Luiza Frazão's Blog, page 4
January 31, 2022
APRESENTA����O DE "A DEUSA CELTA DE PORTUGAL", por ANDREIA MENDES
�� um prazer estar aqui convosco esta tarde a apresentarmos ���A Deusa Celta de Portugal - A Anci�� do Inverno e a Rainha do Ver��o���. Vou come��ar por enquadrar um pouco como conheci a Luiza, minha Orientadora, minha Formadora e Amiga, e o seu trabalho. Eu fui aluna de um dos cursos da Luiza, o ���Magna Mater���, que posso dizer que, pessoalmente, foi um marco muito importante na minha vida. E s�� ap��s o curso conclu��do �� que nos conhecemos pessoalmente, ap��s muitas trocas de impress��es por e-mail, webinars, etc.
Houve circunst��ncias que s�� possibilitaram conhecermo-nos quando eu decidi ser novamente sua aluna, desta vez na frequ��ncia da Forma����o de Sacerdotisas da Deusa do Jardim das Hesp��rides, juntamente com outras Irm��s que est��o hoje aqui presentes tamb��m.Eu tenho uma rela����o com este livro muito especial, n��o s�� porque se centra em duas faces da Deusa que pessoalmente gosto de conhecer e de honrar, que s��o Cailaca-Beira e a Deusa Iria-Br��gida, mas tamb��m porque durante o ano em que frequentei o curso ���Magna Mater��� houve a coincid��ncia de a Luiza estar a preparar este livro. Eu n��o o sabia, e tive a surpresa e o privil��gio de a Luiza me enviar a vers��o do seu livro ainda n��o publicada, para eu o ler e escrever o pref��cio. E aqui estamos n��s esta tarde para apresentar a ���Deusa Celta de Portugal���.Antes de mais nada, creio que �� importante real��ar o valor e a import��ncia da obra da Luiza, e a Luiza como autora na atualidade. Porque ela escreve-nos sobre a complexa tem��tica da Deusa e do Seu culto, espiritualidade e a cultura associadas a Ela, em particular em Portugal.H�� uma frase da Patricia Monaghan que diz: ���N��s nunca perdemos a Deusa.
O que aconteceu foi que algumas e alguns de n��s nos esquecemos da forma de encontr��-La���. E o trabalho da Luiza tem sido precioso e percursor ao permitir-nos esse reencontrar e recuperar da Deusa, tanto numa dimens��o espiritual e devocional, como com atrav��s de um estudo e investiga����o rigorosa, aprofundada e centrada no nosso territ��rio, que �� algo que faz muita falta nesta ��rea no nosso pa��s. Porque se trata de um ���fil��o��� riqu��ssimo onde est�� ainda muito por explorar em Portugal, e a que autoras e autores como a Luiza, se t��m dedicado, mas onde h�� ainda muito que descobrir, at�� porque todo o Movimento da Deusa �� relativamente recente no nosso pa��s.Ent��o �� esse o enorme contributo que devemos �� Luiza. Esta recupera����o do conhecimento da Deusa. N��s temos a sorte de ela ter vindo quase literalmente a ���desbravar caminho���, nos ��ltimos anos, numa leitura da realidade �� luz da Divindade Feminina. E este novo livro �� prova disso, a Luiza mostra-nos e explica-nos factos e propostas te��ricas sem os ���filtros��� das interpreta����es a que nos habituaram, durante s��culos de perspetivas patriarcais e no contexto de uma cultura judaico-crist��, e de s��culos de reinterpreta����es e distor����es da Igreja dominante acerca dos cultos pag��os e da Deusa.
Ent��o ���A Deusa Celta de Portugal��� �� tamb��m um reflexo disso, das indaga����es e pesquisas sobre:- ���quem �� a Deusa?��� (nas v��rias culturas do mundo, e na nossa em especial), os Seus ritos, cultos, pr��ticas e a Sua cultura matrifocal, muito centrada na Mulher, mas tamb��m muito igualit��ria entre os dois g��neros;- ajudar-nos a perceber onde �� que est��o as nossas Deusas em Portugal, e a sobreviv��ncia da Deusa at�� aos nossos dias, onde est��o os Seus vest��gios materiais e imateriais (nas nossas lendas, nos nossos costumes, na topon��mia ��� a Luiza faz uma investiga����o muito rigorosa dos nomes dos lugares e dos monumentos, por ex., a presen��a da Deusa na paisagem e nos elementos da Natureza, em antigos lugares de culto e templos sagrados, etc.);- porque Ela, de facto, est�� imensamente presente no nosso dia a dia, em muito do que nos rodeia, em muitas ocasi��es festivas, celebra����es c��clicas, em datas, em lugares, que depois foram cristianizados e que muitas pessoas n��o imaginam que tiveram a sua origem num culto pag��o.Ali��s, a Luiza diz-nos que quem quer saber mais sobre a Deusa pode come��ar pelo que at�� hoje ainda tem uma conota����o algo ���negativa���, resultante daquelas distor����es de que se falou h�� pouco. Existe, por exemplo, o caso do Lobo, um animal tot��mico, sagrado no culto da Deusa, muito associado ao Imbolc e �� Deusa Br��gida (que �� exatamente esta altura do ano), e como ele foi sendo representado sucessivamente como o ���lobo mau��� nos contos infantis. Ou a pr��pria Serpente, demonizada desde tempos b��blicos, que foi um grande s��mbolo da Deusa, um s��mbolo de transforma����o e de renova����o.- e o trabalho Luiza conduz-nos tamb��m a algo que nos interessa muito, a n��s Mulheres (e Homens, tamb��m) do s��culo XXI: ao important��ssimo impacto da Deusa no estatuto das Mulheres de hoje, e at�� hoje. Porque nas antigas sociedades que cultuavam a Deusa, matrifocais, centradas na Mulher e na Grande M��e, que eram bem organizadas, pr��speras e pac��ficas, h�� cerca de 10 000, 20 000 anos atr��s e mais ainda, as mulheres gozavam de direitos, privil��gios e prest��gio, muito mais do que muitas de n��s hoje em dia, aqui e em v��rios pontos do globo. Porque nessas comunidades vigoravam valores de igualdade, de princ��pios de d��diva, entreajuda, nutri����o, etc.Em franco contraste com as sociedades atuais, altamente tecnol��gicas, mas onde ainda se morre de fome. E onde sabemos que atualmente ainda persistem regimes autocr��ticos e ditatoriais, sociedades militarizadas, e sem falar nesses casos extremos, persistem ainda in��meras desigualdades, nomeadamente, entre homens e mulheres: desigualdades econ��micas, salariais, de representa����o pol��tica, de status e prest��gio social, que as mulheres foram perdendo cada vez mais, �� medida que outras religi��es, outros deuses, masculinos, e outros valores se impunham (e se consolidaram), h�� cerca de 5 ou 7 mil anos atr��s.Mas, numa perspetiva otimista, o paradigma est�� novamente a mudar.
���Anci�� do Inverno e Rainha do Ver��o���Passo a citar uma frase do livro muito bonita e muito elucidativa: ���Sabemos que a Deusa �� una e m��ltipla, pessoal e impessoal, constante e mut��vel, local e universal. Sabemos que outro nome para Deusa �� Natureza, que Ela �� a Terra e o C��u e tudo o que �� (���).���Na pr��pria capa do livro isto j�� est�� revelado: sim, a Deusa �� una, mas Ela tamb��m tem uma dupla face.Ali��s, Ela tem m��ltiplas faces, mas estas duas s��o, efetivamente, as mais evidentes, mais dicot��micas. E tamb��m o que elas simbolizam: a luz e a sombra, o novo e o velho, o nascimento e a morte/transforma����o/renascimento, etc. Tanto no mundo l�� fora, nos ciclos da Terra e da natureza, como nos pr��prios ciclos femininos, e tal como em cada uma e em cada um de n��s ao longo da vida, quando atravessamos essas dualidades. Vamos ter in��meras descobertas com esta leitura:- a ideia de que n��o ser�� poss��vel dissociarmos um grande local portugu��s de peregrina����o atual, na Cova da Iria, de uma Deusa que se chama precisamente Iria ou Iria-Br��gida, como a Luiza nos prop��e;- a proposta de que a cultura celta tem o seu ber��o na Pen��nsula Ib��rica, e de que os povos ib��ricos influenciaram mais os povos do Norte da Europa do que imaginamos; - que o pr��prio nome de Portugal tem origem no nome de uma das duas Deusas; - a cristianiza����o de Deusas, convertidas em santas; - e, em particular, um estudo exaustivo e pormenorizado da liga����o da nossa popular Santa Iria de Portugal com a Deusa que deu o nome �� Irlanda, e as suas liga����es a v��rias cidades e localidades portuguesas;- e, obviamente, os atributos, os dons e os s��mbolos, tanto de Br��gida, a Donzela do Ver��o, como de Calaica, a Velha senhora dos meses de Inverno.N��s vamos deparar-nos com aquilo que nos parecem muitas ���coincid��ncias���, mas que n��o o s��o. S��o demasiadas para o serem.Ali��s, uma das frases que mais repeti para mim mesma ao longo da leitura deste livro foi: ���Como �� que eu nunca me lembrei disto?��� Creio que tamb��m vai acontecer o mesmo ��s/aos leitores/as. E deve-se precisamente ao olhar treinado, acurado, da Luiza, de quem v�� a realidade �� sua volta sem os tais ���filtros��� patriarcais, mas que a v�� a sob a perspetiva da tradi����o da Deusa.E, falando em tradi����o, ���A Deusa Celta de Portugal��� tem outro aspeto muito interessante que �� a sua dimens��o pr��tica: ou seja, temos a leitura da teoria, mas tamb��m temos a oportunidade de aprender ou recuperar, e p��r em pr��tica, rituais antigos de cura, por exemplo, que antigamente se praticavam aqui mesmo, em Portugal. Pessoalmente, recordo-me de um deles, a que a minha bisav�� materna recorria, e que n��s temos oportunidade de resgatar, hoje, em pleno 2022. �� a recupera����o da sabedoria ancestral. Que �� algo que sabemos que a sociedade atual tem valorizado muito pouco, e isso �� algo que tem que mudar.Concluindo: eu acredito, e numa perspetiva pessoal e mais abrangente, que trabalhos como o da Luiza, e este em particular, est��o definitivamente a contribuir para o reerguer dos valores da Deusa, e que predominavam nas antigas culturas da Deusa. E que est��o em conson��ncia com preocupa����es muito atuais e at�� urgentes como: uma maior conex��o e respeito pela Terra, modos de vida mais ecol��gicos, a sustentabilidade do planeta, e a meu ver, uma nova mudan��a de paradigma. Ou seja, uma mudan��a para novos valores, ditos ���mais femininos���, digamos assim, com menos competi����o desenfreada, menos conflitos armados, por ex.Mas com um cada vez maior empoderamento feminino, um mundo de ���Feminino Ativo���.Isto ��, n��o uma sociedade ���cinzenta��� e utilitarista, mas sim mais equilibrada, porque cada vez mais criativa, art��stica, mais ligada ao nosso Chakra Raiz, a tudo o que �� gestativo, gerador de vida (tanto em termos literais como simb��licos), com maior liga����o �� intui����o e ��s emo����es em vez da super-utiliza����o do nosso lado mental. Porque esse �� o recuperar da Ess��ncia Feminina: as artes manuais, tudo o que �� l��dico, a express��o do corpo atrav��s da dan��a, etc.Pessoalmente, s�� me dei conta de que era uma pessoa muito racional, e que o meu lado criativo estava subdesenvolvido, quando entrei em contacto com a espiritualidade da Deusa, que me deu a oportunidade de criar, de imaginar, de cultivar o belo, a minha individualidade, aquilo que �� ��nico em n��s, em vez de alinhar numa cultura massiva, padronizada, etc.Est��, portanto, a Luiza de parab��ns por mais um trabalho ��mpar, e por nos permitir ter acesso a ele, e principalmente a transmiti-lo tamb��m ��s pr��ximas gera����es. Porque �� assim que vamos construindo uma sociedade com mais valores de paz, de igualdade e de coopera����o a todos os n��veis ��� que s��o os valores da Deusa. Andreia MendesSintra, 23 de Janeiro de 2022
APRESENTAÇÃO DE "A DEUSA CELTA DE PORTUGAL", por ANDREIA MENDES
APRESENTAÇÃO DO LIVRO “A DEUSA CELTA DE PORTUGAL – a ANCIÃ DO INVERNO e a RAINHA DO VERÃO” de LUIZA FRAZÃO Boa tarde a todas e a todos, querida Luiza, caro Alexandre, eu queria em primeiro lugar agradecer este convite para a apresentação do novo livro da Luiza Frazão, é um prazer estar aqui convosco esta tarde a apresentarmos “A Deusa Celta de Portugal - A Anciã do Inverno e a Rainha do Verão”. Vou começar por enquadrar um pouco como conheci a Luiza, minha Orientadora, minha Formadora e Amiga, e o seu trabalho. Eu fui aluna de um dos cursos da Luiza, o “Magna Mater”, que posso dizer que, pessoalmente, foi um marco muito importante na minha vida. E só após o curso concluído é que nos conhecemos pessoalmente, após muitas trocas de impressões por e-mail, webinars, etc. Houve circunstâncias que só possibilitaram conhecermo-nos quando eu decidi ser novamente sua aluna, desta vez na frequência da Formação de Sacerdotisas da Deusa do Jardim das Hespérides, juntamente com outras Irmãs que estão hoje aqui presentes também. Eu tenho uma relação com este livro muito especial, não só porque se centra em duas faces da Deusa que pessoalmente gosto de conhecer e de honrar, que são Cailaca-Beira e a Deusa Iria-Brígida, mas também porque durante o ano em que frequentei o curso “Magna Mater” houve a coincidência de a Luiza estar a preparar este livro. Eu não o sabia, e tive a surpresa e o privilégio de a Luiza me enviar a versão do seu livro ainda não publicada, para eu o ler e escrever o prefácio. E aqui estamos nós esta tarde para apresentar a “Deusa Celta de Portugal”. Antes de mais nada, creio que é importante realçar o valor e a importância da obra da Luiza, e a Luiza como autora na atualidade. Porque ela escreve-nos sobre a complexa temática da Deusa e do Seu culto, espiritualidade e a cultura associadas a Ela, em particular em Portugal. Há uma frase da Patricia Monaghan que diz: “Nós nunca perdemos a Deusa. O que aconteceu foi que algumas e alguns de nós nos esquecemos da forma de encontrá-La”. E o trabalho da Luiza tem sido precioso e percursor ao permitir-nos esse reencontrar e recuperar da Deusa, tanto numa dimensão espiritual e devocional, como com através de um estudo e investigação rigorosa, aprofundada e centrada no nosso território, que é algo que faz muita falta nesta área no nosso país. Porque se trata de um “filão” riquíssimo onde está ainda muito por explorar em Portugal, e a que autoras e autores como a Luiza, se têm dedicado, mas onde há ainda muito que descobrir, até porque todo o Movimento da Deusa é relativamente recente no nosso país. Então é esse o enorme contributo que devemos à Luiza. Esta recuperação do conhecimento da Deusa. Nós temos a sorte de ela ter vindo quase literalmente a “desbravar caminho”, nos últimos anos, numa leitura da realidade à luz da Divindade Feminina. E este novo livro é prova disso, a Luiza mostra-nos e explica-nos factos e propostas teóricas sem os “filtros” das interpretações a que nos habituaram, durante séculos de perspetivas patriarcais e no contexto de uma cultura judaico-cristã, e de séculos de reinterpretações e distorções da Igreja dominante acerca dos cultos pagãos e da Deusa.
