Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 71
October 23, 2011
KISS na espécie do homem de letras
"A espécie do homem de letras não é uma das maiores entre as espécies humanas" Jean Guéhenno (1890 - 1978), escritor e crítico literário francês
A citação, que colhi num dos brilhantíssimos artigos de António Muñoz Molina, "La fiesta interrumpida", no Babelia, excepcional (mesmo excepcional - e isto não é coqueteria:) suplemento literário do El País de Sábado, serve de mote a uma curtíssima reflexão.
Na arte, em qualquer arte, ser absolutamente elitista e ter um discurso em tom visionário conduz sempre ao mesmo resultado: o equívoco. Foram mais os escritores desprezados e ignorados ao longo da sua vida do que aqueles que foram amados e tiveram sucesso. Avassaladores os exemplos dos que, não há muito tempo, passaram fome e morreram na miséria, abandonados pelos seus pares - é, aliás, próprio da natureza humana abandonar o que não tem uso imediato (mesmo Rosseau relefctiu sobre isto) ou nos parece ameaçar o posto que pensamos deter. Isso ainda hoje acontece: a singularidade garante quase sempre o desprezo imediato.
Daí a atitude sanitária de negar o génio na literatura, pelo menos o de hoje: mesmo que ele exista, não pode ser avaliado pelos contemporâneos. Devemos reduzir-nos à nossa opinião, e fazê-lo, sim, com coragem, mas acima de tudo com humildade. Mas a opinião não é o mais importante. O mais importante é a consideração e esse conceito em desuso - essa palavra que enjoa os "grandes" entre nós - : a bondade.
No presente, o meio defende-se elegendo um ou dois génios, cada um representante de uma geração, por trincheira. Há sempre duas trincheiras, no mínimo. E o meio abusa tanto que na geração seguinte são os mais ignorantes a exaltar primeiro esses eleitos: não que os eleitos sejam maus, mas são uma simplificação e quase sempre sintoma de que o que os destaca não sabe mais nada - e mesmo deles sabe pouco.
O que não se faz nesta espécie menor entre as espécies humanas é olhar o outro com benevolência, desejando-lhe o bem e celebrando o seu sucesso. Mesmo os tais eleitos são denunciados como não sendo caso para tanto. Os que lideram "politicamente" a pérfida "cochicice", como em todos os sectores da sociedade, são normalmente os medíocres, os que efectivamente perdem tempo com o pormenor mais irrelevante, os que fazem do centro do seu dia o tique do seu amigo, que é sempre anunciado como "boa pessoa, mas". Os melhores ficam reduzidos ao seu sossego, à sua paz, mas, precisamente por causa daqueles, não se chegam para os conhecermos. Às vezes só vimos a saber deles quando é tarde demais, pelos obituários. Mas mesmo os maus entre nós têm sentimentos: de facto, não são tão maus assim, só se distraem com a sua lupa zarolha e trocam as prioridades a um ponto em que pensam que o seu caminho é, inequivocamente, o correcto. Há um sintoma para saber que não é: quando não parece simples, está mal. Já lá dizia o outro: keep it simple stupid. Kiss*. Beijo. Não é irónico?
PG-M
* acrónimo atribuído a Clarence ("Kelly") Johnson (1910 - 1990)fonte da foto
A citação, que colhi num dos brilhantíssimos artigos de António Muñoz Molina, "La fiesta interrumpida", no Babelia, excepcional (mesmo excepcional - e isto não é coqueteria:) suplemento literário do El País de Sábado, serve de mote a uma curtíssima reflexão.Na arte, em qualquer arte, ser absolutamente elitista e ter um discurso em tom visionário conduz sempre ao mesmo resultado: o equívoco. Foram mais os escritores desprezados e ignorados ao longo da sua vida do que aqueles que foram amados e tiveram sucesso. Avassaladores os exemplos dos que, não há muito tempo, passaram fome e morreram na miséria, abandonados pelos seus pares - é, aliás, próprio da natureza humana abandonar o que não tem uso imediato (mesmo Rosseau relefctiu sobre isto) ou nos parece ameaçar o posto que pensamos deter. Isso ainda hoje acontece: a singularidade garante quase sempre o desprezo imediato.
