelhas. Muitas pessoas levam rosas brancas para lançar ao rio, outras escolhem-nas em cor-de-rosa e em branco. As oferendas que tradicionalmente se faziam às Deusas das águas, porém, eram de pétalas de rosas vermelhas, porque é o vermelho do sangue, do sangue da vida, o equivalente ao ocre vermelho que os povos antigos colocavam sobre o cadáver quando faziam os enterramentos e que é um totem de protecção do ciclo da vida, uma garantia de regeneração, após a dissolução da velha forma. Na verdade esse vermelho é a cor do sangue uterino da Grande Criadora. Claro que muitas pessoas escolhem o branco porque Iria na lenda é uma jovem inocente, uma virgem, que prefere morrer a casar com um pretendente abusivo e o branco alude então à pureza e à inocência e está muito bem. Depois desta devoção, deste desvio, que afinal foi uma bênção inesperada, por toda a beleza e emoção de que desfrutámos, como já era hora do almoço, fomos fazer o nosso piquenique, abrigadas nas tendas exteriores do mercado, já que os pingos de chuva continuavam, persistentes, a cair do céu. Depois disso, fomos até à margem do Nabão, onde criámos o nosso altar e fizemos a nossa cerimónia em devoção a Iria como Rainha do Verão. Ela começou com a invocação dos quatro elementos e de Iria no Centro. Lembrámos em seguida os nossos principais desafios e dores do verão e carregámos com essa dor uma pedrinha que lançámos depois às águas que corriam junto de nós. Após essa partilha, evocámos e partilhámos todas as dádivas do Verão e acendemos uma vela que impregnámos com o fogo e a energia da nossa calorosa gratidão à Rainha do Verão. Soprámos depois esse fogo para o nosso coração, para que permaneça connosco e nos dê forças para atravessarmos a estação fria da Anciã. Cantámos ainda a nossa canção de Despedida de Iria, especialmente criada para esta celebração, após o que fechámos a roda e desfizemos o nosso altar.
Foi então que nos dirigimos à mata de Tomar, e uma vez aí, fomos até à porta de Hades. Trata-se do lintel duma entrada, que segundo a tradição era dedicada a Hades, Senhor dos Infernos, e está decorada com uma serpente e duas cabeças de dragão, uma de cada lado, cujos corpos estariam nas duas pedras laterais em falta. A pedra está deslocada ali, porque, sendo ela do Senhor dos Infernos, a Sua porta teria de dar para o submundo. Seja como for, ela conserva essa memória e energia. Aí acendemos uma vela e invocámos a nossa sombra; lembrámos que quando não assumimos os nossos aspectos mais desafiantes, eles vão ser-nos apresentados por outrem, alguém vai projectar isso sobre nós; alguém vai assumir isso para nós podermos ver claramente; outra pessoa vai mostrar-nos no seu espelho aspectos de nós que recusamos ver; seremos “raptadas” para o inframundo também, como Core/Perséfone ou Proserpina. Partilhámos então sobre o nosso primeiro “rapto”, a primeira experiência mais dolorosa que cada uma sentiu como um rapto. Não só partilhámos como exprimimos a nossa dor de forma vocal e libertadora. Em seguida comemos os seis bagos de romã, como Perséfone, pedindo-lhe protecção para as nossas idas ao inframundo, ajuda para viajarmos em segurança pelos infernos da dor, da perda, da traição, da depressão, ou para comunicarmos com quem já partiu para lá do véu.
