Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 73

September 14, 2011

As mulheres da televisão

As mulheres da televisão
são violinos
com fio de ébano nos contornos
e alma.
A alma
é uma peça cilíndrica cravada sob presão
por dentro do corpo
para ligar o tampo ao fundo
e potenciar a emoção.

O construtor procura por tentativas
o ponto ideal
e a pele.
A pele
alinha-se em folha de faia
epícia
e ácer
e as cordas das mulheres da televisão são vibradas
pelo arco
que vem dos cavalos livres
por supinação.
Há vésperas de stacatto
com lágrimas sempre
tácitas, a raiva
intuída, a arte
sofrida.


nos dias maus em que os primatas civilizados reclamam o direito à inivisibilidade
as mulheres da televisão
estão a gravar
e há sempre um cabrão na internet
a chamar-lhes grandes putas
As mulheres da televisão são impolutas


puras
francas
claras
enfiando as cabeças nos ecrãs
primordiais
nas conversas viscerais
da solidão
quando era um quarto
o mundo




As mulheres da televisão
não querem ser como estão
untadas de perfeição


e são frequentemente encontradas nos espelhos da planície


a despojar tristeza
e óxido de ferro
com toalhetes húmidos




PG-M 2011
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Published on September 14, 2011 03:48

September 11, 2011

11 de Setembro (Professor Marcelo, RTPn e Notícias Magazine)

Hoje fomos muitos. Agora, e até aos 20 anos, seremos poucos. Nos próximos dez anos a ficção americana chegará, finalmente, às torres, e certamente mais portugueses além deste humilde escriba. Vai ser bom, um dia, partilhar tudo isto com mais pessoas: até este décimo aniversário tinham sido apenas os que o tinham como visceral. Foi um dia enorme. Duro. Acaba dentro de cinco minutos. Mas todos sabemos que o 11 de Setembro não acabará nunca.


Escrevi um livro, não vou escrever um post sobre o 11 de Setembro.
Talvez outro ano, um ano em que o 11 de Setembro seja uma mera nota de rodapé, como veio sendo nos anos subsequentes ao primeiro e antes deste.
Por causa do livro, fiz hoje uma visita em directo aos estúdios do Monte da Virgem, onde falei com a Maria João Silveira entre as 15h e as 15:30h para o Especial Informação sobre o 11 de Setembro. O facto de repetir que a televisão não é, decididamente, o meu meio, não me exime do esforço de comunicação, porque o livro, os livros, precisam disso como de pão para a boca, mas confesso que ainda não consegui encontrar o registo certo. No entanto, o que importa é enfrentar as câmaras com humildade, sem manias, sem fingir que se domina o que quer que seja. Quão frágeis todos somos. Neste dia duro em que se assinala o décimo aniversário do ataque à América foi bom tirar o dia para lembrar o João Aguiar - e conversar com a família nas páginas da Notícias Magazine, num artigo com uma profundidade anormal, graças à Taciana e ao Sebastian Aguiar, este um miúdo de 19 ano com um discurso que me impressionou (também a Taciana, mais madura, muito directa - por vezes trespassante). Ele cáustico, crítico. Pela noite, uma surpresa que ainda não vi, mas que me foi contada por amigos: parece que o Professor Marcelo abriu o comentário aconselhando aos leitores "A manhã do mundo". Foi um remate bonito para este dia tremendo. Mal tenha ligações para as aparições televisivas e para o Professor Marcelo, deixo-as aqui, lá mais para o fundo. Por ora fiquem com as páginas de hoje da Notícias Magazine. Bom resto de 11 de Setembro.PS: entretanto, apareceu o link do Professor Marcelo, que entra antes do artigo da NMPG-M 2011
Professor Marcelo apresenta "A manhã do mundo" no dia 11 de Setembro de 2011. Vídeo aqui:Clique nas fotos para aumentar:


Artigo especial na Notícias Magazine de hoje, 11 de Setembro de 2011, em que converso com a família Aguiar tomando como pretexto o livro (cliquem sobre as fotos para aumentar, pf):




fonte da foto de Memorial
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Published on September 11, 2011 14:39

September 10, 2011

Passagem pela RTP2 (Diário Câmara Clara)

Abro mais uma excepção sobre a inclusão de questões relacionadas com os livros cá no blogue porque quero partilhar convosco a minha grata passagem pelo Diário Câmara Clara. Gravado a 15 de Julho, passou a 9 de Setembro de 2011, a dois dias da grande efeméride dos dez anos do 11 de Setembro de 2001. Carregar na fotografia para ver programa - eu e o livro passámos entre os 3'27" e so 4'40".