Então “A Deusa Celta de Portugal” é também um reflexo disso, das indagações e pesquisas sobre: - “quem é a Deusa?” (nas várias culturas do mundo, e na nossa em especial), os Seus ritos, cultos, práticas e a Sua cultura matrifocal, muito centrada na Mulher, mas também muito igualitária entre os dois géneros; - ajudar-nos a perceber onde é que estão as nossas Deusas em Portugal, e a sobrevivência da Deusa até aos nossos dias, onde estão os Seus vestígios materiais e imateriais (nas nossas lendas, nos nossos costumes, na toponímia – a Luiza faz uma investigação muito rigorosa dos nomes dos lugares e dos monumentos, por ex., a presença da Deusa na paisagem e nos elementos da Natureza, em antigos lugares de culto e templos sagrados, etc.); - porque Ela, de facto, está imensamente presente no nosso dia a dia, em muito do que nos rodeia, em muitas ocasiões festivas, celebrações cíclicas, em datas, em lugares, que depois foram cristianizados e que muitas pessoas não imaginam que tiveram a sua origem num culto pagão. Aliás, a Luiza diz-nos que quem quer saber mais sobre a Deusa pode começar pelo que até hoje ainda tem uma conotação algo “negativa”, resultante daquelas distorções de que se falou há pouco. Existe, por exemplo, o caso do Lobo, um animal totémico, sagrado no culto da Deusa, muito associado ao Imbolc e à Deusa Brígida (que é exatamente esta altura do ano), e como ele foi sendo representado sucessivamente como o “lobo mau” nos contos infantis. Ou a própria Serpente, demonizada desde tempos bíblicos, que foi um grande símbolo da Deusa, um símbolo de transformação e de renovação. - e o trabalho Luiza conduz-nos também a algo que nos interessa muito, a nós Mulheres (e Homens, também) do século XXI: ao importantíssimo impacto da Deusa no estatuto das Mulheres de hoje, e até hoje. Porque nas antigas sociedades que cultuavam a Deusa, matrifocais, centradas na Mulher e na Grande Mãe, que eram bem organizadas, prósperas e pacíficas, há cerca de 10 000, 20 000 anos atrás e mais ainda, as mulheres gozavam de direitos, privilégios e prestígio, muito mais do que muitas de nós hoje em dia, aqui e em vários pontos do globo. Porque nessas comunidades vigoravam valores de igualdade, de princípios de dádiva, entreajuda, nutrição, etc. Em franco contraste com as sociedades atuais, altamente tecnológicas, mas onde ainda se morre de fome. E onde sabemos que atualmente ainda persistem regimes autocráticos e ditatoriais, sociedades militarizadas, e sem falar nesses casos extremos, persistem ainda inúmeras desigualdades, nomeadamente, entre homens e mulheres: desigualdades económicas, salariais, de representação política, de status e prestígio social, que as mulheres foram perdendo cada vez mais, à medida que outras religiões, outros deuses, masculinos, e outros valores se impunham (e se consolidaram), há cerca de 5 ou 7 mil anos atrás. Mas, numa perspetiva otimista, o paradigma está novamente a mudar.
“Anciã do Inverno e Rainha do Verão” Passo a citar uma frase do livro muito bonita e muito elucidativa: “Sabemos que a Deusa é una e múltipla, pessoal e impessoal, constante e mutável, local e universal. Sabemos que outro nome para Deusa é Natureza, que Ela é a Terra e o Céu e tudo o que é (…).” Na própria capa do livro isto já está revelado: sim, a Deusa é una, mas Ela também tem uma dupla face. Aliás, Ela tem múltiplas faces, mas estas duas são, efetivamente, as mais evidentes, mais dicotómicas. E também o que elas simbolizam: a luz e a sombra, o novo e o velho, o nascimento e a morte/transformação/renascimento, etc. Tanto no mundo lá fora, nos ciclos da Terra e da natureza, como nos próprios ciclos femininos, e tal como em cada uma e em cada um de nós ao longo da vida, quando atravessamos essas dualidades. Vamos ter inúmeras descobertas com esta leitura: - a ideia de que não será possível dissociarmos um grande local português de peregrinação atual, na Cova da Iria, de uma Deusa que se chama precisamente Iria ou Iria-Brígida, como a Luiza nos propõe; - a proposta de que a cultura celta tem o seu berço na Península Ibérica, e de que os povos ibéricos influenciaram mais os povos do Norte da Europa do que imaginamos; - que o próprio nome de Portugal tem origem no nome de uma das duas Deusas; - a cristianização de Deusas, convertidas em santas; - e, em particular, um estudo exaustivo e pormenorizado da ligação da nossa popular Santa Iria de Portugal com a Deusa que deu o nome à Irlanda, e as suas ligações a várias cidades e localidades portuguesas; - e, obviamente, os atributos, os dons e os símbolos, tanto de Brígida, a Donzela do Verão, como de Calaica, a Velha senhora dos meses de Inverno. Nós vamos deparar-nos com aquilo que nos parecem muitas “coincidências”, mas que não o são. São demasiadas para o serem. Aliás, uma das frases que mais repeti para mim mesma ao longo da leitura deste livro foi: “Como é que eu nunca me lembrei disto?” Creio que também vai acontecer o mesmo às/aos leitores/as. E deve-se precisamente ao olhar treinado, acurado, da Luiza, de quem vê a realidade à sua volta sem os tais “filtros” patriarcais, mas que a vê a sob a perspetiva da tradição da Deusa. E, falando em tradição, “A Deusa Celta de Portugal” tem outro aspeto muito interessante que é a sua dimensão prática: ou seja, temos a leitura da teoria, mas também temos a oportunidade de aprender ou recuperar, e pôr em prática, rituais antigos de cura, por exemplo, que antigamente se praticavam aqui mesmo, em Portugal. Pessoalmente, recordo-me de um deles, a que a minha bisavó materna recorria, e que nós temos oportunidade de resgatar, hoje, em pleno 2022. É a recuperação da sabedoria ancestral. Que é algo que sabemos que a sociedade atual tem valorizado muito pouco, e isso é algo que tem que mudar. Concluindo: eu acredito, e numa perspetiva pessoal e mais abrangente, que trabalhos como o da Luiza, e este em particular, estão definitivamente a contribuir para o reerguer dos valores da Deusa, e que predominavam nas antigas culturas da Deusa. E que estão em consonância com preocupações muito atuais e até urgentes como: uma maior conexão e respeito pela Terra, modos de vida mais ecológicos, a sustentabilidade do planeta, e a meu ver, uma nova mudança de paradigma. Ou seja, uma mudança para novos valores, ditos “mais femininos”, digamos assim, com menos competição desenfreada, menos conflitos armados, por ex. Mas com um cada vez maior empoderamento feminino, um mundo de “Feminino Ativo”. Isto é, não uma sociedade “cinzenta” e utilitarista, mas sim mais equilibrada, porque cada vez mais criativa, artística, mais ligada ao nosso Chakra Raiz, a tudo o que é gestativo, gerador de vida (tanto em termos literais como simbólicos), com maior ligação à intuição e às emoções em vez da super-utilização do nosso lado mental. Porque esse é o recuperar da Essência Feminina: as artes manuais, tudo o que é lúdico, a expressão do corpo através da dança, etc. Pessoalmente, só me dei conta de que era uma pessoa muito racional, e que o meu lado criativo estava subdesenvolvido, quando entrei em contacto com a espiritualidade da Deusa, que me deu a oportunidade de criar, de imaginar, de cultivar o belo, a minha individualidade, aquilo que é único em nós, em vez de alinhar numa cultura massiva, padronizada, etc. Está, portanto, a Luiza de parabéns por mais um trabalho ímpar, e por nos permitir ter acesso a ele, e principalmente a transmiti-lo também às próximas gerações. Porque é assim que vamos construindo uma sociedade com mais valores de paz, de igualdade e de cooperação a todos os níveis – que são os valores da Deusa. Andreia Mendes Sintra, 23 de Janeiro de 2022
January 24, 2022
���A DEUSA CELTA DE PORTUGAL: A ANCI�� DO INVERNO E A RAINHA DO VER��O���
Este livro �� muito especial para mim (como dir��o todas as autoras e todos os autores de cada um dos seus livros���) mas no meu caso vou tentar enumerar as raz��es para o considerar assim.Primeiro, cheguei a pensar que n��o iria conseguir acab��-lo, public��-lo, dar sentido a todo o material que fui recolhendo sobre esta grande Deusa dupla t��o central no nosso territ��rio, que representa ou incorpora esta divis��o do ano em duas partes ainda hoje t��o celebrada entre n��s��� De forma que v��-lo aqui manifestado na forma f��sica �� uma alegria e um al��vio muito grande��� Segundo, havia esta personagem divina que �� IRIA, que do ponto de vista hist��rico, ou lend��rio, melhor dizendo, �� apenas uma jovem freira, uma novi��a, que viveu apenas at�� aos 15 anos. Apesar desse curt��ssimo tempo de vida, o patrim��nio que nos legou, �� composto por confrarias, ermidas, capelas, igrejas, santu��rios, padr��es, estandartes, cisternas, feiras, aquedutos, lendas, romances, poemas, ora����es, milagres, um milagre testemunhado por outra Santa, inclusive, Isabel de Arag��o, consorte do rei Dinis, que segundo reza a lenda foi outra das testemunhas; etc. Este patrim��nio �� imenso e estende-se praticamente por todo o territ��rio��� Iria �� demasiado grande para n��o A vermos, demasiado importante para n��o A considerarmos quando se busca pela Senhora do territ��rio. D�� para perceber que Ela ��, s�� pode ser, central. Mas como, se na sua Cova Ela apenas aparece durante os seis meses do bom tempo, de Maio a Outubro?!... Ah��� isso �� o que vamos ver neste livro���
