Joel Neto's Blog, page 101
June 8, 2012
Tudo o que eu devo ao futebol
Nenhuma literatura alguma vez fez isto por mim. Nenhuma poesia,
nenhuma arte, nenhuma filosofia. Fê-lo o futebol.
De cada vez que me sento num estádio, ou me ponho em frente ao televisor, ou me curvo diante de um transístor, não é aquele jogo que vejo, não é aquele jogo que ouço. Estou em 1989, faltam dez segundos para Fernando Gomes atirar à barra o penálti que impedirá o Sporting de bater o Nápoles de Maradona – e aí vai ele, Gomes, com a bola na mão, caminhando entre o círculo central e a grande área, o olhar pregado na relva como quem sabe que lhe caberá a ele a dúbia honra de glorificar a nossa derrota. Estou mais longe ainda, aliás: estou no Verão de 1987 e Vítor Damas anda aos gritos em cima do risco de golo, a correr de um lado para o outro da baliza e a fazer exigências à descoordenada barreira do Sporting, enquanto Dito, Nunes e Diamantino parecem discutir quem marcará o livre directo cedido instantes antes por Ralph Meade – e já aí está Diamantino, partindo para a bola à falsa fé e ali mesmo começando a desequilibrar, de modo ao mesmo tempo infecto e irremediável, a final da Taça de Portugal, a nossa primeira vaga oportunidade de compensar cinco anos sem títulos de qualquer espécie (isto num tempo em que cinco anos sem títulos de qualquer espécie ainda eram uma tragédia, note-se), e que, não por coincidência, morreria aos pés do Benfica.
Ao meu lado está o meu pai, ainda jovem. Olho-o de soslaio, como que voltando a tentar desvendá-lo. Todos os dias o vejo sair e regressar a casa, com a sua impecável farda azul – e é quase tudo. Não sei ainda o quanto o admirarei no futuro. Não sei ainda o papel que terá no meu olhar sobre o mundo a sua honestidade férrea. Não faço ideia sequer de que está já plantando em mim a semente renovadora (e até um pouco maligna) da auto-determinação, incutindo-me a urgência de suplantar o destino que me parece guardado. Ou talvez comece já a intuir alguma coisa, não sei. Estamos na cozinha fria dos Açores. Lá fora, o silêncio. Não passam automóveis na rua em dias de futebol – os próprios melros parecem suspender o seu desenfreado canto quando joga o Sporting. Há como que um estertor de ansiedade por dentro do meu pai. Ondas peristálticas percorrem-lhe o pescoço, o peito, o estômago – e, no entanto, nem um esgar, nem um salto incontido, nem um gesto de impaciência. Até que se confirma que perdemos. Perdemos sempre, na verdade. Sempre que é importante. E então ele ergue-se silencioso, tossica a sua tosse tímida e nervosa, como que dando por concluída a tarefa mais irrelevante e aborrecida do dia – e desaparece lá para trás, para o quintal, onde passará a noite com um maço e um escopro, abrindo buracos sem razão aparente, e que no fim-de-semana seguinte se ocupará de tornar a tapar, assim o Sporting volte a perder.
Ao significado de tudo isto, demoro ainda muito tempo a percebê-lo. Nos quinze anos seguintes haveremos de viver a dois mil quilómetros um do outro – e mesmo quando, a dada altura, uma parte do meu ano começar a ser vivida não a dois mil quilómetros dele, mas a cem metros apenas, a distância entre nós demorar-se-á a mesma. E, contudo, continuaremos a ter o futebol. Teremos sempre o futebol. Mesmo que não encontremos mais nada sobre o que falar um com o outro, haverá o Sporting. Às vezes ainda tentamos fugir-lhe. Fugir-lhe, não: transcendê-lo. Não há razão para fugirmos do Sporting, afinal: o Sporting sempre nos partiu o coração, mas o que lhe devemos é já muito mais importante do que a simples alegria. Tentamos diversificar a conversa, digamos. Falamos do trabalho. Dos afazeres. Da crise. Da meteorologia – e, enfim, outra vez do Sporting (ou da selecção nacional, durante as grandes competições internacionais), agora menos frustrados com o fracasso dos outros assuntos do que gratos por aquele maravilhoso lugar a que poderemos voltar sempre. E, a certa altura, já nem é sequer uma possibilidade de comunicação, aquele jogo: é uma declaração de amor. Como, se calhar, se limitou sempre a ser: apenas a única maneira que encontrámos os dois de dizer um ao outro que nos amávamos, sem termos de efectivamente utilizar essas palavras.