Oferecemos depois as romãs a Hades, agradecemos-Lhe e descemos até à Gruta do Sangue, onde fizemos a invocação de todas as faces da Senhora do Inverno. Tal como tínhamos feito para a Senhora do Verão, invocámos ali para o nosso círculo a Rainha Donzela do Inverno, A Rainha do Fogo do Inverno, A Rainha Amante do Inverno, a Rainha das Águas do Inverno, a Rainha Mãe do Inverno, a Rainha da Terra do Inverno, a Rainha da Morte do Inverno, a Rainha do Ar do Inverno e a Rainha do Centro do Inverno. Protegidas por essas energias, continuámos a nossa devoção, apresentando às participantes a oração que tínhamos criado no ano anterior, eu e a Sacerdotisa Cristina Grumete, para acolhermos a Senhora do Inverno: Senhora do Inverno,
Cobre-me com o Teu véu negro
Que eu veja dentro de mim
Nos rigores do Inverno,
Protege o fogo do meu coração
Activa o fogo do meu caldeirão
Com a tua foice
Remove os obstáculos
À minha transformação
Sê bem-vinda ao meu ser interno,
Senhora do Inverno
Distribuímos em seguida postais ilustrados do Templo, dedicados ao Samhain, com um corvo desenhado pela Sacerdotisa Cristina Grumete, e cada uma pôde escrever nele essa oração, pela sua própria mão, para ser oferecida à Anciã do Inverno no Seu tempo. Depois disso, todas em uníssono oferecemos esta oração à Deusa, acompanhada dos respectivos gestos e movimentos. No final, cantámos a canção Oração Viva, inspirada num original de Sally Pullinger, fechámos a roda e despedimos com gratidão as energias. Depois da partilha de como cada uma tinha vivido a experiência daquele dia tão preenchido, finalizámos cantando a canção com que terminamos todos os nossos encontros.
Mas a nossa peregrinação mesmo assim não tinha terminado completamente. No grupo, tínhamos uma irmã natural de Tomar que nos levou a ver as pias dos lagares dos Templários, com as suas formas uterinas, muito semelhantes àquelas que podem ser apreciadas em Creta, no templo de Hagia Triada, nas quais se fazem ainda hoje libações à Deusa. Percorremos ainda um bom troço da mata dos Sete Montes, indo até à Charolinha, um monumento que lembra o Lingham e a Yoni do Tantra tibetano, o acasalamento, a união do feminino e do masculino, central na criação da vida. Nas imediações, existem pequenas grutas, que, pelo arranjo de escadas que exibem, terão sido, ou são ainda, usadas para algum fim cerimonial. Pudemos ainda observar e usufruir da beleza e da energia dessa mata maravilhosa, com as suas espécies autóctones, como pinheiros, carvalhos, medronheiros, loureiros, faias, alecrim, entre várias outras.
Saímos da mata já quase à hora do fecho dos portões, mas ainda assim tivemos tempo de cumprir a última parte do nosso programa, que era irmos à feira abastecer-nos dos frutos secos que tão bem nos sabem no inverno. Então, guiadas pela Telma, nascida nessa cidade tão abençoada, dirigimo-nos às bancas onde as mulheres de Tomar vendem frutos secos, sonhados, criados, produzidos e preparados com tanto carinho para chegarem até nós nesta feira de santa Iria. Sentimos nelas o cuidado, o esmero, o orgulho de poderem oferecer-nos produtos diferentes e variados, como arandos, peras e maçãs secas, pinhões, flor de hibisco seca e frutos da época, como as romãs. E as vendedoras, muito animadas, até por aquela atmosfera festiva, que elas conhecem de toda a sua vida, e é de facto muito bonita, proporcionaram-nos mais uma bela e significativa experiência.
Sem dúvida que esta festa, única e absolutamente maravilhosa, ganhou o seu lugar no nosso calendário de celebrações da Roda do Ano da Deusa. Como a faremos nos próximos anos só a Deusa sabe, mas pessoalmente prometo-vos que investirei energia e muito entusiasmo numa programação cuidada, significativa e transformadora, de acordo com a proposta da estação. Abençoada me sinto por mais estes véus que se abriram para mim no meu caminho com a Deusa! Este tema da Deusa Dupla, do culto de Iria e da face anciã da Deusa da Terra do Meio, entretanto, é central no meu livro A Deusa Celta de Portugal: a Rainha do Verão e a Anciã do Inverno Zéfiro, 2021.
©Luiza Frazão
October 15, 2022
Uma Hist��ria Secreta e Simb��lica das Rom��s e a sua rela����o com a mito de Dem��ter e Pers��fone
Pers��fone, Dante Gabriel RossettiKate Lebo:Abrir uma �� como levantar a tampa duma caixa de joias
Quando Pers��fone volta para sua m��e, o submundo ainda est��nela. Numa vers��o dessa reuni��o m��tica, Yannis Ritsos escreve:
Eu ouvi as vossas vozes chamarem por mim;
e meu nome era estranho;
e os meus amigos eram estranhos;
estranha a luz superior com o quadrado, branco puro das casas,
os frutos carnudos, multicoloridos, pretensiosos einsolentes. . .
