Joel Neto's Blog, page 103

January 5, 2012

Cavalos negros


«Está bem: o mercado de Inverno não funciona. Resultou uma vez para o Sporting, campeão com André Cruz, César Prates e Mbo Mpenza, mas de resto tem sido quase só despesismo. E, no entanto, resultou uma vez. Portanto, bem se pode dizer sobre ele aquilo que se diz sobre o Euromilhões, por exemplo: que as hipóteses de ganhar são tão remotas que jogar e não jogar, do ponto de vista matemático, é quase igual. O facto é que, como continuamos a jogar no Euromilhões, continuaremos a ir ao mercado de Inverno, iluminados por esse farol que é o Sporting de 1999-2000. A preparação da temporada, sim, é gestão. Já o mercado de Inverno é gambling puro. Mas, se é a gestão que faz os campeões, é o rasgo que faz os heróis. Portanto, venham daí esses cavalos negros, que este campeonato ainda não acabou. Do FC Porto ao Braga, todos podem ainda sonhar. E sonhar, queira-se ou não, é metade do prazer.» 5ª COLUNA, de segunda a sexta-feira, n'O Jogo.


 

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Published on January 05, 2012 20:51

Cerrados

Entregue "Os Sítios Sem Resposta", é colocar o conta-quilómetros a zero. Próximo romance com prazo limite de entrega a 30 de Junho de 2013. Título provisório: "Cerrados". E assim recomeça a aventura. Chega de perder tempo com patetices. Há crise? Pois claro que há. Mas também há sempre um café chungoso, debaixo de uma ponte igualmente chungosa, onde se pode encontrar uma tomada livre para ligar o computador. O mundo vai continuar – e um homem tem de continuar com ele.



 

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Published on January 05, 2012 16:31

January 4, 2012

Joel Neto.Com – o regresso

 



 


Mais simples, mais atraente, mais vivo (acho eu). O meu site regressa hoje à web – e já não é bem um site, mas sobretudo um blog.


Divide-se em três secções: Blog (pois claro), Crónicas e Outros. A secção Blog será actualizada com regularidade, exactamente como se de um blog se tratasse (até porque se trata). A secção Crónicas servirá para a republicação de textos da imprensa, incluindo crónicas de gastronomia (Notícias Magazine), futebol (O Jogo), televisão (Diário de Notícias) e golfe (O Jogo e Golfe Magazine). E na secção Outros caberá tudo o resto: notícias, entrevistas, reportagens, textos originais e vaidades em geral, provavelmente quase tudo centrado na actividade literária (e afins).


No mais, já sabe: pode comprar os meus livros através dos links abaixo e enviar-me os seus insultos através do endereço de email acima. Se, para além disto tudo ainda for acometido da loucura de querer dar-me a honra de corresponder-se comigo via FaceBook ou Google+ (a frase ficou comprida, mas as cortesias são mesmo assim), os links estão ao lado.


E, para assinalar o relançamento, deixo aqui alguns esboços que foram nascendo ao longo da redacção do meu novo livro, "Os Sítios Sem Resposta" (título provisório), que sai em Abril na Porto Editora. O pior que pode acontecer é o meu editor se zangar comigo. Posso dizer que a culpa é vossa?

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Published on January 04, 2012 18:31

«Os Sítios Sem Resposta»: alguns esboços


 


«Tratava-nos muitas vezes por Miguel a mim e por filho a ele. Às vezes, porém, tratava-me a mim por amigo, o que era mais do que aquilo a que Nuno podia aspirar.»


 


«Para ser sincero, e apesar das já quase duas décadas de exílio, eu continuava a voltar à terra como se realmente pudesse acordar ao contrário, contorcendo-me e espreguiçando-me e depois fechando-me em concha, até, enfim, adormecer.»


 


«E eu não soube o que dizer-lhe, porque percebia que uma mulher amarga, complexada e arrivista, agressiva e globalmente imprópria, podia ser mais amável do que a mulher perfeita, assim tivesse uma história connosco, assim nos unisse a ela uma intimidade que a mais ninguém fosse acessível, assim fosse nossa como nenhuma outra.»


