Rodrigo Constantino's Blog, page 381
April 2, 2012
Ressurge a democracia
Editorial O GLOBO - 2 abril de 1964
Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.
Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.
Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.
Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos.
Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo. As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, "são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.
No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei. Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.
Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas.
Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo. A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.
Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social.
Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.
Comentário: Ao celebrar o resgate da democracia, o jornal claramente se equivocou, ou comemorou cedo demais. Sabemos que depois houve um golpe dentro do "golpe", e o regime militar se alongou por duas décadas de forma totalmente desnecessária. A democracia não foi salva. Dito isso, a importância do editorial está em mostrar, especialmente aos mais jovens que ignoram este fato, como havia aprovação popular aos militares que derrubaram Jango do poder. O clima no país era de caos total, as medidas do governo destruíram a economia e comunistas infiltrados se preparavam para um verdadeiro golpe que, aí sim, poderia colocar o Brasil na rota de uma ditadura cruel e opressora como a cubana, inspiração destes revolucionários.
Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.
Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.
Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.
Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos.
Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo. As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, "são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.
No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei. Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.
Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas.
Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo. A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.
Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social.
Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.
Comentário: Ao celebrar o resgate da democracia, o jornal claramente se equivocou, ou comemorou cedo demais. Sabemos que depois houve um golpe dentro do "golpe", e o regime militar se alongou por duas décadas de forma totalmente desnecessária. A democracia não foi salva. Dito isso, a importância do editorial está em mostrar, especialmente aos mais jovens que ignoram este fato, como havia aprovação popular aos militares que derrubaram Jango do poder. O clima no país era de caos total, as medidas do governo destruíram a economia e comunistas infiltrados se preparavam para um verdadeiro golpe que, aí sim, poderia colocar o Brasil na rota de uma ditadura cruel e opressora como a cubana, inspiração destes revolucionários.
Published on April 02, 2012 06:06
April 1, 2012
Elitismo autoritário
Janio de Freitas, Folha de SP
A Lei Seca veio embaralhar, de uma parte, a combinação bebedeira/automóvel e, de outra, o autoritarismo.
Para começar, é uma lei elitista típica do Brasil. Quem dispõe de mordomias por posses próprias ou pagas pelo Tesouro Nacional, como é o caso dos congressistas que impuseram a lei, está livre para beber à vontade, a qualquer hora, e transpor qualquer blitz. Suas posses ou o dinheiro oficial lhe proporcionam o serviçal conveniente para as circunstâncias: o motorista.
A lei é, portanto, contra a classe média. Essa que beberica como uma pequena distensão, como um lazer à falta de melhores.
Quem bebe um ou dois copos de vinho em várias horas de uma festa ou de um jantar, por exemplo, compõe a imensa maioria dos atingidos pelo rigor arbitrário da lei. Mas, como norma, não são os que causam acidentes por terem ingerido alguma porção alcoólica. Em contrapartida, a probabilidade de deter os que perdem as condições de dirigir é insignificante. Um êxito apenas ocasional, dada a forçosa desproporção entre as blitze possíveis e a área urbana livre para os embriagados trafegarem sem encontrar-se com a malha fina.
A lei é elitista ainda na sua destinação. Inspirou-se e pretende (em vão, como se tem visto) prevenir acidentes em que motoristas alcoolizados têm feito vítimas chocantes, essencialmente, por sua condição social. E pelos bairros onde mais ocorrem tais acidentes. A frustrada ação repressora o comprova o elitismo: as blitze não são feitas na periferia ou subúrbios, onde -os costumes sugerem- seria farta a coleta de desrespeito ao índice exíguo da lei. Como se deduz do volumoso noticiário de acidentes naquelas áreas. Ou seja, só os bacanas não devem matar e matar-se com seus carros.
A lei confirma o seu elitismo também por outra via trágica: os acidentes terríveis com ônibus intermunicipais e interestaduais estão todos os dias na TV, com dezenas e mais dezenas de mortos, feridos e incapacitados. Os acidentes com carretas e caminhões não chocam menos. Mas a Lei Seca não lhes concedeu sequer a menor menção.
É indispensável que os motoristas de ônibus sejam submetidos ao bafômetro antes da partida. E outra vez ao sair das paradas intermediárias. Os motoristas de carretas e caminhões provocaram a proibição de venda de bebida na beira das estradas, mas nem a restrição é cumprida, nem é suficiente para restringir a guarda da bebida. E nessas omissões da autoridade estão as causas da sucessão de desastres horríveis com veículos pesados. Sem providências contrárias.
Está mais do que provada a ineficácia do autoritarismo como sistema socialmente educativo. O que pode mudar as condutas sociais é a persuasão. A campanha da camisinha é exemplo excelente: persuasiva, por impossibilidade de ser impositiva, pegou com rapidez e criou novo costume. O abandono do cigarro por milhões de fumantes convictos dá outro exemplo: é fácil ouvir que a rejeição veio do conhecimento dos efeitos maléficos, martelados pelos médicos, e não das proibições de fumar ali ou acolá. A maior parte das proibições decorreu já da rejeição que se difundia.
A modalidade da Lei Seca se explica muito por sua origem: a bancada evangélica. A Ação Católica e outras organizações religiosas, dedicadas à influência política, não retornaram ao Congresso e à política na volta da democracia. Com penetração crescente, porém, os novos evangélicos assumiram seus papéis. Extremados no conservadorismo, só admitem leis e regras sujeitas às suas concepções. Nisso, mesmo a qualidade do fazer não parece importar. A Lei Seca e, já andando pelo Congresso, seu extremismo final saíram dessa usina.
A lei elitista anti-etilista é um produto do autoritarismo que não crê em educação social e em formação de civilidade.
A Lei Seca veio embaralhar, de uma parte, a combinação bebedeira/automóvel e, de outra, o autoritarismo.
Para começar, é uma lei elitista típica do Brasil. Quem dispõe de mordomias por posses próprias ou pagas pelo Tesouro Nacional, como é o caso dos congressistas que impuseram a lei, está livre para beber à vontade, a qualquer hora, e transpor qualquer blitz. Suas posses ou o dinheiro oficial lhe proporcionam o serviçal conveniente para as circunstâncias: o motorista.
A lei é, portanto, contra a classe média. Essa que beberica como uma pequena distensão, como um lazer à falta de melhores.
Quem bebe um ou dois copos de vinho em várias horas de uma festa ou de um jantar, por exemplo, compõe a imensa maioria dos atingidos pelo rigor arbitrário da lei. Mas, como norma, não são os que causam acidentes por terem ingerido alguma porção alcoólica. Em contrapartida, a probabilidade de deter os que perdem as condições de dirigir é insignificante. Um êxito apenas ocasional, dada a forçosa desproporção entre as blitze possíveis e a área urbana livre para os embriagados trafegarem sem encontrar-se com a malha fina.
A lei é elitista ainda na sua destinação. Inspirou-se e pretende (em vão, como se tem visto) prevenir acidentes em que motoristas alcoolizados têm feito vítimas chocantes, essencialmente, por sua condição social. E pelos bairros onde mais ocorrem tais acidentes. A frustrada ação repressora o comprova o elitismo: as blitze não são feitas na periferia ou subúrbios, onde -os costumes sugerem- seria farta a coleta de desrespeito ao índice exíguo da lei. Como se deduz do volumoso noticiário de acidentes naquelas áreas. Ou seja, só os bacanas não devem matar e matar-se com seus carros.
A lei confirma o seu elitismo também por outra via trágica: os acidentes terríveis com ônibus intermunicipais e interestaduais estão todos os dias na TV, com dezenas e mais dezenas de mortos, feridos e incapacitados. Os acidentes com carretas e caminhões não chocam menos. Mas a Lei Seca não lhes concedeu sequer a menor menção.
É indispensável que os motoristas de ônibus sejam submetidos ao bafômetro antes da partida. E outra vez ao sair das paradas intermediárias. Os motoristas de carretas e caminhões provocaram a proibição de venda de bebida na beira das estradas, mas nem a restrição é cumprida, nem é suficiente para restringir a guarda da bebida. E nessas omissões da autoridade estão as causas da sucessão de desastres horríveis com veículos pesados. Sem providências contrárias.
Está mais do que provada a ineficácia do autoritarismo como sistema socialmente educativo. O que pode mudar as condutas sociais é a persuasão. A campanha da camisinha é exemplo excelente: persuasiva, por impossibilidade de ser impositiva, pegou com rapidez e criou novo costume. O abandono do cigarro por milhões de fumantes convictos dá outro exemplo: é fácil ouvir que a rejeição veio do conhecimento dos efeitos maléficos, martelados pelos médicos, e não das proibições de fumar ali ou acolá. A maior parte das proibições decorreu já da rejeição que se difundia.
