Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 25

October 18, 2014

fome

 
há no mundo, fora dos corpos, uma fome incurável que nos cerca e isola
e nos faz ilhas e se quer matar quando em solidão e depois se teme e deixa crescer como se fizesse parte de nós e nos impede de sermos gregários: é a fome de não sermos ilhas e de não estarmos sozinhos e o mar, em volta, como ilusão absoluta da multidão que não nos vê, mas que nós, de vez em quando, vemos,
altura em que pensamos que há no mundo, fora dos corpos, uma fome incurável que nos cerca e isola e nos faz ilhas e se quer matar quando em solidão e depois se teme e se deixa crescer como se fizesse parte de nós e nos impede de sermos gregários: é a fome de não sermos ilhas e de não estarmos sozinhos e o mar, em volta, como ilusão absoluta da multidão que não nos vê, mas que nós, de vez em quando, vemos, altura em que pensamos que há no mundo, fora dos corpos, uma fome incurável

que nos cerca e isola e nos faz ilhas e se quer matar quando em solidão e depois se teme e se deixa crescer como se fizesse parte de nós e nos impede de sermos gregários: é a fome de não sermos ilha e de não estarmos sozinho e o mar, em volta, como ilusão absoluta da multidão que não nos vê, mas que nós, de vez em quando, vemos. (...)


PG-M 2014
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Published on October 18, 2014 04:19

the real secret story


estava aqui a pensar fazer o Grande Curso contra os cursos de escrita criativa, mas desisti logo. Pensei que mais vale catedráticos sem cátedra andarem a ensinar o que não sabem a desesperados fora de ofício do que a pedir na rua, porque isto está mau, mesmo mau, mais vale prémios literários fantasma com short lists de taberna do que governos que pensam que a cultura é um luxo. deixá-los, então. prefiro divertir-me com isto, a sério que prefiro. ainda tenho a honra de encontrar e abraçar alguns que admiro mesmo, e os outros, os que admiro pouco, às vezes cheiram e vestem-se bem, é um prazer, mesmo um prazer. e não quero ser o magoadeiro. beijinhos, sim. esta sim, é a secret story.

PG-M 2014 
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Published on October 18, 2014 04:13

calendário perpétuo




Temporal.
É isto que te recuso. Que sejas tempo.
Mas, se também te recuso a morte, o desejo entra em colapso.
E não posso recusar-te o efémero e o eterno.
Então vem com os detalhes que passam e eu troco a imortalidade da memória pela finitude do corpo.
Temporal.
Já podes ser eternamente temporal.

Este (*) por todos.

*
dia/ mês/ ano/ ano bissexto/ século/ milénio/ universo/ sábado/ domingo/ janeiro/ fevereiro/ março/ abril/ maio/ junho/ julho/ agosto/ setembro/ outubro/ novembro/ dezembro/ dia 1/ dia 2/ dia 3/ dia 4/ dia 5/ dia 6/ dia 7/ dia 8/ dia 9/ dia 10/ dia 11/ dia 12/ dia 13/ dia 14/ dia 15/ dia 16/ dia 17/ dia 18/ dia 19/dia 20/ dia 21/ dia 22/ dia 23/ dia 24/ dia 25/ dia 26/ dia 27/ dia 28/ dia 29/ dia 30/  dia 31

ou

Esta
vida
dimensão
loucura
segunda
terça
quarta
quinta
sexta


PG-M *
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Published on October 18, 2014 03:51

October 15, 2014

Fernando Alves? "Amo-o"