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Published on September 10, 2011 15:17

September 8, 2011

(comboio) Nem nunca mais


tem o cabelo apanhado
castanho lúcido
os olhos claros de que não vejo
a cor exacta
porque a certeza
era o resto do pudor.
É linda
completamente em silêncio
quase infinita
no detalhe.
Algum sol na pele
uma boca igual à minha
mas intocada.
Deve ter vinte e cinco
dois telemóveis
e tudo rosa menos
as calças de ganga
e o iphone.
É límpida
e não me vê
transparente.
Tem, claro,
como todos temos nos comboios,
a violência da despedida
na face.


Malgré tout.

PG-M 2011
fonte da foto
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Published on September 08, 2011 18:25

August 29, 2011

Eu e os críticos (e o livro no público)

Abro hoje uma excepção para falar da literatura cá de casa.Em Portugal não é considerado de bom tom dialogar com os críticos. Se, por um lado, entendo esse pudor, estou certo de que a vontade dos mais sérios é precisamente a oposta. Cfr o memorável diálogo Saramago - Zé Mário Silva, que só aconteceu porque Saramago rompeu com o tom.Escolho este momento depois da recensão de um dos mais entendidos críticos portugueses, o Miguel Real, que elejo, objectivamente, como a mais favorável de todas as que tive, porque veio de quem veio: o Miguel é professor de literatura e filosofia, romancista e ensaísta premiado, escreveu sobre Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço, José Saramago, Eça, sobre a história da nossa literatura e muito mais. Posto isto, foi com grande pudor e humildade que comecei a ler a crítica do Miguel Real ao meu livro "A manhã do mundo".Um homem não tem direito a esperar ser tão bem entendido como me entendeu o Miguel Real, muito menos tão cedo no caminho público trilhado. Aconteceu e a emoção que me tomou ao ler as palavras do Miguel foi indescritível. Ele, que estudou e escreveu sobre os maiores, dizer que eu trago novidade na forma como trabalho as personagens é, por si só, suficiente para que eu engula em seco e me cale. E engoli. Com um sorriso de gratidão nos lábios. Claro. Devia calar-me, mas tenho de dizer: o trabalho da escrita é de tal forma solitário que, cedo ou tarde, quando alguém nos vê à transparência em centenas dos milhares de decisões que tomámos em cada parágrafo, engole-se em seco. Fica para a vida.Com isto não enjeito o que aprendi com todos os que escreveram sobre o meu eu literário e sobre o livro que a D.Quixote me deu a honra de publicar. Só o facto de ser objecto de análise de quem quer que seja tem sido um privilégio para quem nada esperava. A Rita Bonet conseguiu, nos parcos caracteres que lhe disponibilizaram na grande revista "Os meus livros", tocar a essência do que escrevi e da forma como o fiz - um arrepio o título: "Oh blue bird, take me away" (uma música da Rita Redshoes, que está no livro). O Zé Mário Silva reconheceu no Expresso a eficácia que eu quis imprimir à narrariva e fez-me reflectir sobre as minhas fragilidades estilísticas e sobre o meu "pathos". Pegando nele, o João Bonifácio, no Ípsilon (suplemento do Público), trouxe-me um sorriso sincero, na menos favorável das críticas que tive, ao falar da minha "voz off sempre on" - afinal, eu sou mesmo assim - e a dar nota clara de que queria ainda mais corpo e história nas personagens que criei a partir de factos reais (e eu sabia o risco que corria ao tentar o simbolismo e ao ter de descarnar as personagens). Mas tive contributos preciosos de nomes menos sonantes, mas de muita ciência, que olharam para o que fiz de ângulos notáveis: destaco a forma como o professor Abel Dias Ferreira me trouxe uma tocante