 


«E, então, sim, galgou para cima de mim, fechou os olhos, ergueu o queixo e pôs-se a subir e a descer sobre o meu ventre, num ritmo triunfal, quase numa apoteose, com a planta dos pés assentes com firmeza sobre o colchão e o ar convicto de quem enfrenta uma espécie de inevitabilidade, ou talvez tenta tirar o melhor partido possível de uma coisa primordialmente desagradável.»


 


«Pus-me ao lado dele, a enxaguar a loiça que ele lavava, e verifiquei que não notava já o seu cheiro tépido e doce, aquele cheiro só dele que eu conseguiria identificar em qualquer lugar do mundo. Provavelmente, não o perdera: eu é que, em definitivo, passara a cheirar como ele.»


 


«Por muito que eu me tivesse esforçado, e ainda que o tivesse mesmo feito, jamais conseguiria ser durante cinco minutos metade daquilo que ele fora ao longo de toda a vida, sem uma hesitação, sem uma ressalva, sem outra intenção que não apenas sê-lo.»


 


* Esboços para "Os Sítios Sem Resposta" (título provisório), a publicar em Abril, com chancela Porto Editora.

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Published on January 04, 2012 18:18

September 16, 2011

Até breve.

Este blog está em manutenção. JN

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Published on September 16, 2011 14:50

September 10, 2011

Até breve.

Este site está em manutenção. JN

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Published on September 10, 2011 12:15

August 27, 2011

Hoje não há crónica

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Não há. Tive uma semana daquelas, sem espaço para engendrar nem uma das cinco ou seis ideias entre as quais habitualmente (vocês pensavam que isto era feito à base do quê, inspiração?) escolho a que me parece melhor – e, quando acordei esta manhã, fui de imediato percorrido pelo calafrio da falta de crónica. No entretanto, ainda escrevi dois textos menores e saí para um comentário de televisão, deriva ao longo da qual esperava que me aparecesse uma crónica. Mas não: apareceram-me seis posts para o FaceBook, um monte de pequenas soluções e de novos dilemas para um livro que já devia ter acabado, uma série de ideias sobre afazeres domésticos e compromissos burocráticos e diligências sociais – e, quanto a crónica, nada. Agora, são dez da noite de domingo, Lisboa está enfim adormecida, preparando-se para mais uma semana de trabalho, e eu ainda nem sequer fechei a semana anterior. Não tenho crónica. Não tenho crónica e não tenho tempo, porque já estou em cima da hora para entregar a crónica.


Passei a tarde de volta de ficheiros com possibilidades de crónica, mas sem sucesso. Todas as semanas arquivo as quatro ou cinco ideias que considero, mas depois abandono. As mais fracas vão para uma vala comum. As de que gosto mais ganham um ficheiro próprio. Guardo-os por etiquetas: ideias completamente por trabalhar, etiqueta amarela; ideias bem encaminhadas, etiqueta laranja; ideias quase prontinhas a safar-me num dia em que não tenha crónica, etiqueta vermelha. Ao longo dos dias, das semanas, dos meses, muitos ficheiros vão mudando de cor. Ponho lá coisas dispersas que me vão ocorrendo, e que encaixam aqui ou ali, às vezes na qualidade de argumentos e outras ainda (são as melhores) na qualidade de idiossincrasias, de pequenas demagogias, de grandes obsessões. Por esta altura, e para além da vala comum, etiquetada a verde, a pasta tem 197 documentos, dos quais 38 a vermelho. Acabo de percorrê-los pela segunda vez. Durante a tarde, trabalhei em oito deles, quase sempre seguindo o meu modelo mais seguro, e a que os teóricos talvez chamassem "fórmula" (mas injustamente, pelo menos para ele). No fim, abandonei-os a todos. Alguns encaminhavam-se para o estatuto de comentário, outros de artigo, outros ainda de análise. Nenhum para o de crónica.