O pai. Julgo que não me engano se disser que a idade adulta começa no momento em que um homem é pela primeira vez capaz de admirar o seu pai. O meu pai. Tenho a certeza de que, por muito que me tivesse esforçado, e ainda que o houvesse mesmo feito, eu jamais teria conseguido ser durante cinco minutos metade daquilo que ele foi ao longo de toda a vida, sem uma hesitação, sem uma ressalva, sem outra intenção que não apenas sê-lo. E que ainda é, aliás. Muitos escritores fizeram questão, algures ao longo da vida, de homenagear o pai. Fizeram-no muitas vezes a título póstumo, outras tantas quando ele se encontrava no leito de morte. Fizeram-no como forma de estender o braço, de recuperar o tempo perdido, de vencer a distância. Toda a literatura é isso, provavelmente: o impulso de vencer a distância, a irredutibilidade desse impulso. A mim, o momento de fazê-lo sobreveio-me talvez mais cedo do que a outros (embora mais tarde do que a muitos também). Chegou quase como uma epifania, sem se anunciar, quando eu sabia já que queria falar por uma última vez de futebol, mas ainda não porquê. E chegou avassalador: tomou o texto nas mãos e foi por aí fora, instrumentalizando-nos a todos, as pessoas, os lugares, os objectos, a rotinas, os cheiros – todos reduzidos a não mais do que ferramentas, como se a nós próprios não nos restasse mais do que abrir buracos sem razão aparente, talvez apenas para que pudéssemos fechá-los mais tarde, ainda que de novo por nenhum motivo que não o de manusear buracos.
Ao livro que resulta desse exercício decidi chamar-lhe “Os Sítios Sem Resposta”. A vida, se alguma vez puder ser reduzida a um sentido só, não passará provavelmente disso: de uma deriva pelos espaços que nada têm para dizer-nos de volta, da procura de um lugar a que possamos chamar nosso, do desorientado mas furioso caminho de regresso a casa. Mas, sobretudo, foi ao lado do meu pai que eu li pela primeira vez esse verso, esse maravilhoso poema de Tolentino de Mendonça que eu nem imaginava ainda roubar. “Regressamos a uma terra misteriosa/ trazemos uma ferida/ e o corpo ferido/ imprevistamente nos volta/ para margens mais remotas// (…) para além do jogo das nossas defesas/ qualquer coisa interior/ a intensa solidão das tempestades/ os campos alagados,/os sítios sem resposta// o teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços.” Era sábado, eu estava à beira da mais importante e dramática decisão da minha vida (um momento puramente revolucionário, talvez, mas isso agora é o menos) e tinha por acaso o meu pai a meu lado, em Lisboa. Por acaso, não. De maneira nenhuma por acaso: alguma coisa nos dissera que devíamos estar juntos naquele dia, naquele tempo – alguma coisa dentro de nós nos encaminhara para ali. Passámos a tarde juntos, em silêncio, deambulando pela casa. Foi aí que eu o li. “Silêncio.” E então, sim, entrámos no meu Smart. Abrimos o tejadilho. Pusemos um disco de funk – e dirigimo-nos para Norte.
O Sporting, naturalmente, perdeu. Se ganhasse, conquistaria também o campeonato, pondo fim a novos quatro anos sem títulos de importância alguma. Durante mais de uma hora, o Sporting em cima deles. Ataques pela esquerda, ataques pela direita, determinação defensiva, resiliência. O Sporting comovente, como tantas vezes é o Sporting, sobretudo se a caminho de mais uma bela derrota. Pelo menos, eu recordo-o assim: abnegado e comovente. Até que, aos oitenta e quatro minutos, um pontapé longo do guarda-redes adversário. Para além do jogo das nossas defesas, qualquer coisa interior. O corpo ferido. Dois toques, uma triangulação – e nós reconhecendo já aquilo, aquele ritmo, aquela melodia. O silêncio. A intensa solidão das tempestades, os campos alagados, os sítios sem resposta. Um remate – e, pronto: golo do FC Porto. O teu silêncio, ó Deus – o teu silêncio altera por completo os espaços. Golo do FC Porto e, de novo, o fracasso. Mas, de novo também, não apenas meu. Não apenas dele. Nosso. O estádio atónito, insultos trocando-se entre adversários, murros digladiando-se entre amigos. E nós ali. Um ao lado do outro. No silêncio de sempre – voltando à cozinha fria dos Açores, ouvindo outra vez suspender-se o canto dos melros e, enfim, dispersando, ele para o escopro com que abriria buracos pelo quintal, eu ao quarto da infância, onde poria uma almofada sobre a cabeça, para reprimir as lágrimas, e tentaria dormir até ao fim-de-semana seguinte.