Depois de uma velha eternidade em que, dia após dia, Fernando Alves me deixava assombrado, arrebatado, das madrugadas de rádio à beira do colapso, afastei-me e cortei os pulsos da escrita, e tenho de escrever para não me esvair em sangue, ou para me esvair, sim, devo escrever para me esvair em sangue, e deixei de ser capaz de parar de escrever ou de ler, apercebi-me de que me esperavam Camus, Kafka, Vergílio, Vieira, Torga, Saramago, Lobo Antunes, e deixei a rádio, aqueles febris dias de uma rádio que eu próprio fiz, e a rádio faz-se - nos idos de noventa.
Este é um motivo, provavelmente um motivo falso, uma explicação conveniente.
A verdade é que muito Fernando Alves pode matar, o corpo comove-se e o olhar ergue-se para brilhar insuportavelmente mais do que os astros, os que brilham ou reflectem a luz dos outros, e queremos estar com ele na caverna onde não existe nada que comunique com o exterior para lhe dar uma palmada nas costas, um gole de tinto que repousa num copo de três entre o polegar e o indicador, e dizer-lhe: "é isso, companheiro, é mesmo isso,"
ou, a sorrir, "esta vida é uma merda"ou, a chorar, "uma merda maravilhosa".
Deixei-o por sobrevivência, pois, e agora encontro-o igual, sem tirar, nos mesmos Sinais, e, com a modernice das playlists em podcasts, pedalo por aí com um sinal atrás do outro, Fernando Alves não cansa, vai-se pelas ciclovias a rir e, às vezes, a chorar, abranda-se ali na marginal do Douro, logo depois de passar por baixo da Ponte da Arrábida, embargado. Tiro ali, precisamente e quase sempre, os auscultadores. Trata-se de ouvir um novo som do rio, uma nova cor veneziana, os rabelos crescem e multiplicam-se, agora têm motor e levam turistas, e fica um som que se reflecte nas escarpas que me recorda o que eu ouvia na cidade silenciosa de Veneza, só lá há passos e vozes e motores de barcos, e, em dias bons, com o norte pelas costas e a subir o rio connosco, é só o que se ouve: o sol a amarrar as pálpebras, vozes, passos e motores de barcos. Esse programa - emitido no meu dia de anos - contava a história do gasolineiro Manecas, de Vila Real, que tirava o número de sapatos só de olhar porque tinha tido várias sapatarias, e num passo, numa voz, num motor, dizia assim o Fernando
"Porque onde eu quero chegar, do pé para a mão, é ao momento em que, falando nós dos homens transmontanos, perguntei a Manecas pelo Torga, e Manuel Mourão (Manecas, como o conhecem em Vila Real), antes de responder, levou a mão ao boné e destapou a cabeça. Não vergou a cerviz: destapou simplesmente a cabeça. No dia seguinte, parei na Galafura a contemplar o poema geológico, a beleza absoluta de que falava o Torga. Fui ao carro buscar o Portugal do Torga, porque é justamente nesse texto, sobre trás-os-montes, que ele fala dos "homens de uma só peça, inteiriços, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão (pausa funda - ou de Fernando Alves), e pensei, claro, em Manecas, o homem que sabe medir os pés alheios só com o olhar, muito chão firme terá ele pisado para viver as histórias que me contou, tão firme como o aperto de mão que trocámos. A minha mão, esta que escreve com caligrafia incerta, a dele, aquela que usou para destapar a cabeça quando respondeu à pergunta que lhe fiz (pausa de Fernando Alves) sobre o Torga"
sobre o Torga
Soube, desde esse dia, que tinha de erguer o pedestal que o Fernando nunca aceitará, apesar da merecida comenda, e nunca mais me cansei de ouvir e reouvir (eu que sou tão pobre releitor) os Sinais do Fernando, porque ele, como os grandes livros, diz uma coisa diferente a cada repetição, o do Manecas foram umas quatro ou cinco vezes, e de sentir, sempre de forma infantil, com uns quatro anitos e agarrado às calças dele, vontade de lhe dizer, cada vez que ele fala de um escritor, tal como sentia há mais de vinte anos, senhor Fernando! senhor Fernando!, eu agora também sou escritor, mas sou tão pequeno que o senhor Fernando, habituado aos grandes, como o Torga e o Manecas, não me consegue ver.
senhor Fernando! senhor Fernando!