Não me faltam temas. Um dia destes, e com a maior das facilidades, vou zurzir nos gestos maneiristas com que os moderninhos provam o vinho, na forma acéfala como tantas vezes reduzimos a opinião aos argumentos "gosto" e "não gosto" e nesta nova mania, tão em voga entre notórios falhados, de chamar aos filhos os seus próprios nomes, acrescentados do pós-apelido "Júnior". Vou elogiar os homens que vestem um fato de propósito para andar de avião, os funcionários intermédios que regressam do almoço com o casaco pelos ombros e os trolhas que se amontoam nas furgonetas que às segundas e às sextas-feiras vogam pela A1. Mais: vou fazer a apologia da rotina, dos rádios de pilhas, do Sporting de Domingos Paciência, do Second Love, da pornografia em geral – e depois ainda vou declarar o meu crescente ódio a óculos escuros, a pessoas boazinhas, à FNAC, ao optimismo e aos sonsos, que na verdade apenas odeio por não conseguir encontrar em mim também a mais útil de todas as grandes qualidades humanas: precisamente a sonsice. O que me parece é que algum tempo me separa ainda do momento em que serei capaz de transformar esses temas em crónica. Talvez se pudesse dizer que esse tempo é ele próprio a crónica. Mas isso já seria pôr-me de novo a tentar escrever uma crónica, coisa que hoje, manifestamente, não consigo.


Quando comecei esta série de crónicas – há agora o quê, seis, sete anos? –, disse a mim próprio: "Um dia, Joel, vai faltar-te a crónica e terás a tentação de escrever sobre o facto de não teres crónica. Tens o direito a isso, mas só uma vez. Certifica-te de que estás mesmo desesperado." Pois eis aqui esse dia. Agora vou tirar uma semana de férias, que talvez seja o melhor para todos. Prometo passá-la à procura de crónicas.


* Esta coluna interrompe-se uma semana, para férias, e regressa a 11 de Setembro












CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")


NS', 20 de Agosto de 2011


(imagem: © www.lcarlateresa.deviantart.com)

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Published on August 27, 2011 15:45

August 21, 2011

Eu ainda não vejo aí crise quase nenhuma


Aos onze anos, o meu pai apascentava ovelhas em Porto de Mós. Levantava-se de madrugada, era destratado por patrões abrutalhados, alimentava-se desadequadamente, levava coices de mulas neuróticas e, em geral, tinha uma vida semelhante à de uma personagem de Steinbeck.


O serviço militar, a guerra colonial e, em particular, as Tropas Pára-Quedistas Portuguesas abriram-lhe horizontes e deram-lhe oportunidades, que na verdade foram as minhas oportunidades também. Mas a sua pré-história de sobrevivência, tal como a vontade indómita de que teve de socorrer-se para superar a sua condição, incrustaram-se-me no carácter.


Tenho de deixar de julgar as pessoas em função apenas da sua ética de trabalho, que me ponho velho. Mas a questão é que, quando olho para a malta de hoje (por favor, deixem-me usar a expressão "a malta de hoje"), sinto-me bem mais próximo do meu pai do que dela. E não falo apenas do ponto de vista moral (pobre daquele que, aos trinta, não chegar à conclusão de que, afinal, o pai é o melhor homem que já encontrou). Falo também do ponto de vista prático.


Há quinze ou vinte anos, apesar de tudo, ainda se fazia um esforço. A ideia que tenho é que, hoje em dia, já ninguém faz um esforço – e, se tenta, não sabe como fazê-lo, porque a tenacidade se diluiu no tempo, porque algures um elo se quebrou, provavelmente com a prosperidade. Nós não somos um povo ao qual a prosperidade assente bem, ou sequer faça bem.


Adiante. Na semana passada, precisei de comprar um estrado para uma cama. Está bem, está bem: bastava-me ir ao Ikea, à Moviflor ou a qualquer outra mega loja de mobiliário formatado, que tinha dezenas de opções a todos os preços, incluindo estrados quase dados. Agora já sei isso, mas na altura não sabia (vocês talvez ficassem surpreendidos com a quantidade coisas que eu não sei, nomeadamente sobre a vida real).