comparação com Gil Vicente, a de um excelente escritor e operário da literatura (trabalha para o milagre em que se tornou, neste país, o diário do Câmara Clara), Pedro Teixeira Neves, autor de um livro que merecia um olhar mais atento, "Uma visita a Bosch", a recomendação do João Céu e Silva no DN Artes e, mais tarde, numa curiosa abordagem na revista NS, e as emocionadas e emocionantes críticas de Márcia Balsas e do blogue "O prazer da leitura". A visceral de Artur Carvalho. A informada e atenta do Pedro Brás Marques. Não esqueço as apreciações primeiríssimas e tão importantes das queridas Sónia Alcaso e Elsa Bettencout e do Francisco José Viegas. E, claro, o elogio público nos lançamentos: Maria do Rosário Pedreira, Joaquim Letria e Professor Pinto da Costa. Foi também muito bom ouvir todos os que estiveram presentes na sessão de autógrafos na Feira do Livro do Porto. O livro integrou ainda o top 5 das escolhas de Maria do Rosário Pedreira no Atual, Expresso. Gostei também de integrar o cabaz de férias do exigente blogue "Alegre ou triste" e das entrevistas da Antena 1, do JL e do jornal "i". Last, but not the least, o melhor de todos os momentos: o que passei com o Joaquim Letria em Azeitão, numa conversa com gente boa e simples que, para mim, ficou como modelo do que quero para e da literatura e podia ter durado mais do que as duas horas e meia que durou. Há algo de que não abidco: do tempo - sei que só passaram três meses, e para três meses parece tudo um exagero. Mas para mim não são três meses, são trinta e cinco anos de literatura - na sombra, sem pressas, sempre a escrever. E, fora a aparição no Porto Canal com o excelente Tito Couto (nesta menção e numa entrevista posterior no programa), nem sequer andei pela televisão. O livro sim, brevemente, na TVI24, pela mão do Paulo Sérgio dos Santos, e no "Mais mulher", da Sic Mulher, pela mão da Maria João Lopo de Carvalho e da Ana Rita Clara. E tive a honra de ser escolhido pelo Diário Económico como uma dos nove novos portugueses ilustríssimos na literatura. Livreiros e leitores voluntariosos conseguiram levar o livro, logo no princípio de Junho, ao sexto lugar do top literário Bulhosa, mas nunca é tempo de parar de lutar: com optimismo e alegria, porque, se o mundo está difícil, morta a fome, nada é tão maravilhoso e necessário como a arte.E, na arte, esta nossa maravilhosa literatura.Obrigado a todos. Convosco ficarei sempre pequeno como sou, e no meu lugar, que é honrado mas de pouco espaço. Convosco sempre crescendo. E não, não são movimentos contrários. Nada é absoluto, excepto a humildade. PG-M 2011fonte da foto: Portugal Ilustrado
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Published on August 29, 2011 16:38

Masturbatório encantado

Ofereci-te o corpo todo
de fronteira
não as mulheres
nem a alma
nem a ideia
de tê-las na minha cama
e dar-lhes tudo
e a distância


em casa a pele
o peito
o colo e o corpo todo
e, foda-se, amo-te
a ti e a mais ninguém


a ti e à margem todas
as mulheres


vês, pelo fumo
do cigarro,
os dois planos - elas nas nuvens
tu no chão
a nudez e a minha língua


sem muros


PG-M 2011
fonte da foto
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Published on August 29, 2011 14:41

August 23, 2011

Lembrar/ esquecer/ não querer saber

A vida é feita de velar e resgatar a memória. É um processo dinâmico - não se pode viver passivamente num ou noutro estado nem activamente num só deles.Mas vive-se. Ou num absoluto e pedante esquecimento ou numa doentia apneia de nostalgia.PG-M 2011fonte da foto
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Published on August 23, 2011 15:10

