Luiza Frazão's Blog, page 5
May 1, 2021
DEUSAS SOLARES - CA��DAS E REMETIDAS PARA A NOITE
���(���) a Artemis grega, divindade solar na origem dos tempos, que perdeu este aspeto e esta fun����o a favor dum deus masculino. Podemos de resto ver como �� que esse processo se desenrolou no mundo hel��nico e relacion��-lo com a tradi����o celta. Com efeito, primitivamente, Artemis identificava-se com sua m��e, Leto (ou Latona), tal como Core-Pers��fone era a dupla da m��e Dem��ter: ela representava o Sol jovem, o Sol levante, por oposi����o a Leto que personificava o velho Sol, o Sol poente (tal como Core era a jovem filha, ou seja, a Terra jovem, face a Dem��ter, a velha Terra, o conhecido mito da renova����o).
A partir do momento em que as divindades femininas foram masculinizadas, e tamb��m porque era imposs��vel esquecer completamente o seu aspeto feminino, conservou-se a personagem de Artemis, apondo-se-lhe no entanto um paredro macho, o seu irm��o Apolo, o qual monopolizou o aspeto solar, ao mesmo tempo que Artemis era remetida para a noite transformando-se em Deusa-Lua.
O mesmo aconteceu no Egipto onde Osiris tomou o lugar de Isis como Sol poente enquanto H��rus se tornava o Sol levante.
Sabemos que primitivamente a Lua era masculina e o Sol feminino, ainda assim �� nas l��nguas semitas, germ��nicas e celtas e tamb��m nas tradi����es populares (onde se diz que ���a Lua engravida as mulheres���). Houve por conseguinte uma grande reviravolta no simbolismo m��tico e religioso: a deusa-m��e Sol, Leto, foi substitu��da pelo seu filho e pela sua filha, macho e f��mea, e sabemos que Juno-Hera tudo fez para que essas crian��as, fruto do adult��rio de Zeus (e portanto das prerrogativas paternalistas) n��o nascessem, o que significa que Hera, mulher divina, recusou admitir a mudan��a de orienta����o da sociedade, da ginecocracia para o paternalismo���.
Jean Markale, La Femme Celte, Payot (tradu����o Luiza Fraz��o) Imagem: Sun Goddess Mitra, Persian painting by Hojjat Shakiba
DEUSAS SOLARES - CAÍDAS E REMETIDAS PARA A NOITE
“(…) a Artemis grega, divindade solar na origem dos tempos, que perdeu este aspeto e esta função a favor dum deus masculino. Podemos de resto ver como é que esse processo se desenrolou no mundo helénico e relacioná-lo com a tradição celta. Com efeito, primitivamente, Artemis identificava-se com sua mãe, Leto (ou Latona), tal como Core-Perséfone era a dupla da mãe Deméter: ela representava o Sol jovem, o Sol levante, por oposição a Leto que personificava o velho Sol, o Sol poente (tal como Core era a jovem filha, ou seja, a Terra jovem, face a Deméter, a velha Terra, o conhecido mito da renovação).
A partir do momento em que as divindades femininas foram masculinizadas, e também porque era impossível esquecer completamente o seu aspeto feminino, conservou-se a personagem de Artemis, apondo-se-lhe no entanto um paredro macho, o seu irmão Apolo, o qual monopolizou o aspeto solar, ao mesmo tempo que Artemis era remetida para a noite transformando-se em Deusa-Lua.
O mesmo aconteceu no Egipto onde Osiris tomou o lugar de Isis como Sol poente enquanto Hórus se tornava o Sol levante.
Sabemos que primitivamente a Lua era masculina e o Sol feminino, ainda assim é nas línguas semitas, germânicas e celtas e também nas tradições populares (onde se diz que “a Lua engravida as mulheres”). Houve por conseguinte uma grande reviravolta no simbolismo mítico e religioso: a deusa-mãe Sol, Leto, foi substituída pelo seu filho e pela sua filha, macho e fêmea, e sabemos que Juno-Hera tudo fez para que essas crianças, fruto do adultério de Zeus (e portanto das prerrogativas paternalistas) não nascessem, o que significa que Hera, mulher divina, recusou admitir a mudança de orientação da sociedade, da ginecocracia para o paternalismo”.
Jean Markale, La Femme Celte, Payot (tradução Luiza Frazão) Imagem: Sun Goddess Mitra, Persian painting by Hojjat Shakiba
April 1, 2021
E se part��ssemos da hip��tese de que a Creta Antiga era matriarcal, matrifocal e matrilinear?
Se come����ssemos com a hip��tese de que a Creta antiga era matriarcal, matrifocal e matrilinear, o que esperar��amos que fosse o foco central da sua religi��o? * Harriet Boyd Hawes e a sua colega Blanche E. Williams apresentaram uma incipientemente feminista an��lise, centrada na mulher, da religi��o da antiga Creta, em Gournia, o livro que descreve a escava����o de uma aldeia min��ica no in��cio do s��culo XX. Boyd Hawes argumentou que as evid��ncias arqueol��gicas mostravam n��o apenas a preemin��ncia da Deusa, conclus��o com a qual Williams concordava, mas tamb��m a for��a e a independ��ncia das mulheres numa cultura que ela definiu como matriarcal e matrilinear, centrada na fam��lia materna. Se a Creta antiga era matrilinear, matrifocal e matriarcal, dever��amos esperar encontrar evid��ncias de que as mulheres n��o eram apenas fortes e independentes, mas tamb��m que assumiam pap��is de lideran��a na religi��o e na cultura. Williams notou a presen��a de sacerdotisas. Os frescos em miniatura de Cnossos mostram um grupo de mulheres idosas sentadas no lugar de honra e um grupo de mulheres realizando uma dan��a ritual. Onde faltam evid��ncias sobre as fun����es de lideran��a, n��o se deve presumir que a lideran��a deve ter estado nas m��os de homens.
N��o dever��amos surpreender-nos ao descobrir que a Deusa ou a m��e terra estava no centro dos rituais e cerim��nias na Creta antiga. No entanto, dizer que a Deusa �� central levanta a quest��o do que queremos dizer quando dizemos Deusa. No Ocidente, a divindade �� entendida como transcendente em rela����o ao mundo, representada como um Outro, um ser masculino dominante, juiz das/os vivas/os e das/os mortas/os. Citando o Dicion��rio Oxford English, o arque��logo Colin Renfrew baseia a sua discuss��o sobre a religi��o min��ica na ideia da transcend��ncia divina. Mas se aceitarmos a vis��o de Marija Gimbutas de que a Deusa representa os poderes do nascimento, morte e regenera����o em todas as formas de vida, surge-nos uma imagem diferente. A Deusa �� imanente, ao inv��s de transcendente em rela����o ao mundo. Ela �� a for��a vivificante nos seres humanos e em toda a natureza. Ela n��o �� a ju��za das/os vivas/os e das/os mortas/os, pois as/os mortas/os s��o devolvidos ao seu corpo. Ao contr��rio das divindades gregas posteriores, as deusas da Velha Europa e da antiga Creta geralmente n��o s��o retratadas como seres humanos idealizados. Embora muitas vezes tenham olhos, seios e tri��ngulos sagrados, elas tamb��m t��m bicos e asas, t��m o formato de montanhas e s��o decoradas com linhas fluidas que simbolizam rios ou riachos. Essas formas h��bridas sugerem que toda a vida �� uma imagem da divindade e que os seres humanos n��o s��o superiores, melhores ou separados de outras formas de vida. Imagens h��bridas celebram a conex��o de todos os seres na teia da vida e chamam os seres humanos a participarem e a desfrutarem deste mundo, n��o a procurarem escapar ou elevar-se acima dele. Uma religi��o centrada na gratid��o pela vida neste mundo �� muito diferente daquela que se concentra no medo, no julgamento e no anseio pela vida ap��s a morte. A percep����o de Jacquetta Hawkes de que a religi��o da antiga Creta celebrava "a gra��a da vida" est�� exatamente certa.