Daí a atitude sanitária de negar o génio na literatura, pelo menos o de hoje: mesmo que ele exista, não pode ser avaliado pelos contemporâneos. Devemos reduzir-nos à nossa opinião, e fazê-lo, sim, com coragem, mas acima de tudo com humildade. Mas a opinião não é o mais importante. O mais importante é a consideração e esse conceito em desuso - essa palavra que enjoa os "grandes" entre nós - : a bondade.
No presente, o meio defende-se elegendo um ou dois génios, cada um representante de uma geração, por trincheira. Há sempre duas trincheiras, no mínimo. E o meio abusa tanto que na geração seguinte são os mais ignorantes a exaltar primeiro esses eleitos: não que os eleitos sejam maus, mas são uma simplificação e quase sempre sintoma de que o que os destaca não sabe mais nada - e mesmo deles sabe pouco.
O que não se faz nesta espécie menor entre as espécies humanas é olhar o outro com benevolência, desejando-lhe o bem e celebrando o seu sucesso. Mesmo os tais eleitos são denunciados como não sendo caso para tanto. Os que lideram "politicamente" a pérfida "cochicice", como em todos os sectores da sociedade, são normalmente os medíocres, os que efectivamente perdem tempo com o pormenor mais irrelevante, os que fazem do centro do seu dia o tique do seu amigo, que é sempre anunciado como "boa pessoa, mas". Os melhores ficam reduzidos ao seu sossego, à sua paz, mas, precisamente por causa daqueles, não se chegam para os conhecermos. Às vezes só vimos a saber deles quando é tarde demais, pelos obituários. Mas mesmo os maus entre nós têm sentimentos: de facto, não são tão maus assim, só se distraem com a sua lupa zarolha e trocam as prioridades a um ponto em que pensam que o seu caminho é, inequivocamente, o correcto. Há um sintoma para saber que não é: quando não parece simples, está mal. Já lá dizia o outro: keep it simple stupid. Kiss*. Beijo. Não é irónico?
PG-M
* acrónimo atribuído a Clarence ("Kelly") Johnson (1910 - 1990)fonte da foto
Published on October 23, 2011 11:56
October 22, 2011
Lenda das Rosas II
Esta é daquelas histórias que sempre pedi para me contarem. Outra vez. E outra vez. E outra vez. Ouço-a na voz do meu pai desde que me lembro. Era pequenino e vivia no mundo do voleibol dos anos setenta, grandes jantaradas e guitarradas depois dos jogos. Habituei-me a ver o meu pai, com uma carreira por cumprir, a agarrar na guitarra e a dar concertos. Os amigos reclamavam sempre o "Cucurrucucu, Paloma", mas em sempre a respostas era positiva, por causa das noites em que a voz não queria lá ir.Mas esta "Lenda das Rosas" raramente falhava e sempre foi a minha preferida.O drama daquele casal que morre sobre a campa e se eterniza em duas roseiras que se beijam toca o mais empedernido. O sublime poema do Linhares Barbosa (Lisboa, 1893 - 1965), que abaixo repito, é dos mais bonitos pedaços de texto que alguma vez li ou ouvi dito ou cantado. Tem uma simplicidade intocável.Foi finalmente possível "aprisionar" o bocadinho que eu pensava perdido para sempre no tempo: a voz do meu pai a dar-nos a sua versão da lenda. Esta sempre foi a minha versão - ele partira da versão do José Pracana -, a única que ouvi até ser crescido, a que me emocionava no meio das pequenas multidões que se reuniam à volta da guitarra. Aqui fica:"A LENDA DAS ROSAS
Na mesma campa nasceram
Duas roseiras a par,
Conforme o vento as movia
Iam-se as rosas beijar
Deu uma rosas vermelhas,
Desse vermelho que os sábios
Dizem ser da cor dos lábios,
Onde o amor põe cem ideias
Da outra, gentis parelhas
De rosas brancas vieram,
Só nisso diferentes eram,
Nada mais as diferençou
A mesma seiva as criou
Na mesma campa nasceram
Dizem contos magoados
Que aquele triste coval
Fora leito nupcial
De dois jovens namorados,
Que, no amor contrariados,
Ali se foram finar,
E continuaram a amar
Lá no além, todavia
E por isso ali havia
Duas roseiras a par
A lenda, simples, singela,
Conta mais, que as rosas brancas
Eram as mãos puras, francas,
Da desditosa donzela
E ao querer beijar as mãos dela,
Como na vida fazia,
A boca dele se abria
Em rosas de rubra cor
E celebravam o amor
Conforme o vento as movia
Quando as crianças passavam
Junto à linda sepultura
Toda a gente afirma e jura
Que as rosas brancas coravam
E as vermelhas se fechavam
Para ninguém lhes tocar
Mas que alta noite, ao luar
Entre um séquito de goivos,
Tal qual os lábios dos noivos
Iam-se as rosas beijar. "
PG-M 2011
Published on October 22, 2011 19:58
October 21, 2011
multidão
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quero aprisionar os olhos dela
no verso
possuí-la longe
do corpo
o sorriso tímido
o passe
os dedos finos
no livro
o cheiro a tangerina
não somos ninguém
passa no passeio do caminho
botão cinzento
na massa
(perco-a todos os dias no cais
três)
PG-M 2011
fonte da foto
no verso
possuí-la longe
do corpo
o sorriso tímido
o passe
os dedos finos
no livro
o cheiro a tangerina
não somos ninguém
passa no passeio do caminho
botão cinzento
na massa
(perco-a todos os dias no cais
três)
PG-M 2011
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Published on October 21, 2011 08:09
October 20, 2011
Lytro - passo adiante da humanidade?