Pers��fone viu as mortas e os mortos, casou-se com o seu rei, comeu tr��s ou quatro ou sete bagos da sua rom��. Sua m��e, a deusa dacolheita Dem��ter, tendo sido esmagada pela dor, recusou-se a permitir que novascolheitas crescessem at�� que a sua filha lhe fosse devolvida. Os e as mortais ficaramfamintos e at�� os deuses temeram que ningu��m sobrevivesse para lhes fazeroferendas. Em outra vers��o do mito, Zeus foi convencido a fazer com que Hades devolvesse Pers��fone.
Dem��ter, entretanto, recebeu em casa uma rapariga mudada,enrugada e assustadora, inquieta no imp��rio verde de sua m��e. Uma raparigacasada que ouve e fala dum mundo que Dem��ter n��o consegue entender. ���A voz ��mais p��lida do que os l��bios que deixa���, diz Dem��ter na releitura de EdithWharton, a sua alegria transformando-se em confus��o.
As rom��s s��o frutas incomuns, ���n��o mais do que um arm��rio desementes suculentas���, como Jane Grigson as descreve. Poetas s��o conhecidos porcomparar esses bagos a joias. Abrir uma rom�� parece ser um pouco como levantar atampa duma caixa de joias, na expectativa, sen��o na sensa����o ��� a menos quealgu��m abra uma caixa de joias numa postura defensiva ��� de antecipar um borrifo de vermelho. Dentro dacasca dividida, por��m, encontra-se um padr��o ornamentado, reluzente e comest��vel.
De acordo com a tradi����o judaica, a rom�� cont��m 613sementes, uma para cada mitsv��. Por mil��nios, em toda a Europa, P��rsia e��sia, nas tradi����es budista, isl��mica, judaica e crist��, as rom��s foraminvocadas como s��mbolo de fertilidade e ��s vezes esmagadas em c��maras nupciaispara incentivar o nascimento de muitas crian��as. Em O Unic��rnio em Cativeiro,uma tape��aria medieval europeia, que pode ser vista no Met Cloisters, emManhattan, um unic��rnio senta-se numa pastagem cercada sob uma rom��zeira. Eleparece contente em cativeiro, um s��mbolo de fertilidade e casamento e dafertilidade do casamento duma alma com Cristo. O unic��rnio parece estarsangrando das feridas da ca��ada que o acorrentou ��quela ��rvore. Todavia, numainspe����o mais apurada, verificamos que as feridas n��o sangram ��� elas choramsementes. O sangue �� o sumo da rom��.A palavra ���granada��� vem de ���rom�����, e �� assim chamada pelomodo como uma granada dissemina estilha��os imitando a explos��o propagadora desementes duma rom�� ao ser esmagada.
As sementes de rom�� t��m a forma de incisivos ��� gordas numaextremidade, onde um rubor de sangue se acumula, estreitando-se na pontatransl��cida, onde a semente poderia, se fosse um dente real, enraizar namand��bula. Se acreditarmos na Doutrina das Assinaturas ��� a ideia de que Deusescreveu uma linguagem nas plantas que podemos ler para identificar os nossosrem��dios ���, essa forma significa que as rom��s podem aliviar doen��as orais. ���Umainfus��o forte cura ��lceras na boca e na garganta e fixa os dentes���, escreveuCulpeper.
�� estranho para n��s agora esse tipo de antropomorfiza����oque desmembra as plantas em partes humanas em vez de lhes dar personalidadeshumanas ��� reparadores de dentes em forma de dente. A Doutrina das Assinaturasfazia parte da vis��o de mundo pela qual as primeiras e os primeiros m��dicas,herbalistas e botic��rias transformavam um organismo num recurso medicinalespec��fico, uma alquimia que n��s, capitalistas de hoje, certamente entendemos.���Cada planta �� uma estrela terrestre���, como descreve Agnes Arber na suahist��ria das ervas de 1912, ���e cada estrela �� uma planta espiritualizada���. Omarketing moderno ignora a Doutrina das Assinaturas e vende o suco de rom�� como um elixir da juventude, com promessas antioxidantesque ficam apenas um pouco aqu��m de ressuscitarem os mortos e as mortas.