A velha deusa europeia ou min��ica �� uma ou v��rias? Os monote��stas t��m insistido que s�� pode haver um Deus, mas os polite��stas reverenciam uma pluralidade de imagens, enquanto os animistas celebram os esp��ritos de seres vivos (percebidos) como rios e ��rvores, montanhas e cavernas. Os termos monote��smo e polite��smo n��o s��o neutros. Ambos foram desenvolvidos por monote��stas: o monote��smo descreve as cren��as correctas do self; polite��smo, as falsas cren��as da/o outra/o. Acho que a distin����o da te��loga e liturgista Marcia Falk entre monote��smo exclusivo e inclusivo �� ��til para resolver a quest��o do um/a e das/os muitas/os. Segundo Falk, o monote��smo inclusivo �� uma intui����o da unidade do ser na diversidade do mundo: celebrando a unidade do ser, acolhe uma pluralidade de imagens para representar a diversidade e a diferen��a no mundo. Desse ponto de vista, as fronteiras entre o monote��smo e o polite��smo s��o porosas. Quando Gimbutas falou dos poderes de nascimento, morte e regenera����o em toda a vida, ela referia-se �� unidade de ser subjacente �� diversidade de formas de vida, incluindo plantas, animais e seres humanos. Da mesma forma, quando os povos ind��genas falam da m��e terra como a doadora de tudo e de todos os seres como parentes, eles reconhecem que toda a vida �� sustentada por uma ��nica fonte. O fato dos povos cretenses antigos imaginarem a divindade de maneiras diferentes e com caracter��sticas diferentes n��o exige a conclus��o de que eles adoravam muitas divindades distintas, como argumentam alguns arque��logos: considero que intu��ram uma unidade de ser enquanto celebravam a diversidade da vida. Esta parece ter sido a conclus��o de Williams, que escreveu sobre ���a proemin��ncia de uma deusa sob v��rios aspectos���.
Se as culturas matrilineares, matrifocais e matriarcais tendem a ver a Terra como uma grande e generosa m��e, podemos esperar que essa percep����o seja expressa em rituais e cerim��nias. A gratid��o �� a resposta apropriada aos presentes dados gratuitamente. Sugiro que a gratid��o pelo dom e d��divas da vida n��o era apenas um foco, mas o foco central da religi��o na Creta antiga. Se for assim, devemos esperar encontrar rituais celebrando o dom da vida no nascimento de beb��s, na chegada �� maioridade das meninas, bem como em rituais de morte homenageando as/aos ancestrais. Tamb��m podemos esperar encontrar rituais que honrem a linha materna e expressem gratid��o pela sabedoria das ancestrais. Muitos desses rituais teriam ocorrido na Casa matrilinear, como sugere o arque��logo Jan Driessen. Os rituais para as/os ancestrais tamb��m podem ter acontecido em cemit��rios. Devemos tamb��m esperar encontrar rituais que expressem gratid��o pelo alimento que sustenta a vida, por exemplo, nas oferendas de prim��cias �� m��e terra e no derramamento de liba����es que s��o absorvidas de volta ao seu corpo. Se as mulheres inventaram a agricultura e, como argumentou Gimbutas, a religi��o da Velha Europa celebrava os processos de nascimento, morte e regenera����o em toda a vida, dever��amos encontrar rituais focados no plantio, colheita e armazenamento de sementes. Alguns desses rituais podem ter ocorrido nas Casas matrilineares, enquanto outros certamente ocorreram na natureza e nos campos. Se a fabrica����o de cer��mica e a tecelagem fossem entendidas como mist��rios de transforma����o envolvendo nascimento, morte e regenera����o, poder��amos encontrar evid��ncias de rituais associados a essas atividades nas Casas ou nas oficinas. �� sabido que os ritos na Creta antiga envolviam ��rvores, montanhas e cavernas, bem como fontes de ��gua. Devemos perguntar-nos se e como tais cerim��nias expressam gratid��o �� m��e terra, a fonte da vida, e aos ciclos de nascimento, morte e regenera����o. * Essas reflex��es s��o parte de um rascunho inicial do pr��logo metodol��gico de um ensaio que me pediram para escrever sobre Religi��o numa vila min��ica a ser publicado no relat��rio arqueol��gico sobre as escava����es recentes em Gournia. Na parte anterior do pr��logo, discuto as teorias sobre as culturas matriarcal, matrifocal e matrilinear de Harriet Boyd Hawes, Blanche E. Williams, Marija Gimbutas, Heide Goettner-Abendroth e outras/os. Original aqui
E se partíssemos da hipótese de que a Creta Antiga era matriarcal, matrifocal e matrilinear?
Se começássemos com a hipótese de que a Creta antiga era matriarcal, matrifocal e matrilinear, o que esperaríamos que fosse o foco central da sua religião? * Harriet Boyd Hawes e a sua colega Blanche E. Williams apresentaram uma incipientemente feminista análise, centrada na mulher, da religião da antiga Creta, em Gournia, o livro que descreve a escavação de uma aldeia minóica no início do século XX. Boyd Hawes argumentou que as evidências arqueológicas mostravam não apenas a preeminência da Deusa, conclusão com a qual Williams concordava, mas também a força e a independência das mulheres numa cultura que ela definiu como matriarcal e matrilinear, centrada na família materna. Se a Creta antiga era matrilinear, matrifocal e matriarcal, deveríamos esperar encontrar evidências de que as mulheres não eram apenas fortes e independentes, mas também que assumiam papéis de liderança na religião e na cultura. Williams notou a presença de sacerdotisas. Os frescos em miniatura de Cnossos mostram um grupo de mulheres idosas sentadas no lugar de honra e um grupo de mulheres realizando uma dança ritual. Onde faltam evidências sobre as funções de liderança, não se deve presumir que a liderança deve ter estado nas mãos de homens.
Não deveríamos surpreender-nos ao descobrir que a Deusa ou a mãe terra estava no centro dos rituais e cerimónias na Creta antiga. No entanto, dizer que a Deusa é central levanta a questão do que queremos dizer quando dizemos Deusa. No Ocidente, a divindade é entendida como transcendente em relação ao mundo, representada como um outro ser masculino dominante e como o juiz dos vivos e dos mortos. Citando o Dicionário Oxford English, o arqueólogo Colin Renfrew baseia a sua discussão sobre a religião minóica na ideia da transcendência divina. Mas se aceitarmos a visão de Marija Gimbutas de que a Deusa representa os poderes do nascimento, morte e regeneração em todas as formas de vida, surge-nos uma imagem diferente. A Deusa é imanente, ao invés de transcendente em relação ao mundo. Ela é a força vivificante nos seres humanos e em toda a natureza. Ela não é a juíza dos vivos e dos mortos, pois os mortos são devolvidos ao seu corpo. Ao contrário das divindades gregas posteriores, as deusas da velha Europa e da antiga Creta geralmente não são retratadas como seres humanos idealizados. Embora muitas vezes tenham olhos, seios e triângulos sagrados, elas também têm bicos e asas, têm o formato de montanhas e são decoradas com linhas fluidas que simbolizam rios ou riachos. Essas formas híbridas sugerem que toda a vida é uma imagem da divindade e que os seres humanos não são superiores, melhores ou separados de outras formas de vida. Imagens híbridas celebram a conexão de todos os seres na teia da vida e chamam os seres humanos a participarem e a desfrutarem deste mundo, não a procurar escapar ou elevar-se acima dele. Uma religião centrada na gratidão pela vida neste mundo é muito diferente daquela que se concentra no medo, no julgamento e no anseio pela vida após a morte. A percepção de Jacquetta Hawkes de que a religião da antiga Creta celebrava "a graça da vida" está exatamente certa.