Nenhuma literatura alguma vez fez isto por mim. Nenhuma poesia, nenhuma arte, nenhuma filosofia. Fê-lo o futebol. E dedicar-lhe um romance, bem vistas as coisas, é pequeníssima penitência para tão grande milagre.
Qi, 9 de Junho de 2012.
April 20, 2012
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA: Notícias
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
Eventos e outras notícias:
Centena e meia de pessoas
no lançamento nacional
«Um excelente livro e uma bela surpresa. Um retrato do vazio e do seu rosto mais nobre: a solidão e o silêncio», disse António-Pedro Vasconcelos, durante o lançamento nacional de "Os Sítios Sem Resposta", realizado ao final da tarde de 18 de Abril. Encarregue da apresentação, o cineasta destacou o lirismo e a lucidez do romance, numa intervenção que desafiou e divertiu e enterneceu as cerca de 150 pessoas reunidas no restaurante do centro comercial El Corte Inglés, em Lisboa. «O culto da nostalgia não nos trai, porque a memória emoldura as imagens, congela o tempo, embalsama as recordações. (...) A lucidez é o refúgio tardio dos românticos», disse ainda Vasconcelos. Personalidades da política (como João Bosco Mota Amaral), do empresariado (como Joaquim Oliveira), da literatura (como Alice Vieira), do jornalismo (como João Marcelino) e do futebol (como Ricardo) participaram na sessão. (foto © Jorge Pombo)

"O Terceiro Servo" incluído
no Plano Regional de Leitura
Estes livros, disse em conferência de imprensa a secretária regional de Educação e Cultura, Cláudia Cardoso, "dirigem-se ao público em geral, sem especificação de níveis etários ou escolares", ficando portanto a cargo dos cidadãos e dos educadores "a missão da escolha de entre esta lista de livros os que considerem mais adequadas ao desenvolvimento intelectual, social e ético", o seu próprio e o dos mais jovens. Depois de anos a debater o projecto, o Governo Regional conseguiu levar avante a constituição de uma comissão e definir um Plano Regional de Leitura, que de resto veio a merecer ampla campanha de divulgação nos órgãos de media regionais. A lista, com obras nos domínios da narrativa, da poesia e do ensaio, inclui autores como Vitorino Nemésio, Natália Correia, João de Melo, Cristóvão de Aguiar, Álamo Oliveira ou Katherine Vaz. "O Terceiro Servo", de Joel Neto (2000), é um dos 60 livros recomendados.
April 1, 2012
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA: Pré-publicação
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
Pré-publicação:
Será mesmo proibido
mudar de clube ?
Dez anos depois de "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas", Joel Neto regressa à ficção. A J antecipa, em primeira mão, três excertos de "Os Sítios Sem Resposta", nas bancas a partir desta terça-feira, com chancela da Porto Editora
«Mudei de clube num dia de Novembro. O sol jorrava sobre Lisboa, que o recebia com um misto de gratidão e rancor – e, no entanto, nem o mês em curso nem as condições meteorológicas vigentes, extraordinárias mas não inéditas, tiveram o que quer que fosse a ver com a minha decisão.
O que aconteceu, no essencial, foi o que sempre acontecia às segundas-feiras: estávamos os três, eu, Pedro e Alberto, prolongando o almoço muito para lá do devido sob o sol tardio de um daqueles Outonos ferventes após os quais só podia vir chuva, muita chuva, muito mais chuva do que era suposto um Deus misericordioso derramar sobre as suas criaturas – e, naturalmente, falávamos de futebol. Até que, ao concluir outra das suas habituais dissertações sobre as origens de nova e inexorável série de derrotas do Sporting, a fé que nos unia e nos puxava para baixo e nos tornava a unir lá no fundo, Alberto ergueu o terceiro uísque:
– Que se lixe. Um homem muda de mulher, muda de partido, muda de religião, muda de tudo aquilo que quiser, até de sexo, mas de clube é que não muda nunca. Portanto, viva o Sporting!