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Deixei de me deslumbrar com tecnologias, mas nunca deixei de ser obcecado pelo futuro próximo. Gosto de adivinhar a tendência e sou um comprador a frio. Gosto de comprar a tecnologia eficaz e barata, não a bonita e social. Gosto de comprar qualidade. Mas isto é outra coisa. Ou então é um gigantesco golpe de marketing. O que esta maquineta faz é próximo do olho humano. Fotografa (ou olha) o momento sem atraso - é literalmente instantânea. Aprisiona o espectro de luz que pode depois ser trabalhado de um número infinito de maneiras: tem-se falado muito na possibilidade de se focar depois, mas isso é o menos. Um passo adiante na história da humanidade? Dizem-no algumas publicações de referência, e não falo de tecnológicas (falo do New York Times, por exemplo, entre muitas outras), e nós começamos a pensar que pode ser verdade. Os loucos por gagdets (como eu) são os primeiros a tombar de encanto:). Mas que vale a pena deitar um olho, isso vale.
PG-M 2011
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PG-M 2011
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Published on October 20, 2011 09:33
October 19, 2011
Caseirinho
Eu tenho aqui em casa uma horta onde se cultivam os outros - e nenhum de nós.PG-M 2011
PS: a uma amiga este aforismo trouxe Elis - talvez traga sempre a quem só resta a bondade dos outros dentro da bondade da arte
Published on October 19, 2011 14:34
Cathlyn
" (...) - Deixa-me dizer-te, Cathlyn, que ao ver-te fumar a ouvir blues às três da manhã no bal azul fico convicto de que saberias, com toda a doçura e mestria das mulheres que não se alcançam, dar-me intensos momentos de infelicidade, pelo simples facto de uma mulher como tu não se dissipar na intimidade. E sei também, Cathlyn, à luz dos teus olhos verdes já toldados pela névoa do malte e do fumo das Partargas Club, que foi graças a ti que percebi que cada breve sentimento de infelicidade que assoma em certas noites recatadas na sombra da minha mulher é só o custo de uma vida justa e feliz, como o custo de uma vida contigo seriam as noites felizes e alienadas erguidas sobre suporte vago. Como uma diva, Cathlyn, não és ninguém. E és tudo no tempo de cada cigarrilha. (...)"