A velha deusa europeia ou minóica é uma ou várias? Os monoteístas têm insistido que só pode haver um Deus, mas os politeístas reverenciam uma pluralidade de imagens, enquanto os animistas celebram os espíritos de seres vivos (percebidos) como rios e árvores, montanhas e cavernas. Os termos monoteísmo e politeísmo não são neutros. Ambos foram desenvolvidos por monoteístas: o monoteísmo descreve as crenças correctas do self; politeísmo, as falsas crenças do outro. Acho que a distinção da teóloga e liturgista Marcia Falk entre monoteísmo exclusivo e inclusivo é útil para resolver a questão do um/a e das/os muitas/os. Segundo Falk, o monoteísmo inclusivo é uma intuição da unidade do ser na diversidade do mundo: celebrando a unidade do ser, acolhe uma pluralidade de imagens para representar a diversidade e a diferença no mundo. Desse ponto de vista, as fronteiras entre o monoteísmo e o politeísmo são porosas. Quando Gimbutas falou dos poderes de nascimento, morte e regeneração em toda a vida, ela referia-se à unidade de ser subjacente à diversidade de formas de vida, incluindo plantas, animais e seres humanos. Da mesma forma, quando os povos indígenas falam da mãe terra como a doadora de tudo e de todos os seres como parentes, eles reconhecem que toda a vida é sustentada por uma única fonte. O fato dos povos cretenses antigos imaginarem a divindade de maneiras diferentes e com características diferentes não exige a conclusão de que eles adoravam muitas divindades distintas, como argumentam alguns arqueólogos: Sugiro que intuíram uma unidade de ser enquanto celebravam a diversidade da vida. Esta parece ter sido a conclusão de Williams, que escreveu sobre “a proeminência de uma deusa sob vários aspectos”.
Se as culturas matrilineares, matrifocais e matriarcais tendem a ver a Terra como uma grande e generosa mãe, podemos esperar que essa percepção seja expressa em rituais e cerimónias. A gratidão é a resposta apropriada aos presentes dados gratuitamente. Sugiro que a gratidão pelo dom e dádivas da vida não era apenas um foco, mas o foco central da religião na Creta antiga. Se for assim, devemos esperar encontrar rituais celebrando o dom da vida no nascimento de bebés, na chegada à maioridade das meninas, bem como em rituais de morte homenageando as/aos ancestrais. Também podemos esperar encontrar rituais que honrem a linha materna e expressem gratidão pela sabedoria das/os ancestrais. Muitos desses rituais teriam ocorrido na Casa matrilinear, como sugere o arqueólogo Jan Driessen. Os rituais para as/os ancestrais também podem ter acontecido em cemitérios. Devemos também esperar encontrar rituais que expressem gratidão pelo alimento que sustenta a vida, por exemplo, nas oferendas de primícias à mãe terra e no derramamento de libações que são absorvidas de volta ao seu corpo. Se as mulheres inventaram a agricultura e, como argumentou Gimbutas, a velha religião da Velha Europa celebrava os processos de nascimento, morte e regeneração em toda a vida, deveríamos encontrar rituais focados no plantio, colheita e armazenamento de sementes. Alguns desses rituais podem ter ocorrido nas Casas matrilineares, enquanto outros certamente ocorreram na natureza e nos campos. Se a fabricação de cerâmica e a tecelagem fossem entendidas como mistérios de transformação envolvendo nascimento, morte e regeneração, poderíamos encontrar evidências de rituais associados a essas atividades nas Casas ou nas oficinas. É sabido que os ritos na Creta antiga envolviam árvores, montanhas e cavernas, bem como fontes de água. Devemos perguntar se e como tais cerimónias expressam gratidão à mãe terra, a fonte da vida e os ciclos de nascimento, morte e regeneração. * Essas reflexões são parte de um rascunho inicial do prólogo metodológico de um ensaio que me pediram para escrever sobre Religião numa vila minóica a ser publicado no relatório arqueológico sobre as escavações recentes em Gournia. Na parte anterior do prólogo, discuto as teorias sobre as culturas matriarcal, matrifocal e matrilinear de Harriet Boyd Hawes, Blanche E. Williams, Marija Gimbutas, Heide Goettner-Abendroth e outras/os. Original aqui
January 26, 2021
A REVOLUCION��RIA DESCOBERTA ARQUEOL��GICA DA CIVILIZA����O CRETENSE
O achado arqueol��gico da civiliza����o cretense foi uma ���bomba��� no seio da comunidade de estudiosos de ent��o, uma vez que, pelas suas evid��ncias, n��o correspondia a nada do que at�� a�� fora descoberto e a nada do que era ���expect��vel��� �� luz dos valores patriarcais e masculinos que vigoravam e que dominavam a ci��ncia da altura. Houve todo um conjunto de descobertas e de particularidades, sobretudo atrav��s das manifesta����es art��sticas que chegaram at�� �� atualidade (e da�� a import��ncia fulcral da arte para compreendermos esta cultura e esta sociedade), que permitiram ver que se estava na presen��a de uma sociedade ���diferente���. Baseada em valores pac��ficos ��� quando, �� sua volta, j�� quase todas as civiliza����es come��avam a ser fortemente dominadas pelos valores b��licos ���, tratava-se de uma sociedade essencialmente baseada na economia agr��ria, pr��spera, igualit��ria e est��vel.
Para al��m disto, chegou-se �� conclus��o de que se tratava de uma sociedade intensamente religiosa, em que o centro do seu culto era a Deusa. Na verdade, religi��o e vida quotidiana, misturavam-se de tal forma no quotidiano das cidades-estado desta ilha, que sagrado e quotidiano se entrela��avam na vida dos cretenses. O pr��prio exerc��cio f��sico e o desporto, bem como todo o tipo de atividades l��dicas e de entretenimento, estavam intimamente ligadas ��s pr��ticas e cultos religiosos. Religi��o e divertimento associavam-se em harmonia, e a pr��tica de jogos e desportos era caracterizada pela participa����o igualit��ria de mulheres e homens.
O que provavelmente foi uma das particularidades mais marcantes, e que mais deve ter impressionado os arque��logos que primeiramente exploraram esta civiliza����o, ainda muito imbu��dos dos valores patriarcais (a ���lente��� atrav��s da qual observavam e analisavam os factos e fen��menos de estudo cient��fico): a igualdade entre g��neros. A forte e frequente presen��a das mulheres na arte cretense leva a concluir que elas representavam pap��is sociais prestigiados, tanto no culto religioso da Deusa, como a n��vel de poder (chegando-se a sugerir a exist��ncia de uma rainha cretense). Mas tamb��m a m��sica, o canto e a dan��a integravam tanto as express��es culturais e art��sticas dos cretenses como as suas pr��prias pr��ticas religiosas. Todos estes aspetos se fundiam num s��: ���(���) a religi��o para os cretenses constitu��a uma ocupa����o feliz��� e ���(���) ���Toda a vida impregnava-se de f�� ardente na Deusa Natureza, fonte de toda cria����o e harmonia���, citando a autora da obra. Desta forma, era inevit��vel que o sistema de valores e cren��as desta civiliza����o se baseasse firmemente na paz, na d��diva, na compaix��o, na beleza, nos prazeres da vida. A pr��pria liberdade e fluidez com que a sexualidade era perspetivada e vivida pelos cretenses conduzia a um pacifismo e a uma anula����o ou redu����o da agressividade, que se evidenciava mais noutros povos.
E, centrando-se no culto profundo e muito enraizado da Deusa, tal como afirma Nicholas Platon: "o medo da morte era praticamente obliterado pela omnipresente alegria de viver". Estas s��o, em tra��os gerais, as caracter��sticas principais que diferenciam esta cultura, mas existem muitas mais particularidades que a distinguem das outras sociedades suas contempor��neas.
Uma delas �� o facto de a sociedade min��ica (assim chamada devido ao Rei Minos) ter sido uma sociedade muito baseada no ���encanto pela vida���, pela ���sensibilidade���, e ���amor �� beleza e natureza���, como se pode ler na obra de Riane Eisler. De uma forma geral era uma cultura baseada em valores hedonistas, de prazer, de valoriza����o do lado belo e de harmonia da vida, e a arte, que chegou at�� n��s, demonstra-nos isto de forma evidente: desde joias, a estatu��ria, aos frescos, entre outras formas de arte descobertas.
Em termos de estilo de vida, os cretenses eram fortemente ligados �� natureza e ao respeito e usufruto da mesma, pelo que at�� as habita����es particulares, edif��cios p��blicos e demais constru����es refletiam esse estilo de vida.