Os taninos no suco de rom��, como no bom vinho, equilibram o��cido e o a����car e adicionam uma sensa����o de subst��ncia, como se eu estivessecomendo algo da terra.
As rom��s representam a fertilidade, mas tamb��m uma pausa nafertilidade ��� no mito e na vida.
No mito, Dem��ter lamenta o desaparecimento da sua filha deixando as colheitas morrerem.Ela abandona os seus deveres e caminha entre as e os mortais disfar��ada no tipo de velha quepode cuidar das crian��as na corte. Nada vai crescer at�� que sua filha retorne.E mesmo depois de Pers��fone voltar para casa, ela comera a comida dos mortos e das mortas edeve voltar ao Hades por um quarto ou um ter��o ou metade do ano, provocandooutro inverno. Esse ciclo de morte e renascimento torna Dem��ter e Pers��foneemp��ticas com as e os mortais como nenhuma outra divindade. ���Na sua dor e na horada morte���, escreve Edith Hamilton na sua antologia de mitos gregos de 1940, ���asmulheres e os homens podiam recorrer �� compaix��o da deusa que sofria e da deusaque morria���.
As rom��s representam a fertilidade, mas tamb��m uma pausa nafertilidade ��� no mito e na vida. Na Gr��cia antiga, Dioscorides recomendousementes e casca de rom�� como controle de natalidade. ���Escritos m��dicos indicamque a rom�� foi administrada como um suposit��rio���, escreve John M. Riddle emEve���s Herbs ��� n��o oralmente, como o mito pode levar-nos a concluir. Ele relataque, em 1933, as tamareiras foram objeto da primeira experi��ncia que encontroucompostos estrog��nicos em plantas ��� a primeira confirma����o de que a tradi����o decontrole da natalidade �� base de plantas tinha uma base biol��gica ecientificamente mensur��vel (embora os resultados da experi��ncia n��o tenham sidoduplicados e confirmados por pares at�� 1966). Experi��ncias posteriores, nasd��cadas de 1970 e 1980, sobre os poderes contraceptivos das plantas, descobriramque ratos f��meas alimentados com rom��s e emparelhados com ratos machos que n��oforam alimentados com rom��s experimentaram uma queda de 72% na fertilidade. Emcobaias, a queda foi de 100%. As sementes, ra��zes e planta inteira n��o tiveramefeito; o composto estrog��nico estava no fruto ��� especificamente, na polpa aoredor da semente. Ap��s 40 dias sem a dieta da rom��, a fertilidadedos roedores voltou.
Em algumas vers��es, Zeus instrui Pers��fone a n��o comerenquanto estiver no submundo. Quando Hermes a recupera, ela est�� faminta. Hadesoferece-lhe a sua rom��.
O Regresso de Pers��foneFrederic Leighton
Em Eating in the Underworld (Comendo no Submundo), de RachelZucker, Pers��fone deixa Dem��ter por escolha pr��pria,
Longe de onde o
corpo da minha m��e ��
em toda parte,
uma jornada que imita odistanciamento maduro (mas ainda doloroso) da filha em rela����o �� m��e, que, porque a m��e est�� em toda parte, deveir ao Hades - um deus e um lugar - para se libertar.
S�� uma m��e poderia fabricar talhist��ria:
a terra se abriu e me puxoupara baixo.
Nesta vers��o do mito, as rom��s representam a persist��ncia davida, mas tamb��m criam o v��nculo matrimonial que rebaixa a primazia dasrela����es m��e-filha e interrompe a fertilidade. Winter, nesta hist��ria, observa a sua filha crescer e tornar-se algu��m que n��o consegue entender. ��fugir da sua m��e para que possa conhecer-se sem sentir-se esmagada pela suafertilidade e amor.
O Inverno tamb��m significa descanso. Dem��ter chora e recusa-sea trabalhar. Com a fertilidade em pausa, um agricultor pode descansar daagita����o de plantar, cuidar, colher, vender, preservar e armazenar antes deplantar novamente.
Lembre-se, quando me v��,
Pers��fone diz,
Estou dentro de quem eu era.
