Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 21
February 20, 2015
Meio-dia
Meio-dia e o ocasoda manhã que te agarrou
pelo braço estavas tu
sumida ao toucador
os lábios finos da véspera
o olhar estreito da noite
os braços suportando
a voz e a dor muda
da montanha
a caminho da
tua vida
há um peso aqui
e as horas vigiam a tristeza
foram as mãos na terra
a inventar o meio
dia como se fosse
não é
pudera o sol ditar
o tempo e esta hora
era apenas
o teu
começo
PG-M 2015
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Published on February 20, 2015 08:35
Sete da manhã
às sete da manhã estou sozinho,
minutos antes
da respiração do dia
na casa,
a pensar na pureza
da literatura
nas hordas de génios
que desprezaram
prémios
e os desejaram
em segredo
e à mesa de cafés parisienses
ou lisboetas
ou madrilenos
ou romanos
ou de qualquer café
central
o confessaram a amigos
que o venderam a
biógrafos
dedico este libro a la impureza
dijo aramburu
penso na pureza
e na solidão
de qualquer arte
na aspiração
e na demência
na velhice
e no princípio
na absoluta simplicidade da semente
na absoluta complexidade
da semente
que vergado deitarei à terra
desconhecendo ainda
a frase
e como a morte se insinua
na eternidade
saio nu e imperfeito para o pátio de cimento
com quebras como os homens
que executam
dedico este libro a la impureza
começam a passar os carros e os torsos frios
para o trabalho
os pobres acordam e voltam
a ter fome
eu entro em casa
visto o pijama
deito-me
cubro-me
encolho-me
como um feto
e não escrevo nada
PG-M 2015
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Published on February 20, 2015 06:55
February 13, 2015
Três da manhã
às três da manhã o menino ainda toca Beethoven
no Müller & Sohn, e,
como as memórias puras,
a poesia ainda atravessa as paredes
das casas todas
não serão palavras
para os poemas de amor, usarei apenas
as teclas de um piano
seremos inéditos ao
amanhecer
PG-M 2015
Published on February 13, 2015 19:32
Seis da manhã
evapora-se pela noite
sem busto
sem pele
às vezes o corpo assoma
aquece
sobe doce pelas mãos
pelo sexo
nunca vence
e mesmo a alma
só cede à luz pálida
do rádio murmurando
a manhã
PG-M 2015fonte da foto
Published on February 13, 2015 18:08
Uma da manhã
se deixares passar muito tempo,vais encontrar-me velho
ou ausente
a velhice é perfeita
a ausência não
há horas que são tarde
e cedo
ao mesmo tempo
mas nunca é cedo
para tomar
as mãos
e pode ser tarde se chegares
depois
se fores errante
e a estalagem te aparecer
na minha porta
passa-a
sem esperar
os nossos velórios e
funerais
são sempre cedo demais
se eu cá estiver
mesmo à uma da manhã
terei um abraço quente
e um café estreito
se não estiver
virás frio
eu no vaso
o mais certo
é fecharem a capela mortuária
antes da uma
e os mortos esperarem sozinhos
as horas todas
PG-M 2015
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Published on February 13, 2015 17:07
February 11, 2015
Dez da noite
Dez noite e eu sozinha
diante do espelho americano
dos lavabos do bistrot
tenho quinze
vinte e cinco
trinta e cinco
quarenta e cinco
cinquenta e cinco
sessenta e cinco
setenta e cinco
vou pintar-me vou mudar até notares
o lugar vago
quinze
nem acredito que estou aqui, o pai deixou
ó meu deus
a mãe vai ser atravessada pelo ácido dos portões da escola secundária
o coro dos amos
"que tempos salazes em que a uma criança é permitida a liberdade"
e o meu batom vermelho vai esbater-se entre os teus tipos
o vestido curto sobrar
pensei que o peito podia doer e a respiração apertar
antes de o corpo ser nosso
nunca beijarás uns lábios pintados
pelas fotografias da emily blunt
nunca tomarás uma mão demasiado segura
com unhas de gel
nem me conduzirás ao jardim interior
quando a tua evasão
é recordar o código
do cartão do teu pai
vinte e cinco
não há vez nenhuma antes desta
quando eu voltar à sala
pode começar a vida
não o pesadelo de um jantar acabado
eu a levantar-me sem nada
tu agarrado ao telemóvel
e no bengaleiro
quer o casaco minha senhora?