E eu, como se não pudesse evitá-lo, dei por mim de repente:
– Mas não muda porquê?
E logo a seguir, incapaz de conter-me ainda:
– Uma merda, é que não muda… Pois escreve aí direitinho, que é para depois não te esqueceres: eu agora sou do Benfica.
Dei por mim a dizê-lo e, ainda por cima, a gostar de ouvir-me dizê-lo:
– Aí tens. Sou do Benfica. Mudei para o Benfica. Mudei para o Benfica e agora quero é que o Sporting vá morrer longe.»
***
«O dia em que pela primeira vez recebi a visita da executiva dos sapatos de vidro foi uma quinta-feira, antevéspera de Natal. Como de costume, eu optara por não tirar férias durante a quadra, aproveitando o silêncio da empresa, a libertadora desolação de Lisboa e a quase total ausência de clientes (embora não para a malta do Departamento de Sinistros, atarantada com a profusão de acidentes ocorridos ao longo da quinzena) para queimar duas semanas de trabalho e justificar-me por não voltar a São Bartolomeu pelas festas. Estava ainda a dormir no momento em que fui acordado pelo som do telefone – e, quando do outro lado soou finalmente uma voz, não ouvi mais nada senão:
– Às sete?
Fiquei calado durante alguns segundos, incerto ainda sobre se o telefone tocara mesmo e se, de facto, alguém dissera aquelas palavras: "Às sete?" Mas a verdade é que a voz que roufenhara do outro lado da linha continuava lá, à espera de uma resposta. Eu escutava um leve arfar, um fole compassado que parecia fazer vibrar o telefone junto ao meu ouvido – e a curiosidade sobre de quem se tratava e o que pretenderia essa pessoa, reforçada pelo silêncio que entretanto se substituíra àquela críptica pergunta inicial, apenas acentuava a estranheza imensa que era acordar com uma voz.
Limitei-me a devolver:
– Perdão?
E então a voz voltou:
– Às sete?
Ocorreu-me que fosse engano. Depois censurei-me por essa persistente incredulidade que me enegrecia o espírito – mas logo tornei a desconfiar. O mais provável era que se tratasse de uma brincadeira – e, no curto leque de potenciais humoristas, não me ocorria outro senão Alberto, amargurado e cheio de boa vontade, determinado a lançar água sobre a fervura da nossa pequena disputa, propondo tréguas da forma mais dissimulada e indolor possível.
Na realidade, era difícil determinar o que quer que fosse sobre a voz. Até àquele momento, eu sabia apenas uma coisa. Melhor, duas. Primeiro, que era uma voz de mulher (e eu recebia cada vez menos telefonemas de mulheres). Segundo, que nunca a tinha ouvido (eu não tinha por hábito esquecer uma voz de mulher).
De maneira que, para cobrir todas as possibilidades e manter em aberto as diferentes perspectivas, decidi responder apenas: "Às sete", no momento em que a voz se cansasse de esperar e repetisse ainda uma última vez a pergunta inicial. E, quando ela o fez e eu balbuciei a anuência, ainda a medo e como quem espera uma reacção, a mulher desligou de uma vez a chamada, sem um comentário, sem uma despedida, sem nada. Escutou com indiferença aquelas duas palavras vazias:
– Às sete.
E já não voltou a falar, limitando-se a pousar o auscultador, com a secura perturbadora de quem vê cumprida a mais insignificante e aborrecida tarefa do dia.
Eram sete e meia da manhã – e, de súbito, as quase doze horas que mediavam aquele momento e as sete da tarde, contanto fosse das sete da tarde que se falava, pareceram-me uma eternidade. Para além do mistério óbvio sobre as reais intenções por detrás daquele telefonema, e que a agitação quase me fizera relegar para segundo plano, o facto é que havia algo como que de terrível naquela voz. E a revelação do castigo que ela me trazia, a dúvida quanto ao que, afinal, me reservara o destino para o dia em que eu não pudesse mais esconder-me da sua ira, era precisamente a minha grande expectativa para o encontro das sete horas. Partindo do princípio de que se tratava de um encontro.»