A terra onde cultivamos as nossas colheitas �� a terra ondeenterramos os nossos corpos. As rom��s representam essa mesma contradi����o, esseciclo completo: vida e morte e vida de novo, voltando de novo, voltandotransformada.
De O Livro dos Frutos Dif��ceis (The Book of DifficultFruit), de Kate Lebo (traduzido e adaptado/remanejado por Luiza Fraz��o)
https://lithub.com/a-secret-symbolic-history-of-pomegranates/
Uma História Secreta e Simbólica das Romãs e a sua relação com a mito de Deméter e Perséfone
Perséfone, Dante Gabriel RossettiKate Lebo: Abrir uma é como levantar a tampa duma caixa de joias
Quando Perséfone volta para sua mãe, o submundo ainda está nela. Numa versão dessa reunião mítica, Yannis Ritsos escreve:
Eu ouvi as vossas vozes chamarem por mim;
e meu nome era estranho;
e os meus amigos eram estranhos;
estranha a luz superior com o quadrado, branco puro das casas,
os frutos carnudos, multicoloridos, pretensiosos e insolentes. . .
Perséfone viu as mortas e os mortos, casou-se com o seu rei, comeu três ou quatro ou sete bagos da sua romã. Sua mãe, a deusa da colheita Deméter, tendo sido esmagada pela dor, recusou-se a permitir que novas colheitas crescessem até que a sua filha lhe fosse devolvida. Os e as mortais ficaram famintos e até os deuses temeram que ninguém sobrevivesse para lhes fazer oferendas. Em outra versão do mito, Zeus foi convencido a fazer com que Hades devolvesse Perséfone.
Deméter, entretanto, recebeu em casa uma rapariga mudada, enrugada e assustadora, inquieta no império verde de sua mãe. Uma rapariga casada que ouve e fala dum mundo que Deméter não consegue entender. “A voz é mais pálida do que os lábios que deixa”, diz Deméter na releitura de Edith Wharton, a sua alegria transformando-se em confusão.
As romãs são frutas incomuns, “não mais do que um armário de sementes suculentas”, como Jane Grigson as descreve. Poetas são conhecidos por comparar esses bagos a joias. Abrir uma romã parece ser um pouco como levantar a tampa duma caixa de joias, na expectativa, senão na sensação – a menos que alguém abra uma caixa de joias numa postura defensiva – de antecipar um borrifo de vermelho. Dentro da casca dividida, porém, encontra-se um padrão ornamentado, reluzente e comestível.
De acordo com a tradição judaica, a romã contém 613 sementes, uma para cada mitsvá. Por milénios, em toda a Europa, Pérsia e Ásia, nas tradições budista, islâmica, judaica e cristã, as romãs foram invocadas como símbolo de fertilidade e às vezes esmagadas em câmaras nupciais para incentivar o nascimento de muitas crianças. Em O Unicórnio em Cativeiro, uma tapeçaria medieval europeia, que pode ser vista no Met Cloisters, em Manhattan, um unicórnio senta-se numa pastagem cercada sob uma romãzeira. Ele parece contente em cativeiro, um símbolo de fertilidade e casamento e da fertilidade do casamento duma alma com Cristo. O unicórnio parece estar sangrando das feridas da caçada que o acorrentou àquela árvore. Todavia, numa inspeção mais apurada, verificamos que as feridas não sangram – elas choram sementes. O sangue é o sumo da romã. A palavra “granada” vem de “romã”, e é assim chamada pelo modo como uma granada dissemina estilhaços imitando a explosão propagadora de sementes duma romã ao ser esmagada.
As sementes de romã têm a forma de incisivos — gordas numa extremidade, onde um rubor de sangue se acumula, estreitando-se na ponta translúcida, onde a semente poderia, se fosse um dente real, enraizar na mandíbula. Se acreditarmos na Doutrina das Assinaturas – a ideia de que Deus escreveu uma linguagem nas plantas que podemos ler para identificar os nossos remédios –, essa forma significa que as romãs podem aliviar doenças orais. “Uma infusão forte cura úlceras na boca e na garganta e fixa os dentes”, escreveu Culpeper.