Pensei, garoto,  imberbe, quando "O livro sem ninguém" foi "Livro do dia TSF" e eu cumpri o sonho de ouvir aquela voz comprida e encantada do Carlos Vaz Marques falar de um livro que me tinha nascido debaixo das mãos mas nunca houvera sido meu, como não é nenhum, que o Fernando, nesse dia, ia finalmente reparar ao que vinha aquele tipo que usa um hífen, o mesmo hífen que, em alguns dicionários, é um insuportável sinal burguês.
E, meses passados, cruzei-me com ele nos corredores da Escritaria da Lídia Jorge e pensei, caramba, ele está sozinho e gosta de abraços firmes, é desta!, esta é a oportunidade de me render ao meu ídolo, mas, tal como fiz cinco longos e tortuosos anos em Coimbra, naquele percurso do trólei três entre o Teatro Académico Gil Vicente e o cruzamento da Avenida Dias da Silva com a Luís de Camões, tive o Torga sentado à minha frente, cara fechada, meu deus, meu bicho, e nunca fui capaz de o incomodar ou de arriscar o que me garantiam: ele vai responder-te mal.
Eu não podia arriscar o desprezo do meu Torga.Como não podia arriscar a indiferença do meu Fernando.Mesmo sendo o pequenito de quatro anos agarrado às calças do senhor e seja justa a trapalhice do arrebatamento.
E depois tive este texto de homenagem em suspenso durante tanto tempo, nunca me senti merecedor de o assinar - porque ouvia o Fernando que, sendo dos homens, parece acima deles. Um dia ouvi-o num dos Sinais e tive uma ideia: vou pegar num texto de homenagem de dois amigos que lhe aquecem o coração (por mais banal que seja a expressão, é mesmo isto), e adaptá-lo a nós, com o devido respeito e distância no que a mim me toca. E então glosei:
"Não sei quando é que o Fernando chega aos setenta (nem quanto tempo sou mais novo - ou se até serei mais velho - do que ele). Portugal é capaz de produzir um Fernando Alves: todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso. Amo-o como amo a cor das águas de Fernando de Noronha, o canto do sotaque tripeiro, os cabelos crespos, a língua portuguesa, as movimentações do mundo em busca de saúde social. Amo-o como amo o mundo, o nosso mundo real e único, com a complicada verdade das pessoas. Os arranha-céus de Chicago, os azeites italianos, as formas-cores de Miró, as polifonias pigmeias. Suas canções - porque cada "sinal" é uma canção - impõem exigências prosódicas que comandam mesmo o valor dos erros criativos. Quem disse que sofremos de incompetência cósmica estava certo: disparava a inevitabilidade da virada. O samba nos cinejornais de futebol do Canal 100, Antônio Brasileiro, o Bruxo de Juazeiro, Vinicius, Clarice, Vieira, Torga, Pessoa, Saramago, Eusébio, Pavão, Oscar, Rosa, Pelé, Tostão, Cabral, tudo o que representou reviravolta para nossa geração foi captado pelo Fernando e transformado em coloquialismo sem esforço. (...) A Revolução Cubana, as pontes de Paris, o cosmopolitismo de Berlim, o requinte e a brutalidade de diversas zonas do continente africano, as consequências de Mao. Fernando está em tudo. Tudo está na dicção límpida do Fernando. Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá finalmente visto Portugal. Sem o amor que eu e alguns alardeamos à nossa raiz lusitana, ele faz muito mais por ela (e pelo que a ela se agrega) do que todos nós juntos."
É só a declaração de amor do Caetano ao Chico, que deixei quase igual, e que, quando eu ouvi pela própria voz do Fernando, me fez pensar, caramba, é mais ou menos isto que te quero dizer. Basta-me, com supremo atrevimento, plagiar o génio do Caetano e colocar Fernando ao lado, não sobre, Chico, como se trauteássemos uma cantiga ao desafio como o meu pai fazia, nas noites da minha juventude, e depois o Fernando completava, e que até o Caetano um dia fez em conluio com o Almodóvar, mas não em Almodôvar, que era onde o Fernando o teria feito:
"Dicen que por las noches
No más se le iba en puro llorar
Dicen que no comia
No mas se le iba en puro tomar
Juran que el mismo cielo
Se extremecia al oir su llanto
Como sufria por ella
Que hasta en su muerte la fue llamando"
E assim foi.
Fernando Alves? Amo-o.