De maneira que liguei para seis carpintarias de Lisboa diferentes, a encomendar uma prancha de tabopan com 2,00 m por 2,20 m. Está bem, está bem: os estrados das camas já não podem ser feitos em tabopan, porque os colchões precisam de respirar, caso contrário vêem reduzida a sua vida útil. Agora já sei isso, mas na altura não sabia (vocês talvez ficassem surpreendidos com a quantidade coisas que eu não sei sobre a dimensão animal dos objectos, embora também orgulhosos do que tenho aprendido sobre a dimensão humana dos animais).


O facto é que, das seis carpintarias em causa, uma não atendeu, outra disse-me para deixar nome e número de telefone, que o marceneiro logo me ligava (não ligou), outra tinha o operador de máquinas de férias, outra precisava primeiro de confirmar se havia tabopan em stock e as restantes duas lamentavam muito, mas só se dedicavam a trabalhos industriais para empresas.


A nenhuma interessou a minha obra de cinquenta euros – são trabalhos pequenos, dão mais despesa do que lucro. A nenhuma interessou sequer despistar a possibilidade de, atrás desse trabalho, virem outros – um gajo que quer uma prancha de tabopan nunca vai pedir mais do que uma reparação nas persianas ou um afagamento no soalho. E a nenhuma, naturalmente, o sentido de missão se impôs sobre o interesse contabilístico – que diabo é isso, afinal, "sentido de missão"?


E eu, que já fui um gastador, fico a pensar que a crise ainda não chegou, a não ser àqueles que perderam os empregos. E mesmo a alguns desses, aliás, não chegou, caso contrário não pegavam tantos deles nas indemnizações para irem comprar carros novos, que os antigos, coitados, já estavam a ficar um bocadinho descaídos.


De resto, os taxistas continuam a chatear-nos a molécula de cada vez que a corrida é inferior a cinco euros, o que significa que o negócio ainda não vai tão mal quanto isso. Os festivais de Verão tornaram este ano a bater recordes de afluência, o que nos demonstra que muitos orçamentos familiares ainda não levaram a pancada. E qualquer contestação que vá havendo ao estado de coisas ainda se resume ao protesto puro e simples, feito quase por desporto, sem subversão criativa, sem malícia, sem cultura.


Tudo bem: por mim, fui ao Ikea e ainda trouxe de lá um candeeiro. Mas, se isso resolveu o meu problema, não resolve o problema da economia portuguesa. Continuamos a viver, tenho a impressão, como se estivéssemos em 1998. E, quando isto bater, já será tarde de mais.












CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")


NS', 20 de Agosto de 2011


(imagem: © www.leigosnanet.blogspot.com)

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Published on August 21, 2011 08:33

August 14, 2011

Já não sei falar inglês


Todos o sabemos: é uma época do ano com especial propensão para a idiotice, esta que atravessamos. Como se não bastassem a crise, a instabilidade da meteorologia e os setenta e seis reforços do Benfica, homens de barba rija passeiam-se de chinelos pelas ruas, televisões e jornais e revistas enchem-se de histórias sobre as férias dos "famosos" no Algarve, automóveis param nas estações de serviço e logo de dentro deles saltam quatro grunhos de trinta anos  para se porem a jogar à bola entre as bombas de gasolina.


Sempre tivemos jeito para a idiotice. Contudo, e por muito que abundem os exemplos de como sempre tivemos jeito para a idiotice, sobrevivemos bem no meio da idiotice e tantas vezes até nos superámos nos domínios da idiotice, creio que poucas vezes fomos tão escandalosamente idiotas como quando decidimos, ainda um dia destes, distribuir nas salas de cinema portuguesas o filme dos Estrumpfes com o nome inglês da série, "The Smurfs".


Notem que pouco me une à coisa. Por acaso (não por acaso, está bem, não por acaso), "Estrumpfe Resmungão" até era uma das minhas alcunhas de infância. Mas, se vamos falar dos desenhos animados do meu tempo, eu lembro-me muito mais rapidamente do Tom Sawyer, sobre todos os outros inspirador para um rapaz do campo como eu, do Dartacão, que fez de mim o mais exímio espadachim da Terra Chã, ou do Conan, o rapaz do futuro, pelo qual, ao contrário do que alguma vez aconteceu com os Estrumpfes, ainda troquei algumas tardes a jogar à bola.


