Joel Neto's Blog, page 100

June 14, 2012

Blog é que é

Este espaço volta hoje a ser um blog tradicional. Como, se calhar, nunca devia ter deixado de ser. Para os livros, há um separador especial lá em cima. Para o mais que não cabe em lado nenhum, outro ainda. De resto, sabe bem voltar. Obrigado aos que ainda não haviam desistido.

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Published on June 14, 2012 20:26

Notas para um livro infantil


Três pássaros: um santo antoninho, um canário e um pardal. Um cor-de-laranja, outro amarelo e outro cinzento. Clero, nobreza e povo. Raros e difíceis de apanhar, os canários: os únicos que se criam em cativeiro, de onde de resto emitem o canto mavioso capaz de encher uma casa. Fáceis de apanhar, os pardais, mas inúteis para cativeiro – e, para além de tudo, mal afamados por via do seu carácter omnívoro (o que se quer de um pássaro livre é que seja carnívoro, caso em que poupará frutas e colheitas). É dá-los aos gatos, pois. Fáceis de apanhar, também, os santo antoninhos. Mas estes rodeados de uma aura de bondade (para que o próprio contraste do peito laranja com a erva verde contribui) e sempre devolvidos à natureza com o sentido de missão e a delicadeza de quem liberta um anjo. Ou então com a mágoa e o ressentimento de quem liberta um peixe-sapo do anzol. Evitar meninos bondosos com sotis de cana (os meninos não são bondosos), bem como pardalinhos racalcitrantes e outros moralismos primários. Há um avô, é o meu, isso é quase tudo. E, sim, há uma sotil, de cana, perfeita, e foi ele que a fez.

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Published on June 14, 2012 20:07

O Lugar dos Homens Devastados


O meu próximo romance passa-se em parte neste vale.

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Published on June 14, 2012 18:37

Para Um Regresso a Casa


 


(...) Todos os anos, por esta altura, regresso à casa dele. Durmo na cama onde ele dormiu, como nos pratos em que ele comeu, abro e fecho as portas e as janelas que ele abriu e fechou. Há uma parte de mim que se recupera, mas isso eu não preciso explicar-vos. “Ninguém pode viver sem uma aldeia”, diz o poeta, “todos nós temos que ter uma avó” – e vocês, sei-o bem, também tiveram uma avó. Eu, que me perdoe Maria do Carmo, tive um avô. Era pequeno e passional, sorridente e colérico em catadupa. Como os velhos dos Açores, comia sopas de leite, bebia café puro e cheirava rapé – e no bolso trazia invariavelmente três objectos: um lenço-da-mão, uma navalha afiada e a sua boceta. Preta, selada com uma rolha de cortiça puída – e com uma extraordinária forma de coração que bem podia ser invenção minha se eu não tivesse efectivamente vindo a reencontrá-la na garagem, no fundo de um balde de pesca, onde há anos eu próprio a deixara como caixa de anzóis.


José Guilherme. Toda a minha vida foi, a certa altura, uma reprodução em miniatura da vida grande e inalcançável dele. À noite, quando se acabava o jantar e as mulheres queriam ver a “Escrava Isaura”, refugiávamo-nos na casa-de-despejo – e então ali ficávamos horas a brincar aos carpinteiros, ele com o seu serrote grande e eu com o meu serrote pequenino, ele com a sua plaina grande e eu com a minha plaina pequenina. De dia, íamos ordenhar as vacas, a Bem-Feita e a Estrela – e então lá subíamos os cerrados os dois, ele com as suas botas-de-cano grandes e eu com as minhas botas-de-cano pequeninas, ele com a sua bilha de leite grande e eu com a minha bilha de leite pequenina, ele subindo a custo, apoiado no seu bordão grande de pau de roseira, e eu imitando-o atrás, quase rindo, com o meu bordão de fona-de-porca girando no ar e despedaçando às escondidas as rocas-de-velha e as suas flores amarelas que davam um suco adocicado e a que chamávamos “chupes”. Até que, enfim, ele se sentava numa pedra e puxava da sua boceta grande – e então eu sentava-me ao lado puxava da minha boceta pequenina. (...)


"Banda Sonora Para Um Regresso a Casa", Porto Editora (2011)

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Published on June 14, 2012 18:26

Jornalistas de A Bola roubados por polícias na Ucrânia

A democracia do sr. Yanukovych (e do sr. Putin, claro) continua em grandíssima forma. Quem sabe para a próxima não mantínhamos associado o indissociável, nomeadamente o futebol da política?

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Published on June 14, 2012 17:55

Os Açores em mudança


Tomei hoje conhecimento de alguns dos dados de uma sondagem segundo a qual Berta Cabral se prepara para vencer o sufrágio de Outubro por maioria relativa, mas confortável. Tendo em conta a dinâmica eleitoral dos Açores, incluindo a velha máxima segundo a qual quaisquer eleições disputadas no arquipélago durante o Outono se ganham sobretudo até 15 de Junho, é bom sinal.


Aparentemente – e quem conversa com os cidadãos anónimos e/ou confere as nomeações de colaboradores do actual Governo para empresas públicas não tem dificuldade em dá-lo por comprovado –, os açorianos perceberam que o que está agora em causa já é muito mais do que os partidos e, aliás, do que a própria política: é o resgate da Região a uma espiral de esquizofrenia marcada por 16 anos de poder em degradação persistente, de eleitoralismo desenfreado, de subsídios atribuídos à balda e de declínio da massa crítica das ilhas.