E mais, Ela continua a ocupar um lugar central na nossa religiosidade popular, mesmo agora, porque o verdadeiro top��nimo do s��tio onde o culto da Deusa est�� mais vivo entre n��s �� COVA DA IRIA. Portanto, na serra de Aire, uma invers��o do Seu nome, cultua-se at�� hoje IRIA, o que nos pode levar a defender a ideia de ser Ela uma das grandes Deusas, n��o apenas do territ��rio portugu��s, como tamb��m do mundo inteiro...�� muito. �� uma heran��a espiritual que precisamos de avaliar, de reconhecer, de estimar e de preservar e defender (vejam o destino do Seu antigo convento que ser�� transformado em mais uma unidade hoteleira). E n��o �� uma heran��a morta, digamos, inerte, apesar de tudo. Mesmo se excluirmos a Cova da Iria, quem como eu tomou o h��bito de ir em peregrina����o a Tomar a cada dia 20 de Outubro, consegue sentir o lugar que Ela ocupa nos cora����es das mulheres e dos homens dessa cidade, que v��o religiosamente lan��ar-lhe p��talas de rosas no Nab��o, que segundo a lenda levou o seu corpo morto at�� �� Ribeira de Santar��m���
Ent��o, este livro �� tamb��m um reposit��rio de tudo aquilo que eu encontrei, de tudo o que eu sei sobre Ela. Para n��o esquecermos. Eu vivi em Inglaterra, em Glastonbury, e sei como ali se preserva, se acarinha, se tem orgulho, se contam hist��rias, se cria arte, se expande a cultura, se constr��i toda uma aura m��tica e m��stica �� volta desses lugares sagrados, que depois irradia para o mundo e enriquece a nossa cultura humana, acrescenta �� nossa humanidade, acrescenta �� Alma ao mundo��� E sabemos como isso �� crucial nestes tempos em que as AIs, a robotiza����o, a transforma����o dos seres humanos em ciborgues, fundindo-se com a m��quina, s��o amea��as reais �� nossa humanidade, �� nossa alma���E a par destas, existe outra raz��o crucial que justifica este livro: dar a minha contribui����o para sermos n��s, mulheres, a contar as nossas hist��rias, a dominar a narrativa que nos diz respeito, assumindo-nos como sujeitos da cultura e n��o apenas objecto, com voz pr��pria e discernimento pr��prio, baseado no nosso sentir de mulheres, na nossa hist��ria de mulheres, na nossa experi��ncia de mulheres que geram a humanidade, que a criam; mulheres que vertem o sangue da vida, o sangue menstrual, tornado tabu, e que vertem o sangue da morte todos os dias a cada instante neste planeta��� No nosso pa��s uma m��dia anual de 40 mulheres morre porque sim ��s m��os daqueles que um dia lhes juraram amor��� eterno, possivelmente���
A Iria lend��ria, que seria uma das sacerdotisas de Iria, Deusa, foi uma dessas mulheres. Sim, eu sei que Ela �� apenas mais uma das muitas raparigas que se tornaram santas depois de terem sido assassinadas, decapitadas, por norma; sei que Pers��fone foi raptada por Hades e arrastada �� for��a para os seus dom��nios no inframundo, enquanto em outros mitos mais antigos, como o de Inanna, a Deusa do Ver��o vai at�� ao inframundo visitar alguma pessoa das Suas rela����es de livre vontade; sei que Hera, uma Grande Deusa cretense, Senhora de tudo o que ��, foi na Gr��cia cl��ssica, patriarcal, reduzida �� condi����o de esposa dum violador em s��rie, transformando-se, pudera, na megera execr��vel que conhecemos; que a Medusa perdeu a cabe��a; as Hesp��rides as ma����s de ouro que guardavam; que as G��rgonas viraram monstros medonhos; que as Amazonas, que engrossaram as fileiras da resist��ncia armada, n��o tiveram sossego; que Lilith foi banida por insubordina����o; que Maria Madalena foi transformada em prostituta, que as Bruxas foram queimadas, ou seja, que as mulheres livres, senhoras e donas de si, t��m tido nos ��ltimos mil��nios muitos problemas��� Sei que a mulher foi, ��, um territ��rio conquistado��� destitu��da das suas fun����es sacerdotais, afastada da vida p��blica, amputada de bens e direitos, encerrada no lar, como diria Riane Eisler, transformada em tecnologia de reprodu����o, em mera ajudante, em propriedade do patriarca��� Para resgatarmos do esquecimento e da ignom��nia essas mulheres poderosas suprimidas no passado, para as vermos e entendermos quem foram e o que representavam, precisamos de ultrapassar a programa����o patriarcal e de educar o nosso olhar. Precisamos de nos matricular na Escola de Mist��rios do Movimento da Deusa, das Feministas que olharam para os vest��gios do passado a partir do sentir das suas entranhas; mulheres que acredito serem aquelas mesmas a quem se referia o Dalai Lama quando disse: ���O mundo ser�� salvo pela mulher ocidental���. Mulheres que entendem a import��ncia de terem representa����o no pante��o divino, sabendo que a Deusa foi a primeira divindade cultuada pela humanidade e que ao suprimir a Deusa a mulher ficou desamparada, sem respaldo, sem garante da sua for��a, do seu poder, sequer da sua legitimidade��� e com isso muito perdemos todas e todas���Mas voltando a este livro em concreto, pude dar sentido ��s minhas descobertas gra��as ao estudo do trabalho das pioneiras do Movimento da Deusa que j�� referi, incluindo Marija Gimbutas e v��rias outras, mas muito especialmente o que funcionou para mim como uma esp��cie de pedra de roseta foi ter tido contacto com a cultura da antiga Brit��nia, Brid��nia, como insiste agora Kathy Jones. A bibliografia a que tive acesso, o estudo que fiz durante a minha forma����o de Sacerdotisa de Avalon, forneceu-me uma indica����o de que estamos na mesma zona cultural celta, a zona do Arco Atl��ntico, o que me foi confirmado pela investigadora Fernanda Fraz��o.Assim, para compreender todo o material recolhido aqui tive de cotej��-lo com aquele que ficou na tradi����o sobretudo da Irlanda e da Esc��cia sobre Br��gida/Brig��ntia (o aspecto terra de Br��gida) e sobre Cailleach, a nossa Cale, Cail��cia ou Calaica-Beira. Foi uma emo����o ver no material da Brit��nia o te��nimo Beira, escrito exactamente como n��s soletramos o nome das nossas prov��ncias, sem nunca ter ouvido de nenhum arque��logo ou etn��grafo nacional que se tratava do nome duma Deusa, da Senhora da terra, embora isso seja algo de muito ��bvio que a divindade tenha dado o nome ao lugar.Encontramos ent��o aqui todo um cap��tulo dedicada a Santa Br��gida da Irlanda, com informa����o proveniente de v��rias fontes mas sobretudo de Gabriela Morais, da sua investiga����o sobre o antigo culto de Br��gida, Br��zida, Brigite, Brito, Brita, Brites, Britiande, Braz��� sobretudo na zona de Lisboa, onde at�� existe, na igreja de S��o Jo��o Baptista do Lumiar, uma rel��quia que �� supostamente um osso da sua cabe��a, oferecida a ningu��m menos que o nosso j�� aqui referido rei Dinis, o nosso rei poeta, agricultor, neto de outro poeta muito famoso, Afonso X de Castela, autor das cantigas de Santa Maria, que fortemente suspeito, e n��o sou a ��nica, ser o principal avatar crist��o da Br��gida celta, Deusa entre v��rias outras coisas da agricultura e da poesia.
Ent��o a tradi����o de Iria no nosso territ��rio, da sua rela����o com as ��guas e com o sol, o fogo, com a cura, a profecia, a agricultura e a pastor��cia, foi cotejada com a tradi����o de Br��gida e as conclus��es a que cheguei est��o aqui���Visitei Iria nos lugares onde o seu culto foi, e ��, mais intenso, Torre da Magueixa, Santar��m, Tomar, Serra de Aire e, claro, Cova da Iria, onde continua bem viva a sua chama, adorada como a Senhora, ou a Rainha, do Ver��o, Aquela que regressa em Maio, como acontece no Almurt��o, na Azenha, na Lousa���Em Tomar, no Ribatejo, fecha-se o ciclo, quando Ela �� ���morta��� no final de Outubro, cedendo lugar �� tempestuosa e tem��vel Anci�� do Inverno, a Velha, como �� designada entre n��s... Iria morre em Tomar, famosa cidade dos Templ��rios, como sabemos. A estes cavaleiros prestativos, foi cedido, no s��culo XII, o castelo e o termo de Ceras, top��nimo que ainda hoje existe. Quem tamb��m ocupou a zona durante s��culos foi o povo romano que cultuava a Deusa M��e, Senhora do Gr��o e da abund��ncia, dos cereais, Ceres, de quem Proserpina era filha. Uma donzela em tudo semelhante a Pers��fone, filha de Dem��ter, ambas raptadas, uma em Roma outra na Gr��cia, pelo Senhor dos Infernos��� no m��s de Outubro���Ora aqui est�� um tema muito apelativo �� nossa imagina����o��� E sim, Iria, como Rainha do Ver��o, �� muito vis��vel, muito celebrada, traz-nos os dias longos onde cabe a sesta, as colheitas, a abund��ncia, o calor e a alegria do Ver��o. A sua contraparte Anci��, por��m, �� mais secreta, est�� mais escondida, mais furtiva, mas mesmo assim muito presente e nossa velha conhecida.Calaica �� muito antiga e ter�� sido levada daqui para a Irlanda, onde continua a ser uma Deusa muito poderosa. Ela �� aquela que se transforma em pedra por Beltane (ou pelo Imbolc quando consideramos a Roda do Ano dos Oito festivais solares).O que investiguei sobre Ela, levou-me a associ��-la a Sheela-Na-Gig, o que foi um processo muito curioso porque a seguir encontrei outra autora irlandesa com a mesma ideia���Descobrir a Calaica e a sua for��a na nossa psique �� uma tarefa muito promissora���
Os dois ��ltimos cap��tulos do meu livro, entretanto s��o mais devocionais, com sugest��es para celebrarmos hoje em dia estes portais do ano em que somos aben��oadas e aben��oados pela chegada da Rainha do Ver��o e nos preparamos para acolher a energia da Senhora do Inverno. No ��ltimo cap��tulo apresento antigos rituais de cura muito usados neste territ��rio e convido-vos a pesquisarem outros na regi��o onde vivem e a fortalecerem a rela����o com a Senhora da Terra onde nascemos, sabendo que outro nome para Deusa �� Natureza!