Concluiu-se tamb��m que a sua organiza����o social era caracterizada por uma justa divis��o da riqueza, n��o existindo assimetrias sociais profundas, como nas outras civiliza����es desenvolvidas da ��poca; registava-se uma significativa prosperidade econ��mica (baseada n��o s�� na agricultura, mas tamb��m, posteriormente, pela pecu��ria, ind��stria e com��rcio, essencialmente, mar��timo, que floresceu dadas as privilegiadas condi����es geogr��ficas da ilha). Paralelamente, regista-se um avan��ado sistema de obras p��blicas, que abrangia desde estradas a sistemas de distribui����o de ��gua, etc., muito avan��ados e completos. No entanto, nenhum destes aspetos, e esta �� uma das singularidades que mais sobressaem, conduziu a uma sociedade onde a no����o de poder fosse autocr��tica ou baseada na viol��ncia ou explora����o de uns grupos sociais por outros. De forma alguma existem indica����es de que o poder estivesse concentrado apenas num reduzido n��mero de indiv��duos, nem t��o pouco que se tratasse de uma sociedade baseada no poder armado: verificou-se a aus��ncia de estruturas de defesa ou fortifica����es. O que sugere que a participa����o em guerras dentro ou fora da ilha seriam provavelmente quase inexistentes.
Ainda assim, �� pouco prov��vel que n��o tenham existido combates para defenderem o seu rico territ��rio, no entanto, n��o eram esses os seus valores dominantes, nem a pr��pria arte cretense valoriza ou glorifica os atos de guerra.
A autora Riane Eisler indica-nos fortes ind��cios de que em Creta o poder teria sido exercido pelas mulheres, e que estas teriam tido um papel muito relevante na vida religiosa e social das cidades da ilha. As mulheres estavam mais retratadas ���nas artes e of��cios���, o que reflete uma posi����o social, religiosa, pol��tica e econ��mica elevada ou de destaque, e eram frequentemente retratadas na esfera p��blica, o que �� sin��nimo de respeito e prest��gio na sociedade (ao contr��rio daquele que, posteriormente, foi o sentido da evolu����o cultural humana, que remeteu cada vez mais as mulheres para a esfera dom��stica e privada, sem serem vistas nem terem ���uma voz pr��pria���). O papel feminino era bastante ativo em todas as esferas da sociedade.
De facto, toda a conce����o de beleza, de paz, de harmonia, l��dica e de respeito (pelo outro e pelo meio ambiente), e a pr��pria posi����o igualit��ria entre sexos, presentes nos tra��os culturais e no legado art��stico de Creta, j�� nos indica que estamos na presen��a de uma sociedade que n��o �� dominada pelos valores ���ditos masculinos���, da guerra, da destrui����o ou da viol��ncia.
Os pr��prios valores cretenses, baseados ���num esp��rito feminino���, como se observa na Hist��ria da Arte, na perspetiva de Jaquetta Hawkes, espelhavam-se at�� na arquitetura caracter��stica da ilha.
Ali��s, �� sobretudo atrav��s da arte que chegam at�� n��s os mais evidentes ind��cios de que o poder era exercido pelas mulheres: a autora fala-nos da pr��pria ���(���) influ��ncia da sensibilidade feminina ��� [que ofereceu] not��vel contribui����o �� arte min��ica".
Muito do que se sabe sobre a cultura cretense adv��m do estudo da produ����o art��stica desse per��odo e local: a arte cretense, por exemplo, n��o glorifica as atividades b��licas ou a guerra em geral. H�� um evidente hedonismo em Creta: a vida agrad��vel, rodeada de beleza e a comunh��o com a Natureza; uma cultura de bem-estar e igualdade entre classes socioecon��micas e entre g��neros. O culto da Deusa, ali, era absolutamente central, e Ela �� representada, por exemplo, num papel supremo: numa carruagem que leva um defunto para a sua transforma����o e renascimento, no eterno ciclo da vida-morte-vida. As Suas sacerdotisas s��o frequentemente representadas, em frescos, liderando prociss��es, cultos e rituais. A pr��pria historiadora da arte, Hawkes, coloca a hip��tese de existir uma rainha cretense, que tamb��m �� retratada: ou seja, estamos perante o pr��prio centro do poder, no feminino.
Toda a presen��a da simbologia da Deusa (intensamente ligada �� natureza, tal como a borboleta e a serpente, s��mbolos da transmuta����o e metamorfose, e o machado de l��mina dupla, utilizado no cultivo agr��cola, que simbolizava a pr��pria divindade da transforma����o e do renascimento, e tamb��m a fertilidade da terra, sustento de toda a popula����o) �� outro fator que indicia o poder das mulheres nesta sociedade, pois surge com muita frequ��ncia nos mais variados objetos de arte que foram descobertos.
O pr��prio facto de n��o existirem est��tuas de governantes, por exemplo, um reflexo t��o t��pico do enaltecimento do ���poder masculino��� de ent��o, indicam-nos que o poder era mais exercido pelas mulheres. Outro facto que indicia que a cultura, essencialmente centrada na Deusa e no papel e poder femininos, estava bastante enraizada, �� o de que, mesmo ap��s o in��cio do per��odo hist��rico seguinte, a Idade do Bronze, e com a complexifica����o das estruturas sociais, isso n��o significou em Creta o decl��nio do poder nem do status das mulheres, pelo contr��rio, pareceu at�� fortalec��-lo. A Deusa continuou a ser cultuada e a ser o centro da vida nesta civiliza����o. E, como tal, os seus princ��pios de conce����o ���feminina��� do mundo, prevaleceram, da mesma forma que a import��ncia do papel das mulheres tamb��m.
Avan��ando mais ainda nesta interpreta����o, temos a evid��ncia de que o poder nesta cultura estava intimamente ligado ao sexo feminino, pois, tal como nos refere Eisler, ���(���) em Creta as virtudes "femininas" de conc��rdia e sensibilidade tinham prioridade social��� ��� aspetos que n��o eram desvalorizados, como acontece(u) noutras culturas, e de que houve uma no����o diferente de poder.
O poder era exercido n��o com base na for��a f��sica ou do confronto militar ou da subjuga����o, mas sim com base numa no����o de ���responsabilidade maternal��� (uma ���caracter��stica do modelo de parceria da sociedade���, citando a autora).
Por fim, temos outra forte confirma����o de que o poder era exercido pelas mulheres na sociedade cretense: a sucess��o e heran��a eram feitas por linhagem feminina. Estamos, portanto, perante uma sociedade matrilinear. Uma sociedade onde a Deusa assume o poder divino central, e as sacerdotisas/rainha exercem o poder temporal, pese embora se mantivesse sempre o esp��rito de harmonia e igualdade entre mulheres e homens cretenses.
Creio que a mensagem da excecional civiliza����o cretense �� a de que pode constituir um modelo e um exemplo tanto para a nossa sociedade atual como para as futuras, cujas bases j�� se est��o a construir agora. �� admir��vel o facto de existirem provas concretas (e n��o ���sonhos ut��picos���, como muito bem sublinha Eisler) de como, h�� milhares de anos, existiu uma sociedade desenvolvida, que transmite uma mensagem que corresponde ao seu pr��prio sistemas de valores: igualit��ria, pr��spera e pac��fica, com um paradigma totalmente invertido em rela����o ��s atuais. Esta mensagem, em minha opini��o, reflete-se nos seguintes aspetos: aus��ncia de guerra e os valores de conviv��ncia pac��fica e harmoniosa; valores ecol��gicos e de respeito pela natureza; uma conce����o diferente de poder e um conceito diferente de governa����o.
A aus��ncia de guerra e a centralidade dos valores de paz, estabilidade e harmonia entre povos vizinhos ou distantes �� outro aspeto. N��o se registavam manifesta����es que habitualmente conotamos como ���caracter��sticas masculinas��� de orgulho ou barbaridades para com o outro. A pr��pria arte de Creta espelha a aus��ncia de ���domina����o, destrui����o e opress��o���, como refere a autora.
