Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 68

November 15, 2011

Stripping


Já passa da meia-noite e ele sobe à pista com Club Thing.Ela espera.A nudez é vedada, mas ele desaperta os botões da camisa e começa a mover as omoplatas em elipses concêntricas e as ancas - quase imperceptivelmente - em quartos de círculo. Um pingo de suor escorre-lhe da base do pescoço pelos peitorais e enxagua-se sobre o estômago. Os abdominais brilham azuis e negros, azuis e sombra, há fumo artificial a cercá-lo. A música intensifica.Ela também sobe. Começa a mover-se como se os punhos agarrassem cordas, primeiro, membros depois. Usa gestos subtis, como devem ser as mulheres, vistosas, indiscretas, mas subtis. Estão de tal forma envolvidos que o cenário se torna um deserto dentro dos olhos. Um Atacama pela noite. A música escala. Ele deixa descair a camisa, ela pousa-lhe as mãos nos ombros crus, alinham os movimentos. Elipses excêntricas. A camisa nos cotovelos, as mãos dela nos quadris dele e ela agora suspensa, as pernas atadas, as alças caídas, o peito resplandecente, as línguas evanescentes. Ao terceiro aviso são separados por dois porteiros e ele arrastado para fora da pista. Sorriem uma ao outro com os dentes cerrados. A noite tinha começado e cobriria o dia e só as cortinas de veludo do hotel velariam os corpos. Agora ouçam a música e leiam tudo outra vez. Ou esperem pela noite no deserto de Atacama.PG-M 2011
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Published on November 15, 2011 10:49

November 14, 2011

Break it to me gently

O ar estava quase sólido e nós saímos para as traseiras do bar quando o dj foi tomado pela nostalgia e suspendeu os golpes surdos das batidas electrónicas. A chuva tinha parado e o piso estava seco no resguardo do trinta e três. Dentro do bar arrancou o "Break it to me gently" da Brenda Lee e tu passaste-me o cigarro e armaste os braços para dançar. O cigarro ardeu-me todo entre o indicador e o médio da mão esquerda enquanto te cingia a cinta e dançávamos a canção. Não sabias a tabaco, talvez porque os lábios grossos, os teus e os meus, nos continham e as línguas. Recomeçou a chuva, que eu vi no teu vestido índigo entre as pausas dos beijos. O teu perfume também. As línguas e o teu perfume. Break it. Break it to me gently.
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Published on November 14, 2011 23:49

Reencontraram-se no baile dos que já deviam ter morrido

Na Primavera de 2043, reencontraram-se no baile dos que já deviam ter morrido, juntaram as bochechas como quem se beija e dançaram o "Do you want to know a secret" dos Fairground, embalados na rumba dolente que nunca haviam aprendido, mas que a paixão sobrevinda lhes ensinou a cada passo, e então ele disse, feliz, "Agora já posso morrer", e ela não disse nada e chorou sem lágrimas. Viverão até aos cem, mas nunca se cansarão da rumba dolente e da espécie de beijo que repetirão todos os dias.
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Published on November 14, 2011 14:57

November 13, 2011

Hoje almoçamos sem ti


Hoje almoçamos sem ti, e eu quero que a manhãsiga lenta, e nunca cheguea hora de contaros pratos
Hoje almoçámos sem ti, e eu tentei disfarçara tua ausência, mas a mãoia sempre descansarno lugar onde comias.A altura do naperon ao chãoe o fingimentoe a tristeza na bocae a vida,tudo pareciaigual

E levantou-se a mesa e o teu lugarestava limpo, mas euvim sacudir as migalhasque fingidentro do punho fechado
Hoje o sol deteve-se nos telhados e o frio veiodas ombreiras, porque almoçámos
sem ti.
PG-M 2011

fonte da foto
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Published on November 13, 2011 22:38

November 11, 2011

Aquela cena americana

Passam-se os dias num alpendre lacado a branco a fumar um narguilé enquanto na estrada poeirenta que leva à casa nada se manifesta senão nas margens. Pequenos pássaros que enchem os ciprestes começam às oito da noite e calam-se às onze da manhã. Todas as horas acordado e sozinho sem ti. Já não aguento esta forma de silêncio nem a música que a multidão me traz. É o fim. Começo outro livro.
PG-M 2011fonte da foto
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Published on November 11, 2011 12:44

Quase-amante

Adeus minha quase-amante, que a linha da noite não se vê ao pôr-do-sol como a do dia ao nascer.
Nem as estrelas se reúnem pressurosamente.
Nem a noite nasce. Nem evanesce.
Nem tu existe, a não ser na certeza de te termos.
E todos te temos.
PG-Ma glosar os Fine Frenzy (Almost Lover):
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Published on November 11, 2011 12:36