Luiza Fraz��oSintra, 23 de Janeiro de 2022
Imagens:1. A Deusa Celta de Portugal: A Anci�� do Inverno e a Rainha do Ver��o2. Com a autora da capa, Sara Baga e o editor, Alexandre Gabriel3. Com Andreia Mendes, autora do pref��cio, fazendo a apresenta����o, e o editor Alexandre Gabriel
“A DEUSA CELTA DE PORTUGAL: A ANCIÃ DO INVERNO E A RAINHA DO VERÃO”
Este livro é muito especial para mim (como dirão todas as autoras e todos os autores de cada um dos seus livros…) mas no meu caso vou tentar enumerar as razões para o considerar assim. Primeiro, cheguei a pensar que não iria conseguir acabá-lo, publicá-lo, dar sentido a todo o material que fui recolhendo sobre esta grande Deusa dupla tão central no nosso território, que representa ou incorpora esta divisão do ano em duas partes ainda hoje tão celebrada entre nós… De forma que vê-lo aqui manifestado na forma física é uma alegria e um alívio muito grande… Segundo, havia esta personagem divina que é IRIA, que do ponto de vista histórico, ou lendário, melhor dizendo, é apenas uma jovem freira, uma noviça, que viveu apenas até aos 15 anos. Apesar desse curtíssimo tempo de vida, o património que nos legou, é composto por confrarias, ermidas, capelas, igrejas, santuários, padrões, estandartes, cisternas, feiras, aquedutos, lendas, romances, poemas, orações, milagres, um milagre testemunhado por outra Santa, inclusive, Isabel de Aragão, consorte do rei Dinis, que segundo reza a lenda foi outra das testemunhas; etc. Este património é imenso e estende-se praticamente por todo o território… Iria é demasiado grande para não A vermos, demasiado importante para não A considerarmos quando se busca pela Senhora do território. Dá para perceber que Ela é, só pode ser, central. Mas como, se na sua Cova Ela apenas aparece durante os seis meses do bom tempo, de Maio a Outubro?!... Ah… isso é o que vamos ver neste livro…
E mais, Ela continua a ocupar um lugar central na nossa religiosidade popular, mesmo agora, porque o verdadeiro topónimo do sítio onde o culto da Deusa está mais vivo entre nós é COVA DA IRIA. Portanto, na serra de Aire, uma inversão do Seu nome, cultua-se até hoje IRIA, o que nos pode levar a defender a ideia de ser Ela uma das grandes Deusas, não apenas do território português, como também do mundo inteiro... É muito. É uma herança espiritual que precisamos de avaliar, de reconhecer, de estimar e de preservar e defender (vejam o destino do Seu antigo convento que será transformado em mais uma unidade hoteleira). E não é uma herança morta, digamos, inerte, apesar de tudo. Mesmo se excluirmos a Cova da Iria, quem como eu tomou o hábito de ir em peregrinação a Tomar a cada dia 20 de Outubro, consegue sentir o lugar que Ela ocupa nos corações das mulheres e dos homens dessa cidade, que vão religiosamente lançar-lhe pétalas de rosas no Nabão, que segundo a lenda levou o seu corpo morto até à Ribeira de Santarém…
Então, este livro é também um repositório de tudo aquilo que eu encontrei, de tudo o que eu sei sobre Ela. Para não esquecermos. Eu vivi em Inglaterra, em Glastonbury, e sei como ali se preserva, se acarinha, se tem orgulho, se contam histórias, se cria arte, se expande a cultura, se constrói toda uma aura mítica e mística à volta desses lugares sagrados, que depois irradia para o mundo e enriquece a nossa cultura humana, acrescenta à nossa humanidade, acrescenta à Alma ao mundo… E sabemos como isso é crucial nestes tempos em que as AIs, a robotização, a transformação dos seres humanos em ciborgues, fundindo-se com a máquina, são ameaças reais à nossa humanidade, à nossa alma… E a par destas, existe outra razão crucial que justifica este livro: dar a minha contribuição para sermos nós, mulheres, a contar as nossas histórias, a dominar a narrativa que nos diz respeito, assumindo-nos como sujeitos da cultura e não apenas objecto, com voz própria e discernimento próprio, baseado no nosso sentir de mulheres, na nossa história de mulheres, na nossa experiência de mulheres que geram a humanidade, que a criam; mulheres que vertem o sangue da vida, o sangue menstrual, tornado tabu, e que vertem o sangue da morte todos os dias a cada instante neste planeta… No nosso país uma média anual de 40 mulheres morre porque sim às mãos daqueles que um dia lhes juraram amor… eterno, possivelmente…
A Iria lendária, que seria uma das sacerdotisas de Iria, Deusa, foi uma dessas mulheres. Sim, eu sei que Ela é apenas mais uma das muitas raparigas que se tornaram santas depois de terem sido assassinadas, decapitadas, por norma; sei que Perséfone foi raptada por Hades e arrastada à força para os seus domínios no inframundo, enquanto em outros mitos mais antigos, como o de Inanna, a Deusa do Verão vai até ao inframundo visitar alguma pessoa das Suas relações de livre vontade; sei que Hera, uma Grande Deusa cretense, Senhora de tudo o que é, foi na Grécia clássica, patriarcal, reduzida à condição de esposa dum violador em série, transformando-se, pudera, na megera execrável que conhecemos; que a Medusa perdeu a cabeça; as Hespérides as maçãs de ouro que guardavam; que as Górgonas viraram monstros medonhos; que as Amazonas, que engrossaram as fileiras da resistência armada, não tiveram sossego; que Lilith foi banida por insubordinação; que Maria Madalena foi transformada em prostituta, que as Bruxas foram queimadas, ou seja, que as mulheres livres, senhoras e donas de si, têm tido nos últimos milénios muitos problemas… Sei que a mulher foi, é, um território conquistado… destituída das suas funções sacerdotais, afastada da vida pública, amputada de bens e direitos, encerrada no lar, como diria Riane Eisler, transformada em tecnologia de reprodução, em mera ajudante, em propriedade do patriarca… Para resgatarmos do esquecimento e da ignomínia essas mulheres poderosas suprimidas no passado, para as vermos e entendermos quem foram e o que representavam, precisamos de ultrapassar a programação patriarcal e de educar o nosso olhar. Precisamos de nos matricular na Escola de Mistérios do Movimento da Deusa, das Feministas que olharam para os vestígios do passado a partir do sentir das suas entranhas; mulheres que acredito serem aquelas mesmas a quem se referia o Dalai Lama quando disse: “O mundo será salvo pela mulher ocidental”. Mulheres que entendem a importância de terem representação no panteão divino, sabendo que a Deusa foi a primeira divindade cultuada pela humanidade e que ao suprimir a Deusa a mulher ficou desamparada, sem respaldo, sem garante da sua força, do seu poder, sequer da sua legitimidade… e com isso muito perdemos todas e todas… Mas voltando a este livro em concreto, pude dar sentido às minhas descobertas graças ao estudo do trabalho das pioneiras do Movimento da Deusa que já referi, incluindo Marija Gimbutas e várias outras, mas muito especialmente o que funcionou para mim como uma espécie de pedra de roseta foi ter tido contacto com a cultura da antiga Britânia, Bridânia, como insiste agora Kathy Jones. A bibliografia a que tive acesso, o estudo que fiz durante a minha formação de Sacerdotisa de Avalon, forneceu-me uma indicação de que estamos na mesma zona cultural celta, a zona do Arco Atlântico, o que me foi confirmado pela investigadora Fernanda Frazão. Assim, para compreender todo o material recolhido aqui tive de cotejá-lo com aquele que ficou na tradição sobretudo da Irlanda e da Escócia sobre Brígida/Brigântia (o aspecto terra de Brígida) e sobre Cailleach, a nossa Cale, Cailícia ou Calaica-Beira. Foi uma emoção ver no material da Britânia o teónimo Beira, escrito exactamente como nós soletramos o nome das nossas províncias, sem nunca ter ouvido de nenhum arqueólogo ou etnógrafo nacional que se tratava do nome duma Deusa, da Senhora da terra, embora isso seja algo de muito óbvio que a divindade tenha dado o nome ao lugar. Encontramos então aqui todo um capítulo dedicada a Santa Brígida da Irlanda, com informação proveniente de várias fontes mas sobretudo de Gabriela Morais, da sua investigação sobre o antigo culto de Brígida, Brízida, Brigite, Brito, Brita, Brites, Britiande, Braz… sobretudo na zona de Lisboa, onde até existe, na igreja de São João Baptista do Lumiar, uma relíquia que é supostamente um osso da sua cabeça, oferecida a ninguém menos que o nosso já aqui referido rei Dinis, o nosso rei poeta, agricultor, neto de outro poeta muito famoso, Afonso X de Castela, autor das cantigas de Santa Maria, que fortemente suspeito, e não sou a única, ser o principal avatar cristão da Brígida celta, Deusa entre várias outras coisas da agricultura e da poesia.
Então a tradição de Iria no nosso território, da sua relação com as águas e com o sol, o fogo, com a cura, a profecia, a agricultura e a pastorícia, foi cotejada com a tradição de Brígida e as conclusões a que cheguei estão aqui… Visitei Iria nos lugares onde o seu culto foi, e é, mais intenso, Torre da Magueixa, Santarém, Tomar, Serra de Aire e, claro, Cova da Iria, onde continua bem viva a sua chama, adorada como a Senhora, ou a Rainha, do Verão, Aquela que regressa em Maio, como acontece no Almurtão, na Azenha, na Lousa… Em Tomar, no Ribatejo, fecha-se o ciclo, quando Ela é “morta” no final de Outubro, cedendo lugar à tempestuosa e temível Anciã do Inverno, a Velha, como é designada entre nós... Iria morre em Tomar, famosa cidade dos Templários, como sabemos. A estes cavaleiros prestativos, foi cedido, no século XII, o castelo e o termo de Ceras, topónimo que ainda hoje existe. Quem também ocupou a zona durante séculos foi o povo romano que cultuava a Deusa Mãe, Senhora do Grão e da abundância, dos cereais, Ceres, de quem Proserpina era filha. Uma donzela em tudo semelhante a Perséfone, filha de Deméter, ambas raptadas, uma em Roma outra na Grécia, pelo Senhor dos Infernos… no mês de Outubro… Ora aqui está um tema muito apelativo à nossa imaginação… E sim, Iria, como Rainha do Verão, é muito visível, muito celebrada, traz-nos os dias longos onde cabe a sesta, as colheitas, a abundância, o calor e a alegria do Verão. A sua contraparte Anciã, porém, é mais secreta, está mais escondida, mais furtiva, mas mesmo assim muito presente e nossa velha conhecida. Calaica é muito antiga e terá sido levada daqui para a Irlanda, onde continua a ser uma Deusa muito poderosa. Ela é aquela que se transforma em pedra por Beltane (ou pelo Imbolc quando consideramos a Roda do Ano dos Oito festivais solares). O que investiguei sobre Ela, levou-me a associá-la a Sheela-Na-Gig, o que foi um processo muito curioso porque a seguir encontrei outra autora irlandesa com a mesma ideia… Descobrir a Calaica e a sua força na nossa psique é uma tarefa muito promissora…
Os dois últimos capítulos do meu livro, entretanto são mais devocionais, com sugestões para celebrarmos hoje em dia estes portais do ano em que somos abençoadas e abençoados pela chegada da Rainha do Verão e nos preparamos para acolher a energia da Senhora do Inverno. No último capítulo apresento antigos rituais de cura muito usados neste território e convido-vos a pesquisarem outros na região onde vivem e a fortalecerem a relação com a Senhora da Terra onde nascemos, sabendo que outro nome para Deusa é Natureza!