já sou minha senhora e tu
a travar o passo
vais responder a isso,
eu sei,
nada a declarar
nem um anel
nem saturno
nem a lua
nem ao menos o teu corpo
ao lado do meu
antes tivesse pintado
os lábios de vermelho
trinta e cinco
restauro no espelho americano
a últma hora de vida
tens jeito para mudar fraldas
mas eu movo a cadeira do bebé
não queremos que acorde
janto com uma só
mão
a patrícia já vai na terceira lista de compras e acabou de entrar
no domínio do low cost
tu e o miguel de costas
o jogo é importante, elas
estão bem, deixa
deixa
deixo
deixamos as duas
se ao menos a patrícia se calasse
entrava em mim de
olhos fechados
o bebé a dormir
o vinho é bom
e uma mão
sempre
chegou
punheteiro
patrícia, vou ao wc
olhas pelo bebé?
quarenta e cinco
este poema está a ficar
demasiado contemporâneo
entrámos no domínio criativo
dos génios de escola
faço descontos ao espelho
ainda sou capaz de tapar
o tempo
que idade tinha
Clitmnestra,
de Coéfaras?
E a Ofélia, de Hamlet?
E a mulher de Bath?
E a Hester Prynne?
E a Blimunda?
Desenho com o dedo os contornos
do meu rosto
quando entrar na sala
ele observará o movimento
dos quadris
a malícia do sorriso
escreverá a didascália
no guardanapo de pano
(ele tomou-lhe a mão e saíram
com urgência)
cinquenta e cinco
só por convencimento artificial e soezes
redundâncias
posso consentir o meu aspecto
e à luz dos trinta e tal
o meu é o desespero de todas
as mulheres
vou atravessar a sala fingindo
a melhor versão do meu engano
usarei a táctica humorística
da auto-depreciação
e fingirei a menina
e lembrarei
o ridículo
sonho de
que às vezes esqueço o ridículo
e sou mesmo menina
sessenta e cinco
entreguei o cadáver
voltei a mim
majestosa e material
corpórea palpável sensível tangível visível
ergo-me na estampa dos dias
subtil, marginal,
não sou o centro de nada
não sou o centro de tudo
mulher de porte
de sorte
defino os contornos
o perfume
o vestido
a écharpe
a estola, sou
intemporal
setenta e cinco
vou absoluta
se ele voltasse
entraria pelo espelho americano
com a mão grossa e bonita
nos meus cabelos
as testas encostadas
se o amor cresce
até um fim
já é mais alto do que nós
mas na cruz fria da campa
tem o tempero certo
a massa exacta
o calibre
devido
quando saio ao encontro dele
ainda pinto os meus lábios
de vermelho
PG-M 2015
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Published on February 11, 2015 14:23
Quatro da tarde
sinceramente não me apetece escrever sobre as quatro horas da tarde, até porque
esse é o momento em que não devíamos
estar dentro de nada, não devíamos
pertencer senão aos livres ou aos loucos
ter superpoderes, voar pelo
quarteirão, beijar
a morena da
loja de doces
ou a mãe
do charles
Ó menino!
Ó dona madalena!