August 22, 2011

A Tarraxa - quando a decência emociona

Este artigo não é para vegetarianos e confesso que custa um bocadinho levar ao paraíso da carne uma multidão. Mas aquela família merece. Não tenho o direito de detalhar o que senti quando fui lá comer. Tenho o direito de dizer que nunca comi carne tão divina, tão bem grelhada, de picanha da nossa a uma peça de alcatra de chorar por mais, barriga, entrecosto de porco preto. Com um excelente arroz de feijão. Tinha começado numa tábua com um naco de presunto e outro de paio - devia ser proibido coisas tão boas sobre aquele pão. Tudo  produtos caseiros. Mas a emoção veio, imaginem, da conta. Quando é que, nestes tempos, se chega ao fim de qualquer serviço que nos prestam e se pensa que não pode ser, que a soma que nos é apresentada não paga o que nos foi dado. E "dado" acaba por ser a expressão correcta. Quase pensamos em fugir depressa dali para que não seja detectado o monumental engano. Quando, por fim, num rebate de consciência, reclamamos que devia ser mais e nos dizem que é assim mesmo que eles querem que seja, porque essa é a fama e o prestígio da casa, calamo-nos. Gratos. E se ficarmos a ver os clientes sair, reparamos facilmente no sorriso que trazem. É um sorriso que sintetiza essa mesma gratidão - um momento de prazer em tempos tão duros e em que, não só não nos quiseram roubar a alma, como nos deram a deles. Ficam em Sendim, Tabuaço, e a melhor forma de lá chegar é por Sátão, Vila Nova de Paiva, Moimenta da Beira (um troço belíssimo de aldeias preservadas por amor das gentes - não custas parar para visitar a Fundação Aquilino Ribeiro), aproveitando para fazer um curtíssimo desvio (5 km) e passar no espelho de água da Barragem de Vilar. Ah, e convém telefonar antes, porque a reserva antecipada é obrigatória, e quem chegar espontaneamente não se senta nem come.PG-M 2011fonte da foto
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Published on August 22, 2011 15:37

August 19, 2011

Apesar de nós

Hoje era dia de comprar o "Público" na tabacaria do costume e a senhora, que ouve mal mas vê tudo, pergunta-me, com ar de caso, se eu vejo o Malato. Eu respondo que nem sempre e ela desvenda o mistério: "A manhã do mundo" apareceu no concurso como uma das perguntas. E eu nunca pensei que uma coisa destas me tocasse tanto. Mas tocou. A percepção de que o nosso universo prossegue apesar de nós:).
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Published on August 19, 2011 07:18

August 18, 2011

Nighthawks

Edward Hopper,óleo sobre tela, 1942, "Nighthawks", exposto no Art Institute of Chicago
(empregado vestido de cabo raso a branco para uma esquina de Greenwich Village) Um dia parto desta luz para a do farol de Montauk e desta em voo raso de açor e há-de ser noite e descerei as garras para comer e não para ser mastigado na cidade e já nem o espelho que demos por dois dólares numa venda de garagem me devolveria a carne.
(homem que o olha como para dentro de si) e eu açor como tu serei e descerei as garras sem fome e fulminarei com a gula se já desfeito sou
(mulher de vermelho que está longe) Baker ficarei no ninho como vespa mas ave como vocês e de asas recolhidas sem plano de voo deixarei de precisar de pintar os lábios e de o ouvir dizer que já nem borratada sou nem nódoa nem borrão nem nada
(homem sentado de costas) nunca fumei Phillies nem fui procurado no cruzamento da sétima com a décima primeira nem em lado nenhum e se uma bala me trespassar a nuca depois de acabar a contabilidade da noite isso vai querer dizer que parti com o bando
não que desisti de ti
o bando de falcões, Josephine
lift me like an olive branch and be my homeward dovedance me to the end of love
PG-M 2011fonte da foto

PS: quando somos americanos e nunca fomos americanos há um desgosto que não desaparece
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Published on August 18, 2011 15:16