É estranho para nós agora esse tipo de antropomorfização que desmembra as plantas em partes humanas em vez de lhes dar personalidades humanas – reparadores de dentes em forma de dente. A Doutrina das Assinaturas fazia parte da visão de mundo pela qual as primeiras e os primeiros médicas, herbalistas e boticárias transformavam um organismo num recurso medicinal específico, uma alquimia que nós, capitalistas de hoje, certamente entendemos. “Cada planta é uma estrela terrestre”, como descreve Agnes Arber na sua história das ervas de 1912, “e cada estrela é uma planta espiritualizada”. O marketing moderno ignora a Doutrina das Assinaturas e vende o suco de romã como um elixir da juventude, com promessas antioxidantes que ficam apenas um pouco aquém de ressuscitarem os mortos e as mortas.
Os taninos no suco de romã, como no bom vinho, equilibram o ácido e o açúcar e adicionam uma sensação de substância, como se eu estivesse comendo algo da terra.
As romãs representam a fertilidade, mas também uma pausa na fertilidade — no mito e na vida.
No mito, Deméter lamenta o desaparecimento da sua filha deixando as colheitas morrerem. Ela abandona os seus deveres e caminha entre as e os mortais disfarçada no tipo de velha que pode cuidar das crianças na corte. Nada vai crescer até que sua filha retorne. E mesmo depois de Perséfone voltar para casa, ela comera a comida dos mortos e das mortas e deve voltar ao Hades por um quarto ou um terço ou metade do ano, provocando outro inverno. Esse ciclo de morte e renascimento torna Deméter e Perséfone empáticas com as e os mortais como nenhuma outra divindade. “Na sua dor e na hora da morte”, escreve Edith Hamilton na sua antologia de mitos gregos de 1940, “as mulheres e os homens podiam recorrer à compaixão da deusa que sofria e da deusa que morria”.
As romãs representam a fertilidade, mas também uma pausa na fertilidade — no mito e na vida. Na Grécia antiga, Dioscorides recomendou sementes e casca de romã como controle de natalidade. “Escritos médicos indicam que a romã foi administrada como um supositório”, escreve John M. Riddle em Eve’s Herbs – não oralmente, como o mito pode levar-nos a concluir. Ele relata que, em 1933, as tamareiras foram objeto da primeira experiência que encontrou compostos estrogénicos em plantas – a primeira confirmação de que a tradição de controle da natalidade à base de plantas tinha uma base biológica e cientificamente mensurável (embora os resultados da experiência não tenham sido duplicados e confirmados por pares até 1966). Experiências posteriores, nas décadas de 1970 e 1980, sobre os poderes contraceptivos das plantas, descobriram que ratos fêmeas alimentados com romãs e emparelhados com ratos machos que não foram alimentados com romãs experimentaram uma queda de 72% na fertilidade. Em cobaias, a queda foi de 100%. As sementes, raízes e planta inteira não tiveram efeito; o composto estrogénico estava no fruto — especificamente, na polpa ao redor da semente. Após 40 dias sem a dieta da romã, a fertilidade dos roedores voltou.
Em algumas versões, Zeus instrui Perséfone a não comer enquanto estiver no submundo. Quando Hermes a recupera, ela está faminta. Hades oferece-lhe a sua romã.
O Regresso de PerséfoneFrederic Leighton
Em Eating in the Underworld (Comendo no Submundo), de Rachel Zucker, Perséfone deixa Deméter por escolha própria,
Longe de onde o
corpo da minha mãe é
em toda parte,
uma jornada que imita o distanciamento maduro (mas ainda doloroso) da filha em relação à mãe, que, porque a mãe está em toda parte, deve ir ao Hades - um deus e um lugar - para se libertar.
Só uma mãe poderia fabricar tal história:
a terra se abriu e me puxou para baixo.
Nesta versão do mito, as romãs representam a persistência da vida, mas também criam o vínculo matrimonial que rebaixa a primazia das relações mãe-filha e interrompe a fertilidade. Winter, nesta história, observa a sua filha crescer e tornar-se alguém que não consegue entender. É fugir da sua mãe para que possa conhecer-se sem sentir-se esmagada pela sua fertilidade e amor.