A modalidade da Lei Seca se explica muito por sua origem: a bancada evangélica. A Ação Católica e outras organizações religiosas, dedicadas à influência política, não retornaram ao Congresso e à política na volta da democracia. Com penetração crescente, porém, os novos evangélicos assumiram seus papéis. Extremados no conservadorismo, só admitem leis e regras sujeitas às suas concepções. Nisso, mesmo a qualidade do fazer não parece importar. A Lei Seca e, já andando pelo Congresso, seu extremismo final saíram dessa usina.
A lei elitista anti-etilista é um produto do autoritarismo que não crê em educação social e em formação de civilidade.
Published on April 01, 2012 07:48
E o real cobra seu preço
Ferreira Gullar, Folha de SP
Informações recentes parecem indicar que a economia brasileira caminha inexoravelmente para uma situação crítica, de difícil solução. A se efetivar tal previsão, dela resultaria uma crise política que poria em questão a hegemonia lulista sobre o sistema de poder.
A título de especulação, vamos tentar avaliar a natureza dessa crise futura e suas consequências. Mas, para isso, será necessário examinar o processo político e econômico que ajudou a criar a situação crítica a que se referem economistas e analistas da matéria.
Ninguém põe em dúvida o fato de que os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso introduziram mudanças importantes no processo econômico brasileiro, criando condições para um crescimento saudável e sustentado.
Graças a essas medidas, o Brasil se livrou da inflação crônica que inviabilizava o crescimento da produção e consumia o valor dos salários. Aquelas foram medidas necessárias, mas não suficientes.
Lula assumiu a Presidência da República em 2003 e, muito embora tenha combatido todas aquelas medidas, resolveu adotá-las e usá-las como um modo de consolidar seu prestígio político e ampliá-lo. Graças a isso, pôde eleger Dilma Rousseff sua sucessora e, com isso, estender para diante seu projeto político.
A verdade, porém, é que, como não tinha um programa de governo nem muito menos um projeto estratégico para o país, valeu-se da estabilidade econômica e do momento propício do crescimento mundial para ampliar seus programas assistencialistas e propiciar aumentos salariais que beneficiaram amplas camadas da população mais pobre.
O crescimento do mercado interno, entre outros fatores, permitiu que o país passasse relativamente ileso pela crise que atingiu a economia mundial a partir de 2008.
Noutras palavras, desde que o petismo assumiu o governo, nenhuma medida foi tomada para atender às novas condições criadas pelo próprio crescimento da economia. De fato, o que se fez foi onerar os setores produtivos, ampliar a máquina estatal e aumentar as despesas públicas. O número de ministros subiu de 27 para 39 -ou 40, já nem sei- e, com eles, o número de funcionários concursados e não concursados.
Seguindo o exemplo do Executivo, a Câmara, o Senado e o Judiciário criaram novos encargos para o Tesouro, aumentando o deficit público. Naturalmente, todas essas medidas -que ampliaram o consumo e mantiveram o crescimento da economia- deixam a população otimista, disposta a gastar, ainda que se endividando a cada dia.
E tudo isso, sem que se pague salário justo a professores e médicos, que desempenham papel vital para a sociedade. Mas essa gastança aproxima-se do fim, porque ou se põe termo a ela, ou o país caminhará para o impasse.
As mais recentes informações, colhidas nos institutos de pesquisa, compõem um quadro preocupante, a começar pelo índice de crescimento da economia que, no último ano, ficou em apenas 2,7%, abaixo de quase todos os país da região, exceto Guatemala e El Salvador.
Esse dado poderia ser visto como um fato conjuntural, não fossem outros, igualmente preocupantes, como o índice de investimento, que ficou em 19% do PIB, contra o índice de 23% da região, enquanto a produtividade do trabalhador brasileiro ocupa o 15º lugar na América Latina. Por outro lado, nossa produção industrial perde competitividade, devido à desvalorização do dólar, mas também aos encargos que oneram a folha de pagamento.
Noutras palavras, o país chega ao limite de seus gastos, quando a solução para o impasse seria investir na infraestrutura (portos, estradas de ferro, rodovias) e na formação de profissionais de alto nível técnico.
A saída é cortar os gastos supérfluos com a máquina estatal e desonerar de impostos e taxas o custo da produção. Mas, para isso, teria que contrariar os interesses dos partidos da base aliada e o poder das centrais sindicais, aliados do governo. Dilma teria que topar essa briga.
Se esse diagnóstico está correto, a lua de mel lulista com o poder parece aproximar-se do fim. Podem até ganhar as eleições deste ano e as de 2014. Não sei. O certo é que, cedo ou tarde, a realidade cobra seu preço.
Informações recentes parecem indicar que a economia brasileira caminha inexoravelmente para uma situação crítica, de difícil solução. A se efetivar tal previsão, dela resultaria uma crise política que poria em questão a hegemonia lulista sobre o sistema de poder.
A título de especulação, vamos tentar avaliar a natureza dessa crise futura e suas consequências. Mas, para isso, será necessário examinar o processo político e econômico que ajudou a criar a situação crítica a que se referem economistas e analistas da matéria.
Ninguém põe em dúvida o fato de que os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso introduziram mudanças importantes no processo econômico brasileiro, criando condições para um crescimento saudável e sustentado.
Graças a essas medidas, o Brasil se livrou da inflação crônica que inviabilizava o crescimento da produção e consumia o valor dos salários. Aquelas foram medidas necessárias, mas não suficientes.
Lula assumiu a Presidência da República em 2003 e, muito embora tenha combatido todas aquelas medidas, resolveu adotá-las e usá-las como um modo de consolidar seu prestígio político e ampliá-lo. Graças a isso, pôde eleger Dilma Rousseff sua sucessora e, com isso, estender para diante seu projeto político.
A verdade, porém, é que, como não tinha um programa de governo nem muito menos um projeto estratégico para o país, valeu-se da estabilidade econômica e do momento propício do crescimento mundial para ampliar seus programas assistencialistas e propiciar aumentos salariais que beneficiaram amplas camadas da população mais pobre.
O crescimento do mercado interno, entre outros fatores, permitiu que o país passasse relativamente ileso pela crise que atingiu a economia mundial a partir de 2008.
Noutras palavras, desde que o petismo assumiu o governo, nenhuma medida foi tomada para atender às novas condições criadas pelo próprio crescimento da economia. De fato, o que se fez foi onerar os setores produtivos, ampliar a máquina estatal e aumentar as despesas públicas. O número de ministros subiu de 27 para 39 -ou 40, já nem sei- e, com eles, o número de funcionários concursados e não concursados.
Seguindo o exemplo do Executivo, a Câmara, o Senado e o Judiciário criaram novos encargos para o Tesouro, aumentando o deficit público. Naturalmente, todas essas medidas -que ampliaram o consumo e mantiveram o crescimento da economia- deixam a população otimista, disposta a gastar, ainda que se endividando a cada dia.
E tudo isso, sem que se pague salário justo a professores e médicos, que desempenham papel vital para a sociedade. Mas essa gastança aproxima-se do fim, porque ou se põe termo a ela, ou o país caminhará para o impasse.
As mais recentes informações, colhidas nos institutos de pesquisa, compõem um quadro preocupante, a começar pelo índice de crescimento da economia que, no último ano, ficou em apenas 2,7%, abaixo de quase todos os país da região, exceto Guatemala e El Salvador.
Esse dado poderia ser visto como um fato conjuntural, não fossem outros, igualmente preocupantes, como o índice de investimento, que ficou em 19% do PIB, contra o índice de 23% da região, enquanto a produtividade do trabalhador brasileiro ocupa o 15º lugar na América Latina. Por outro lado, nossa produção industrial perde competitividade, devido à desvalorização do dólar, mas também aos encargos que oneram a folha de pagamento.
Noutras palavras, o país chega ao limite de seus gastos, quando a solução para o impasse seria investir na infraestrutura (portos, estradas de ferro, rodovias) e na formação de profissionais de alto nível técnico.
A saída é cortar os gastos supérfluos com a máquina estatal e desonerar de impostos e taxas o custo da produção. Mas, para isso, teria que contrariar os interesses dos partidos da base aliada e o poder das centrais sindicais, aliados do governo. Dilma teria que topar essa briga.
Se esse diagnóstico está correto, a lua de mel lulista com o poder parece aproximar-se do fim. Podem até ganhar as eleições deste ano e as de 2014. Não sei. O certo é que, cedo ou tarde, a realidade cobra seu preço.