Verific��mos em Creta a quase aus��ncia de conflitos militares dentro da pr��pria ilha ou com territ��rios circundantes, ao contr��rio do que prevalece ainda hoje, nas culturas predominantes, de valores patriarcais, onde a guerra parece ser o infrut��fero e destrutivo modo de ���resolu����o��� de conflitos entre povos.
Valores ecol��gicos e de respeito para com a natureza: O culto da Deusa, vista como a Grande M��e de tudo o que existe e A grande provedora da pr��pria subsist��ncia das comunidades, profundamente centrado na pr��pria natureza, nos ciclos das esta����es e na abund��ncia e prosperidade que advinham da terra e das atividades agr��colas, com certeza que foi a base deste mesmo respeito por tudo o que se relacionasse com a vida natural. O que entra em franco contraste com todas as agress��es que as comunidades humanas t��m vindo a cometer para com os ecossistemas, e este �� um dos exemplos mais fundamentais para a humanidade atual, porque dele depende a pr��pria sobreviv��ncia da esp��cie humana e do Planeta.
Em Creta existiu uma conce����o de poder, e igualmente de governa����o, extremamente diferente das sociedades que lhe eram contempor��neas, certamente das que se lhes seguiram, e das atuais. Tal como nos revela Riane Eisler, n��o existia, como por exemplo no Antigo Egito ou na Sum��ria, a ���glorifica����o��� dos governantes: a arte testemunha este facto com a aus��ncia de monumentos ou est��tuas dedicadas �� dignifica����o dessas personalidades. Pelo contr��rio, o poder era exercido de forma pac��fica e igualit��ria, de forma limitada, e com prov��vel representa����o das diferentes classes socioprofissionais de cada cidade-estado de Creta. Um aspeto do qual certamente se distanciaram as culturas e povos que se lhes seguiram, mas que se aproxima daquele que hoje vigora nas sociedades ocidentais mais justas e igualit��rias, por exemplo. Ainda assim, ainda estamos longe da aus��ncia de representa����o de ���figuras de poder���, mesmo na nossa sociedade atual, onde ainda se cultivam s��mbolos do poder e da governa����o tipicamente patriarcais. Temos o exemplo das monarquias atuais, europeias e n��o s��, onde os s��mbolos, ainda que de um poder n��o efetivo na maior parte dos casos, est��o bastante presentes. E, sem recuar muito no tempo, temos o pr��prio exemplo dos s��mbolos do poder e dos seus detentores, propagados e cultivados no Estado Novo, em Portugal, e em outros regimes autocr��ticos similares.
Em termos de governa����o, o exemplo de Creta tamb��m transmite uma importante mensagem de igualdade e respeito inter-pares. Ainda que existisse (como era muito comum na ��poca) uma estreita fus��o entre religi��o e poder, como j�� referimos acima, cultivava-se o respeito e a harmonia entre iguais, no que respeita aos soberanos das diferentes cidades-estado da ilha. E tamb��m uma importante limita����o de poderes, por parte de altos cargos de conselheiros oficiais, que faz concluir que provavelmente haveria uma conce����o do poder e da governa����o como uma representa����o de interesses do povo, junto de quem os exercia ��� o que se trata de um sistema pol��tico altamente avan��ado e que impede a evolu����o para um poder desp��tico, t��o comum nesta ��poca, e tanto tempo antes do nascimento da democracia da Gr��cia do per��odo Cl��ssico. Algo que n��o corresponde �� exist��ncia, que ainda perdura, de regimes autorit��rios em pleno s��culo XXI. A mensagem principal que Creta nos transmite, na atualidade, ��, pois, a de que �� efetivamente poss��vel e exequ��vel (e n��o uma fantasia), pensar e construir uma sociedade de paz, de justi��a social, de igualdade em todos os sentidos, do respeito pelo planeta em que vivemos, sem preju��zo do crescimento econ��mico, do desenvolvimento tecnol��gico e do bem-estar material dos indiv��duos. �� poss��vel, efetivamente, construir uma sociedade em que prevalece a coopera����o e a ���parceria���, como lhe chama Eisler, em vez de destrui����o e domina����o.
Texto de: Andreia Mendes
Imagens: viagem a Creta 2015, Luiza Fraz��o
A REVOLUCIONÁRIA DESCOBERTA ARQUEOLÓGICA DA CIVILIZAÇÃO CRETENSE
O achado arqueológico da civilização cretense foi uma “bomba” no seio da comunidade de estudiosos de então, uma vez que, pelas suas evidências, não correspondia a nada do que até aí fora descoberto e a nada do que era “expectável” à luz dos valores patriarcais e masculinos que vigoravam e que dominavam a ciência da altura. Houve todo um conjunto de descobertas e de particularidades, sobretudo através das manifestações artísticas que chegaram até à atualidade (e daí a importância fulcral da arte para compreendermos esta cultura e esta sociedade), que permitiram ver que se estava na presença de uma sociedade “diferente”. Baseada em valores pacíficos – quando, à sua volta, já quase todas as civilizações começavam a ser fortemente dominadas pelos valores bélicos –, tratava-se de uma sociedade essencialmente baseada na economia agrária, próspera, igualitária e estável.
Para além disto, chegou-se à conclusão de que se tratava de uma sociedade intensamente religiosa, em que o centro do seu culto era a Deusa. Na verdade, religião e vida quotidiana, misturavam-se de tal forma no quotidiano das cidades-estado desta ilha, que sagrado e quotidiano se entrelaçavam na vida dos cretenses. O próprio exercício físico e o desporto, bem como todo o tipo de atividades lúdicas e de entretenimento, estavam intimamente ligadas às práticas e cultos religiosos. Religião e divertimento associavam-se em harmonia, e a prática de jogos e desportos era caracterizada pela participação igualitária de mulheres e homens.
O que provavelmente foi uma das particularidades mais marcantes, e que mais deve ter impressionado os arqueólogos que primeiramente exploraram esta civilização, ainda muito imbuídos dos valores patriarcais (a “lente” através da qual observavam e analisavam os factos e fenómenos de estudo científico): a igualdade entre géneros. A forte e frequente presença das mulheres na arte cretense leva a concluir que elas representavam papéis sociais prestigiados, tanto no culto religioso da Deusa, como a nível de poder (chegando-se a sugerir a existência de uma rainha cretense). Mas também a música, o canto e a dança integravam tanto as expressões culturais e artísticas dos cretenses como as suas próprias práticas religiosas. Todos estes aspetos se fundiam num só: “(…) a religião para os cretenses constituía uma ocupação feliz” e “(…) “Toda a vida impregnava-se de fé ardente na Deusa Natureza, fonte de toda criação e harmonia”, citando a autora da obra. Desta forma, era inevitável que o sistema de valores e crenças desta civilização se baseasse firmemente na paz, na dádiva, na compaixão, na beleza, nos prazeres da vida. A própria liberdade e fluidez com que a sexualidade era perspetivada e vivida pelos cretenses conduzia a um pacifismo e a uma anulação ou redução da agressividade, que se evidenciava mais noutros povos.
E, centrando-se no culto profundo e muito enraizado da Deusa, tal como afirma Nicholas Platon: "o medo da morte era praticamente obliterado pela omnipresente alegria de viver". Estas são, em traços gerais, as características principais que diferenciam esta cultura, mas existem muitas mais particularidades que a distinguem das outras sociedades suas contemporâneas.
Uma delas é o facto de a sociedade minóica (assim chamada devido ao Rei Minos) ter sido uma sociedade muito baseada no “encanto pela vida”, pela “sensibilidade”, e “amor à beleza e natureza”, como se pode ler na obra de Riane Eisler. De uma forma geral era uma cultura baseada em valores hedonistas, de prazer, de valorização do lado belo e de harmonia da vida, e a arte, que chegou até nós, demonstra-nos isto de forma evidente: desde joias, a estatuária, aos frescos, entre outras formas de arte descobertas.
Em termos de estilo de vida, os cretenses eram fortemente ligados à natureza e ao respeito e usufruto da mesma, pelo que até as habitações particulares, edifícios públicos e demais construções refletiam esse estilo de vida.