Mais: se há uma coisa que eu não sou, é um saudosista dos anos 80, a mais pirosa década da história da cultura pop, com os seus casacos de chumaços, os seus solos de guitarra eléctrica e a sua deificação de K.I.T.T., o carro de Michael Knight. E mais ainda: fosse o dito filme sobre os Estrumpfes ou o Capitão América, o Panda Taotao ou os Jovens Heróis de Shaolin, para mim era-me igual ao litro, porque, como já aqui disse, estou farto de cinema para bebés grandes até à mais fina pontinha dos meus cada vez mais escassos cabelos.


Não deixa de ser fascinante, porém, constatar como, quando queremos mesmo sê-lo, nós conseguimos com toda a facilidade ser superlativamente idiotas. E como, quando queremos mesmo sê-lo também, com maior facilidade ainda conseguimos ser espectacularmente provincianos. Chamar "The Smurfs" aos Estrumpfes, por acaso, é as duas coisas ao mesmo tempo: superlativamente idiota e espectacularmente provinciano.


Não duvido nada de que um estudo de mercado tenha aconselhado o título em inglês, note-se. Persistem entre as nossas gerações mais velhas uma falta de mundo e um analfabetismo tais que um adolescente com noções rudimentares da língua de Shakespeare se torna automaticamente na superestrela lá de casa, o raça do miúdo, que fala inglês como um papagaio, e mais ó camandro. Iletrados de todas as idades rendem-se de paixão a um livreco com histórias de feiticeiros e dragões e depois, sem mais o que dizerem sobre ele, dizem que "está brutal", tirando "alguns problemas de tradução", protesto com o qual, de novo, não pretendem outra coisa senão deixar claro que falam inglês como papagaios, os raças dos miúdos, e mais ó camandro.


Mesmo eu, confesso, sempre me orgulhei idiotamente do meu inglês. Nascido numa ilha que me permitia o contacto com militares americanos, cedo me familiarizei com o sotaque das Appalachians – e ainda hoje, passando uma boa parte da minha actividade pelo jornalismo de golfe, incluindo comentários na TV, dou por mim, pacóvio também, a armar-me aos cucos em directo com os greens in regulations e os scramblings e os up-and-downs, todos cantadinhos no mesmo tom em que os cantariam (e, aliás, cantam) Jim Nantz, David Feherty e Peter Kostis.


Pois acaba aqui. A partir de agora, e à maneira de Eça, hei-de falar orgulhosamente mal inglês – e, se me exigirem que chame aos Estrumpfes algum nome em língua estrangeira, então hei-de chamar-lhes "Les Schtroumpfs", que ao menos é o seu nome original. Com tudo isto, não conseguiram os senhores da Columbia TriStar Warner outra coisa senão pôr-me a admirar espanhóis, franceses e italianos, com quem durante tanto tempo gozei por não conseguirem dizer uma palavra noutra língua que não a sua. Afinal, tão espertos, tão espertos, tão espertos que nós somos, e ainda fomos afundar-nos na crise primeiro do que eles.












CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")


NS', 13 de Agosto de 2011


(imagem: © www.leigosnanet.blogspot.com)

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Published on August 14, 2011 10:41

joelneto @ 2011-08-14T11:37:11


Todos o sabemos: é uma época do ano com especial propensão para a idiotice, esta que atravessamos. Como se não bastassem a crise, a instabilidade da meteorologia e os setenta e seis reforços do Benfica, homens de barba rija passeiam-se de chinelos pelas ruas, televisões e jornais e revistas enchem-se de histórias sobre as férias dos "famosos" no Algarve, automóveis param nas estações de serviço e logo de dentro deles saltam quatro grunhos de trinta anos  para se porem a jogar à bola entre as bombas de gasolina.