não seja atrevido
serei
tens de aprender a sair
às quatro da tarde
mesmo que chova
apontas o chuço à montra da livraria e declaras
senhor josé, sou um novo herói,
mistura de charlot e chaplin
smile even though it's breaking
ou então gene kelly com hegel
it's a glorious day
mas a mão amparando as costas
da rita hayworth
a dançar a bossa nova
you were never lovelier
excepto no flume infinito
de um certo fred astaire
e ninlil dará a volta aos milénios banhando-se "na onda pura"
e recusará os beijos de enlil
porque tem os lábios pequenos
e tu serás, não gilgamesh, mas a simplicidade do supremo
bem vês, até o foxtrot vai dar a volta ao século
bem vês, não há propriamente limites filosóficos na tua abordagem ao piso,
não estás encerrado em muros ou montado numa estrutura de ossos
dermodisfarçada
pois isso é o que fica quando não há comoção que segure este mundo
e este mundo sem nós
sempre foi uma estrutura de muros sobre campos de ossos
e a voz dos que saíram a fazer eco
nos desfiladeiros
em Treblinka foram tremoços,
verdes e arrebatadores campos de tremoços e toneladas de terra
cultivados pelo camponês ucraniano
sobre consciências gaseadas, removidas, depostas, incineradas a cada
cinco segundos
cronometra:
cinco segundos, um menino de dois anos no lazareto, um tiro na nuca; cinco segundos, a bandeira branca com o símbolo da cruz vermelha, Samuel é deficiente e velho, um tiro na nuca; cinco segundos, na antecâmara de gás eu corto o cabelo a tamara - queres que continue? agora multiplica e diz quinze mil nomes e conta quinze mil histórias do nascente ao poente de cada dia
ele, obsessivo e calculista, tinha o ideal da arrumação da morte antes das quatro da tarde
mas os corpos eram tapados com terra até tarde
e tu voltavas ao barracão gelado
e dormias sem culpa
no inferno
o comandante comia cedo
excepto naquele dia em que o wirth veio
e ficou decidido incinerar as pessoas antes de as enterrar
e beberam cerveja quente e o jantar
atrasou-se
e tu começaste a deitar-te
com fogo alto nas valas
e o mesmo gelo
nas veias
então porque é que,
nem que seja apenas desviando os olhos da secretária para os estratocúmulos suspensos sobre o estuário,
não sais sempre às quatro da tarde?
um dia ainda te cercam o bairro onde trabalhas
e fecham-no à chave
e é tarde demais
sinceramente não me apetece escrever
sobre as quatro horas da tarde, até porque
esse é o momento em que não devíamos
estar dentro de nada, não devíamos
pertencer senão aos livres
ou aos loucos
PG-M 2015
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Published on February 11, 2015 08:04
February 9, 2015
Cinco da tarde
às cinco da tarde
há um pasmo pênsil
nos rostos
da rua de baixo
mas um sol anguloso e presumido
nos vultos pardos
dos cimos de vila
fantasmas nas cúpulas
cadáveres vivos
nas caves
às cinco da tarde
ainda nada acabou
às cinco da tarde
está tudo no fim
PG-M 2015
fonte da foto (Oxford Street)
Published on February 09, 2015 09:08
February 7, 2015
Duas da tarde
às duas da tarde as ruas
vazam do que as encheu
por transitar
e tomam
o traje do dia
já não há
indolência ou letargia
indestreza ou lástima
a desventura nomeia a noite
e parte
o bailarino está tenso e apresta-se
a voar
na primeira posição
tem lume e água
na carne
sissone e o universo
sem peso
está sol
em pontas
a tarde monta e já são
três menos
tal
os pobres deixam o coro da fome e regressam
ao altar
PG-M 2015
fonte da foto
Published on February 07, 2015 06:44
February 6, 2015
meia-noite
ofereço-te a meia-noite
e os minutos que quiseres
uma saia rodada e
um ramo de mal
mequeres
se tu pelo menos as
coxas
ofereço-te a meia-noite
e as palavras que disseres
desveladas pelo mal
como as pétalas
nos dedos
se tu pelo menos a
boca
ofereço-te a meia-noite
e as mãos sob a saia
rodada e a boca
sobre a boca
e as flores
sobre o tempo
e o tempo
framboesa
meia laranja
infinita
como a pele
como toda a cobiça
como a sede
e mel
do bom
como se
como tu
como te
come me
como meia
noite
ofereço-te a surdez e o gemido a mudez e o murmúrio
o odor e a temperatura
o olhar e a mesura
e agora,
no fim,
o mesmo braço
o mesmo palmo
a mesma noite
um dia
mais
PG-M 2015
fonte da foto
Published on February 06, 2015 16:19