O Inverno também significa descanso. Deméter chora e recusa-se a trabalhar. Com a fertilidade em pausa, um agricultor pode descansar da agitação de plantar, cuidar, colher, vender, preservar e armazenar antes de plantar novamente.
Lembre-se, quando me vê,
Perséfone diz,
Estou dentro de quem eu era.
A terra onde cultivamos as nossas colheitas é a terra onde enterramos os nossos corpos. As romãs representam essa mesma contradição, esse ciclo completo: vida e morte e vida de novo, voltando de novo, voltando transformada.
De O Livro dos Frutos Difíceis (The Book of Difficult Fruit), de Kate Lebo (traduzido e adaptado/remanejado por Luiza Frazão)
https://lithub.com/a-secret-symbolic-history-of-pomegranates/
September 18, 2022
Padeira de Aljubarrota – Um Avatar de Brigântia
Quem foi Brites de Almeida, a Famosa Padeira de Aljubarrota?
Por que razão a memória desta mulher persiste até hoje?
O que haverá assim de tão heroico em eliminar sete desgraçados soldados espanhóis, estafados, assustados, perdidos, vencidos, confinados a um lugar tão exíguo e com uma única saída como o forno duma padaria?
Ou será que estamos a falar da memória de Brigântia, Brites, Britiande, Brito, Deusa Guardiã e Defensora da Terra?
O que se conta dela, que era uma simples mulher do povo, extraordinariamente forte e feia com seis dedos em cada mão, não é mais que a visão patriarcal distorcida duma antiga divindade feminina da Terra que entrou em declínio, em processo de obliteração e demonização, mas ainda presente na memória colectiva do nosso povo, embora sob este disfarce grotesco, como a antiga e poderosa Senhora, Rainha e Defensora da Terra. Na verdade, a Mãe Terra Ela própria, feia e feroz e perigosa quando ameaçada, como era o caso concreto aqui com a nossa independência em relação a Castela posta em causa no final do séc. XIV.
Sim, a chamada Brites de Almeida só pode ser nada mais nada menos que Brigântia, o aspecto Terra de Brígida, da Grande Deusa celta. E se pensam que o apelido Almeida é simplesmente aleatório é porque ainda não se debruçaram um pouco que seja sobre a história militar desta importante praça forte raiana do distrito da Guarda, Beira Alta. Com o seu famoso forte em estrela de doze pontas, uma enigmática arquitectura, que segundo algumas investigações parece ser bem mais antiga e universal do que oficialmente se conta, Almeida foi uma das mais importantes praças fortes de Portugal na Idade Moderna, tendo feito parte de Espanha até 1297 quando o tratado de Alcañices redefiniu as fronteiras ibéricas. “Alma até Almeida!... De Almeida para lá logo se verá!…”
Em Almeida “se bateram mouros contra cristãos, depois portugueses e castelhanos, batalhas que duraram séculos até se firmarem as fronteiras nacionais. Também aqui se tentou rechaçar as tropas de Napoleão, durante as invasões francesas do século XIX. Pouco depois, liberais e absolutistas defrontaram-se por ideais políticos. E mais sangue foi derramado.” *
António Gedeão, nos versos finais do poema Terra Adubada, refere-se nestes termos aos campos de batalha de Almeida:
As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.
Não são vespas, nem besoiros,
nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.
Depois os lavradores
a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.
Nas linhas com que se tece esta persistente lenda nacional da Padeira de Aljubarrota, Brites de Almeida, parecem pois andar temas e motivos que se perderam no tempo, ofuscados pela glória dos heróis patriarcais, expurgados pela água benta das sacristias…
Mas vale a pena revisitar esta história no feminino e não deixar de reflectir sobre o poder e significado da arma usada pela nossa Rainha Protectora e Defensora da Terra e da Vida, a pá do forno! Evocativa dos poderes de cuidar da vida, da exaltação da vida, valores próprios das sociedades matrifocais, em forte contraste com o aparato militar das sociedades que as venceram e suplantaram, aquelas que glorificaram a guerra, que enaltecem e valorizam acima de tudo a competição, a conquista e a rapina como forma legítima de criar riqueza e acumular poder.
Que Brites de Almeida, Brigântia, sempre nos defenda e proteja!
Imagens: Google
Luiza Frazão's Blog