Sempre tivemos jeito para a idiotice. Contudo, e por muito que abundem os exemplos de como sempre tivemos jeito para a idiotice, sobrevivemos bem no meio da idiotice e tantas vezes até nos superámos nos domínios da idiotice, creio que poucas vezes fomos tão escandalosamente idiotas como quando decidimos, ainda um dia destes, distribuir nas salas de cinema portuguesas o filme dos Estrumpfes com o nome inglês da série, "The Smurfs".


Notem que pouco me une à coisa. Por acaso (não por acaso, está bem, não por acaso), "Estrumpfe Resmungão" até era uma das minhas alcunhas de infância. Mas, se vamos falar dos desenhos animados do meu tempo, eu lembro-me muito mais rapidamente do Tom Sawyer, sobre todos os outros inspirador para um rapaz do campo como eu, do Dartacão, que fez de mim o mais exímio espadachim da Terra Chã, ou do Conan, o rapaz do futuro, pelo qual, ao contrário do que alguma vez aconteceu com os Estrumpfes, ainda troquei algumas tardes a jogar à bola.


Mais: se há uma coisa que eu não sou, é um saudosista dos anos 80, a mais pirosa década da história da cultura pop, com os seus casacos de chumaços, os seus solos de guitarra eléctrica e a sua deificação de K.I.T.T., o carro de Michael Knight. E mais ainda: fosse o dito filme sobre os Estrumpfes ou o Capitão América, o Panda Taotao ou os Jovens Heróis de Shaolin, para mim era-me igual ao litro, porque, como já aqui disse, estou farto de cinema para bebés grandes até à mais fina pontinha dos meus cada vez mais escassos cabelos.


Não deixa de ser fascinante, porém, constatar como, quando queremos mesmo sê-lo, nós conseguimos com toda a facilidade ser superlativamente idiotas. E como, quando queremos mesmo sê-lo também, com maior facilidade ainda conseguimos ser espectacularmente provincianos. Chamar "The Smurfs" aos Estrumpfes, por acaso, é as duas coisas ao mesmo tempo: superlativamente idiota e espectacularmente provinciano.


Não duvido nada de que um estudo de mercado tenha aconselhado o título em inglês, note-se. Persistem entre as nossas gerações mais velhas uma falta de mundo e um analfabetismo tais que um adolescente com noções rudimentares da língua de Shakespeare se torna automaticamente na superestrela lá de casa, o raça do miúdo, que fala inglês como um papagaio, e mais ó camandro. Iletrados de todas as idades rendem-se de paixão a um livreco com histórias de feiticeiros e dragões e depois, sem mais o que dizerem sobre ele, dizem que "está brutal", tirando "alguns problemas de tradução", protesto com o qual, de novo, não pretendem outra coisa senão deixar claro que falam inglês como papagaios, os raças dos miúdos, e mais ó camandro.


Mesmo eu, confesso, sempre me orgulhei idiotamente do meu inglês. Nascido numa ilha que me permitia o contacto com militares americanos, cedo me familiarizei com o sotaque das Appalachians – e ainda hoje, passando uma boa parte da minha actividade pelo jornalismo de golfe, incluindo comentários na TV, dou por mim, pacóvio também, a armar-me aos cucos em directo com os greens in regulations e os scramblings e os up-and-downs, todos cantadinhos no mesmo tom em que os cantariam (e, aliás, cantam) Jim Nantz, David Feherty e Peter Kostis.


Pois acaba aqui. A partir de agora, e à maneira de Eça, hei-de falar orgulhosamente mal inglês – e, se me exigirem que chame aos Estrumpfes algum nome em língua estrangeira, então hei-de chamar-lhes "Les Schtroumpfs", que ao menos é o seu nome original. Com tudo isto, não conseguiram os senhores da Columbia TriStar Warner outra coisa senão pôr-me a admirar espanhóis, franceses e italianos, com quem durante tanto tempo gozei por não conseguirem dizer uma palavra noutra língua que não a sua. Afinal, tão espertos, tão espertos, tão espertos que nós somos, e ainda fomos afundar-nos na crise primeiro do que eles.












CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")


NS', 13 de Agosto de 2011


(imagem: © www.leigosnanet.blogspot.com)

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Published on August 14, 2011 10:40