PG-M 2014fonte da foto
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Published on October 15, 2014 14:39

October 7, 2014

se ao menos, mãe


se ao menos me voltasses
toda no sorriso

se ao menos eu andasse
solta nos teus passos

se ao menos te dourasse
luz nos meus cabelos

se ao menos te guardasse
voz neste silêncio

se ao menos te pudesse
ter mais um minuto

se ao menos me tomasses
toda no teu colo

se ao menos, mãe, no tempo comprido que eu conto daqui
à eternidade,
os homens soubessem que os teus beijos doces
estão dentro do carro e na estrada que percorro,
na música dos meus ouvidos
nos passeios
nos cafés

nas montras onde te peço
tudo

se ao menos os homens soubessem
que ainda cuidas
de mim
que eu te pergunto da vida
e ouço cada palavra

se ao menos eu pudesse
ter como te queria

numa cadeira sentada
e a minha cabeça
nas pernas e as tuas mãos
na cabeça

se ao menos,
mãe, se ao
menos, mãe


PG-M 2014
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livremente inspirada na canção "If only", da Dave Mathews Band, aqui:
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Published on October 07, 2014 03:00

September 26, 2014

Dia 27


O dia vinte e sete é o último
em que te escrevo poemas
para que me poupes

nesta madrugada
chegarás de novo
com punhos em vez
de dedos
dentes em vez de
lábios 


e, com sorte,
(tu tens é sorte, cabra)
desmaias
dentro de mim

nunca me perdoaste a sombra disforme
do teu corpo pequeno 

 nunca me perdoaste o silêncio apagado
na arena,
nunca me perdoaste a luz transparente
dos filhos


nunca me perdoaste
o fingimento
nas legendas
do facebook

("maravilhoso fim-de-semana
com os meninos
em Formentera"
Click.)

fingia
sempre
a vida de sonho
com o homem que me havia de
consumir até
à última
gota



se fosses vampiro, se ao menos fosses
vampiro

os sorrisos e as corridas
pelas promessas de
sexo
são hoje gritos e cercos
por promessa nenhuma


há um quarto vazio em cada lágrima



ainda posso remendar os ossos
ainda posso remendar a cara
ainda posso remendar no tempo
o sangue que me estala sob a pele

já apaguei os vídeos
e as fotos felizes que,
depois de te matar,
não suportarei rever

agora vou apenas transformar
o choro dos nossos filhos
abraçados aos meus
joelhos

pela mãe ferida

em choro dos nossos filhos
abraçados aos meus
joelhos

pelo pai morto


PG-M 2014
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Published on September 26, 2014 19:05

September 25, 2014

Dia 26



O vigésimo sexto é o amor,
mas o amor, oh, o amor, de momento,
é o universo infalível da matéria e da constância e do tempo e da
temperatura
do pensamento



lembras-te da imagem no espelho
os meus lábios cheios
o meu corpo nu?


lembras-te como a vias
nos olhos dos outros?


agora

leva por favor os reflexos

não me empurres
para os vidros
dos carros


"já olhaste bem para ti?"


nem me mimes
com o peso dos anos
e das rugas e das
molas e do tachos
e das camas
que serviam


e das pernas que

e das coxas que

te serviam


"é o que vales aqui dentro que me importa"
dizias
o punho fechado sobre
o coração
tum-tum,
tum -tum,
e eu
a ouvir as sombras
tum-tum,
tum-tum,
do futuro


e agora
lembras-te da menina sem corpo
e da mulher 
só por dentro?

oh, o amor, de momento,
são delírios que começam
lá fora.
não aqui.

não agora.

sai de dentro
dos lugares
onde eu

restar

sai de dentro
dos lugares
onde eu
estiver

vaga o tempo que ainda finges
na cidade

eu sou a mulher
eu sou a verdade



PG-M 2014
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Published on September 25, 2014 16:47