Published on April 01, 2012 07:02
Crime sem castigo
Fernando Henrique Cardoso, O GLOBO
Houve tempo em que se dizia que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabaria com o Brasil. As saúvas andam por aí, não acabaram, nem o Brasil acabou. Será a mesma coisa com a corrupção? Que ela anda vivinha por aí não restam dúvidas, que acabe com o Brasil é pouco provável, que acabe no Brasil, tampouco. Mas que causa danos enormes é indiscutível. Haverá quem diga que sempre houve corrupção no País e pelo mundo afora, o que provavelmente é certo, mas a partir de certo nível de sua existência e, pior, da aceitação tácita de suas práticas como "fatos da vida", se ela não acaba com o País, deforma-o de modo inaceitável. Estamo-nos aproximando desse limiar.
Há formas e formas de corrupção, especialmente das instituições e da vida política. As mais tradicionais entre nós são o clientelismo - a prática de atender os amigos, e os amigos dos amigos, nomeando-os para funções públicas -, a troca de favores e o patrimonialismo, isto é, a confusão entre público e privado, entre Estado e família. Tudo isso é antigo e deita raízes na Península Ibérica. A frase famosa "é dando que se recebe", de inspiração dita franciscana, referia-se mais à troca de favores do que ao recebimento de dinheiro. Por certo, um sistema político assentado nessas práticas já supõe o desdém pela lei e é tendente a permitir deslizes mais propriamente qualificados como corrupção. Mesmo quando não haja suborno de funcionários ou vantagem pecuniária pela concessão de favores, prática que os juristas chamam de prevaricação, os apoios políticos obtidos dessa maneira são baseados em nomeações que implicam gasto público. Progressivamente, tais procedimentos levam a burocracia a deixar de responder ao mérito, ao profissionalismo. Com o tempo, as gorjetas e mesmo o desvio de recursos - o que mais diretamente se chama de corrupção - aumentam como consequência desse sistema.
Nos dias que correm, entretanto, não se trata apenas de clientelismo, que por certo continua a existir, ao menos parcialmente, mas de algo mais complexo. Se o sistema patrimonialista tradicional já contaminava nossa vida política, a ele se acrescenta agora algo mais grave. Com o desenvolvimento acelerado do capitalismo e com a presença abrangente dos governos na vida econômica nacional, as oportunidades de negócios entremeados por decisões dependentes do poder público ampliaram-se consideravelmente. E as pressões políticas se deslocaram do mero favoritismo para o "negocismo". Há contratos por todo lado a serem firmados com entes públicos, tanto no âmbito federal como no estadual e no municipal. Crescentemente, os apoios políticos passam a depender do atendimento do apetite voraz de setores partidários que só se dispõem a "colaborar" se devidamente azeitados pelo controle de partes do governo que permitam decisões sobre obras e contratos. Mudaram, portanto, o tipo de corrupção predominante e o papel dela na engrenagem do poder. Dia chegará - se não houver reação - em que a corrupção passará a ser condição de governabilidade, como ocorre nos chamados narcoestados. Não, naturalmente, em função do tráfico de drogas e do jogo (que também se podem propagar), mas da disponibilidade do uso da caneta para firmar ordens de serviço ou contratos importantes.
Não por acaso se ouvem vozes, cada vez mais numerosas, na mídia, no Congresso e mesmo no governo, a clamar contra a corrupção. E o que é mais entristecedor, algumas delas por puro farisaísmo, como ainda agora, em clamoroso caso que afeta o Senado e sabe Deus que outros ramos do poder. O perigo, não obstante, é que se crie uma expectativa de que um líder autoritário ou um partido-salvador seja o antídoto para coibir a disseminação de tais práticas. Em outros países já vimos líderes supostamente moralizadores se engolfarem no que diziam combater, e a experiência com partidos "puritanos", mesmo entre nós, tem mostrado que nem eles escapam, aqui ou ali, das tentações de manter o poder ao preço por ele cobrado. Quando este passa a ter a conivência com o setor gris da sociedade, lá se vão abaixo as belas palavras, deixando um rastro de desânimo e revolta nos que neles acreditaram.
A experiência histórica mostra, contudo, que há caminhos de recuperação da moral pública. Na década de 1920, nos Estados Unidos, havia práticas dessa natureza em abundância. O controle político exercido por bandos corruptos aboletados nas câmaras municipais, como em Nova York, por exemplo, onde o Tammany Hall deixou fama, é arquiconhecido. As ligações entre o proibicionismo do álcool e o poder político, da mesma forma. Pouco a pouco, sem nunca, por certo, eliminar a corrupção completamente, o caráter sistêmico desse tipo de procedimento foi sendo desmantelado. À custa de quê? Pregação, justiça e castigo. Hoje, bem ou mal, os "graúdos", ao menos alguns deles, também vão para a cadeia. Ainda recentemente, em outro país, a Espanha, depois de rumoroso escândalo, alto personagem político foi condenado e está atrás das grades. Não há outro meio de restabelecer a saúde pública senão a exemplaridade dos líderes maiores, condenando os desvios e não participando deles, o aperfeiçoamento dos sistemas de controle do gasto público e a ação enérgica da Justiça.
A despeito do desânimo causado pela multiplicação de práticas corruptas e pela impunidade vigente, há sinais alvissareiros. É inegável que os sistemas de controle, tanto os tribunais de contas como as auditorias governamentais e as Promotorias, estão mais alerta e a mídia tem clamado contra o mau uso do dinheiro e do patrimônio públicos. A ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade da Lei da Ficha Limpa mostram que o clamor começa a despertar reações. Mas é preciso mais. Necessitamos de uma reforma do sistema de decisões judiciais, na linha do que foi proposto pelo ministro Peluso, para acelerar a conclusão dos processos e dificultar que bons advogados posterguem a consumação da justiça. Só quando se puserem na cadeia os poderosos que tenham sido condenados por crimes de colarinho branco, o temor, não da vergonha, mas do cárcere coibirá os abusos.
Não nos esqueçamos, porém, de que existe uma cultura de tolerância que precisa ser alterada. Não faltam conhecidos corruptos a serem brindados em festas elegantes e terem quem os ouça como se impolutos fossem. As mudanças culturais são lentas e dependem de pregação, pedagogia e exemplaridade. Será pedir muito? E não nos devemos esquecer de que a responsabilidade não é só dos que transgridem e da pouca repressão, mas da própria sociedade - isto é, de todos nós -, por aceitar o inaceitável e reagir pouco diante dos escândalos.
Houve tempo em que se dizia que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabaria com o Brasil. As saúvas andam por aí, não acabaram, nem o Brasil acabou. Será a mesma coisa com a corrupção? Que ela anda vivinha por aí não restam dúvidas, que acabe com o Brasil é pouco provável, que acabe no Brasil, tampouco. Mas que causa danos enormes é indiscutível. Haverá quem diga que sempre houve corrupção no País e pelo mundo afora, o que provavelmente é certo, mas a partir de certo nível de sua existência e, pior, da aceitação tácita de suas práticas como "fatos da vida", se ela não acaba com o País, deforma-o de modo inaceitável. Estamo-nos aproximando desse limiar.
Há formas e formas de corrupção, especialmente das instituições e da vida política. As mais tradicionais entre nós são o clientelismo - a prática de atender os amigos, e os amigos dos amigos, nomeando-os para funções públicas -, a troca de favores e o patrimonialismo, isto é, a confusão entre público e privado, entre Estado e família. Tudo isso é antigo e deita raízes na Península Ibérica. A frase famosa "é dando que se recebe", de inspiração dita franciscana, referia-se mais à troca de favores do que ao recebimento de dinheiro. Por certo, um sistema político assentado nessas práticas já supõe o desdém pela lei e é tendente a permitir deslizes mais propriamente qualificados como corrupção. Mesmo quando não haja suborno de funcionários ou vantagem pecuniária pela concessão de favores, prática que os juristas chamam de prevaricação, os apoios políticos obtidos dessa maneira são baseados em nomeações que implicam gasto público. Progressivamente, tais procedimentos levam a burocracia a deixar de responder ao mérito, ao profissionalismo. Com o tempo, as gorjetas e mesmo o desvio de recursos - o que mais diretamente se chama de corrupção - aumentam como consequência desse sistema.