PG-M 2011
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Published on October 19, 2011 07:02
October 18, 2011
O arrebatamento morreu
Tenho de ouvir isto, tenho de ouvir isto, vai falar o ministro, o presidente, o gestor e talvez algum filho da puta, as televisões não podem estar todas enganadas, quando foi em oitenta e tal só havia dois canais e vacas a visitar concursos, não tempo, o país era pobre e analfabeto, estava desligado, as estações do ano regulares, não havia alertas amarelos para o calor nem vermelhos para a chuva, ainda Reguengo do Alviela submergia, não se sofria por antecipação, nos setenta andava tudo drogado, crescer ou recuar era indiferente, nos sessenta as miúdas quase se masturbavam com o sorriso na cara do Paul McCartney, nos cinquenta era o Elvis, elas gritavam, eles gritavam, havia bailes e nos bailes salões e nos salões danças, havia charme e cigarros, cabelos armados e mini-saias, havia campo e saloios, havia paz no olhar, espaço de brilho, brilhantina, agora eu abro a boca e fala o ministro, é fatal, tem consciência, tu tem consciência, ajuda o teu país, caralho, espera lá, achas-me muito comuna se eu disser que tu ainda gastas trinta litros aos cem no teu audi á oito, coitdadito, com três anos, velho, e que há políticos suecos, os malucos, que andam de autocarro, queres mesmo que eu mirre ou é hora de abrir as goelas e de me masturbar com o teu sorriso? Há um milhão de reis e rainhas no facebook, donos da estética, dos tops musicais, os famosos metem-se pelos olhos dentro e depois chamam-nos stalkers, ninguém se cala a não ser quando tem de falar, ninguém se espanta, ninguém te diz estás bonita ou sempre te achei bonita a não ser no bar de engate das onze da noite, os cafés cheios de desempregados e rendimentos mínimos que continuam a comprar dois maços de tabaco por dia, estão a pensar a reduzir para um, a bola, o jogo e o record, estão a pensar reduzir para dois, e a pagar a sport tv no payshop, não estão a pensar a reduzir que um gajo tem de se alienar. O que é que vais fazer, maluco? Pintar, escrever, compor, na cara do downsizing e do despedimento colectivo? Queres que te compre um livro, um quadro, um mp3? Grande besta! Ai, coitados de nós. O arrebatamento morreu. Mas não eu. E vou foder pelos cantos e fazer filhos arrebatados e antes de me curvar netos arrebatados e antes de cegar bisnetos arrebatados. E depois morro, e o arrebatamento, apesar, ainda me vai ao funeral dançar. O arrebatamento morreu. Mas não eu. Agora tenho um sumário no primeiro criminal. Não mo vão pagar. Vou a sorrir e a ouvir a Lucille. Sabes que quando a Lucille fala o BB King cala? Tenho de ouvir isto, tenho de ouvir isto. E morre tudo menos eu.PG-M 2011
Published on October 18, 2011 03:16
October 16, 2011
Pequena magnitude
Tinha de fixar aqui as palavras do basco Fernando Aramburu, das quais não me quero mais esquecer. Já as traduzi, mas hoje ficam no original, que a sua música não tolda o nosso entendimento:
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Pequenã magnitud
"- El éxito da alas que permiten al afortunado alzar el vuelo, surcar la altura, planear majestuoso a la vista de quienes ya lo están apuntando desde abajo con sus escopetas.- Dudo que haya un método más rápido y eficaz de adelgazamiento que la muerte.- Estoy dispuesto a admitir que no se pueden esperar grandes aventuras de un tipo como yo que prefiere las castañas asadas a la cocaína.- Conviene ir bien vestido al consultorio del médico si no queremos contribuir a que el diagnóstico empeore.- Aunque, al menos desde un punto de vista práctico, está bien que existan las naciones. ¿Dónde, si no, se iba uno a exiliar llegado el caso?- De acuerdo, la perfección no equivale al arte, pero es un buen comienzo.- A lo largo de mi vida he experimentado momentos de intensa humildad, de quietud y desprendimiento que acaso no queden lejos de la plenitud mística. Por ejemplo, cada vez que me dolieron las muelas.- No hace falta subir al último piso de los rascacielos ni a la cima de las montañas y mirar abajo para adquirir constancia de la pequeñez humana. En realidad basta con contener la respiración durante un minuto, si aguantas.- ¿Cómo que no hay ningún libro perfecto, limpio de errores, de contradicciones, de partes superfluas? Y el listín de teléfonos, ¿qué?- Hijo, ten cuidado cuando salgas a la calle. Mira bien dónde pisas, no vayas a tropezar con un himno.- Adoptes la táctica que adoptes, antes vencerás al tigre que a la calumnia.- Desearía formular una serie de preguntas a las personas que hablan con sus perros, pero no sé ladrar.- A los seres humanos con personalidad doble, ¿cómo hay que tratarlos? ¿De túes o de ustedes?- Lo contrario de una patada en el vientre no es una patada en la cabeza o en la espalda. Lo contrario de una patada es un abrazo.- Considero una cima biográfica cada hora, cada minuto, cada segundo exento de dolor.- Ningún egoísmo tan detestable como el de los demás.- Soy un ferviente defensor de la duda, con excepción de las de mi cirujano.- Un tipo que se pasa el día diciendo yo, yo, yo, es un ególatra. Otro que hace lo mismo diciendo nosotros, nosotros, nosotros, es un nacionalista. El nacionalismo no es más que la forma plural de la egolatría.- He preguntado al radiólogo, pero él tampoco ha sabido descubrir dónde tengo la capital.- Un aparato capaz de medir la belleza de las obras artísticas no nos serviría de nada sin otro aparato capaz de transmitirnos las emociones correspondientes, en cuyo caso podríamos prescindir tranquilamente de las obras de arte.- La Tierra es la docilidad en persona. A todas horas, en todas partes, sin la menor resistencia abre la boquita y, obediente, se traga otro ataúd.- Malas noticias para los habitantes del cielo. A pesar de las innegables comodidades, allí tampoco le estará permitido significar.- Por el momento me inclino a descartar la opción del suicidio dado el alto riesgo de muerte que comporta.- Desconfío de los espejos. Ni siquiera saben mentir."