September 24, 2014

Dia 25

Ao vigésimo quinto
dia decreto
que o mês acabou

e, desmedido e visceral, no pé direito da casa novecentista,
ouvindo o piano do nosso filho do outro lado da parede
longe de ti e do som da televisão, sumido, dolente,
as bolas de cotão da manta escocesa a vogar
no rasgo de sol que sangra da lucerna,
como se fosse domingo
e sem medo,

sem medo nenhum

amo-te

amo-te do outro lado da casa
amo-te do outro lado do mundo

hoje é dia de fingir que não existes
no lugar pequeno onde não estás
apesar de seres vista lá

foge da quadrícula laboral e do ardil dos amigos
para quem és toucado e
indumentária
função e plano
objecto e
critério

devolve
o teu corpo à mala, as roupas
ao pensamento
e volta
retira o meu cheiro do arquibanco
tapa-me a boca, cala-me as ominosas
disquisições

ai, ergue-te na esplanada
levanta o copo de cola
com gelo
e limão

e chove

espero mil anos por ti

não vês que o amor não são
dias
em janeiro esperas
fevereiro
em março abril
em maio junho
em julho agosto
em setembro

temes outubro

aceitas novembro e
em dezembro finges

no primeiro dia da semana
pensas no último
no último
no primeiro

no dia um
não aceitas o fim
no dia dois dói-te
no dia três, quatro, cinco começa o
imperativo
no dia seis, sete, oito, nove, dez,
estás no centro,
estás dolente

(recorda o sol na lucerna)

poucos sabem que o Plátano
é o ginásio do mestre
o lugar onde se ensina
o lugar onde  se cresce

e a plateia

lembras-te do meu Plátano
erguido à cúria de poetas?
a dizer-lhes que a plateia
és tu, não eles,
que nada, meu amor
te dê a dúvida
de que te pertenço e fico
para lá do fim da noite
e que até no tempo infindo

só os teus lábios me abrandam
só os teus beijos me calam

onze, doze, treze, catorze, quinze,
só os teus lábios me abrandam,
dezasseis, dezassete, dezoito,
só os teus beijos me calam,
dezanove, vinte, vinte e
um

amo-te do outro lado da casa
amo-te do outro lado do mundo

vinte e dois, vinte e três,

hoje é dia de fingir que não existes
no lugar pequeno onde não estás
apesar de seres vista lá

vinte e quatro

foge da quadrícula laboral e do ardil dos amigos
devolve
o teu corpo à mala, as roupas
ao pensamento
e volta

vinte e cinco:

ergue-te na esplanada
levanta o copo de cola
com gelo
e limão

e chove

espero mil anos
por ti


PG-M 2014
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Published on September 24, 2014 16:56

Dia 24


No vigésimo quarto
amo a mulher sem corpo
a névoa leve e clara,

oh,

o vigésimo quarto
está vazio
não tem cama
não tem boca
não tem língua
não tem cheiro

não tem nada

tem só um pequeno roupeiro
com a mulher pequenina
que só se vê

por dentro

PG-M 2014
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Published on September 24, 2014 06:27