Nos dias que correm, entretanto, não se trata apenas de clientelismo, que por certo continua a existir, ao menos parcialmente, mas de algo mais complexo. Se o sistema patrimonialista tradicional já contaminava nossa vida política, a ele se acrescenta agora algo mais grave. Com o desenvolvimento acelerado do capitalismo e com a presença abrangente dos governos na vida econômica nacional, as oportunidades de negócios entremeados por decisões dependentes do poder público ampliaram-se consideravelmente. E as pressões políticas se deslocaram do mero favoritismo para o "negocismo". Há contratos por todo lado a serem firmados com entes públicos, tanto no âmbito federal como no estadual e no municipal. Crescentemente, os apoios políticos passam a depender do atendimento do apetite voraz de setores partidários que só se dispõem a "colaborar" se devidamente azeitados pelo controle de partes do governo que permitam decisões sobre obras e contratos. Mudaram, portanto, o tipo de corrupção predominante e o papel dela na engrenagem do poder. Dia chegará - se não houver reação - em que a corrupção passará a ser condição de governabilidade, como ocorre nos chamados narcoestados. Não, naturalmente, em função do tráfico de drogas e do jogo (que também se podem propagar), mas da disponibilidade do uso da caneta para firmar ordens de serviço ou contratos importantes.
Não por acaso se ouvem vozes, cada vez mais numerosas, na mídia, no Congresso e mesmo no governo, a clamar contra a corrupção. E o que é mais entristecedor, algumas delas por puro farisaísmo, como ainda agora, em clamoroso caso que afeta o Senado e sabe Deus que outros ramos do poder. O perigo, não obstante, é que se crie uma expectativa de que um líder autoritário ou um partido-salvador seja o antídoto para coibir a disseminação de tais práticas. Em outros países já vimos líderes supostamente moralizadores se engolfarem no que diziam combater, e a experiência com partidos "puritanos", mesmo entre nós, tem mostrado que nem eles escapam, aqui ou ali, das tentações de manter o poder ao preço por ele cobrado. Quando este passa a ter a conivência com o setor gris da sociedade, lá se vão abaixo as belas palavras, deixando um rastro de desânimo e revolta nos que neles acreditaram.
A experiência histórica mostra, contudo, que há caminhos de recuperação da moral pública. Na década de 1920, nos Estados Unidos, havia práticas dessa natureza em abundância. O controle político exercido por bandos corruptos aboletados nas câmaras municipais, como em Nova York, por exemplo, onde o Tammany Hall deixou fama, é arquiconhecido. As ligações entre o proibicionismo do álcool e o poder político, da mesma forma. Pouco a pouco, sem nunca, por certo, eliminar a corrupção completamente, o caráter sistêmico desse tipo de procedimento foi sendo desmantelado. À custa de quê? Pregação, justiça e castigo. Hoje, bem ou mal, os "graúdos", ao menos alguns deles, também vão para a cadeia. Ainda recentemente, em outro país, a Espanha, depois de rumoroso escândalo, alto personagem político foi condenado e está atrás das grades. Não há outro meio de restabelecer a saúde pública senão a exemplaridade dos líderes maiores, condenando os desvios e não participando deles, o aperfeiçoamento dos sistemas de controle do gasto público e a ação enérgica da Justiça.
A despeito do desânimo causado pela multiplicação de práticas corruptas e pela impunidade vigente, há sinais alvissareiros. É inegável que os sistemas de controle, tanto os tribunais de contas como as auditorias governamentais e as Promotorias, estão mais alerta e a mídia tem clamado contra o mau uso do dinheiro e do patrimônio públicos. A ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade da Lei da Ficha Limpa mostram que o clamor começa a despertar reações. Mas é preciso mais. Necessitamos de uma reforma do sistema de decisões judiciais, na linha do que foi proposto pelo ministro Peluso, para acelerar a conclusão dos processos e dificultar que bons advogados posterguem a consumação da justiça. Só quando se puserem na cadeia os poderosos que tenham sido condenados por crimes de colarinho branco, o temor, não da vergonha, mas do cárcere coibirá os abusos.
Não nos esqueçamos, porém, de que existe uma cultura de tolerância que precisa ser alterada. Não faltam conhecidos corruptos a serem brindados em festas elegantes e terem quem os ouça como se impolutos fossem. As mudanças culturais são lentas e dependem de pregação, pedagogia e exemplaridade. Será pedir muito? E não nos devemos esquecer de que a responsabilidade não é só dos que transgridem e da pouca repressão, mas da própria sociedade - isto é, de todos nós -, por aceitar o inaceitável e reagir pouco diante dos escândalos.
Published on April 01, 2012 06:36
March 31, 2012
Revoguem a anistia (do mensalão)
Guilherme Fiuza, O GLOBO
As comemorações do golpe de 64 ganharam um alento este ano. O patético "parabéns pra você" no 31 de março, data inaugural da ditadura militar, andava quase inaudível na caserna, quando ganhou um reforço de peso. Dessa vez, o Brasil inteiro ouvirá os nostálgicos dos anos de chumbo - graças à ex-guerrilheira Dilma Rousseff.
No final dos anos 70, quando o regime autoritário chegava ao seu último capítulo, o general João Figueiredo assumiu a Presidência da República com um inesquecível brado "democrático": avisou que ia "prender e arrebentar" quem fosse contra a abertura política. Figueiredo fez escola. Na polêmica sobre a Comissão da Verdade, Dilma Rousseff botou para quebrar, em nome da democracia.
A presidente do governo popular mandou amordaçar militares da reserva que criticaram duas de suas ministras. As auxiliares de Dilma haviam defendido a revogação da Lei da Anistia - o pacto nacional para a saída da ditadura. Os militares contrariados publicaram um manifesto de repúdio no site do Clube Militar. Dilma mandou o Exército apagar o texto e enquadrou os militares como insubordinados. Quem for contra a Comissão da Verdade, ela prende e arrebenta (ou pelo menos censura).
Era o que faltava para ressuscitar as almas penadas leais ao golpe de 64. Autoritarismo é vitamina para elas. Mas ser a favor do regime militar também não pode. O governo de esquerda aceita o pensamento de direita, desde que ninguém o manifeste. A democracia popular tem dono: ame-a ou deixe-a.
Foi com esse espírito que um bando de militantes de partidos filiados ao poder central foi para a porta do Clube Militar, no Centro do Rio. Lá dentro ocorria uma homenagem ao movimento de março de 64. Do lado de fora, em defesa dos direitos humanos e da verdade, os manifestantes fecharam a Avenida Rio Branco na marra. Atiraram ovos contra seguranças do prédio, incendiaram cartazes e tentaram agredir militares que saíam do evento, provocando a reação da polícia que tentava protegê-los e transformando a Cinelândia em praça de guerra. Um show de democracia.
A Comissão da Verdade pretende investigar os crimes cometidos pela direita no poder. O país não pode mesmo dormir tranquilo sobre certos disparates, como a versão militar de que Vladimir Herzog se suicidou na cela do DOI-Codi. É um escárnio. O problema dessa revisão é que não se encontrará a verdade no passado sem saber onde ela anda no presente.
Hoje o Brasil é governado pela esquerda. E a esquerda combateu a ditadura, defendendo a democracia, a liberdade e os pobres. Como essa autoridade moral foi usada no poder? De várias formas - algumas delas não contabilizadas. Quando estourou o escândalo do mensalão, Delúbio Soares, então poderoso tesoureiro do PT, negou o flagrante com convicção: "É uma conspiração da direita contra o governo popular." O ex-guerrilheiro José Dirceu, apontado como chefe da quadrilha, caiu em desgraça, mas fez sua sucessora na Casa Civil: a "querida companheira de armas" Dilma Rousseff. Em meio às tramoias, a mística da resistência à ditadura estava intacta.
A virtude de mulher-coragem, ex-refém dos militares, levou Dilma longe. Candidata a presidente, transformou em ministra da Casa Civil a obscura companheira Erenice Guerra, também ungida pela mística da militância de esquerda. Enquanto Erenice caía por tráfico de influência, descobria-se que Dilma se fizera passar pela atriz Norma Bengell numa foto da Passeata dos Cem Mil, em 1968, divulgada por sua campanha. O que seria dela sem a ditadura?
Dilma não teria sido eleita - nem qualquer outro afilhado revolucionário de Lula - se os companheiros do mensalão tivessem sido punidos. Ali estava, para quem quisesse ver, a conversão de um partido e de uma causa "libertária" em sistema de perpetuação no poder, a partir de um planejado assalto ao Estado.
Transcorridos quase sete anos, essa fraude política sem precedentes permanece misteriosamente no colo do Supremo Tribunal Federal, prestes a sumir do mapa pela extinção do processo.