Fernando Aramburu (San Sebastián, 1959) ha publicado recientemente la novela Viaje con Clara por Alemania (Tusquets. Barcelona, 2010. 472 páginas. 20 euros).Retirado originariamente de El Paísfonte da imagem
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Pequenã magnitud
"- El éxito da alas que permiten al afortunado alzar el vuelo, surcar la altura, planear majestuoso a la vista de quienes ya lo están apuntando desde abajo con sus escopetas.- Dudo que haya un método más rápido y eficaz de adelgazamiento que la muerte.- Estoy dispuesto a admitir que no se pueden esperar grandes aventuras de un tipo como yo que prefiere las castañas asadas a la cocaína.- Conviene ir bien vestido al consultorio del médico si no queremos contribuir a que el diagnóstico empeore.- Aunque, al menos desde un punto de vista práctico, está bien que existan las naciones. ¿Dónde, si no, se iba uno a exiliar llegado el caso?- De acuerdo, la perfección no equivale al arte, pero es un buen comienzo.- A lo largo de mi vida he experimentado momentos de intensa humildad, de quietud y desprendimiento que acaso no queden lejos de la plenitud mística. Por ejemplo, cada vez que me dolieron las muelas.- No hace falta subir al último piso de los rascacielos ni a la cima de las montañas y mirar abajo para adquirir constancia de la pequeñez humana. En realidad basta con contener la respiración durante un minuto, si aguantas.- ¿Cómo que no hay ningún libro perfecto, limpio de errores, de contradicciones, de partes superfluas? Y el listín de teléfonos, ¿qué?- Hijo, ten cuidado cuando salgas a la calle. Mira bien dónde pisas, no vayas a tropezar con un himno.- Adoptes la táctica que adoptes, antes vencerás al tigre que a la calumnia.- Desearía formular una serie de preguntas a las personas que hablan con sus perros, pero no sé ladrar.- A los seres humanos con personalidad doble, ¿cómo hay que tratarlos? ¿De túes o de ustedes?- Lo contrario de una patada en el vientre no es una patada en la cabeza o en la espalda. Lo contrario de una patada es un abrazo.- Considero una cima biográfica cada hora, cada minuto, cada segundo exento de dolor.- Ningún egoísmo tan detestable como el de los demás.- Soy un ferviente defensor de la duda, con excepción de las de mi cirujano.- Un tipo que se pasa el día diciendo yo, yo, yo, es un ególatra. Otro que hace lo mismo diciendo nosotros, nosotros, nosotros, es un nacionalista. El nacionalismo no es más que la forma plural de la egolatría.- He preguntado al radiólogo, pero él tampoco ha sabido descubrir dónde tengo la capital.- Un aparato capaz de medir la belleza de las obras artísticas no nos serviría de nada sin otro aparato capaz de transmitirnos las emociones correspondientes, en cuyo caso podríamos prescindir tranquilamente de las obras de arte.- La Tierra es la docilidad en persona. A todas horas, en todas partes, sin la menor resistencia abre la boquita y, obediente, se traga otro ataúd.- Malas noticias para los habitantes del cielo. A pesar de las innegables comodidades, allí tampoco le estará permitido significar.- Por el momento me inclino a descartar la opción del suicidio dado el alto riesgo de muerte que comporta.- Desconfío de los espejos. Ni siquiera saben mentir."