***
«A mulher que me surgiu à frente, quando enfim fui abrir a porta, passavam onze minutos das sete da tarde, era diferente de tudo aquilo que eu esperara. Tinha uns olhos negros e resolutos, e tudo o mais na sua aparência combinava na perfeição com esse aspecto definitivo de quem em todas as circunstâncias faz da vida uma coisa séria, sem uma pausa, sem uma hesitação. Relativamente baixa e vestida com um fato azul-escuro quase colado à pele, num intrincado jogo de curvas e requebros apenas interrompido pelos saltos pontiagudos dos seus sapatos transparentes, e que a quem olhava de longe pareciam feitos de vidro, esforçava-se por parecer mais velha do que de facto era, amaneirando gestos e poses que a frescura do rosto traía com abundância. Mas em nenhum momento perdeu a compostura – e, quando a porta se abriu, deixou cair ao de leve a cabeça para trás, abriu um pouco mais os olhos, a avaliar-me, e depois acenou com veemência, pedindo licença, ou talvez ordenando que se abrissem alas, para entrar num espaço que sem dúvida lhe pertencia.
Manteve-se calada durante bastante tempo, como se o próprio acto de falar estivesse para além das suas responsabilidades – e a sucessão de ocorrências que se esforçou por desencadear nos trinta minutos subsequentes, primeiro como que surpresa pela minha estupefacção, depois quase conformada por ter de arrancar-me à inércia, não é fácil de descrever assim, com palavras apenas. Mesmo agora, neste momento em que a recordo, sou assaltado por um persistente calafrio que me nasce ao fundo das costas e me percorre a espinha, fulminante, como se brotasse das profundezas e se erguesse no ar, desafiando-me com a sua alegria e a sua imundície. No momento em que estalei o trinco da porta, e enquanto tentava ainda perguntar-me quem era aquela mulher, por que me telefonara e o que afinal queria de mim, ela deixou cair o casaco, pousou a pasta com um gesto negligente, descalçou os sapatos um no outro, sem sequer lhes tocar com as mãos, e dirigiu-se à sala com a autoridade de quem a conhecesse desde sempre. Depois, voltou-se para trás, esperou um pouco, encheu o peito de ar, soltou a camisa do cós da saia e abriu os três botões de baixo, um de cada vez. A seguir, tornou a esperar um pouco, arqueando as sobrancelhas – e, então, como eu continuasse ali estático, encostou-se finalmente a mim, à espera de ser persuadida a abrir os botões que permaneciam fechados: tudo com a naturalidade de uma velha concubina que tem de amar depressa porque, entretanto, outros afazeres a aguardam.
Eu continuava atarantado, procurando situar-me no meio daquela farsa – e, incapaz de evitá-lo, olhava e tornava a olhar para a janela, certificando-me de que ninguém estava a ver ou, estando-o, me dissesse que não tinha enlouquecido, que aquilo acontecia mesmo, que bastava esperar um pouco e logo compreenderia tudo. Quando a mulher me encostou à parede e me segurou com ênfase os testículos, no entanto, percebi que tinha uma erecção. No momento em que me beijou, melando-me por completo os lábios, com a língua enfiada bem fundo na minha boca, senti um tal ardor percorrer-me o baixo ventre que por pouco não me vim de imediato. E, tão cedo me abriu a braguilha, me puxou as calças para baixo e me passou a língua ao longo do pénis, do princípio ao fim e depois outra vez ao princípio, desemaranhando com cuidado os pêlos que se eriçavam de surpresa e de desejo, agarrei-me à ombreira da porta da sala, lancei a cabeça para trás e deixei-me conduzir ao quarto.»
REVISTA J (JORNAL O JOGO), 1 DE ABRIL DE 2012
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA: Outros links
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
Outros links:
-> Pieguice discutida no II Festival Literário da Madeira.
-> "Os Sitios Sem Resposta" nos comentários do Professor Marcelo.
-> Proposta literária em debate n'O Livro do Dia (TSF).
-> Entrevista ao blog "Silêncios Que Falam".
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA: Entrevistas
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
Entrevistas:
O JOGO: "ESTE LIVRO ANDA COMIGO JÁ MUITOS ANOS"
REVISTA J, 1 DE ABRIL DE 2012
"Os Sítios Sem Resposta" é um livro sobre o quê?