Aí a Justiça brasileira terá legalizado as palavras do general Lula: "O mensalão não existiu." Haverá uma Comissão da Verdade para desenterrar o crime dos heróis da resistência?
Enquanto o mito não se desmancha, as vítimas profissionais da ditadura vão fazendo o seu pé de meia. Na série de revoluções ministeriais, os comunistas se destacaram partilhando o dinheiro do Esporte entre as ONGs amigas do PCdoB. A imprensa burguesa bombardeou essa distribuição de renda e o ministro caiu, mas a companheira Dilma manteve o cargo com a agremiação. Em comunismo que está ganhando não se mexe (ainda mais em véspera de Copa do Mundo).
Assim como o ex-guerrilheiro Fernando Pimentel, que uniu forças com a amiga Dilma e se tornou um próspero consultor, muitos companheiros viverão em paz sob a anistia do mensalão. Essa, ninguém revoga.
As comemorações do golpe de 64 ganharam um alento este ano. O patético "parabéns pra você" no 31 de março, data inaugural da ditadura militar, andava quase inaudível na caserna, quando ganhou um reforço de peso. Dessa vez, o Brasil inteiro ouvirá os nostálgicos dos anos de chumbo - graças à ex-guerrilheira Dilma Rousseff.
No final dos anos 70, quando o regime autoritário chegava ao seu último capítulo, o general João Figueiredo assumiu a Presidência da República com um inesquecível brado "democrático": avisou que ia "prender e arrebentar" quem fosse contra a abertura política. Figueiredo fez escola. Na polêmica sobre a Comissão da Verdade, Dilma Rousseff botou para quebrar, em nome da democracia.
A presidente do governo popular mandou amordaçar militares da reserva que criticaram duas de suas ministras. As auxiliares de Dilma haviam defendido a revogação da Lei da Anistia - o pacto nacional para a saída da ditadura. Os militares contrariados publicaram um manifesto de repúdio no site do Clube Militar. Dilma mandou o Exército apagar o texto e enquadrou os militares como insubordinados. Quem for contra a Comissão da Verdade, ela prende e arrebenta (ou pelo menos censura).
Era o que faltava para ressuscitar as almas penadas leais ao golpe de 64. Autoritarismo é vitamina para elas. Mas ser a favor do regime militar também não pode. O governo de esquerda aceita o pensamento de direita, desde que ninguém o manifeste. A democracia popular tem dono: ame-a ou deixe-a.
Foi com esse espírito que um bando de militantes de partidos filiados ao poder central foi para a porta do Clube Militar, no Centro do Rio. Lá dentro ocorria uma homenagem ao movimento de março de 64. Do lado de fora, em defesa dos direitos humanos e da verdade, os manifestantes fecharam a Avenida Rio Branco na marra. Atiraram ovos contra seguranças do prédio, incendiaram cartazes e tentaram agredir militares que saíam do evento, provocando a reação da polícia que tentava protegê-los e transformando a Cinelândia em praça de guerra. Um show de democracia.
A Comissão da Verdade pretende investigar os crimes cometidos pela direita no poder. O país não pode mesmo dormir tranquilo sobre certos disparates, como a versão militar de que Vladimir Herzog se suicidou na cela do DOI-Codi. É um escárnio. O problema dessa revisão é que não se encontrará a verdade no passado sem saber onde ela anda no presente.
Hoje o Brasil é governado pela esquerda. E a esquerda combateu a ditadura, defendendo a democracia, a liberdade e os pobres. Como essa autoridade moral foi usada no poder? De várias formas - algumas delas não contabilizadas. Quando estourou o escândalo do mensalão, Delúbio Soares, então poderoso tesoureiro do PT, negou o flagrante com convicção: "É uma conspiração da direita contra o governo popular." O ex-guerrilheiro José Dirceu, apontado como chefe da quadrilha, caiu em desgraça, mas fez sua sucessora na Casa Civil: a "querida companheira de armas" Dilma Rousseff. Em meio às tramoias, a mística da resistência à ditadura estava intacta.
A virtude de mulher-coragem, ex-refém dos militares, levou Dilma longe. Candidata a presidente, transformou em ministra da Casa Civil a obscura companheira Erenice Guerra, também ungida pela mística da militância de esquerda. Enquanto Erenice caía por tráfico de influência, descobria-se que Dilma se fizera passar pela atriz Norma Bengell numa foto da Passeata dos Cem Mil, em 1968, divulgada por sua campanha. O que seria dela sem a ditadura?
Dilma não teria sido eleita - nem qualquer outro afilhado revolucionário de Lula - se os companheiros do mensalão tivessem sido punidos. Ali estava, para quem quisesse ver, a conversão de um partido e de uma causa "libertária" em sistema de perpetuação no poder, a partir de um planejado assalto ao Estado.
Transcorridos quase sete anos, essa fraude política sem precedentes permanece misteriosamente no colo do Supremo Tribunal Federal, prestes a sumir do mapa pela extinção do processo.
Aí a Justiça brasileira terá legalizado as palavras do general Lula: "O mensalão não existiu." Haverá uma Comissão da Verdade para desenterrar o crime dos heróis da resistência?
Enquanto o mito não se desmancha, as vítimas profissionais da ditadura vão fazendo o seu pé de meia. Na série de revoluções ministeriais, os comunistas se destacaram partilhando o dinheiro do Esporte entre as ONGs amigas do PCdoB. A imprensa burguesa bombardeou essa distribuição de renda e o ministro caiu, mas a companheira Dilma manteve o cargo com a agremiação. Em comunismo que está ganhando não se mexe (ainda mais em véspera de Copa do Mundo).
Assim como o ex-guerrilheiro Fernando Pimentel, que uniu forças com a amiga Dilma e se tornou um próspero consultor, muitos companheiros viverão em paz sob a anistia do mensalão. Essa, ninguém revoga.
Published on March 31, 2012 06:53
Papai Krugman sabe o que é melhor para você!

Rodrigo Constantino
Se alguém for apontar cada absurdo que sai do teclado do prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, esta pessoa não fará outra coisa da vida! É tanta falácia, tanta mentira, que espanta como este senhor, que demandou uma bolha imobiliária para "curar" o crash de tecnologia e hoje posa como detentor da "cura" para a nova crise - naturalmente, mais uma bolha produzida artificialmente pela impressão desenfreada de papel-moeda para financiar gastos públicos (ainda que contra alienígenas), como eu dizia, espanta que este senhor ainda tenha tanto espaço na imprensa, inclusive a nossa.
Eis que em artigo publicado hoje na Folha, Krugman ataca os juízes que Suprema Corte americana que ousam, vejam só!, preservar a Constituição do país. O governo americano não pode impor a compra de algum produto, mas o governo Obama não quer saber desses detalhes insignificantes, e seu ObamaCare pretende impor a compra de um seguro-saúde a todos os cidadãos (ou súditos?) do país. Um dos juízes disse que, se hoje o governo pode fazer isso, amanhã poderá obrigar todos a comprar brócolis. Claro que o juiz estava forçando a barra para fazer seu ponto, que ficou claro: quando a idéia de que o indivíduo sabe o que é melhor para si próprio se perde, dando lugar à premissa de que cabe ao governo decidir por todos, então por que parar no seguro de saúde? O governo poderia muito bem avançar e "proteger" ainda mais cada um, impondo, sim, uma dieta mais saudável.
Mas Krugman, democrata (leia-se esquerdista por lá) fanático, não quer saber dessas coisas bobas. No artigo, ele diz que é má-fé comparar as duas coisas, e explica o motivo: "Quando as pessoas optam por não comprar brócolis, não tornam o produto indisponível para aqueles que o desejam. Mas, quando as pessoas não fazem um plano a não ser que adoeçam - que é o que ocorre se a compra não for obrigatória -, o agravamento do paiol de risco resultante dessa decisão torna os planos mais caros, e até inacessíveis, para os demais". Vejam só que coisa interessante! Não obstante o coletivismo, as falácias são enormes. Vamos a elas.
Em primeiro lugar, a demanda mais escassa costuma afetar qualquer produto, não apenas plano de saúde. Se ninguém mais quiser comer brócolis, a verdura ficará indisponível também, ou muito cara pela perda de escala na produção, prejudicando aqueles que a consomem pensando na melhor saúde. Krugman, um prêmio Nobel de economia, deveria saber que as leis de oferta e procura se aplicam a todos os bens e produtos.