Luiza Frazão Sintra, 23 de Janeiro de 2022
Imagens: 1. A Deusa Celta de Portugal: A Anciã do Inverno e a Rainha do Verão 2. Com a autora da capa, Sara Baga e o editor, Alexandre Gabriel 3. Com Andreia Mendes, autora do prefácio, fazendo a apresentação, e o editor Alexandre Gabriel
APRESENTAÇÃO LIVRO “A DEUSA CELTA DE PORTUGAL: A ANCIÃ DO INVERNO E A RAINHA DO VERÃO”
Este livro é muito especial para mim (como dirão todas as autoras e todos os autores de cada um dos seus livros…) mas no meu caso vou tentar enumerar as razões para o considerar assim. Primeiro, cheguei a pensar que não iria conseguir acabá-lo, publicá-lo, dar sentido a todo o material que fui recolhendo sobre esta grande Deusa dupla tão central no nosso território, que representa ou incorpora esta divisão do ano em duas partes ainda hoje tão celebrada entre nós… De forma que vê-lo aqui manifestado na forma física é uma alegria e um grande alívio muito grande… Segundo, havia esta personagem divina que é IRIA, que do ponto de vista histórico, ou lendário, melhor dizendo, é apenas uma jovem freira, uma noviça, que viveu apenas até aos 15 anos. Apesar desse curtíssimo tempo de vida, o património que nos legou, é composto por confrarias, ermidas, capelas, igrejas, santuários, padrões, estandartes, cisternas, feiras, aquedutos, lendas, romances, poemas, orações, milagres, um milagre testemunhado por outra Santa, inclusive, Isabel de Aragão, consorte do rei Dinis, que segundo reza a lenda foi outra das testemunhas; etc. Este património é imenso e estende-se praticamente por todo o território… Iria é demasiado grande para não A vermos, demasiado importante para não A considerarmos quando se busca pela Senhora do território. Dá para perceber que Ela é, só pode ser, central. Mas como, se na sua Cova Ela apenas aparece durante os seis meses do bom tempo, de Maio a Outubro?!... Ah… isso é o que vamos ver neste livro…
E mais, Ela continua a ocupar um lugar central na nossa religiosidade popular, mesmo agora, porque o verdadeiro topónimo do sítio onde o culto da Deusa está mais vivo entre nós é COVA DA IRIA. Portanto, na serra de Aire, uma inversão do Seu nome, cultua-se até hoje IRIA, o que nos pode levar a defender a ideia de ser Ela uma das grandes Deusas, não apenas do território português, como também do mundo inteiro... É muito. É uma herança espiritual que precisamos de avaliar, de reconhecer, de estimar e de preservar e defender (vejam o destino do Seu antigo convento que será transformado em mais uma unidade hoteleira). E não é uma herança morta, digamos, inerte, apesar de tudo. Mesmo se excluirmos a Cova da Iria, quem como eu tomou o hábito de ir em peregrinação a Tomar a cada dia 20 de Outubro, consegue sentir o lugar que Ela ocupa nos corações das mulheres e dos homens dessa cidade, que vão religiosamente lançar-lhe pétalas de rosas no Nabão, que segundo a lenda levou o seu corpo morto até à Ribeira de Santarém…
Então, este livro é também um repositório de tudo aquilo que eu encontrei, de tudo o que eu sei sobre Ela. Para não esquecermos. Eu vivi em Inglaterra, em Glastonbury, e sei como ali se preserva, se acarinha, se tem orgulho, se contam histórias, se cria arte, se expande a cultura, se constrói toda uma aura mítica e mística à volta desses lugares sagrados, que depois irradia para o mundo e enriquece a nossa cultura humana, acrescenta à nossa humanidade, acrescenta à Alma ao mundo… E sabemos como isso é crucial nestes tempos em que as AIs, a robotização, a transformação dos seres humanos em ciborgues, fundindo-se com a máquina, são ameaças reais à nossa humanidade, à nossa alma… E a par destas, existe outra razão crucial que justifica este livro: dar a minha contribuição para sermos nós, mulheres, a contar as nossas histórias, a dominar a narrativa que nos diz respeito, assumindo-nos como sujeitos da cultura e não apenas objecto, com voz própria e discernimento próprio, baseado no nosso sentir de mulheres, na nossa história de mulheres, na nossa experiência de mulheres que geram a humanidade, que a criam; mulheres que vertem o sangue da vida, o sangue menstrual, tornado tabu, e que vertem o sangue da morte todos os dias a cada instante neste planeta… No nosso país uma média anual de 40 mulheres morre porque sim às mãos daqueles que um dia lhes juraram amor… eterno, possivelmente…
A Iria lendária, que seria uma das sacerdotisas de Iria, Deusa, foi uma dessas mulheres. Sim, eu sei que Ela é apenas mais uma das muitas raparigas que se tornaram santas depois de terem sido assassinadas, decapitadas, por norma; sei que Perséfone foi raptada por Hades e arrastada à força para os seus domínios no inframundo, enquanto em outros mitos mais antigos, como o de Inanna, a Deusa do Verão vai até ao inframundo visitar alguma pessoa das Suas relações de livre vontade; sei que Hera, uma Grande Deusa cretense, Senhora de tudo o que é, foi na Grécia clássica, patriarcal, reduzida à condição de esposa dum violador em série, transformando-se, pudera, na megera execrável que conhecemos; que a Medusa perdeu a cabeça; as Hespérides as maçãs de ouro que guardavam; que as Górgonas viraram monstros medonhos; que as Amazonas, que engrossaram as fileiras da resistência armada, não tiveram sossego; que Lilith foi banida por insubordinação; que Maria Madalena foi transformada em prostituta, que as Bruxas foram queimadas, ou seja, que as mulheres livres, senhoras e donas de si, têm tido nos últimos milénios muitos problemas… Sei que a mulher foi, é, um território conquistado… destituída das suas funções sacerdotais, afastada da vida pública, amputada de bens e direitos, encerrada no lar, como diria Riane Eisler, transformada em tecnologia de reprodução, em mera ajudante, em propriedade do patriarca… Para resgatarmos do esquecimento e da ignomínia essas mulheres poderosas suprimidas no passado, para as vermos e entendermos quem foram e o que representavam, precisamos de ultrapassar a programação patriarcal e de educar o nosso olhar. Precisamos de nos matricular na Escola de Mistérios do Movimento da Deusa, das Feministas que olharam para os vestígios do passado a partir do sentir das suas entranhas; mulheres que acredito serem aquelas mesmas a quem se referia o Dalai Lama quando disse: “O mundo será salvo pela mulher ocidental”. Mulheres que entendem a importância de terem representação no panteão divino, sabendo que a Deusa foi a primeira divindade cultuada pela humanidade e que ao suprimir a Deusa a mulher ficou desamparada, sem respaldo, sem garante da sua força, do seu poder, sequer da sua legitimidade… e com isso muito perdemos todas e todas… Mas voltando a este livro em concreto, pude dar sentido às minhas descobertas graças ao estudo do trabalho das pioneiras do Movimento da Deusa que já referi, incluindo Marija Gimbutas e várias outras, mas muito especialmente o que funcionou para mim como uma espécie de pedra de roseta foi ter tido contacto com a cultura da antiga Britânia, Bridânia, como insiste agora Kathy Jones. A bibliografia a que tive acesso, o estudo que fiz durante a minha formação de Sacerdotisa de Avalon, forneceu-me uma indicação de que estamos na mesma zona cultural celta, a zona do Arco Atlântico, o que me foi confirmado pela investigadora Fernanda Frazão. Assim, para compreender todo o material recolhido aqui tive de cotejá-lo com aquele que ficou na tradição sobretudo da Irlanda e da Escócia sobre Brígida/Brigântia (o aspecto terra de Brígida) e sobre Cailleach, a nossa Cale, Cailícia ou Calaica-Beira. Foi uma emoção ver no material da Britânia o teónimo Beira, escrito exactamente como nós soletramos o nome das nossas províncias, sem nunca ter ouvido de nenhum arqueólogo ou etnógrafo nacional que se tratava do nome duma Deusa, da Senhora da terra, embora isso seja algo de muito óbvio que a divindade tenha dado o nome ao lugar. Encontramos então aqui todo um capítulo dedicada a Santa Brígida da Irlanda, com informação proveniente de várias fontes mas sobretudo de Gabriela Morais, da sua investigação sobre o antigo culto de Brígida, Brízida, Brigite, Brito, Brita, Brites, Britiande, Braz… sobretudo na zona de Lisboa, onde até existe, na igreja de São João Baptista do Lumiar, uma relíquia que é supostamente um osso da sua cabeça, oferecida a ninguém menos que o nosso já aqui referido rei Dinis, o nosso rei poeta, agricultor, neto de outro poeta muito famoso, Afonso X de Castela, autor das cantigas de Santa Maria, que fortemente suspeito, e não sou a única, ser o principal avatar cristão da Brígida celta, Deusa entre várias outras coisas da agricultura e da poesia. Então a tradição de Iria no nosso território, da sua relação com as águas e com o sol, o fogo, com a cura, a profecia, a agricultura e a pastorícia, foi cotejada com a tradição de Brígida e as conclusões a que cheguei estão aqui… Visitei Iria nos lugares onde o seu culto foi, e é, mais intenso, Torre da Magueixa, Santarém, Tomar, Serra de Aire e, claro, Cova da Iria, onde continua bem viva a sua chama, adorada como a Senhora, ou a Rainha, do Verão, Aquela que regressa em Maio, como acontece no Almurtão, na Azenha, na Lousa… Em Tomar, no Ribatejo, fecha-se o ciclo, quando Ela é “morta” no final de Outubro, cedendo lugar à tempestuosa e temível Anciã do Inverno, a Velha, como é designada entre nós... Iria morre em Tomar, famosa cidade dos Templários, como sabemos. A estes cavaleiros prestativos, foi cedido, no século XII, o castelo e o termo de Ceras, topónimo que ainda hoje existe. Quem também ocupou a zona durante séculos foi o povo romano que cultuava a Deusa Mãe, Senhora do Grão e da abundância, dos cereais, Ceres, de quem Proserpina era filha. Uma donzela em tudo semelhante a Perséfone, filha de Deméter, ambas raptadas, uma em Roma outra na Grécia, pelo Senhor dos Infernos… no mês de Outubro… Ora aqui está um tema muito apelativo à nossa imaginação… E sim, Iria, como Rainha do Verão, é muito visível, muito celebrada, traz-nos os dias longos onde cabe a sesta, as colheitas, a abundância, o calor e a alegria do Verão. A sua contraparte Anciã, porém, é mais secreta, está mais escondida, mais furtiva, mas mesmo assim muito presente e nossa velha conhecida (ler o texto, página 133) Calaica é muito antiga e terá sido levada daqui para a Irlanda, onde continua a ser uma Deusa muito poderosa. Ela é aquela que se transforma em pedra por Beltane (ou pelo Imbolc quando consideramos a Roda do Ano dos Oito festivais solares). O que investiguei sobre Ela, levou-me a associá-la a Sheela-Na-Gig, o que foi um processo muito curioso porque a seguir encontrei outra autora irlandesa com a mesma ideia… Descobrir a Calaica e a sua força na nossa psique é uma tarefa muito promissora… Os dois últimos capítulos do meu livro, entretanto são mais devocionais, com sugestões para celebrarmos hoje em dia estes portais do ano em que somos abençoadas e abençoados pela chegada da Rainha do Verão e nos preparamos para acolher a energia da Senhora do Inverno. No último capítulo apresento antigos rituais de cura muito usados neste território e convido-vos a pesquisarem outros na região onde vivem e a fortalecerem a sua relação com a Senhora da Terra onde nascemos, sabendo que outro nome para Deusa é Natureza! ............................................................... Luiza Frazão Sintra, 23 de Janeiro de 2022 ............................................................... Imagens: 1. A Deusa Celta de Portugal: A Anciã do Inverno e a Rainha do Verão 2. Com a autora da capa, Sara Baga e o editor, Alexandre Gabriel 3. Com Andreia Mendes, autora do prefácio, fazendo a apresentação, e o editor Alexandre Gabriel
APRESENTA����O LIVRO ���A DEUSA CELTA DE PORTUGAL: A ANCI�� DO INVERNO E A RAINHA DO VER��O���
Este livro �� muito especial para mim (como dir��o todas as autoras e todos os autores de cada um dos seus livros���) mas no meu caso vou tentar enumerar as raz��es para o considerar assim. Primeiro, cheguei a pensar que n��o iria conseguir acab��-lo, public��-lo, dar sentido a todo o material que fui recolhendo sobre esta grande Deusa dupla t��o central no nosso territ��rio, que representa ou incorpora esta divis��o do ano em duas partes ainda hoje t��o celebrada entre n��s��� De forma que v��-lo aqui manifestado na forma f��sica �� uma alegria e um grande al��vio muito grande��� Segundo, havia esta personagem divina que �� IRIA, que do ponto de vista hist��rico, ou lend��rio, melhor dizendo, �� apenas uma jovem freira, uma novi��a, que viveu apenas at�� aos 15 anos. Apesar desse curt��ssimo tempo de vida, o patrim��nio que nos legou, �� composto por confrarias, ermidas, capelas, igrejas, santu��rios, padr��es, estandartes, cisternas, feiras, aquedutos, lendas, romances, poemas, ora����es, milagres, um milagre testemunhado por outra Santa, inclusive, Isabel de Arag��o, consorte do rei Dinis, que segundo reza a lenda foi outra das testemunhas; etc. Este patrim��nio �� imenso e estende-se praticamente por todo o territ��rio��� Iria �� demasiado grande para n��o A vermos, demasiado importante para n��o A considerarmos quando se busca pela Senhora do territ��rio. D�� para perceber que Ela ��, s�� pode ser, central. Mas como, se na sua Cova Ela apenas aparece durante os seis meses do bom tempo, de Maio a Outubro?!... Ah��� isso �� o que vamos ver neste livro���
E mais, Ela continua a ocupar um lugar central na nossa religiosidade popular, mesmo agora, porque o verdadeiro top��nimo do s��tio onde o culto da Deusa est�� mais vivo entre n��s �� COVA DA IRIA. Portanto, na serra de Aire, uma invers��o do Seu nome, cultua-se at�� hoje IRIA, o que nos pode levar a defender a ideia de ser Ela uma das grandes Deusas, n��o apenas do territ��rio portugu��s, como tamb��m do mundo inteiro... �� muito. �� uma heran��a espiritual que precisamos de avaliar, de reconhecer, de estimar e de preservar e defender (vejam o destino do Seu antigo convento que ser�� transformado em mais uma unidade hoteleira). E n��o �� uma heran��a morta, digamos, inerte, apesar de tudo. Mesmo se excluirmos a Cova da Iria, quem como eu tomou o h��bito de ir em peregrina����o a Tomar a cada dia 20 de Outubro, consegue sentir o lugar que Ela ocupa nos cora����es das mulheres e dos homens dessa cidade, que v��o religiosamente lan��ar-lhe p��talas de rosas no Nab��o, que segundo a lenda levou o seu corpo morto at�� �� Ribeira de Santar��m���
Ent��o, este livro �� tamb��m um reposit��rio de tudo aquilo que eu encontrei, de tudo o que eu sei sobre Ela. Para n��o esquecermos. Eu vivi em Inglaterra, em Glastonbury, e sei como ali se preserva, se acarinha, se tem orgulho, se contam hist��rias, se cria arte, se expande a cultura, se constr��i toda uma aura m��tica e m��stica �� volta desses lugares sagrados, que depois irradia para o mundo e enriquece a nossa cultura humana, acrescenta �� nossa humanidade, acrescenta �� Alma ao mundo��� E sabemos como isso �� crucial nestes tempos em que as AIs, a robotiza����o, a transforma����o dos seres humanos em ciborgues, fundindo-se com a m��quina, s��o amea��as reais �� nossa humanidade, �� nossa alma��� E a par destas, existe outra raz��o crucial que justifica este livro: dar a minha contribui����o para sermos n��s, mulheres, a contar as nossas hist��rias, a dominar a narrativa que nos diz respeito, assumindo-nos como sujeitos da cultura e n��o apenas objecto, com voz pr��pria e discernimento pr��prio, baseado no nosso sentir de mulheres, na nossa hist��ria de mulheres, na nossa experi��ncia de mulheres que geram a humanidade, que a criam; mulheres que vertem o sangue da vida, o sangue menstrual, tornado tabu, e que vertem o sangue da morte todos os dias a cada instante neste planeta��� No nosso pa��s uma m��dia anual de 40 mulheres morre porque sim ��s m��os daqueles que um dia lhes juraram amor��� eterno, possivelmente���
A Iria lend��ria, que seria uma das sacerdotisas de Iria, Deusa, foi uma dessas mulheres. Sim, eu sei que Ela �� apenas mais uma das muitas raparigas que se tornaram santas depois de terem sido assassinadas, decapitadas, por norma; sei que Pers��fone foi raptada por Hades e arrastada �� for��a para os seus dom��nios no inframundo, enquanto em outros mitos mais antigos, como o de Inanna, a Deusa do Ver��o vai at�� ao inframundo visitar alguma pessoa das Suas rela����es de livre vontade; sei que Hera, uma Grande Deusa cretense, Senhora de tudo o que ��, foi na Gr��cia cl��ssica, patriarcal, reduzida �� condi����o de esposa dum violador em s��rie, transformando-se, pudera, na megera execr��vel que conhecemos; que a Medusa perdeu a cabe��a; as Hesp��rides as ma����s de ouro que guardavam; que as G��rgonas viraram monstros medonhos; que as Amazonas, que engrossaram as fileiras da resist��ncia armada, n��o tiveram sossego; que Lilith foi banida por insubordina����o; que Maria Madalena foi transformada em prostituta, que as Bruxas foram queimadas, ou seja, que as mulheres livres, senhoras e donas de si, t��m tido nos ��ltimos mil��nios muitos problemas��� Sei que a mulher foi, ��, um territ��rio conquistado��� destitu��da das suas fun����es sacerdotais, afastada da vida p��blica, amputada de bens e direitos, encerrada no lar, como diria Riane Eisler, transformada em tecnologia de reprodu����o, em mera ajudante, em propriedade do patriarca��� Para resgatarmos do esquecimento e da ignom��nia essas mulheres poderosas suprimidas no passado, para as vermos e entendermos quem foram e o que representavam, precisamos de ultrapassar a programa����o patriarcal e de educar o nosso olhar. Precisamos de nos matricular na Escola de Mist��rios do Movimento da Deusa, das Feministas que olharam para os vest��gios do passado a partir do sentir das suas entranhas; mulheres que acredito serem aquelas mesmas a quem se referia o Dalai Lama quando disse: ���O mundo ser�� salvo pela mulher ocidental���. Mulheres que entendem a import��ncia de terem representa����o no pante��o divino, sabendo que a Deusa foi a primeira divindade cultuada pela humanidade e que ao suprimir a Deusa a mulher ficou desamparada, sem respaldo, sem garante da sua for��a, do seu poder, sequer da sua legitimidade��� e com isso muito perdemos todas e todas��� Mas voltando a este livro em concreto, pude dar sentido ��s minhas descobertas gra��as ao estudo do trabalho das pioneiras do Movimento da Deusa que j�� referi, incluindo Marija Gimbutas e v��rias outras, mas muito especialmente o que funcionou para mim como uma esp��cie de pedra de roseta foi ter tido contacto com a cultura da antiga Brit��nia, Brid��nia, como insiste agora Kathy Jones. A bibliografia a que tive acesso, o estudo que fiz durante a minha forma����o de Sacerdotisa de Avalon, forneceu-me uma indica����o de que estamos na mesma zona cultural celta, a zona do Arco Atl��ntico, o que me foi confirmado pela investigadora Fernanda Fraz��o. Assim, para compreender todo o material recolhido aqui tive de cotej��-lo com aquele que ficou na tradi����o sobretudo da Irlanda e da Esc��cia sobre Br��gida/Brig��ntia (o aspecto terra de Br��gida) e sobre Cailleach, a nossa Cale, Cail��cia ou Calaica-Beira. Foi uma emo����o ver no material da Brit��nia o te��nimo Beira, escrito exactamente como n��s soletramos o nome das nossas prov��ncias, sem nunca ter ouvido de nenhum arque��logo ou etn��grafo nacional que se tratava do nome duma Deusa, da Senhora da terra, embora isso seja algo de muito ��bvio que a divindade tenha dado o nome ao lugar. Encontramos ent��o aqui todo um cap��tulo dedicada a Santa Br��gida da Irlanda, com informa����o proveniente de v��rias fontes mas sobretudo de Gabriela Morais, da sua investiga����o sobre o antigo culto de Br��gida, Br��zida, Brigite, Brito, Brita, Brites, Britiande, Braz��� sobretudo na zona de Lisboa, onde at�� existe, na igreja de S��o Jo��o Baptista do Lumiar, uma rel��quia que �� supostamente um osso da sua cabe��a, oferecida a ningu��m menos que o nosso j�� aqui referido rei Dinis, o nosso rei poeta, agricultor, neto de outro poeta muito famoso, Afonso X de Castela, autor das cantigas de Santa Maria, que fortemente suspeito, e n��o sou a ��nica, ser o principal avatar crist��o da Br��gida celta, Deusa entre v��rias outras coisas da agricultura e da poesia. Ent��o a tradi����o de Iria no nosso territ��rio, da sua rela����o com as ��guas e com o sol, o fogo, com a cura, a profecia, a agricultura e a pastor��cia, foi cotejada com a tradi����o de Br��gida e as conclus��es a que cheguei est��o aqui��� Visitei Iria nos lugares onde o seu culto foi, e ��, mais intenso, Torre da Magueixa, Santar��m, Tomar, Serra de Aire e, claro, Cova da Iria, onde continua bem viva a sua chama, adorada como a Senhora, ou a Rainha, do Ver��o, Aquela que regressa em Maio, como acontece no Almurt��o, na Azenha, na Lousa��� Em Tomar, no Ribatejo, fecha-se o ciclo, quando Ela �� ���morta��� no final de Outubro, cedendo lugar �� tempestuosa e tem��vel Anci�� do Inverno, a Velha, como �� designada entre n��s... Iria morre em Tomar, famosa cidade dos Templ��rios, como sabemos. A estes cavaleiros prestativos, foi cedido, no s��culo XII, o castelo e o termo de Ceras, top��nimo que ainda hoje existe. Quem tamb��m ocupou a zona durante s��culos foi o povo romano que cultuava a Deusa M��e, Senhora do Gr��o e da abund��ncia, dos cereais, Ceres, de quem Proserpina era filha. Uma donzela em tudo semelhante a Pers��fone, filha de Dem��ter, ambas raptadas, uma em Roma outra na Gr��cia, pelo Senhor dos Infernos��� no m��s de Outubro��� Ora aqui est�� um tema muito apelativo �� nossa imagina����o��� E sim, Iria, como Rainha do Ver��o, �� muito vis��vel, muito celebrada, traz-nos os dias longos onde cabe a sesta, as colheitas, a abund��ncia, o calor e a alegria do Ver��o. A sua contraparte Anci��, por��m, �� mais secreta, est�� mais escondida, mais furtiva, mas mesmo assim muito presente e nossa velha conhecida (ler o texto, p��gina 133) Calaica �� muito antiga e ter�� sido levada daqui para a Irlanda, onde continua a ser uma Deusa muito poderosa. Ela �� aquela que se transforma em pedra por Beltane (ou pelo Imbolc quando consideramos a Roda do Ano dos Oito festivais solares). O que investiguei sobre Ela, levou-me a associ��-la a Sheela-Na-Gig, o que foi um processo muito curioso porque a seguir encontrei outra autora irlandesa com a mesma ideia��� Descobrir a Calaica e a sua for��a na nossa psique �� uma tarefa muito promissora��� Os dois ��ltimos cap��tulos do meu livro, entretanto s��o mais devocionais, com sugest��es para celebrarmos hoje em dia estes portais do ano em que somos aben��oadas e aben��oados pela chegada da Rainha do Ver��o e nos preparamos para acolher a energia da Senhora do Inverno. No ��ltimo cap��tulo apresento antigos rituais de cura muito usados neste territ��rio e convido-vos a pesquisarem outros na regi��o onde vivem e a fortalecerem a sua rela����o com a Senhora da Terra onde nascemos, sabendo que outro nome para Deusa �� Natureza! ............................................................... Luiza Fraz��o Sintra, 23 de Janeiro de 2022 ............................................................... Imagens: 1. A Deusa Celta de Portugal: A Anci�� do Inverno e a Rainha do Ver��o 2. Com a autora da capa, Sara Baga e o editor, Alexandre Gabriel 3. Com Andreia Mendes, autora do pref��cio, fazendo a apresenta����o, e o editor Alexandre Gabriel
December 31, 2021
Ansiando pela Escurid��o
Virgem negra, Nazar��, PortugalTexto de Elizabeth Ann Bartlett(tradu����o Luiza Fraz��o)
Quando me mudei para o Minnesota, toda a gente l�� em casa expressou preocupa����o com as baixas temperaturas do Inverno. Ningu��m me avisou, todavia, sobre o qu��o escuros eles seriam, nem quanto tempo duraria essa escurid��o. Durante anos, reclamei, mas gradualmente passei a aceitar a escurid��o. A escurid��o convida-nos a desacelerar, a descansar, a dormir, a sonhar. �� um momento de abertura para as nossas profundezas e para as de outras pessoas. Existe uma esp��cie de magia na escurid��o. Sem a dura luz do julgamento, no escuro, �� mais prov��vel que partilhemos os nossos segredos e hist��rias, as nossas feridas e as nossas d��vidas, os nossos cora����es e esperan��as uns e umas com as outras. �� medida que as ��rvores caducas perdem as suas folhas, o firmamento tamb��m se abre, dando origem ao c��u noturno. A escurid��o do inverno d��-nos de presente as estrelas e uma sensa����o de sabermos o nosso lugar no universo. Elas chegam como velhas amigas. As Sete Irm��s das Pl��iades aparecem �� noite, e Orion cumprimenta-me todas as manh��s. Quando o cometa Hale-Bopp era vis��vel da Terra, procurei-o nas minhas viagens noturnas para casa, e l�� estava ele, o meu companheiro constante nas noites frias do inverno. As estrelas lembram-nos de que n��o estamos s��s, que todas e todos somos parentes, pois somos mat��ria das estrelas.