Concluiu-se também que a sua organização social era caracterizada por uma justa divisão da riqueza, não existindo assimetrias sociais profundas, como nas outras civilizações desenvolvidas da época; registava-se uma significativa prosperidade económica (baseada não só na agricultura, mas também, posteriormente, pela pecuária, indústria e comércio, essencialmente, marítimo, que floresceu dadas as privilegiadas condições geográficas da ilha). Paralelamente, regista-se um avançado sistema de obras públicas, que abrangia desde estradas a sistemas de distribuição de água, etc., muito avançados e completos. No entanto, nenhum destes aspetos, e esta é uma das singularidades que mais sobressaem, conduziu a uma sociedade onde a noção de poder fosse autocrática ou baseada na violência ou exploração de uns grupos sociais por outros. De forma alguma existem indicações de que o poder estivesse concentrado apenas num reduzido número de indivíduos, nem tão pouco que se tratasse de uma sociedade baseada no poder armado: verificou-se a ausência de estruturas de defesa ou fortificações. O que sugere que a participação em guerras dentro ou fora da ilha seriam provavelmente quase inexistentes.
Ainda assim, é pouco provável que não tenham existido combates para defenderem o seu rico território, no entanto, não eram esses os seus valores dominantes, nem a própria arte cretense valoriza ou glorifica os atos de guerra.
A autora Riane Eisler indica-nos fortes indícios de que em Creta o poder teria sido exercido pelas mulheres, e que estas teriam tido um papel muito relevante na vida religiosa e social das cidades da ilha. As mulheres estavam mais retratadas “nas artes e ofícios”, o que reflete uma posição social, religiosa, política e económica elevada ou de destaque, e eram frequentemente retratadas na esfera pública, o que é sinónimo de respeito e prestígio na sociedade (ao contrário daquele que, posteriormente, foi o sentido da evolução cultural humana, que remeteu cada vez mais as mulheres para a esfera doméstica e privada, sem serem vistas nem terem “uma voz própria”). O papel feminino era bastante ativo em todas as esferas da sociedade.
De facto, toda a conceção de beleza, de paz, de harmonia, lúdica e de respeito (pelo outro e pelo meio ambiente), e a própria posição igualitária entre sexos, presentes nos traços culturais e no legado artístico de Creta, já nos indica que estamos na presença de uma sociedade que não é dominada pelos valores “ditos masculinos”, da guerra, da destruição ou da violência.
Os próprios valores cretenses, baseados “num espírito feminino”, como se observa na História da Arte, na perspetiva de Jaquetta Hawkes, espelhavam-se até na arquitetura característica da ilha.
Aliás, é sobretudo através da arte que chegam até nós os mais evidentes indícios de que o poder era exercido pelas mulheres: a autora fala-nos da própria “(…) influência da sensibilidade feminina — [que ofereceu] notável contribuição à arte minóica".
Muito do que se sabe sobre a cultura cretense advém do estudo da produção artística desse período e local: a arte cretense, por exemplo, não glorifica as atividades bélicas ou a guerra em geral. Há um evidente hedonismo em Creta: a vida agradável, rodeada de beleza e a comunhão com a Natureza; uma cultura de bem-estar e igualdade entre classes socioeconómicas e entre géneros. O culto da Deusa, ali, era absolutamente central, e Ela é representada, por exemplo, num papel supremo: numa carruagem que leva um defunto para a sua transformação e renascimento, no eterno ciclo da vida-morte-vida. As Suas sacerdotisas são frequentemente representadas, em frescos, liderando procissões, cultos e rituais. A própria historiadora da arte, Hawkes, coloca a hipótese de existir uma rainha cretense, que também é retratada: ou seja, estamos perante o próprio centro do poder, no feminino.
Toda a presença da simbologia da Deusa (intensamente ligada à natureza, tal como a borboleta e a serpente, símbolos da transmutação e metamorfose, e o machado de lâmina dupla, utilizado no cultivo agrícola, que simbolizava a própria divindade da transformação e do renascimento, e também a fertilidade da terra, sustento de toda a população) é outro fator que indicia o poder das mulheres nesta sociedade, pois surge com muita frequência nos mais variados objetos de arte que foram descobertos.
O próprio facto de não existirem estátuas de governantes, por exemplo, um reflexo tão típico do enaltecimento do “poder masculino” de então, indicam-nos que o poder era mais exercido pelas mulheres. Outro facto que indicia que a cultura, essencialmente centrada na Deusa e no papel e poder femininos, estava bastante enraizada, é o de que, mesmo após o início do período histórico seguinte, a Idade do Bronze, e com a complexificação das estruturas sociais, isso não significou em Creta o declínio do poder nem do status das mulheres, pelo contrário, pareceu até fortalecê-lo. A Deusa continuou a ser cultuada e a ser o centro da vida nesta civilização. E, como tal, os seus princípios de conceção “feminina” do mundo, prevaleceram, da mesma forma que a importância do papel das mulheres também.
Avançando mais ainda nesta interpretação, temos a evidência de que o poder nesta cultura estava intimamente ligado ao sexo feminino, pois, tal como nos refere Eisler, “(…) em Creta as virtudes "femininas" de concórdia e sensibilidade tinham prioridade social” – aspetos que não eram desvalorizados, como acontece(u) noutras culturas, e de que houve uma noção diferente de poder.
O poder era exercido não com base na força física ou do confronto militar ou da subjugação, mas sim com base numa noção de “responsabilidade maternal” (uma “característica do modelo de parceria da sociedade”, citando a autora).
Por fim, temos outra forte confirmação de que o poder era exercido pelas mulheres na sociedade cretense: a sucessão e herança eram feitas por linhagem feminina. Estamos, portanto, perante uma sociedade matrilinear. Uma sociedade onde a Deusa assume o poder divino central, e as sacerdotisas/rainha exercem o poder temporal, pese embora se mantivesse sempre o espírito de harmonia e igualdade entre mulheres e homens cretenses.
Creio que a mensagem da excecional civilização cretense é a de que pode constituir um modelo e um exemplo tanto para a nossa sociedade atual como para as futuras, cujas bases já se estão a construir agora. É admirável o facto de existirem provas concretas (e não “sonhos utópicos”, como muito bem sublinha Eisler) de como, há milhares de anos, existiu uma sociedade desenvolvida, que transmite uma mensagem que corresponde ao seu próprio sistemas de valores: igualitária, próspera e pacífica, com um paradigma totalmente invertido em relação às atuais. Esta mensagem, em minha opinião, reflete-se nos seguintes aspetos: ausência de guerra e os valores de convivência pacífica e harmoniosa; valores ecológicos e de respeito pela natureza; uma conceção diferente de poder e um conceito diferente de governação.
A ausência de guerra e a centralidade dos valores de paz, estabilidade e harmonia entre povos vizinhos ou distantes é outro aspeto. Não se registavam manifestações que habitualmente conotamos como “características masculinas” de orgulho ou barbaridades para com o outro. A própria arte de Creta espelha a ausência de “dominação, destruição e opressão”, como refere a autora.
Verificámos em Creta a quase ausência de conflitos militares dentro da própria ilha ou com territórios circundantes, ao contrário do que prevalece ainda hoje, nas culturas predominantes, de valores patriarcais, onde a guerra parece ser o infrutífero e destrutivo modo de “resolução” de conflitos entre povos.
Valores ecológicos e de respeito para com a natureza: O culto da Deusa, vista como a Grande Mãe de tudo o que existe e A grande provedora da própria subsistência das comunidades, profundamente centrado na própria natureza, nos ciclos das estações e na abundância e prosperidade que advinham da terra e das atividades agrícolas, com certeza que foi a base deste mesmo respeito por tudo o que se relacionasse com a vida natural. O que entra em franco contraste com todas as agressões que as comunidades humanas têm vindo a cometer para com os ecossistemas, e este é um dos exemplos mais fundamentais para a humanidade atual, porque dele depende a própria sobrevivência da espécie humana e do Planeta.