November 10, 2011

Um ano depois: o anjo que nos leva sempre pela mão*

Passa hoje um ano, pouco depois das cinco da tarde.Ninguém aqui em casa precisa de ouvir que temos de fazer o luto. Aqui não se fez. Recordamos a avó como se estivesse por aí. Claro que as saudades, assim, são ainda mais dolorosas, mas nenhuma tese ou teoria nos ajudaria a suprir a ausência. Quantas vezes acordamos cheios de saudades de um amigo do passado e vamos atrás dele para descobrir que ele, ou não se lembra de nós, ou não nos quer de volta sequer para um breve café. Esse é o luto que se faz na cara das pessoas. Mas nós sabemos que a avó, quando convocada lá onde estiver, nunca nos vai enviar de volta. Entretanto, já depois de morrer, saiu para Lisboa e foi o centro do lançamento do meu livro. Lá contei como ela fazia dezoito quilómetros a pé, todos os dias, para levar um tachinho de comida a um senhor que morava na Praça Marquês de Pombal, no Porto, só para ganhar uns tostões - e nós que pensamos que estamos mal hoje. Lá - na Bulhosa de Entrecampos - contei como ela, com a terceira classe, lia tanto e me serviu como primeira editora, porque só fiquei satisfeito quando ela me pediu para ler mais dos livros que eu escrevia e lhe levava. E acho que não contei que nunca conheci ninguém cujo olhar, perante quem com ela desabafava, não mostrava nada do próprio ego e se centrava totalmente na tarefa de dar colo aos seus interlocutores. Quando queria poupar mulher e filho das dores maiores, as dores da existência, que me davam raramente, mas davam, só ela as curava. Sexta, Sábado e Domingo terei de visitar o poema que começa por "hoje almoçamos sem ti". Hoje republico o texto que escrevi em vez de gritar, horas depois da morte.:


* a expressão que titula o post saiu desta:"os anjos, com o seu sorriso, levam-nos sempre pela mão" e é a que está na sua lápide
"A minha dor é limpa, tão seca, tão funda. As dores dos que amo descomunal. Tenho muito medo. O mar hoje estava assim, alto, cinzento, como se fosse devorar a praia e depois as casas da praia e depois as ruas à volta das casas da praia. Pôs-se sol para ela. Estive todo o dia à volta de frases de morte, mas não era prenúncio nenhum. Eu gosto das frases de morte. Mas não concebo o que está ela agora a fazer ali. Morreu para o lado que gosta mais de dormir, como sonhou, mas, caramba, não se sonha com esta merda. É um mal menor, mas é um mal. E como é que eu a descrevo? Não se faz justiça a ninguém em carne viva. Trouxe-me sempre à roda dos meus escritos com a culpa de nunca lhe ter dedicado nenhum. Acabo de descobrir porquê. Quando alguém consegue ser sempre mais do que os conceitos onde cabe é a falência das palavras. Ela criou o meu filho quase por dentro, deram-se colo um ao outro e ele ainda é pequenino mas está da altura da mãe e o que é que se faz a uma ferida assim no momento de o abraçar e dar a notícia só pelo choro e dizer Vem, vem depressa, quero que a vejas como se ainda estivesse a dormir? E o tormento de ver um filho perante a morte dentro de casa pela primeira vez? E o choro infinito do menino? E a menina, que tem memórias em cima do corpo que nunca mais acabam até ao estertor? Ainda ontem nos rimos com ela. Ainda hoje ela me disse adeus como uma adolescente, com os olhitos pequeninos a assomar do lençol na dignidade das últimas horas. E eu andei pelo dia com a estética da morte e chego e a literatura não serve para nada. Careço do uivo dos lobos. Não é correcto. Não é correcto que o corpo da Vó Ju seja falível e o seu calor nos fuja e que seja preciso vesti-la e que se tenha de falar de tábuas e caixas e capelas e despedidas. As pessoas excepcionais deviam dar outras voltas depois de cruzar a linha. As pessoas excepcionais não se chamam só Avó. Eu sabia que seria incapaz de fazer a dor abrandar porque não é suposto que ela abrande. Quando eu me esquecer de ti, avó, e do que nos rimos com a ideia do dia da tua morte - raio de lucidez que faz doer ainda mais - talvez te consiga escrever uma frase que consiga encher os outros de ti. E se não conseguir chamo-te para ver a última parte do "E tudo o vento levou" em HD, que naquele Domingo ficou incompleto quando te lembraste de ir com a menina vigiar a horta antes que a luz faltasse. Hoje é apenas um grito trapalhão porque tu sabes que eu grito com a ponta dos dedos e que o peito me sufoca até os dedos se deitarem a escrever. E que agora partilho o segredo de quem tu eras com o mundo, que queres que faça? Vinha a pensar que me quero calar, agora e pelos dias vindouros, e deixar-te a canção que há algum tempo temia ser a única saída deste dia da tua morte cá em casa, pelas cinco da tarde de 10 de Novembro de 2010. O Lenon escreveu assim para a mãe como se fosse para ti

Half of what I say is meaningless
But I say it just to reach you, Julia


(...)
Julia, sleeping sand, silent cloud, touch me


So I sing a song of love for Julia, Julia, Julia
E claro que era para ti. Até um destes dias, Vó Ju.
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Published on November 10, 2011 14:16

O momento: Deutschland über alles: Colette / Karine Vanasse

Desde bem pequenino, e mais ou menos uma a duas vezes por ano, como é normal e bastante saudável, apaixono-me por uma actriz e não faço segredo disso. Pois durante os próximos dias só tenho olhos para a É isto. Agora Colette e o hino "maldito":

PG-M 2011fonte da foto
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Published on November 10, 2011 13:45

November 9, 2011

Agro Humilitatis


A armadura pesa, o Rocinante precisa de descanso, os olhos do Sancho andam marejados de desencanto, não há vento nos moinhos, afinal já escrevi livros e tive filhos, vou disfarçar-me de humilde plantador de árvores e descansar, porque já não consigo ser melhor do que os melhores.
PG-M 2011fonte da foto:Van Gogh - Campo de trigo com corvos
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Published on November 09, 2011 12:04

November 8, 2011

o amor é um só vocábulo não dito por toda a gente



Quando me olhas deixo as frases pelo chão e se me chegas a tocar só em silêncio poderei dizer as mesmas coisas, e são as mesmas porque 


 o amor é um só vocábulo não dito por toda a gente


PG-M 2011
fonte da foto
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Published on November 08, 2011 16:38