Ultimamente, tenho sentido falta da escurid��o. Quando me mudei para a minha casa na floresta, a noite era escura. �� medida que a cidade cresceu, mais casas foram constru��das e postes de luz acrescentados. A escurid��o foi eclipsada por um crep��sculo sem fim. Nos nossos esfor��os humanos para resistirmos �� escurid��o, esquecemos o mandamento terreno para descansar e todas e todos estamos a sofrer as consequ��ncias. A polui����o luminosa afeta a nossa sa��de, diminuindo a libera����o de melatonina - abrindo caminho para a perda de sono, aumento da ansiedade e uma s��rie de outras doen��as. A sa��de de outros animais tamb��m �� afetada, assim como a migra����o das tartarugas marinhas e das aves que navegam pelas estrelas e pelo luar. Iluminamos a noite para n��o nos perdermos na escurid��o, mas talvez nos tenhamos perdido por estarmos demasiado iluminadas/os. Como o bolbo da primavera que precisa do frio e da escurid��o para florescer, tamb��m n��s precisamos da nutri����o da escurid��o profunda para restaurarmos a nossa criatividade e poder.
Gruta de Alcobertas, PortugalNo nosso anseio pela escurid��o, n��o �� apenas pela escurid��o f��sica que ansiamos, mas tamb��m pela metaf��sica - o po��o profundo da antiga escurid��o divina, a matriz original. Como China Galland meditou: "O anseio pela escurid��o [��] tamb��m um anseio pelo ventre de Deus." [I] No seu Anseio pelas Trevas, Galland lembra-nos da persist��ncia desse anseio e da sua emerg��ncia como Ishtar, ��sis, Astarte, Asherah, Tara, Kali, Parvati, Durga, bem como Maria e os m��sticos crist��os que escreveram sobre a maternidade do divino. As suas representa����es iconogr��ficas abundam em todo o mundo, desde os templos de Tara em toda a ��sia aos muitos santu��rios para a Madona Negra em toda a Europa. N��o �� de admirar que �� neste tempo de escurid��o profunda que Maria �� celebrada dentro do Cristianismo - Maria n��o como passiva, mas como a for��a divina materna forte, corajosa, ferozmente protetora e terrena.
Lucia Birnbaum lembra-nos que a primeira m��e africana �� a nossa heran��a gen��tica, homenageada por mil��nios como Erishkegal, ��sis, Lilith, Kali, Oxum, Hagar. Foi somente com o surgimento do patriarcado que o divino feminino negro foi rebaixado, deslocado, apagado e relegado para o espa��o subterr��neo. No entanto, ela continua a crescer na nossa psique e nos nossos anseios mais profundos. A cada ano, milhares caminham centenas de quil��metros em peregrina����o para visitar esses santu��rios, todas e todos buscando conex��o com as energias femininas sombrias, divinas e pr��-patriarcais das quais tanto precisamos.
Galland escreve: ���Dizer que algu��m est�� 'ansiando pela escurid��o' �� dizer que anseia pela transforma����o, por uma escurid��o que traz equil��brio, plenitude, integra����o, sabedoria, discernimento.��� [Ii] Certamente, se existe um tempo em que precisamos de restaurar o equil��brio e obter discernimento e sabedoria, �� agora, pois vivemos num mundo profundamente desequilibrado. Diz-nos a F��sica te��rica que a mat��ria escura �� aquilo que mant��m as estrelas e as gal��xias juntas - mat��ria, da mesma raiz que m��e - mater. Termos banido a mat��ria escura desequilibrou-nos. Eu imagino um mundo que saiu fora do seu eixo, vacilando atrav��s do universo. As energias preponderantes do ��dio, viol��ncia, opress��o, domina����o e patriarcado desequilibraram-nos. Precisamos das qualidades do divino feminino escuro - compaix��o, justi��a, igualdade e a transforma����o do patriarcado hier��rquico violento numa democracia pac��fica e radicalmente igualit��ria. J�� estivemos l�� antes; podemos voltar.
Gruta Rio Maiorbell hooks [iii] escreveu sobre como, quando crian��a, o seu esp��rito encontrava nutri����o nas casas de mulheres negras. As mulheres negras resistiram �� opress��o criando lugares para se curarem, se afirmarem e terem a sua dignidade restaurada - lugares onde novas possibilidades poderiam surgir. A matriz do feminino negro divino �� um lar, fomentando tanto a nossa resist��ncia quanto a cria����o de novas possibilidades. Como lugares de renova����o e o��sis de resist��ncia encontrados nas casas das mulheres negras, habitando com o divino feminino escuro, ela descobriu que encontramos ���. . . o ch��o do nosso ser, o lugar do mist��rio, da criatividade e da possibilidade, pois �� a�� que podemos construir a mente que pode resistir, que pode rever, que pode criar os mapas que quando seguidos nos libertar��o. ���[iv] Podemos come��ar, como disse Audre Lorde, ���relembrando o que �� escuro, antigo e divino dentro de n��s���, [v] pois �� desses lugares escuros interiores ���. . . que, escondido e crescente, o nosso verdadeiro esp��rito surge. . . . ���[Vi] Neste tempo de escurid��o, que os nossos esp��ritos possam elevar-se a esses lugares de possibilidade ��� as d��divas da mat��ria escura.
Notas (n��o traduzidas)
[i] Longing for Darkness, 54.
[ii] Ibid., 152.
[iii] I was writing this section when I learned of bell hooks��� death. I dedicate this piece to the legacy of wisdom and love she gave us all.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks
[iv] ���Lorde,��� 243.
[v] Sister Outsider, 69
[vi] Ibid., 36.
Notes
Birnbaum, Lucia Chiavola. Dark Mother: African Origins and Godmothers. San Jose: Authors Choice Press, 2001.
Eisler, Riane. The Chalice and the Blade: Our History, Our Future. NY: Harper One, 1988.
Galaxies Protected by Dark Matter | Space
Galland, China. Longing for Darkness: Tara and the Black Madonna. NY: Penguin, 1990.
hooks, bell. ���Lorde: The Imagination of Justice.��� in Byrd, Rudolph et. al. eds. I Am Your Sister:
Collected and Unpublished Writings of Audre Lorde. New York: Oxford U. Press, 2009.
______. Yearning: Race, Gender and Cultural Politics. Boston: South End Press, 1990.
Lerner, Gerda. The Creation of Patriarchy. New York: Oxford University Press, 1987.
Light Pollution | National Geographic Society
Lorde, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches by Audre Lorde. Trumansburg, NY: The
Crossing Press, 1984.
BIO: Beth Bartlett, Ph.D., �� educadora, autora, ativista e companheira espiritual. Ela �� Professora Em��rita de Estudos sobre Mulheres, G��nero e Sexualidade na Universidade de Minnesota-Duluth. Beth tamb��m serviu como co-facilitadora do grupo de estudos sobre Espiritualidade da NWSA. �� autora de v��rios livros e artigos, incluindo Journey of the Heart: Spiritual Insights on the Road to a Transplant, Rebellious Feminism: Camus���s Ethic of Rebellion and Feminist Thought, and Making Waves: Grassroots Feminism in Duluth and Superior. Tem estdo ativa em movimentos feministas, pela paz e justi��a, pelos direitos da natureza e pela justi��a clim��tica, e tem sido uma defensora comprometida das e dos protetores da ��gua.
Ansiando pela Escuridão
Virgem negra, Nazaré, PortugalTexto de Elizabeth Ann Bartlett(tradução Luiza Frazão)
Quando me mudei para o Minnesota, toda a gente lá em casa expressou preocupação com as baixas temperaturas do Inverno. Ninguém me avisou, todavia, sobre o quão escuros eles seriam, nem quanto tempo duraria essa escuridão. Durante anos, reclamei, mas gradualmente passei a aceitar a escuridão. A escuridão convida-nos a desacelerar, a descansar, a dormir, a sonhar. É um momento de abertura para as nossas profundezas e para as de outras pessoas. Existe uma espécie de magia na escuridão. Sem a dura luz do julgamento, no escuro, é mais provável que partilhemos os nossos segredos e histórias, as nossas feridas e as nossas dúvidas, os nossos corações e esperanças uns e umas com as outras. À medida que as árvores caducas perdem as suas folhas, o firmamento também se abre, dando origem ao céu noturno. A escuridão do inverno dá-nos de presente as estrelas e uma sensação de sabermos o nosso lugar no universo. Elas chegam como velhas amigas. As Sete Irmãs das Plêiades aparecem à noite, e Orion cumprimenta-me todas as manhãs. Quando o cometa Hale-Bopp era visível da Terra, procurei-o nas minhas viagens noturnas para casa, e lá estava ele, o meu companheiro constante nas noites frias do inverno. As estrelas lembram-nos de que não estamos sós, que todas e todos somos parentes, pois somos matéria das estrelas.
Ultimamente, tenho sentido falta da escuridão. Quando me mudei para a minha casa na floresta, a noite era escura. À medida que a cidade cresceu, mais casas foram construídas e postes de luz acrescentados. A escuridão foi eclipsada por um crepúsculo sem fim. Nos nossos esforços humanos para resistirmos à escuridão, esquecemos o mandamento terreno para descansar e todas e todos estamos a sofrer as consequências. A poluição luminosa afeta a nossa saúde, diminuindo a liberação de melatonina - abrindo caminho para a perda de sono, aumento da ansiedade e uma série de outras doenças. A saúde de outros animais também é afetada, assim como a migração das tartarugas marinhas e das aves que navegam pelas estrelas e pelo luar. Iluminamos a noite para não nos perdermos na escuridão, mas talvez nos tenhamos perdido por estarmos demasiado iluminadas/os. Como o bolbo da primavera que precisa do frio e da escuridão para florescer, também nós precisamos da nutrição da escuridão profunda para restaurarmos a nossa criatividade e poder.
Gruta de Alcobertas, PortugalNo nosso anseio pela escuridão, não é apenas pela escuridão física que ansiamos, mas também pela metafísica - o poço profundo da antiga escuridão divina, a matriz original. Como China Galland meditou: "O anseio pela escuridão [é] também um anseio pelo ventre de Deus." [I] No seu Anseio pelas Trevas, Galland lembra-nos da persistência desse anseio e da sua emergência como Ishtar, Ísis, Astarte, Asherah, Tara, Kali, Parvati, Durga, bem como Maria e os místicos cristãos que escreveram sobre a maternidade do divino. As suas representações iconográficas abundam em todo o mundo, desde os templos de Tara em toda a Ásia aos muitos santuários para a Madona Negra em toda a Europa. Não é de admirar que é neste tempo de escuridão profunda que Maria é celebrada dentro do Cristianismo - Maria não como passiva, mas como a força divina materna forte, corajosa, ferozmente protetora e terrena.
Lucia Birnbaum lembra-nos que a primeira mãe africana é a nossa herança genética, homenageada por milênios como Erishkegal, Ísis, Lilith, Kali, Oxum, Hagar. Foi somente com o surgimento do patriarcado que o divino feminino negro foi rebaixado, deslocado, apagado e relegado para o espaço subterrâneo. No entanto, ela continua a crescer na nossa psique e nos nossos anseios mais profundos. A cada ano, milhares caminham centenas de quilómetros em peregrinação para visitar esses santuários, todas e todos buscando conexão com as energias femininas sombrias, divinas e pré-patriarcais das quais tanto precisamos.