Em segundo lugar, a premissa do economista é interessante: ninguém faz plano de saúde saudável, apenas quando já está doente. Atenção, pois esta é a parte mais importante: Krugman, como todo esquerdista, sempre trata os indivíduos consumidores como mentecaptos, incapazes de escolher algo bom para si. É exatamente isso que Krugman está dizendo: que o povo, se puder escolher, não vai fazer plano de saúde porque não valoriza tal seguro. Afinal, ninguém faz seguro de carro, não é mesmo? Só quando bate de carro! É o que o prêmio Nobel assume como premissa para defender o avanço do governo sobre o indivíduo, inclusive rasgando a Carta Magna para tanto!
Esquerdistas paternalistas são sempre arrogantes e autoritários. Pensam ter uma visão holística da coisa, e encaram indivíduos como peças de xadrez no tabuleiro que eles, como mestres clarividentes e altruístas, vão mexer ao seu bel prazer em nome do "bem geral". Portanto, fiquem tranquilos: o papai Krugman sabe o que é melhor para você. E ainda que você discorde, isso não vem ao caso. Ele vai te obrigar a fazer aquilo que é "certo".
Published on March 31, 2012 06:01
March 30, 2012
O Brasil perdeu o que tinha de melhor
Mário Guerreiro, Filósofo
O brasileiro pode ter muitos defeitos e eu os tenho apontado há algum tempo, mas um defeito ele nunca teve e dificilmente terá: falta de senso de humor – um dos mais graves defeitos do ser humano!
O brasileiro é capaz de rir até mesmo da própria desgraça, e nas situações trágicas em que ele perde tudo, só não perde essa extraordinária capacidade.
Por incrível que pareça um hai-kai de Matsuo Basho - grande poeta japonês do período Tokugawa - expressa, com grande sutileza, exatamente isso que eu disse a respeito do brasileiro.
Um ladrão entrou na sua casa e levou tudo quanto lá havia, mas parece que, do ponto de vista do poeta, só não levou mesmo o que não podia levar...
O ladrão
Só se esqueceu de levar
A lua da janela
Há quem veja nessa capacidade de rir de si próprio sinais de desdém em relação a tudo e ausência de amor próprio do brasileiro considerando que "desgraça pouca é bobagem".
Mas o grande Nietzsche que seguramente não carecia de amor próprio e de indiferença a tudo, não que disse que "Zombo daquele que não zomba de si próprio"?!
Contrariamente aos que vêem os sinais de falta de autoestima e desdém no riso do brasileiro, eu vejo sinais das virtudes da determinação e da superação dos maiores infortúnios. "Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima". "O que não mata, engorda". "Brasileiro, profissão: esperança".
Afinal, o que importa não é o que nos atinge, mas sim a maneira como somos atingidos e nossa reação diante da coisa. "O que dá pra rir dá pra chorar; questão de peso e de medida, problema de hora e de lugar".
O Brasil é um país fora de série, tanto no que tem de bom como no que tem de ruim. Tem uma personalidade sui generis. Nossos políticos nos fazem rir e nossos humoristas nos fazem pensar na política.
Mas há ao menos dois tipos de humorista: aqueles cujo senso de humor lhes é endógeno: nascem com ele, vivem com ele e morrem com ele.
Como Voltaire que, no seu leito de morte, recebeu um padre e este ansioso por convertê-lo, disse para ele "Meu filho, eu sou um embaixador de Deus".
E Voltaire: "Então, mostre-me então suas credenciais."
E aqueles que fazem rir por ofício, como coveiros que não cavam covas para malhar os braços nem por lazer e diversão.
Os primeiros fazem humor em cena e fora de cena: são mesmo assim e não conseguem ser diferentes do que são. Os segundos só o fazem por dever de ofício: fora de cena ou desempenhando atividades sérias, eles carecem totalmente de senso de humor.
Vejam o caso de Agildo (Barata) Ribeiro. Ele é um sujeito bem humorado dentro e fora cena. O humor é parte constituinte de seu ser. Antes, durante e depois do Cabaré do Barata, aquele quadro cômico da TV em que Agildo conversava com bonecos caricatos de políticos famosos, como Brizola, Maluf, Lula, etc.
Vejam o caso de Luís Fernando Veríssimo. Quando ele se propõe a fazer humor cria estórias e tipos assaz hilariantes, como o Analista de Bagé, o maior psicanalista vivo depois de Freud. Bá! Índio velho muy vivo!
Porém, quando ele fala sério em seus artigos de jornal exala um esquerdismo delirante e perde totalmente seu sense of humour. Só me faz rir para não chorar ou para não decepcionar um velho amigo que contou uma piada "infame".
Mas não é desses dois humoristas que eu pretendo falar, mas sim de outros dois.
No ano da graça ou da desgraça de 2012, lá pelos terríveis Idos de Março em que Júlio César foi traiçoeiramente apunhalado por seu filho adotivo Brutus e alguns senadores de Roma, o Brasil ficou de luto.
Perdeu dois de seus maiores humoristas: Chico Anysio e poucos dias depois Millôr Fernandes. Cada qual desenvolveu um estilo de humor, mas ambos foram excelentes no que faziam.
Chico criava um humor mais popular, embora nem sempre tivesse se limitado a simples bazófia ou ao besteirol. Muitas vezes seu humor era crítico dos costumes e dos tipos humanos. Foi talvez o mais rico criador de tipos, depois de Balzac na Comédia Humana – que, como A Divina Comédia de Dante, não era coisa para rir - pois criou mais de 200 tipos ao longo de sua carreira.
Examinando detidamente seus tipos mais conhecidos, podemos perceber na sua caracterização uma aguçada observação de figuras populares, principalmente do Nordeste bem conhecido por ele, que era de Maranguape (CE).
Mas ele não se limitou a ser um humorista regional nordestino. Sua tipologia incluía tipos cariocas, paulistas e até a gaúcha Salomé ao telefone conversando com figuras importantes do cenário nacional com a maior intimidade de uma conversa de comadres.
Foram tantos e tão interessantes que careço de espaço para falar sobre eles. Destaco o Painho, aquele pai-de-santo baiano que desmunhecava [Tivesse sido criado hoje, Chico seria considerado homofóbico e teria sido censurado!].
Destaco Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, e seu fiel escudeiro Calunga. Segundo penso, o tipo mais hilariante do ponto de vista plástico da indumentária e da maquiagem.
Lembro-me bem do dia em que ele cravou os caninos no pescoço de numa vítima, mas tudo que conseguiu foi quebrar os dentes, podres que estavam por ele não ter dinheiro para pagar dentista. No Brasil, até vampiro, para sugar o sangue, é incompetente!
E havia também tipos políticos, como o notável deputado Justo Veríssimo, o representante do povo mais sincero de todos os tempos, que tinha um projeto para acabar com a fome no Brasil.
Não distribuindo por toda parte bolsas-família, mas sim dando comida envenenada para os pobres. De fato, sem pobres não há pobreza, a não ser pobreza de espírito. Mas isto não tem remédio que cure!
Justo Veríssimo era dotado de uma franqueza cavalar capaz de superar Immanuel Kant e Benjamin Franklin, que alegavam nunca ter mentido em todas as suas vidas. Ele estava sempre dizendo coisas que políticos só costumam dizer em off, cercado de apaniguados complacentes.
Coisas tais como: "Eu quero mais que os pobres se explodam", "Eu só quero mesmo é me arrumar". "Quem gosta de pobre é empada de botequim e chinelo velho".
Se Chico fazia um humor mais popular, mas nunca descambando para o baixo nível e para a grosseria, Millôr fazia um humor mais intelectual, mas nunca descambando para o hermetismo e para o pedantismo.
Além de humorista, ele era um ótimo dramaturgo e tradutor de Shakespeare, por quem tinha grande admiração.
Conheci Chico ouvindo a Rádio Mayerink Veiga. Quando eu era criança não perdia A Cidade se Diverte, onde Chico Anysio entrava no ar juntamente com Matinhos, Walter Dávila, Emma Dávila e outros Conheci Millôr lendo a revista Cruzeiro em que ele adotou o pseudônimo de Vão Gogo e tinha uma coluna chamada Pif-Paf.
Nunca ninguém foi capaz de escrever peças de teatro tão breves e desconcertantes como as do Teatrinho Relâmpago, um vapt-vupt que terminava invariavelmente com o refrão: Cai rapidamente o pano.
Anos depois ele passou a escrever no Pasquim, juntamente com o Jaguar, Paulo Francis e outros. E finalmente encerrou sua carreira em Veja.