Fernando Aramburu (San Sebastián, 1959) ha publicado recientemente la novela Viaje con Clara por Alemania (Tusquets. Barcelona, 2010. 472 páginas. 20 euros).Retirado originariamente de El Paísfonte da imagem
Published on October 16, 2011 06:56
October 14, 2011
O inventor do submarino
Hoje trago O'Neill para qualquer pai dedicar e ler alto ao seu miúdo pequeno, convencido de que é difícil superar esta forma belíssima de um certo Alexandre agarrar o amor inefável de um pai por um filho. Há um versão magistralmente lida por Jorge Silva Melo e que a MHJ Editores tem à venda online com mais vinte crónicas por uma pechincha. Vale a pena.
O INVENTOR DO SUBMARINO(publicada originalmente do Diário de Lisboa de 7 de Novembro de 1968)
Pegou-me na mão e, de mansinho, experimentou repetir o convite: «Vá, anda ver!» Eu, que o enxotara já duas vezes, desci do Cáucaso, levantei os olhos do livro (Nouvelles Asiatiques, Gobineau) e, com eles, fui coroar de ternura a cabecita de cabelo «à bestla», que, a meu lado, acenava, a pedir que sim.Na banheira, o H-327 derivava lentamente entre duas águas. Maravilha! Senti – que querem que lhes faça! – um sincero grande orgulho. Eu era o pai do inventor do submarino! Quando pus os olhos nos olhos do Inventor, este semi-sorria, corado de prazer.H-327: um tubo de vidro transparente de quase dois palmos e de diâmetro igual ao de uma cápsula de garrafa de cerveja («carica», no especializado vocábulo dos inventores). Onde desencantara o Inventor o tubo foi coisa que eu nunca quis apurar. De rãs salteadoras a despertadores de caixa de latão desventrados, de frascos de boca larga com cabeçudos nadadores, mais pequenos que fiapos, a escreverem continuamente Zés (zzzzzz) na água suja, em rápidos, eléctricos movimentos de corpo, a um estranho dínamo manual que fazia tfft-tfft-tfft a cada faísca que saltava dentre as escovas, o Inventor habituara-me a todos os aprestos de que o seu génio criador necessitava. Mas o H-327, assim à deriva sob meio palmo de água, era positivamente de tarar!O inventor ajustara-lhe duas rolhas duas rolhas dentro e rolhara-o, nas extremidades, com outras duas. Criara, deste modo, três compartimentos no H-327. O compartimento central abrigava a tripulação: duas moscas desasadas. O comandante-mosca (ou a mosca-comandante) distinguia-se do resto da tripulação (simbolizado, muito inteligentemente, pela outra mosca) porque o Inventor lhe pintara um sim-senhor de vermelho. Os compartimentos das extremidades constituíam os depósitos do lastro: água e, para melhor contrabalanço, algumas tachas.A tripulação parecia atenta (já estaria meio asfixiada?) e o Inventor resolveu experimentar, mais uma vez, a estabilidade em imersão, do H-327. Arregaçou a manga, meteu a mão, em espátula, na água e desencadeou na banheira uma tempestade pior que a que meteu a pique a Invencível Armada. Aí é que o meu entusiasmo abandonou todo e qualquer paternalismo, para se tornar um entusiasmo de igual para igual. O H-327 era simplesmente formidável!A banheira deixou de ser a banheira. Passou a Base Naval Coelho da Rocha (por esta altura nós morávamos em Campo de Ourique, na rua do mesmo nome). Eu corri à colecção do Paris-Match, que tem muito bom papel para aviões, e em três tempos fiz duas esquadrilhas de combate anti-submarino. O Inventor, entretanto, protestava que a banheira não podia ser a Base Naval Coelho da Rocha, que era, evidentemente, o alto mar. Eu não o contrariei, confiado como estava na superioridade da minha aviação.Ao terceiro bombardeamento, com o mar muito agitado pelo Inventor, o H-327 foi atingido por uma bomba das grandes: mola de roupa de arame. O submarino virou-se sobre si mesmo. O comandante sacudiu o sim-senhor vermelho e firmou-se melhor nas patinhas. A mosca-marinhagem não dava sinal