Em Creta existiu uma conceção de poder, e igualmente de governação, extremamente diferente das sociedades que lhe eram contemporâneas, certamente das que se lhes seguiram, e das atuais. Tal como nos revela Riane Eisler, não existia, como por exemplo no Antigo Egito ou na Suméria, a “glorificação” dos governantes: a arte testemunha este facto com a ausência de monumentos ou estátuas dedicadas à dignificação dessas personalidades. Pelo contrário, o poder era exercido de forma pacífica e igualitária, de forma limitada, e com provável representação das diferentes classes socioprofissionais de cada cidade-estado de Creta. Um aspeto do qual certamente se distanciaram as culturas e povos que se lhes seguiram, mas que se aproxima daquele que hoje vigora nas sociedades ocidentais mais justas e igualitárias, por exemplo. Ainda assim, ainda estamos longe da ausência de representação de “figuras de poder”, mesmo na nossa sociedade atual, onde ainda se cultivam símbolos do poder e da governação tipicamente patriarcais. Temos o exemplo das monarquias atuais, europeias e não só, onde os símbolos, ainda que de um poder não efetivo na maior parte dos casos, estão bastante presentes. E, sem recuar muito no tempo, temos o próprio exemplo dos símbolos do poder e dos seus detentores, propagados e cultivados no Estado Novo, em Portugal, e em outros regimes autocráticos similares.
Em termos de governação, o exemplo de Creta também transmite uma importante mensagem de igualdade e respeito inter-pares. Ainda que existisse (como era muito comum na época) uma estreita fusão entre religião e poder, como já referimos acima, cultivava-se o respeito e a harmonia entre iguais, no que respeita aos soberanos das diferentes cidades-estado da ilha. E também uma importante limitação de poderes, por parte de altos cargos de conselheiros oficiais, que faz concluir que provavelmente haveria uma conceção do poder e da governação como uma representação de interesses do povo, junto de quem os exercia – o que se trata de um sistema político altamente avançado e que impede a evolução para um poder despótico, tão comum nesta época, e tanto tempo antes do nascimento da democracia da Grécia do período Clássico. Algo que não corresponde à existência, que ainda perdura, de regimes autoritários em pleno século XXI. A mensagem principal que Creta nos transmite, na atualidade, é, pois, a de que é efetivamente possível e exequível (e não uma fantasia), pensar e construir uma sociedade de paz, de justiça social, de igualdade em todos os sentidos, do respeito pelo planeta em que vivemos, sem prejuízo do crescimento económico, do desenvolvimento tecnológico e do bem-estar material dos indivíduos. É possível, efetivamente, construir uma sociedade em que prevalece a cooperação e a “parceria”, como lhe chama Eisler, em vez de destruição e dominação.
Texto de: Andreia Mendes
Imagens: viagem a Creta 2015, Luiza Frazão
January 21, 2021
O Segundo Sexo, O C��lice e a Espada e o poder das mulheres do passado
(���) Simone de Beauvoir refere categoricamente que as mulheres ���(���) n��o t��m os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. N��o t��m passado, n��o t��m hist��ria���. E que ���(���) a divis��o dos sexos ��, com efeito, um dado biol��gico e n��o um momento da hist��ria humana���. Ora, �� luz do que atualmente sabemos, e do estudo da obra de Riane Eisler, consideramos agora que estes factos n��o s��o exatamente rigorosos. E que houve, efetivamente, civiliza����es evolu��das e avan��adas, em que a ���eterna��� depend��ncia feminina, que Simone de Beauvoir considera ter sido a sua ��nica condi����o, pura e simplesmente n��o existia.
Sociedades ���perdidas no tempo���, porque, tal como real��a Riane Eisler, ���(���) quando havia evid��ncia de um per��odo de tempo anterior em que homem e mulher viviam como iguais, esse per��odo simplesmente era ignorado.���
Sociedades, sendo a Cretense um dos exemplos mais esplendorosos, em que se cultuava a Deusa-M��e, onde a ordem social surge centrada na mulher e na m��e, que assumiam pap��is sociais e religiosos importantes, como sacerdotisas, por exemplo. Onde detinham um elevado status, e uma elevada participa����o social. Sociedades com uma organiza����o matrifocal e matrilinear, mas n��o matriarcal. Sociedades cuja base eram os princ��pios da igualdade, coopera����o e de ���parceria��� entre os sexos, tanto na esfera privada da vida social, como na p��blica. A obra de Riane Eisler veio detalhar e lan��ar uma nova luz sobre estas culturas ���diferentes���, provavelmente bastante mais igualit��rias do que aquela em que De Beauvoir viveu���
O desconhecimento destes factos levaram Simone de Beauvoir a assumir �� partida que as mulheres, e passo a citar: ���(���) por mais longe que se remonte na hist��ria, sempre estiveram subordinadas ao homem���, e tamb��m que ���(���) a mulher sempre foi, sen��o a escrava do homem ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condi����es������ Por��m, e apesar dos postulados com que inicia a sua teoria, ainda assim de Beauvoir coloca uma quest��o, mais pertinente que as duas referidas inicialmente, e que nos fazem associ��-la inevitavelmente �� tese de Riane Eisler:
���Resta explicar por que o homem venceu desde o in��cio. Parece que as mulheres deveriam ter sido vitoriosas.���
Quest��o que Riane Eisler nos respondeu, d��cadas mais tarde, contrariando o que se havia assumido como uma verdade absoluta: a depend��ncia das mulheres em rela����o aos homens.
N��o s��, como j�� verific��mos, isto nem sempre foi verdade, como a pr��pria evolu����o humana deveria, precisamente, ter apontado para uma ���sa��da vitoriosa das mulheres��� ��� ou, pelo menos, para o que Eisler designa de uma ���cultura de parceria���, em vez de uma ���cultura de domina����o���, de acordo com a sua Teoria da Transforma����o Social.
�� muito interessante constatar como as duas teses, sendo contradit��rias em alguns aspetos, encontram pontos de encontro surpreendentes.
�� quest��o colocada por Simone de Beauvoir, ���Por que este mundo sempre pertenceu aos homens e s�� hoje as coisas come��am a mudar?���, a tese de Eisler responde de forma direta: tudo na evolu����o cultural humana parecia apontar nesse sentido; mas esta linha evolutiva foi interrompida. Porque as antigas sociedades onde a Deusa era cultuada, baseada em valores ���ditos femininos��� de compaix��o, paz, estabilidade, partilha, d��diva e parceria, foram sendo suplantadas, num dado momento da hist��ria da Humanidade, progressivamente, pelo poder b��lico e destruidor de outros grupos sociais, para quem a conquista, a for��a f��sica e a subjuga����o eram os valores dominantes.
A frase de Simone de Beauvoir, na p��gina 13 da sua obra, �� paradigm��tica: ���Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial �� porque n��o opera, ela pr��pria, esse retorno.��� E acaba por ser ���vision��ria���, talvez sem o suspeitar. Porque se trata, de facto de um ���retorno���, de um ���regresso���, no ��mbito da evolu����o humana, ao status quo das sociedades da Deusa, que engloba a mulher numa posi����o em p�� de igualdade em rela����o ao homem, independente, em todas as vertentes da vida social, e em comunidades onde vigoram os valores ���de parceria���.
Andreia Mendes
Imagem 1: https://educacao.uol.com.br/
Imagem 2: https://www.aneconomyofourown.org/ria...
Imagem 3 : Creta
O Segundo Sexo, O Cálice e a Espada e o poder das mulheres do passado
(…) Simone de Beauvoir refere categoricamente que as mulheres “(…) não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história”. E que “(…) a divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não um momento da história humana”. Ora, à luz do que atualmente sabemos, e do estudo da obra de Riane Eisler, consideramos agora que estes factos não são exatamente rigorosos. E que houve, efetivamente, civilizações evoluídas e avançadas, em que a “eterna” dependência feminina, que Simone de Beauvoir considera ter sido a sua única condição, pura e simplesmente não existia.
Sociedades “perdidas no tempo”, porque, tal como realça Riane Eisler, “(…) quando havia evidência de um período de tempo anterior em que homem e mulher viviam como iguais, esse período simplesmente era ignorado.”