Para mim, Millôr foi o humorista brasileiro mais inteligente e perspicaz, de uma coerência a toda prova, que sempre se manteve fiel ao que pensava e nunca teve medo de dizer o que pensava, mesmo sabendo que iria desagradar a muitos.
Ora, nem Cristo conseguiu agradar a todos e aquele que tenta fazer tal coisa sempre acaba desagradando a si próprio.
Seu livro A Bíblia do Caos é uma ótima seleção das melhores do Millôr. E entre suas melhores e das últimas foi uma a respeito dos guerrilheiros de 1968 que, na Nova República, receberam polpudas indenizações e pensões vitalícias para suas viúvas.
Millôr chegou à conclusão de que sua ação guerrilheira nada mais era do que um investimento de longo prazo...
Mas eu não tinha dito que nossos políticos são pândegos e nossos humoristas nos fazem pensar na política?!
O brasileiro pode ter muitos defeitos e eu os tenho apontado há algum tempo, mas um defeito ele nunca teve e dificilmente terá: falta de senso de humor – um dos mais graves defeitos do ser humano!
O brasileiro é capaz de rir até mesmo da própria desgraça, e nas situações trágicas em que ele perde tudo, só não perde essa extraordinária capacidade.
Por incrível que pareça um hai-kai de Matsuo Basho - grande poeta japonês do período Tokugawa - expressa, com grande sutileza, exatamente isso que eu disse a respeito do brasileiro.
Um ladrão entrou na sua casa e levou tudo quanto lá havia, mas parece que, do ponto de vista do poeta, só não levou mesmo o que não podia levar...
O ladrão
Só se esqueceu de levar
A lua da janela
Há quem veja nessa capacidade de rir de si próprio sinais de desdém em relação a tudo e ausência de amor próprio do brasileiro considerando que "desgraça pouca é bobagem".
Mas o grande Nietzsche que seguramente não carecia de amor próprio e de indiferença a tudo, não que disse que "Zombo daquele que não zomba de si próprio"?!
Contrariamente aos que vêem os sinais de falta de autoestima e desdém no riso do brasileiro, eu vejo sinais das virtudes da determinação e da superação dos maiores infortúnios. "Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima". "O que não mata, engorda". "Brasileiro, profissão: esperança".
Afinal, o que importa não é o que nos atinge, mas sim a maneira como somos atingidos e nossa reação diante da coisa. "O que dá pra rir dá pra chorar; questão de peso e de medida, problema de hora e de lugar".
O Brasil é um país fora de série, tanto no que tem de bom como no que tem de ruim. Tem uma personalidade sui generis. Nossos políticos nos fazem rir e nossos humoristas nos fazem pensar na política.
Mas há ao menos dois tipos de humorista: aqueles cujo senso de humor lhes é endógeno: nascem com ele, vivem com ele e morrem com ele.
Como Voltaire que, no seu leito de morte, recebeu um padre e este ansioso por convertê-lo, disse para ele "Meu filho, eu sou um embaixador de Deus".
E Voltaire: "Então, mostre-me então suas credenciais."
E aqueles que fazem rir por ofício, como coveiros que não cavam covas para malhar os braços nem por lazer e diversão.
Os primeiros fazem humor em cena e fora de cena: são mesmo assim e não conseguem ser diferentes do que são. Os segundos só o fazem por dever de ofício: fora de cena ou desempenhando atividades sérias, eles carecem totalmente de senso de humor.
Vejam o caso de Agildo (Barata) Ribeiro. Ele é um sujeito bem humorado dentro e fora cena. O humor é parte constituinte de seu ser. Antes, durante e depois do Cabaré do Barata, aquele quadro cômico da TV em que Agildo conversava com bonecos caricatos de políticos famosos, como Brizola, Maluf, Lula, etc.
Vejam o caso de Luís Fernando Veríssimo. Quando ele se propõe a fazer humor cria estórias e tipos assaz hilariantes, como o Analista de Bagé, o maior psicanalista vivo depois de Freud. Bá! Índio velho muy vivo!
Porém, quando ele fala sério em seus artigos de jornal exala um esquerdismo delirante e perde totalmente seu sense of humour. Só me faz rir para não chorar ou para não decepcionar um velho amigo que contou uma piada "infame".
Mas não é desses dois humoristas que eu pretendo falar, mas sim de outros dois.
No ano da graça ou da desgraça de 2012, lá pelos terríveis Idos de Março em que Júlio César foi traiçoeiramente apunhalado por seu filho adotivo Brutus e alguns senadores de Roma, o Brasil ficou de luto.
Perdeu dois de seus maiores humoristas: Chico Anysio e poucos dias depois Millôr Fernandes. Cada qual desenvolveu um estilo de humor, mas ambos foram excelentes no que faziam.
Chico criava um humor mais popular, embora nem sempre tivesse se limitado a simples bazófia ou ao besteirol. Muitas vezes seu humor era crítico dos costumes e dos tipos humanos. Foi talvez o mais rico criador de tipos, depois de Balzac na Comédia Humana – que, como A Divina Comédia de Dante, não era coisa para rir - pois criou mais de 200 tipos ao longo de sua carreira.
Examinando detidamente seus tipos mais conhecidos, podemos perceber na sua caracterização uma aguçada observação de figuras populares, principalmente do Nordeste bem conhecido por ele, que era de Maranguape (CE).
Mas ele não se limitou a ser um humorista regional nordestino. Sua tipologia incluía tipos cariocas, paulistas e até a gaúcha Salomé ao telefone conversando com figuras importantes do cenário nacional com a maior intimidade de uma conversa de comadres.
Foram tantos e tão interessantes que careço de espaço para falar sobre eles. Destaco o Painho, aquele pai-de-santo baiano que desmunhecava [Tivesse sido criado hoje, Chico seria considerado homofóbico e teria sido censurado!].
Destaco Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, e seu fiel escudeiro Calunga. Segundo penso, o tipo mais hilariante do ponto de vista plástico da indumentária e da maquiagem.
Lembro-me bem do dia em que ele cravou os caninos no pescoço de numa vítima, mas tudo que conseguiu foi quebrar os dentes, podres que estavam por ele não ter dinheiro para pagar dentista. No Brasil, até vampiro, para sugar o sangue, é incompetente!
E havia também tipos políticos, como o notável deputado Justo Veríssimo, o representante do povo mais sincero de todos os tempos, que tinha um projeto para acabar com a fome no Brasil.
Não distribuindo por toda parte bolsas-família, mas sim dando comida envenenada para os pobres. De fato, sem pobres não há pobreza, a não ser pobreza de espírito. Mas isto não tem remédio que cure!
Justo Veríssimo era dotado de uma franqueza cavalar capaz de superar Immanuel Kant e Benjamin Franklin, que alegavam nunca ter mentido em todas as suas vidas. Ele estava sempre dizendo coisas que políticos só costumam dizer em off, cercado de apaniguados complacentes.
Coisas tais como: "Eu quero mais que os pobres se explodam", "Eu só quero mesmo é me arrumar". "Quem gosta de pobre é empada de botequim e chinelo velho".
Se Chico fazia um humor mais popular, mas nunca descambando para o baixo nível e para a grosseria, Millôr fazia um humor mais intelectual, mas nunca descambando para o hermetismo e para o pedantismo.
Além de humorista, ele era um ótimo dramaturgo e tradutor de Shakespeare, por quem tinha grande admiração.
Conheci Chico ouvindo a Rádio Mayerink Veiga. Quando eu era criança não perdia A Cidade se Diverte, onde Chico Anysio entrava no ar juntamente com Matinhos, Walter Dávila, Emma Dávila e outros Conheci Millôr lendo a revista Cruzeiro em que ele adotou o pseudônimo de Vão Gogo e tinha uma coluna chamada Pif-Paf.
Nunca ninguém foi capaz de escrever peças de teatro tão breves e desconcertantes como as do Teatrinho Relâmpago, um vapt-vupt que terminava invariavelmente com o refrão: Cai rapidamente o pano.
Anos depois ele passou a escrever no Pasquim, juntamente com o Jaguar, Paulo Francis e outros. E finalmente encerrou sua carreira em Veja.
Para mim, Millôr foi o humorista brasileiro mais inteligente e perspicaz, de uma coerência a toda prova, que sempre se manteve fiel ao que pensava e nunca teve medo de dizer o que pensava, mesmo sabendo que iria desagradar a muitos.
Ora, nem Cristo conseguiu agradar a todos e aquele que tenta fazer tal coisa sempre acaba desagradando a si próprio.