de vida.Eu perdera, contudo, um avião de observação, que, numa vrille desastrada, fora cair na base, perdão, no mar. Soraya, cujo retrato, por um feliz acaso, coincidira com o verso de uma das asas desse avião, sorria-me de dentro de água, já muito desbotada.O Inventor rejubilava com a estabilidade do H-327, que atravessara, bravamente, a terrível prova. E os bombardeamentos continuaram pelo que restava da tarde. Eu e o Inventor revezávamo-nos na produção ininterruptas de tempestades e de ataques aéreos. O H-327 sofreu tratos em fim: o tremendo impacto das bombas de profundidade (para o delirante efeito, lindas grageias de sonífero furtadas da farmácia da velha), o tiro de salva de baterias costeiras cujo longo alcance fora engenhosamente garantido por duas ligas de velhota, enfim, um sei-lá de truques bélicos, qual deles o mais arrasador. Nada! O H-327 era um grande vaso de guerra.Já com a batalha a passar-se à luz da electricidade, o Inventor, que estava, nessa altura, «ao submarino», pediu tréguas para trazer o H-327 à superfície. Concedidas por dez minutos.E foi durante esse curto período de tréguas que a gloriosa carreira do H-327 se viu abruptamente cortada pela entrada prosaica da nossa velhota (minha mãe e avó do Inventor). Cansada de dar ao dedo na agá-césar o dia todo, por conta de Matos & Carthó, Lda., Arameiros Reunidos da Pampulha, a Joana não consegui sintonizar o comprimento de onda altamente poético que eu e o Inventor estávamos a emitir.– Tu já prà cama, e sem jantar! E tu (era eu…) devias ter vergonha ! Que linda educação estás a dar ao teu filho!Cabisbaixos, eu e o Inventor separámo-nos com um magoado entreolhar de solidariedade.Por essas onze horas, com a Joana a cabecear sobre mais um capítulo da Vida e Aventuras do Padre Quilhó de Alvarado, levei uma bucha, pé ante pé, ao Inventor.Como se uma mola o mudasse, truca, de posição, o Inventor sentou-se na cama, esfregou energicamente os olhos e fez questão de saber: «Então, gostaste do H-327?» Passei-lhe a côdea. «Muito! Mas já estou a pensar no H-1000…» Trincadela e pergunta: «No H-1000?» Festa na cabeça e resposta: «Sim! No H-1000, com motor atómico!» O Inventor pôs-se de pé na cama. «Motor atómico!» Obriguei-o a deitar-se e não levei muito tempo a satisfazer-lhe a expectativa.«Imagina um submarino como o H-327, mas com um compartimento extra. Nesse compartimento mete-se uma pastilha de Alka-Seltzer. O H-1000 submerge. Tira-se a rolha à sala do reactor, que é a da pastilha, claro… Que achas que acontece?»Não sei se o Inventor conseguiu dormir naquela noite. Eu não. Nem o Gobineau me fez esquecer o longo abraço quente de admiração com que o Inventor saudou, na pessoa do seu pai, o aparecimento no horizonte dos génios, dessa nova maravilha: o H-1000.
Alexandre O'Neill
Published on October 14, 2011 04:29
October 11, 2011
Menos sentenças, mais querenças
Explicaram-me sábios que hoje já não é a verdade que denomina a demanda pelo melhor, mas a autenticidade. Ao longo da vida tenho visto colegas de todas as profissões que exerço a combaterem encarniçadamente, não por debater pontos de vistas numa dinâmica dialéctica já ensinada pelos antigos, que contudo ouviam mais o outro do que a si mesmos, mas por impor a sua verdade. O problema, e não é de hoje (já o padre António Vieira, citando santos como António, Agostinho, Ambrósio, entre muitos outros, repreendia os peixes por se comerem uns aos outros, como o homem) é a ausência de afecto nesse jogo. Sobra ódio e desprezo onde devia haver afecto e, havendo-o, sobrasse também entendimento. Não devia ser tanta a urgência de apontar o senão da arte como o entorse dos discursos e dos actos na vida.Na arte, e um dia na vida, menos sentenças, mais querenças.PG-M 2011fonte da foto
Published on October 11, 2011 07:53