É sempre difícil dizer sobre o que um romance é. Principalmente para o autor, que é a pessoa menos bem posicionada para fazê-lo. É seguramente sobre a identidade. Penso que é sobre a solidão também. E é, claro, sobre a relação pai/filho, sobre a diferença campo/cidade e sobre o futebol como recurso de comunicação inter-geracional e inter-geográfica (permitam-me o palavrão).
Há algo de autobiográfico neste livro?
Claro. Há sempre – e eu, em particular, nunca o escondo. Diz a Agustina que estamos sempre a escrever esse livro e que estamos sempre a escrever sobre nós. Diz bem. É a única forma de sermos verdadeiros.
Ou isto é a vida que gostaria de ter/ter tido?
Não vejo diferença. A vida que vivemos e a vida que gostaríamos de ter vivido são ambas parte de nós. Aquilo que somos e o seu contrário, o que fizemos e o que lamentamos não ter feito – tudo isso define uma mesma pessoa.
Num destes excertos, fala sobre a mudança de clube. Achas que isso é possível?
É a linha condutora do livro. O primeiro plot, para recorrer à gíria literária. Um homem quer morrer e nascer de novo e, dada a urgência dessa metamorfose, decide começar por aquilo que se diz ser imutável. O povo garante que não é possível. Será?
Há quanto tempo está a escrever este livro?
Em permanência, é um trabalho de dois anos. Mas os primeiros textos que ele inclui foram escritos em 1999, há portanto 13 anos. Este é um livro que andou sempre comigo.
De onde veio a inspiração?
Dos meus medos. Dos meus desejos. E do que nesses medos e nesses desejos existe também de medo e de desejo de uma série outras pessoas. É delas que os livros vão à procura: das pessoas que possam rever-se nele (e comover-se com ele), mesmo que por oposição.
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA: Críticas
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
Críticas e notas de leitura:
«Um tour de force. O melhor livro que li este ano (e já li umas dezenas). Magnífico, com tudo no sítio e a demonstração que é possível escrever em português de Portugal como os brasileiros descobriram há muito ser possível com o português deles.»
Pedro Boucherie Mendes (4-4-12)
«Há amizades feitas, desfeitas e refeitas, casamentos, divórcios e sexo ocasional. E a conclusão de que no futebol, tal como na vida, está longe de haver resposta para tudo.»
Carlos Vaz Marques (TSF, 2-4-12)
«Há o Sporting contra o Benfica e muito mais do que futebol. (...) Escrito com a prosa em toque poético, passe de letra. (...) A palavra nunca deixa de correr ao longo das páginas em subtil sedução. (...) E, no fundo, é nisso que se tece e entretece todo o encanto que o romance tem, que o romance é.»
António Simões (A Bola, 4-4-12)
March 20, 2012
Já nas livrarias:
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
«Um romance melancólico e comovente.»
Joana Emídio Marques, Diário de Notícias
«Neste jogo, quem ganha é a Literatura.»
Luís Ricardo Duarte, Jornal de Letras
Um homem muda de tudo: muda de mulher e de partido, muda de religião e até de sexo – muda daquilo que quiser, menos de clube de futebol. Miguel João Barcelos mudou. Atrás, tem dois casamentos fracassados, uma monótona carreira de profissional de seguros e uma longa história de serões passados ao lado do pai, chorando algumas das mais belas e irresistíveis derrotas do Sporting. Agora, começou a sofrer pelo Benfica. E é quando se prepara para confessar o seu crime que vê entrar em cena uma misteriosa executiva de saltos altos, determinada a virar do avesso todas as certezas sobre as quais esperava erguer o seu projecto de nascer de novo.
Um fresco sobre a solidão que é, ao mesmo tempo, uma viagem ao coração dos homens e um tributo ao indecifrável poder das mulheres. Dez anos depois de "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas", Joel Neto regressa à ficção – e para ficar.
Críticas e notas de leitura aqui
Entrevistas aqui
Outros links aqui
Pré-publicação aqui
LANÇAMENTOS:
- LISBOA: dia 18 de Abril, El Corte Inglés, 18.30, com apresentação de ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS.
- PORTO/GAIA: dia 30 de Abril, El Corte Inglés, 18.30, com apresentação de JÚLIO MACHADO VAZ.