Galland escreve: “Dizer que alguém está 'ansiando pela escuridão' é dizer que anseia pela transformação, por uma escuridão que traz equilíbrio, plenitude, integração, sabedoria, discernimento.” [Ii] Certamente, se existe um tempo em que precisamos de restaurar o equilíbrio e obter discernimento e sabedoria, é agora, pois vivemos num mundo profundamente desequilibrado. Diz-nos a Física teórica que a matéria escura é aquilo que mantém as estrelas e as galáxias juntas - matéria, da mesma raiz que mãe - mater. Termos banido a matéria escura desequilibrou-nos. Eu imagino um mundo que saiu fora do seu eixo, vacilando através do universo. As energias preponderantes do ódio, violência, opressão, dominação e patriarcado desequilibraram-nos. Precisamos das qualidades do divino feminino escuro - compaixão, justiça, igualdade e a transformação do patriarcado hierárquico violento numa democracia pacífica e radicalmente igualitária. Já estivemos lá antes; podemos voltar.
Gruta Rio Maiorbell hooks [iii] escreveu sobre como, quando criança, o seu espírito encontrava nutrição nas casas de mulheres negras. As mulheres negras resistiram à opressão criando lugares para se curarem, se afirmarem e terem a sua dignidade restaurada - lugares onde novas possibilidades poderiam surgir. A matriz do feminino negro divino é um lar, fomentando tanto a nossa resistência quanto a criação de novas possibilidades. Como lugares de renovação e oásis de resistência encontrados nas casas das mulheres negras, habitando com o divino feminino escuro, ela descobriu que encontramos “. . . o chão do nosso ser, o lugar do mistério, da criatividade e da possibilidade, pois é aí que podemos construir a mente que pode resistir, que pode rever, que pode criar os mapas que quando seguidos nos libertarão. ”[iv] Podemos começar, como disse Audre Lorde, “relembrando o que é escuro, antigo e divino dentro de nós”, [v] pois é desses lugares escuros interiores “. . . que, escondido e crescente, o nosso verdadeiro espírito surge. . . . “[Vi] Neste tempo de escuridão, que os nossos espíritos possam elevar-se a esses lugares de possibilidade – as dádivas da matéria escura.
Notas (não traduzidas)
[i] Longing for Darkness, 54.
[ii] Ibid., 152.
[iii] I was writing this section when I learned of bell hooks’ death. I dedicate this piece to the legacy of wisdom and love she gave us all.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks
[iv] “Lorde,” 243.
[v] Sister Outsider, 69
[vi] Ibid., 36.
Notes
Birnbaum, Lucia Chiavola. Dark Mother: African Origins and Godmothers. San Jose: Authors Choice Press, 2001.
Eisler, Riane. The Chalice and the Blade: Our History, Our Future. NY: Harper One, 1988.
Galaxies Protected by Dark Matter | Space
Galland, China. Longing for Darkness: Tara and the Black Madonna. NY: Penguin, 1990.
hooks, bell. “Lorde: The Imagination of Justice.” in Byrd, Rudolph et. al. eds. I Am Your Sister:
Collected and Unpublished Writings of Audre Lorde. New York: Oxford U. Press, 2009.
______. Yearning: Race, Gender and Cultural Politics. Boston: South End Press, 1990.
Lerner, Gerda. The Creation of Patriarchy. New York: Oxford University Press, 1987.
Light Pollution | National Geographic Society
Lorde, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches by Audre Lorde. Trumansburg, NY: The
Crossing Press, 1984.
BIO: Beth Bartlett, Ph.D., é educadora, autora, ativista e companheira espiritual. Ela é Professora Emérita de Estudos sobre Mulheres, Género e Sexualidade na Universidade de Minnesota-Duluth. Beth também serviu como co-facilitadora do grupo de estudos sobre Espiritualidade da NWSA. É autora de vários livros e artigos, incluindo Journey of the Heart: Spiritual Insights on the Road to a Transplant, Rebellious Feminism: Camus’s Ethic of Rebellion and Feminist Thought, and Making Waves: Grassroots Feminism in Duluth and Superior. Tem estdo ativa em movimentos feministas, pela paz e justiça, pelos direitos da natureza e pela justiça climática, e tem sido uma defensora comprometida das e dos protetores da água.
July 6, 2021
COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA - uma disciplina que tem muito para nos ensinar
MENINA?... não me parece... As formas de tratamento em Portugal são um tanto fluidas, como sabemos, e a formação das pessoas que lidam com o público, não inclui por vezes, todas as disciplinas que deveria incluir. Uma delas chama-se Comunicação não Violenta, uma matéria de que não ouço falar muito, mas do mais importante. Se se dissesse às funcionárias e aos funcionários, só para simplificar, algo de básico como “trate as mulheres como trata os homens” já se avançaria um bocadinho. Nunca ouvi nenhum/a atendente tratar um homem por Menino, seja qual for a sua idade, mas agora parece que se tornou moda tratar assim as mulheres. Não todas, claro, não as que estão na faixa etária correspondente, mas as mulheres de mais de 65 anos! Como eu. Hoje foi a terceira vez que reclamei com alguém sobre o assunto e não passou disso. A partir de agora passarei a usar o Livro de Reclamações.
A funcionária repetiu várias vezes o epíteto alto e bom som, completamente a despropósito, enquanto me atendia. Acabou por ouvir o que não queria. Já reparou que está a usar um tom de ironia com uma pessoa que não conhece de lado nenhum? Por que tem de enfatizar a minha idade enquanto me atende? Qual é a necessidade? Se tivesse estudado Comunicação não Violenta teria percebido que a pessoa que é assim tratada, que anda ali descontraidamente apenas a fazer as suas compras, é de repente lembrada que está numa categoria aparte, numa categoria em que o desempoderamento avança de forma progressiva, tendo de aceitar a desconsideração de qualquer pessoa, disfarçada de simpatia.
Como na descida de Innana até aos domínios de sua irmã, rainha dos infernos, no mito sumério. No primeiro degrau a Deusa é despojada do seu colar, símbolo do seu poder… Aqui, no primeiro degrau, recebes um título irónico: Menina… todos os outros títulos que já ostentaste esquecidos e obliterados, caducados… Podes ter sido Professora, Doutora, Senhora, Dona… Agora és simplesmente Menina… E deves achar piada como toda a gente parece achar à tua volta porque é com carinho, dizem-te… Na verdade com um tremendo desrespeito, desprezo e violência disfarçados…
Houve uma época em que eu achava que no Porto esse tratamento se tolerava e até teria a sua graça, mas a experiência diz-me para desconfiar de tudo o que não tem equivalente masculino.
Sugiro que faça o teste e pense duas vezes antes de tratar uma pessoa de mais de 65 anos por Menina. Mesmo que ela esteja num lar de idosas/os, onde o tratamento está lamentavelmente oficializado, ela sabe muito bem que há ali um vampírico, insidioso, provinciano jogo de poder que por caridade merece ser denunciado.
©Luiza Frazão
May 11, 2021
BORA LÁ SALTAR NO ESCURO – Confissões duma Mulher para lá da Meia-Idade
Sou uma mulher de mais de 65 anos. Fui professora e continuo a sê-lo, embora a estrutura da instituição tenha mudado radicalmente ou já nem exista. Não trabalho com rede, como aconteceu por largos anos. Não tenho rede. Afirmo a minha visão por mim própria, dou a cara por ela, como se diz, embora por outro lado possa dizer que tenho uma vasta rede de apoio, constituída pelas mulheres que me precederam ou que são minhas contemporâneas no Movimento da Deusa, mulheres com as quais comungo da mesma perspectiva das coisas, da mesma devoção à Deusa, da mesma certeza de que sem a Sua representação no panteão divino da humanidade actual, as mulheres nunca poderão aspirar a assumir verdadeiro poder neste mundo (ver Carol Christ “Por que é que as mulheres precisam da Deusa”); mulheres que comungam do mesmo sonho dum futuro sustentável, para a concretização do qual o papel das mulheres é decisivo; mulheres que sabem que é preciso resgatar a Deusa antiga, nas Suas várias faces ou arquétipos, que reflectem a nossa humanidade, nas Suas múltiplas denominações e qualidades; mulheres conscientes de que precisamos de refazer a nossa cultura própria, de reinventar as nossas tradições, a nossa forma própria de ser e de estar no mundo, antes da domesticação patriarcal, de levantar do chão e de limpar da ignomínia o nosso poder de dar e de cuidar da vida, de redescobrir e de sacralizar o poder do sangue menstrual, de sacralizar o corpo e toda a natureza de que somos parte.
Sou uma mulher de mais de 65 anos, activista da Deusa, e há partes de mim que por vezes se sentem cansadas, quase esgotadas… Sou uma mulher. Ser uma mulher com uma visão ou ser um homem com uma visão são realidades muitíssimo distintas. Na tradição masculina, na androcracia em que vivemos, por trás dum homem, grande ou pequeno, há sempre uma mulher – quanto mais não seja para acarretar com culpas e frustrações – que está lá quando ele chega a casa cansado, que o apoia, que diz ámen à sua visão, que torce por ele e fica orgulhosa quando as coisas correm bem. Ela faz a sopa, mantém o espaço, cuida dos aspectos práticos do quotidiano. Atrás dum homem está uma Esposa, que é uma espécie de extensão ou substituta da mãe, com funções acrescidas. Claro que isto é o quadro clássico, ou seja, já era, hoje em dia em que tudo está mais fluído, o que temos é a Companheira, que poderá ser mais intermitente, descartável, mas eventualmente bem mais talentosa e tecnologicamente funcional. Sempre existe uma ou mais para suprir as necessidades de apoiar, gerir, manter o espaço, torcer, dizer ámen, ajudar, e de forma cada vez mais prática e eficiente. Embora também existam, são raros, raríssimos, convenhamos, os casos em que estes papéis se invertem. Por norma, atrás duma mulher com uma visão não está ninguém a proteger o seu espaço nem a dar-lhe energia. O mais certo é que aconteça precisamente o contrário. Atrás dela pode estar o próprio marido a disputar a sua atenção e energia, ou o resto da família, que não acha a mínima graça à sua originalidade, que a conhece demasiado bem e por isso sabe que é um fake, que sempre foi. “Quem é que pensas que és?”.
Óbvio que se ela fosse um homem, sim, aí teria toda a legitimidade para escrever e publicar livros, por exemplo, com toda a família a assistir orgulhosa ao seu lançamento. Já uma mulher sozinha a lançar um livro pode acontecer não ter uma única pessoa da família a assistir e a apoiá-la nesse momento. Ninguém. Não se fala nessa bizarrice, “Mas quem és tu afinal?”. Pode ser que atrás dela estejam pessoas que continuam a ver nela a mãe, cujo dever é apenas o de dar, e é bem possível até que nem ela própria saiba receber, que tacteie no escuro à procura do mais básico sentimento humano que é a sensação de que a sua existência é legítima, de que tem o direito de existir. E não se pode existir sem ter voz própria. E esta não é uma questão que amadureça saudável à medida que flui o tempo e se sucedem as estações, muito pelo contrário. Duvida sempre quando te disserem que a esperança de vida aumentou… As suas dúvidas existenciais como mulher são projectadas sobre pessoas que contestam a sua autoridade, desvalorizando tudo aquilo que com tanto esforço e trabalho, enfrentando tantos desafios, conseguiu, desmontando uma a uma todas as possíveis zonas de conforto.
Uma mulher sozinha, recusando um enterro em vida, com a sua visão e voz própria, tem de ser capaz de conviver e de abraçar a impostora que se lhe colou à pele e à imagem, tem de poder olhar para ela no espelho e sossegá-la: “Bora lá saltar no escuro, segura-te!”. É a impostora em si que aguenta a parte das mil e uma razões para não, nunca estar à altura daquela Anciã longínqua, duma qualquer cultura exótica, idealizada pelo photoshop e enquadrada pelas frases prontas a servir do fast food verbal new-age.
Uma mulher real sozinha, a partir de certa idade, é por norma suspeita, e se algum poder conquistou com o seu esforço, discernimento e coragem vai ser-lhe pedido que trate de o repartir, pedacinho a pedacinho, até não sobrar mais nada, ou que o use para promover outras pessoas. Afinal se já não és a mãe que se sacrifica como a vela se consome e arde para que haja luz, para que serves afinal?
Mas nesta escuridão criativa da alma, abençoada seja, a luz da Deusa nítida se recorta: “Pára de resmungar, de lamber as feridas, avança”… Pois… talvez, quem sabe, abrindo caminhos...
©Luiza Frazão
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