September 23, 2014

Luís Miguel Rocha, claro


Digo o teu nome.
Muitos de nós conhecemos este lugar, ou porque por lá passámos, ou porque por lá passaram aqueles que amamos e até alguns que não amamos.
Talvez a única diferença seja a indiferença.
Importarmo-nos realmente com o outro é transferirmo-nos para dentro dele. Não devemos tentar adivinhá-lo à nossa imagem, não devemos dizer para nós próprios, convenientemente, que talvez seja melhor não incomodar. Vale muito mais a pena arriscar uma resposta dura ou um pedido de não interferência do que, pura e simplesmente, passarmos a ideia de indiferença ao herói que carece da nossa diferença.
Não há melhoras externas, há melhoras íntimas. Não há estranhos nos momentos maus. Não há inimigos ou inconvenientes à vista de um olhar claro, tímido, temoroso, de uma pessoa que se preocupa connosco.
O cancro não é uma doença do passado, mas do futuro. A boa vida e a vida melhor farão com que nos cruzemos nestes corredores e nestas florestas em maior número e muito mais vezes do que no passado. A boa notícia é que a maioria vai poder dizer que venceu. Mas para isso é preciso lutar - e para cada batalha temos de constituir o nosso exército. Cada um escolhe seu. Há quem o queira feito de poucos soldados, outros apenas de silêncio e livros, outros dos seus amores, outros ainda de solidão, para que possam declinar a doença no passado e nunca no presente.
Esta é a árvore que faz sombra (para trazer luz) ao Luís Miguel Rocha, meu par das escritas e meu amigo de algumas viagens únicas. E eu tinha de escrever publicamente no mesmo dia em que ele torna público este sofrimento e este combate. As coisas boas não se guardam para depois. Não somos amigos acríticos um do outro - as primeiras perguntas que lhe fiz foram sobre o passado que eu não conheço. Ele, mais voluntarioso, aceitou-me tal qual. Tive sempre o cuidado de lhe pedir para nos atermos à matéria, à essência, não à aparência ou à forma. O tempo em que alimentamos esta amizade foi curto, denso e intenso, cheio de coisas significativas. E, ainda que me repita - prometo que não insistirei mais, Luís - e ele me proíba os superlativos e os comparativos, o Luís Miguel Rocha é o meu escritor do ano, tanto foi o que aprendi com ele na relação prática, real, com leitores e livreiros. Ele será sempre mais sábio do que eu nesse departamento. É a ele, mais do que a qualquer outro, que se deve a coragem do protesto de escritores (um acto raro no meio literário) pelo fim da feira do livro da Apel no Porto. Ironia, teve de faltar à primeira feira livre - que, mesmo com alguns tiques de elitismo que todos os tripeiros dispensam, é uma festa que também tem de ser dele -. Não vigora entre nós o critério do "peso" da literatura, mas apenas a seriedade da relação com os livros, os leitores, os livreiros. Vocês deviam ver a adoração pelo Luís no Brasil, a festa que lhe faziam no Teatro da Urca - o aperto dos abraços. O Luís não quer um pedestal, nem eu lhe vou dar um, que esses ficam para as nossas mulheres, para os nossos amores. Mas eu não sei mentir - tenho essa infantilidade primordial - naquilo que escrevo, e só escrevo o que quero e porque quero. E escrevo sobre ti neste dia, Luís, porque tenho medo. Talvez não o medo específico da tua doença e destes químicos agressivos que te podem salvar. O medo de não te dizer as coisas devidas no tempo devido. Nenhuma homenagem é um cheque em branco, mas poucos homens me pareceram maiores do que tu neste ano. És franco, prático, directo, disponível, certeiro. É bom ver-te escolher as palavras. E o humor e a ironia. E cresces, e deixas-te crescer. E vais ganhar, por nós. E, ainda que tenhas direito a eles, os espaços vazios de ti ficam sem sentido. Porque foram fundados por ti, ó bestseller português no New York Times, ó rapaz bravo.

Hoje tornaste pública a tua luta. Num círculo mais restrito - que é um círculo onde, creio, cabem todos os que vierem por bem -, já tinhas feito saber o que sofrias há algum tempo. Quem conhece estas florestas, sabe bem o que ganhamos em estar perto dos que sofrem, e como ali nos esquecemos de que somos um deles. Eu gosto de saber que vais agora colher os abraços de todos os que gostam de ti e te respeitam. Tantas são as coisas dos nossos dias que ficam pequeninas à vista disto. Somos muitos a sofrer, mas assim fica mais fácil. E agora todos perceberão e respeitarão se tiveres de levantar a cortina outra vez. Mas não é inútil a torrente de amor que te vai chegar. Ainda que o essencial seja a pessoa, aí ao lado, a quem podes apertar a mão quando magoa a sério. E quando tens medo.
 
Sim, caminha entre essas árvores, agora. Mas não demores.

Entretanto, aqui, dizemos todos o teu nome, Bazinga.
PG-M 2014fonte da foto: Luís Miguel Rocha, o próprio

PS: Toma lá, BAZINGA!

 
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Published on September 23, 2014 09:27