- LOURINHÃ: dia 2 de Junho, Biblioteca Municipal da Lourinhã (Livros a Oeste), 17.00, com apresentação de JOSÉ DO CARMO FRANCISCO.
- PONTA DELGADA: dia 11 de Junho, Livraria Solmar-Artes&Letras, 19.00, com apresentação de VAMBERTO FREITAS.
- ANGRA DO HEROÍSMO: dia 25 de Junho, Salão Nobre da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, 19.30 (Festas Sanjoaninas), com apresentação de CUNHA DE OLIVEIRA.
FEIRAS:
- LISBOA: Feira do Livro de Lisboa
MESA DE DEBATE: 11 de Maio, 21.00, com Miguel Real e André Barata ("Portugal e a História").
SESSÕES DE AUTÓGRAFOS: 27 de Abril (à tarde) e 12 de Maio (à tarde).
- PORTO: Feira do Livro do Porto
SESSÃO DE AUTÓGRAFOS: data a confirmar.
FESTIVAIS:
- FUNCHAL: Festival Literário da Madeira, de 15 a 18 de Março (realizado).
- LOURINHÃ: Livros a Oeste, de 31 de Maio a 6 de Junho.
Novo livro já nas livrarias
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
Um homem muda de tudo: muda de mulher e de partido, muda de religião e até de sexo – muda daquilo que quiser, menos de clube de futebol. Miguel João Barcelos mudou. Atrás, tem dois casamentos fracassados, uma monótona carreira de profissional de seguros e uma longa história de serões passados ao lado do pai, chorando algumas das mais belas e irresistíveis derrotas do Sporting. Agora, começou a sofrer pelo Benfica. E é quando se prepara para confessar o seu crime que vê entrar em cena uma misteriosa executiva de saltos altos, determinada a virar do avesso todas as certezas sobre as quais esperava erguer o seu projecto de nascer de novo.
Um fresco sobre a solidão que é, ao mesmo tempo, uma viagem ao coração dos homens e um tributo ao indecifrável poder das mulheres. Dez anos depois de "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas", Joel Neto regressa à ficção – e para ficar.
Pré-publicação aqui
Críticas e notas de leitura aqui
Entrevistas aqui
Outros links aqui
LANÇAMENTOS:
- LISBOA: dia 18 de Abril, El Corte Inglés, 18.30, com apresentação de ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS.
- PORTO/GAIA: dia 30 de Abril, El Corte Inglés, 18.30, com apresentação de JÚLIO MACHADO VAZ.
- LOURINHÃ: dia 2 de Junho, Biblioteca Municipal da Lourinhã (Livros a Oeste), 17.00, com apresentação de JOSÉ DO CARMO FRANCISCO.
- PONTA DELGADA: dia 11 de Junho, Livraria Solmar-Artes&Letras, 19.00, com apresentação de VAMBERTO FREITAS.
- ANGRA DO HEROÍSMO: dia 25 de Junho, Salão Nobre da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, 19.30 (Festas Sanjoaninas), com apresentação de CUNHA DE OLIVEIRA.
FEIRAS:
- LISBOA: Feira do Livro de Lisboa, 27 de Abril e 12 de Maio.
- PORTO: Feira do Livro do Porto, data a confirmar.
FESTIVAIS:
- FUNCHAL: Festival Literário da Madeira, de 15 a 18 de Março (realizado).
- MATOSINHOS: Festival Literatura em Viagem, de 20 a 22 de Abril (por confirmar)
- LOURINHÃ: Livros a Oeste, de 31 de Maio a 6 de Junho.
Novo livro nas livrarias a 3 de Abril
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
Um homem muda de tudo: muda de mulher e de partido, muda de religião e até de sexo – muda daquilo que quiser, menos de clube de futebol. Miguel João Barcelos mudou. Atrás, tem dois casamentos fracassados, uma monótona carreira de profissional de seguros e uma longa história de serões passados ao lado do pai, chorando algumas das mais belas e irresistíveis derrotas do Sporting. Agora, começou a sofrer pelo Benfica. E é quando se prepara para confessar o seu crime que vê entrar em cena uma misteriosa executiva de saltos altos, determinada a virar do avesso todas as certezas sobre as quais esperava erguer o seu projecto de nascer de novo.