Sociedades, sendo a Cretense um dos exemplos mais esplendorosos, em que se cultuava a Deusa-Mãe, onde a ordem social surge centrada na mulher e na mãe, que assumiam papéis sociais e religiosos importantes, como sacerdotisas, por exemplo. Onde detinham um elevado status, e uma elevada participação social. Sociedades com uma organização matrifocal e matrilinear, mas não matriarcal. Sociedades cuja base eram os princípios da igualdade, cooperação e de “parceria” entre os sexos, tanto na esfera privada da vida social, como na pública. A obra de Riane Eisler veio detalhar e lançar uma nova luz sobre estas culturas “diferentes”, provavelmente bastante mais igualitárias do que aquela em que De Beauvoir viveu…
O desconhecimento destes factos levaram Simone de Beauvoir a assumir à partida que as mulheres, e passo a citar: “(…) por mais longe que se remonte na história, sempre estiveram subordinadas ao homem”, e também que “(…) a mulher sempre foi, senão a escrava do homem ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições”… Porém, e apesar dos postulados com que inicia a sua teoria, ainda assim de Beauvoir coloca uma questão, mais pertinente que as duas referidas inicialmente, e que nos fazem associá-la inevitavelmente à tese de Riane Eisler:
“Resta explicar por que o homem venceu desde o início. Parece que as mulheres deveriam ter sido vitoriosas.”
Questão que Riane Eisler nos respondeu, décadas mais tarde, contrariando o que se havia assumido como uma verdade absoluta: a dependência das mulheres em relação aos homens.
Não só, como já verificámos, isto nem sempre foi verdade, como a própria evolução humana deveria, precisamente, ter apontado para uma “saída vitoriosa das mulheres” – ou, pelo menos, para o que Eisler designa de uma “cultura de parceria”, em vez de uma “cultura de dominação”, de acordo com a sua Teoria da Transformação Social.
É muito interessante constatar como as duas teses, sendo contraditórias em alguns aspetos, encontram pontos de encontro surpreendentes.
À questão colocada por Simone de Beauvoir, “Por que este mundo sempre pertenceu aos homens e só hoje as coisas começam a mudar?”, a tese de Eisler responde de forma direta: tudo na evolução cultural humana parecia apontar nesse sentido; mas esta linha evolutiva foi interrompida. Porque as antigas sociedades onde a Deusa era cultuada, baseada em valores “ditos femininos” de compaixão, paz, estabilidade, partilha, dádiva e parceria, foram sendo suplantadas, num dado momento da história da Humanidade, progressivamente, pelo poder bélico e destruidor de outros grupos sociais, para quem a conquista, a força física e a subjugação eram os valores dominantes.
A frase de Simone de Beauvoir, na página 13 da sua obra, é paradigmática: “Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno.” E acaba por ser “visionária”, talvez sem o suspeitar. Porque se trata, de facto de um “retorno”, de um “regresso”, no âmbito da evolução humana, ao status quo das sociedades da Deusa, que engloba a mulher numa posição em pé de igualdade em relação ao homem, independente, em todas as vertentes da vida social, e em comunidades onde vigoram os valores “de parceria”.
Andreia Mendes
Imagem 1: https://educacao.uol.com.br/
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Imagem 3 : Creta
January 12, 2021
Not��cias do Sol em manh�� de Inverno
Esta manh�� o sol brilhava intensamente quando abri a janela do meu quarto rasgada a Leste. Saudei-A como fa��o habitualmente, �� M��e do Fogo, a nossa Estrela do Dia, Trebaruna, Br��gida, Sul, Sula, Aurora, e fechando os olhos, visualizei a Sua luz dourada penetrando em cada c��lula do meu corpo, trazendo-me energia e renova����o, f��, entusiasmo, prop��sito e capacidade de agir neste mundo. Preciso de me lembrar de que o fiz quando a letargia bater �� porta, e de me sintonizar com a energia solar que convoquei para o meu corpo e para a minha alma. Preciso de muita energia para tudo o que tenho de organizar e agora tamb��m para responder a todas as mil e uma quest��es que come��am a chegar de todos os lados...Das tarefas que tenho de fazer, as mais agrad��veis s��o sem d��vida a leitura, e v��rios livros demandam agora a minha aten����o. S��o os meus livros de estudo, melhor dizendo. Deusas Solares, ��xtase, Feminino Activo e Solar e temas afins.
Incr��vel como nos temos contentado com a Lua com centenas de Deusas do Sol a acenarem-nos nos diversos pante��es do mundo, mas cuja exist��ncia basicamente desconhec��amos, embora a pr��pria Br��gida, se pararmos para pensar, seja uma delas. Mas fomos levadas a voltar-lhes as costas, conformadas com o nosso reino da noite, com a luz projectada de fora, com a passividade como dote do nosso casamento com as sombras... o que, convenhamos tamb��m tem sido uma boa desculpa para n��o entrarmos em pleno na cena do mundo. Antes deix��mo-la ser dominada por um masculino solar abrasador, desertificador, at��mico, nitidamente com necessidade da sua contraparte lunar para equilibrar os excessos de todo esse fogo malparado...
Mas tanto que fazer neste dia, acrescendo-se tarefas t��o banais como ir �� mercearia... e os meus p��s com tantas saudades de pisarem a terra...
E depois gerir todas as solicita����es de pessoas querendo vir oferecer o seu saber �� nossa Confer��ncia... Como dizer "j�� n��o cabe", "j�� n��o �� poss��vel", a tanta abund��ncia, qualidade e generosidade?... parece que estamos a precisar de magia para gerir o programa, de ser capazes de esticar o tempo... Mas para j��, M��e Sol, apenas um sentimento, Gratid��o.
Imagem: estandarte da Deusa Trebaruna realizado por Helena Lebre
Notícias do Sol em manhã de Inverno
Esta manhã o sol brilhava intensamente quando abri a janela do meu quarto rasgada a Leste. Saudei-A como faço habitualmente, à Mãe do Fogo, a nossa Estrela do Dia, Trebaruna, Brígida, Sul, Sula, Aurora, e fechando os olhos, visualizei a Sua luz dourada penetrando em cada célula do meu corpo, trazendo-me energia e renovação, fé, entusiasmo, propósito e capacidade de agir neste mundo. Preciso de me lembrar de que o fiz quando a letargia bater à porta, e de me sintonizar com a energia solar que convoquei para o meu corpo e para a minha alma. Preciso de muita energia para tudo o que tenho de organizar e agora também para responder a todas as mil e uma questões que começam a chegar de todos os lados...Das tarefas que tenho de fazer, as mais agradáveis são sem dúvida a leitura, e vários livros demandam agora a minha atenção. São os meus livros de estudo, melhor dizendo. Deusas Solares, Êxtase, Feminino Activo e Solar e temas afins.
Incrível como nos temos contentado com a Lua com centenas de Deusas do Sol a acenarem-nos nos diversos panteões do mundo, mas cuja existência basicamente desconhecíamos, embora a própria Brígida, se pararmos para pensar, seja uma delas. Mas fomos levadas a voltar-lhes as costas, conformadas com o nosso reino da noite, com a luz projectada de fora, com a passividade como dote do nosso casamento com as sombras... o que, convenhamos também tem sido uma boa desculpa para não entrarmos em pleno na cena do mundo. Antes deixámo-la ser dominada por um masculino solar abrasador, desertificador, atómico, nitidamente com necessidade da sua contraparte lunar para equilibrar os excessos de todo esse fogo malparado...
Mas tanto que fazer neste dia, acrescendo-se tarefas tão banais como ir à mercearia... e os meus pés com tantas saudades de pisarem a terra...
E depois gerir todas as solicitações de pessoas querendo vir oferecer o seu saber à nossa Conferência... Como dizer "já não cabe", "já não é possível", a tanta abundância, qualidade e generosidade?... parece que estamos a precisar de magia para gerir o programa, de ser capazes de esticar o tempo... Mas para já, Mãe Sol, apenas um sentimento, Gratidão.
Imagem: estandarte da Deusa Trebaruna realizado por Helena Lebre
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