Enfim, os Açores – esses mesmo que resistiram a terramotos e tempestades, que rechaçaram invasores e pragas agrícolas, que se empenharam na solidificação de uma identidade comum e na concretização de uma autonomia política – estão novamente disponíveis para agarrarem o seu destino com as próprias mãos, para voltarem a cultivar os valores da cidadania, para fazerem as pazes com a ideia de bem comum. Depois de década e meia de ascensão acelerada em todos os piores rankings nacionais (o consumo de álcool, a violência doméstica, a gravidez precoce, o rendimento social de inserção), incluindo a liderança em vários deles – mas não, claro, no do rendimento médio das famílias, em que todos os anos lutam pela cauda da tabela –, trilham agora o caminho da mudança.


Em vez de um presidente, querem passar a ter uma presidente: Berta Cabral, social-democrata e líder da Câmara Municipal de Ponta Delgada. E querem também, aparentemente, que o exercício do poder seja negociado, nomeadamente através de um acordo pós-eleitoral entre o PSD e o CDS de Artur Lima. Outro bom sinal, visto que foi precisamente o CDS a viabilizar o melhor dos quatro governos do PS e de Carlos César: o primeiro, com vigência entre 1996 e 2000, assente numa maioria relativa e, ainda assim, capaz de cumprir uma legislatura inteira.


Pois que o PS, enquanto principal partido da oposição, saiba honrá-lo da mesma maneira que, quando foi chamado a isso, o PSD o fez. De resto, o futuro sorri. Há quantos anos, nos Açores, não era assim?

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Published on June 14, 2012 17:11

Contradições de uma caminhada (para já) bem sucedida


Jogos como o de ontem parecem feitos à medida da carneirada. Ainda não tinha acabado e já parecia que eu estava a ouvir o habitual justiceirismo lusitano, nas suas sempre encantadoras proverbialidade e força gramatical: “Tirem dali o Ronaldo!”, “Andas-te na night, ó CR7?” “Palhaçoooo!” Deixemo-las, enfim, para os espaços a que pertencem: o FaceBook e os fóruns radiofónicos. O que me preocupa é isto: Portugal fez frente à Alemanha um jogo razoável que acabou por correr mal e frente à Dinamarca um jogo medíocre que acabou por correr bem. No essencial, ainda não saiu da mediania. E ontem, para além de mais um sinal de que nem tudo está bem no balneário (“Já aí vêm os craques…”, disse sarcasticamente Rolando na zona mista, quando os jornalistas lhe pediram uma declaração), surgiu ainda mais um sintoma: a displicência. Portugal podia ter construído um grande resultado, mas perdeu várias oportunidades por displicência, permitiu dois golos por displicência e entregou inúmeras bolas, atrás e à frente, por displicência também. Portanto, contra a Holanda, que agora precisa mesmo de ganhar, será absurdo que Ronaldo e Nani não defendam, será absurdo que a equipa jogue toda para o ego do capitão, desperdiçando linhas de passe melhores, e será absurdo que não se tenha em conta que certo avançado já nos marcou um monte de golos, que a zona à direita dos nossos centrais é frágil no jogo aéreo ou que um médio-ala adversário está há meia hora a partir os rins a um lateral que ninguém apoia. Que haja garra. E que, se não houver garra, haja ao menos ética laboral. Tanto talento e tão pouca assertividade é um desperdício./O JOGO

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Published on June 14, 2012 16:02

A lição que ninguém aprenderá


A profusão de notícias sobre a vida privada de Luciana Abreu e Yannick Djaló seria de mau gosto se não fosse da responsabilidade, em primeiro lugar, dos seus protagonistas. Sendo assim, é apenas deprimente. Mas pergunto-me se Luciana teria ganho a final de A Tua Cara Não É Estranha caso Portugal não houvesse de repente dado por si solidário com a sua dor de mulher traída. E pergunto-me, já agora, o que pensará disso FF, o favorito vencido sobre a linha de meta. Felizmente para ele, há futuro na música. Oxalá haja para ela também./DN

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Published on June 14, 2012 15:47

E – mais – não me arrependo de nada

Ou muito me engano, ou ouvi Paulo Bento dizer: “Não mudámos em nada a nossa forma de jogar pelo facto de estarmos empatados 2-2 a dez minutos do final” – e dizê-lo como um elogio à sua equipa, talvez até a si próprio. Uma asneira por dia: eis quanto parece prometer-nos o selecionador. Por mim, que vivo de escrever crónicas, só posso agradecer./O JOGO

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Published on June 14, 2012 15:39

O jogo dos tabuleiros


Em abstrato, tenho dificuldade em aceitar a opção do Governo pela obrigação de investimento anual no financiamento de obras nacionais, imposta às estações privadas de televisão na nova Lei do Cinema e Audiovisual. Primeiro porque o mercado ou é liberal, ou é estatizado, não podendo ser metade de cada coisa (e sempre a metade que mais convém ao Estado). Depois porque um país não pode ser gerido apesar dele próprio e, estando o setor dos media como está, sobrecarregar os seus players é um risco. Em concreto, porém, não apenas compreendo, como até posso aplaudir a opção. Isto, naturalmente, se a atual sobrecarga efetivamente visar aquilo que eu tenho esperança que vise: compensar o erário público pela manutenção, durante pelo menos mais alguns anos, da posse da RTP1. Enquanto o primeiro canal da estação pública permanecer ele próprio público, imposições desta natureza são amendoins. E a SIC e a TVI, embora obrigadas a jogar em todos os tabuleiros ao mesmo tempo, podem ter toda a vantagem em assumir a derrota nos menos significativos./DN

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Published on June 14, 2012 15:38