Um fresco sobre a solidão que é, ao mesmo tempo, uma viagem ao coração dos homens e um tributo ao indecifrável poder das mulheres. Dez anos depois de "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas", Joel Neto regressa à ficção – e para ficar.
******************************************************
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
-> nas livrarias a 3 de Abril
******************************************************
Joel Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1974. Está traduzido em Inglaterra e na Polónia, editado no Brasil e representado em antologias em Espanha, Itália e Brasil. O seu primeiro romance, "O Terceiro Servo", foi objecto de tese de doutoramento na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no Brasil. "O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas", que publicou a seguir, foi adoptado como leitura obrigatória pela Universidade dos Açores. Vive entre o coração de Lisboa e a Terra Chã, freguesia rural da ilha Terceira, onde cresceu, e desenvolve há mais de uma década intensa actividade como cronista em alguns dos mais importantes jornais portugueses. Na Porto Editora tem anteriormente publicado "Banda Sonora Para Um Regresso A Casa" (2011), uma selecção das suas melhores crónicas publicadas entre o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
Nas livrarias:
OS SÍTIOS SEM RESPOSTA
de Joel Neto (Porto Editora, 2012)
«Um romance melancólico e comovente.»
Diário de Notícias
Time Out
«Neste jogo, quem ganha é a Literatura.»
Jornal de Letras
Um homem muda de tudo: muda de mulher e de partido, muda de religião e até de sexo – muda daquilo que quiser, menos de clube de futebol. Miguel João Barcelos mudou. Atrás, tem dois casamentos fracassados, uma monótona carreira de profissional de seguros e uma longa história de serões passados ao lado do pai, chorando algumas das mais belas e irresistíveis derrotas do Sporting. Agora, começou a sofrer pelo Benfica. E é quando se prepara para confessar o seu crime que vê entrar em cena uma misteriosa executiva de saltos altos, determinada a virar do avesso todas as certezas sobre as quais esperava erguer o seu projecto de nascer de novo.
Um fresco sobre a solidão que é, ao mesmo tempo, uma viagem ao coração dos homens e um tributo ao indecifrável poder das mulheres. Dez anos depois de “O Citroën Que Escrevia Novelas Mexicanas”, Joel Neto regressa à ficção – e para ficar.
Críticas e notas de leitura aqui
Eventos e notícias aqui
Entrevistas aqui
Outros links aqui
Pré-publicação aqui
LANÇAMENTOS:
- LISBOA: dia 18 de Abril, El Corte Inglés, 18.30, com apresentação de ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS.
- PORTO/GAIA: dia 30 de Abril, El Corte Inglés, 18.30, com apresentação de JÚLIO MACHADO VAZ.
- LOURINHÃ: dia 2 de Junho, Biblioteca Municipal da Lourinhã (Livros a Oeste), 17.00, com apresentação de JOSÉ DO CARMO FRANCISCO.
- PONTA DELGADA: dia 11 de Junho, Livraria Solmar-Artes&Letras, 19.00, com apresentação de VAMBERTO FREITAS.
- ANGRA DO HEROÍSMO: dia 25 de Junho, Salão Nobre da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, 19.30 (Festas Sanjoaninas), com apresentação de CUNHA DE OLIVEIRA.
ENCONTROS E LEITURAS:
- GUIMARÃES: 28 de Abril, FNAC, 15.00.
- BRAGA: 28 de Abril, FNAC, 21.30.
- LISBOA: 21 de Maio, El C0rte Inglés (Sala de Âmbito Cultural), Curso de Escrita Criativa, 19.00.
- OEIRAS: 30 de Maio (local e hora a confirmar), "Café Com Letras", com Carlos Vaz Marques.
FEIRAS:
- LISBOA: Feira do Livro de Lisboa
MESA DE DEBATE: 11 de Maio, 21.00, com Miguel Real e André Barata ("Portugal e a História").
SESSÕES DE AUTÓGRAFOS: 27 de Abril (18.00-20.00) e 12 de Maio (15.00-18.00).
- PORTO: Feira do Livro do Porto
SESSÃO DE AUTÓGRAFOS: data a confirmar.
FESTIVAIS:
- FUNCHAL: Festival Literário da Madeira, de 15 a 18 de Março.
- LOURINHÃ: Livros a Oeste, de 31 de Maio a 6 de Junho.