Seu livro A Bíblia do Caos é uma ótima seleção das melhores do Millôr. E entre suas melhores e das últimas foi uma a respeito dos guerrilheiros de 1968 que, na Nova República, receberam polpudas indenizações e pensões vitalícias para suas viúvas.
Millôr chegou à conclusão de que sua ação guerrilheira nada mais era do que um investimento de longo prazo...
Mas eu não tinha dito que nossos políticos são pândegos e nossos humoristas nos fazem pensar na política?!
Published on March 30, 2012 13:24
O encontro das cigarras com a realidade
Deu no G1: Espanha faz greve geral contra reformas trabalhistas
Diz a reportagem:
"A Espanha enfrenta nesta quinta-feira (29) uma greve geral de 24 horas contra as reformas trabalhistas propostas pelo governo. Os sindicatos espanhóis destacam a adesão "em massa". Segundo informações das agências de notícias, trabalhadores fazem piquetes em frente às empresas.
Grupos sindicalistas foram às ruas e protestaram em frente as empresas e às estações de transporte público. De acordo com informações do governo espanhol, 33 pessoas foram detidas e cinco policiais ficaram feridos em incidentes menores."
No começo de 2010, escrevi para a revista VOTO um artigo sobre este inevitável encontro das cigarras europeias com a realidade. Nele, eu alertei:
Há, entretanto, um grave problema na equação: convencer esse povo, agora já acostumado, a abrir mão dos privilégios insustentáveis. Muitos já ameaçam ou até fazem greves gerais, mostrando que não aceitarão, sem luta, regressar à realidade, largar o osso oferecido pelo governo no passado. A cigarra, mesmo doente, não deseja abrir os olhos e verificar que aquela dolce vita não existe mais. Ela irá relutar até o final. Só que as formigas cansaram de bancar a farra da cigarra. Até quando ela conseguirá cantar assim?
Diz a reportagem:
"A Espanha enfrenta nesta quinta-feira (29) uma greve geral de 24 horas contra as reformas trabalhistas propostas pelo governo. Os sindicatos espanhóis destacam a adesão "em massa". Segundo informações das agências de notícias, trabalhadores fazem piquetes em frente às empresas.
Grupos sindicalistas foram às ruas e protestaram em frente as empresas e às estações de transporte público. De acordo com informações do governo espanhol, 33 pessoas foram detidas e cinco policiais ficaram feridos em incidentes menores."
No começo de 2010, escrevi para a revista VOTO um artigo sobre este inevitável encontro das cigarras europeias com a realidade. Nele, eu alertei:
Há, entretanto, um grave problema na equação: convencer esse povo, agora já acostumado, a abrir mão dos privilégios insustentáveis. Muitos já ameaçam ou até fazem greves gerais, mostrando que não aceitarão, sem luta, regressar à realidade, largar o osso oferecido pelo governo no passado. A cigarra, mesmo doente, não deseja abrir os olhos e verificar que aquela dolce vita não existe mais. Ela irá relutar até o final. Só que as formigas cansaram de bancar a farra da cigarra. Até quando ela conseguirá cantar assim?
Published on March 30, 2012 06:33
March 29, 2012
Os comissários da "verdade"

Foto: Celso Pupo/Foto Arena/AE
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
Nesta quinta-feira ocorreu um evento no Clube Militar com o título "1964 – A Verdade". Os painelistas convidados eram o jornalista Aristóteles Drummond, Dr. Heitor De Paola e o general Luiz Eduardo Rocha Paiva. O objetivo, como fica claro, era debater o contexto do "golpe" (para alguns um contragolpe) militar que derrubou Jango do poder. Tratava-se de uma evidente resposta a esta tentativa de se reescrever a história com forte viés ideológico por meio da dita Comissão da Verdade.
Manifestantes de esquerda, entretanto, partiram para ataques verbais, acusando os presentes de "torturadores". Policiais tentaram liberar a avenida, fechada pelos manifestantes, que, por sua vez, começaram a jogar ovos nos representantes da lei e da ordem. Os protestos acabaram em pancadaria, como de praxe quando estes adoradores de Che Guevara resolvem "protestar".
O episódio ilustra perfeita e sarcasticamente a contradição destes idólatras do comunismo. No afã de apagar os fatos daqueles tempos com a borracha do poder e colocar em seu lugar uma versão totalmente deturpada e maniqueísta, os comunistas acabam deixando transparecer seu real apreço pela democracia, ou seja, zero. Essa gente jamais tolerou o livre debate de idéias, e encara a coisa como uma batalha no ringue, em que socos falam mais que argumentos. Quem esqueceu de José Dirceu incitando seus discípulos a ganhar nem que fosse na pancada?
É assim que os "heróis da democracia", pela ótica orwelliana moderna, com o beneplácito do poder, enxergam a tolerância democrática. Naqueles tristes anos, a turma, armada e financiada pelos soviéticos, lutava para impor uma ditadura comunista ao estilo cubano no país. Hoje, querem impor sua versão falsa dos fatos, calando com ameaças e violência aqueles que ousam contar o outro lado da história. Com tanto amor assim pela liberdade, esses comissários da "verdade" ainda vão transformar o Brasil em um "paraíso" como Cuba ou Venezuela!
Published on March 29, 2012 16:46
Fracassamos
Marco Antonio Villa, Folha de SP
Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento das instituições.
Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.
Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985 terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta para presidente.
Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos, opositores do autoritarismo.
A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos. Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o autoritarismo.
Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José Sarney.
Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.
Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco, principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o funcionamento dos três Poderes é pífio.
A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos, escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos espalham dossiês demonizando seus adversários.
O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas, quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam até a buscar racionalidade no voto do eleitor.
Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.
Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia. Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.
No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?
No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".
Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.
Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está petrificada, eles servem como brilhantes analistas.
Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira sistematizada".
MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Nem o dr. Pangloss, célebre personagem de Voltaire, deve estar satisfeito com os rumos da nossa democracia. Não há otimismo que resista ao cotidiano da política brasileira e ao péssimo funcionamento das instituições.
Imaginava-se, quando ruiu o regime militar, que seria edificado um novo país. Seria a refundação do Brasil. Ledo engano.
Em 1974, Ernesto Geisel falou em distensão. Mas apenas em 1985 terminou o regime militar. Somente três anos depois foi promulgada uma Constituição democrática. No ano seguinte, tivemos a eleição direta para presidente.
Ou seja, 15 anos se passaram entre o início da distensão e a conclusão do processo. É, com certeza, a transição mais longa conhecida na história ocidental. Tão longa que permitiu eliminar as referências políticas do antigo regime. Todos passaram a ser democráticos, opositores do autoritarismo.
A nova roupagem não representou qualquer mudança nos velhos hábitos. Pelo contrário, os egressos da antiga ordem foram gradualmente ocupando os espaços políticos no regime democrático e impondo a sua peculiar forma de fazer política aos que lutaram contra o autoritarismo.
Assim, a nova ordem já nasceu velha, carcomida e corrompida. Os oligarcas passaram a representar, de forma caricata, o papel de democratas sinceros. O melhor (e mais triste) exemplo é o de José Sarney.
Mesmo com o arcabouço legal da Constituição de 1988, a hegemônica presença da velha ordem transformou a democracia em uma farsa.
Se hoje temos liberdades garantidas constitucionalmente (apesar de tantas ameaças autoritárias na última década), algo que não é pouco, principalmente quando analisamos a história do Brasil republicano, o funcionamento dos três Poderes é pífio.
A participação popular se resume ao ato formal de, a cada dois anos, escolher candidatos em um processo marcado pela despolitização. A cada eleição diminui o interesse popular. Os debates são marcados pela discussão vazia. Para preencher a falta de conteúdo, os candidatos espalham dossiês demonizando seus adversários.
O pior é que todo o processo eleitoral é elogiado pelos analistas, quem lembram, no século 21, o conselheiro Acácio. Louvam tudo, chegam até a buscar racionalidade no voto do eleitor.
Dias depois da "festa democrática", voltam a pipocar denúncias de corrupção e casos escabrosos de má administração dos recursos públicos. Como de hábito, ninguém será punido, permitindo a manutenção da indústria da corrupção com a participação ativa dos três Poderes.
Isso tudo, claro, é temperado com o discurso da defesa da democracia. Afinal, no Brasil de hoje, até os corruptos são democratas.
No último dia 15, a Nova República completou 17 anos. Ninguém lembrou do seu aniversário. Também pudera, lembrar para que?
No discurso que fez no dia 15 de janeiro de 1985, logo após a sua eleição pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves disse que vinha "para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo".
Mais do que uma promessa, era um desejo. Tudo não passou de ilusão.
Certos estavam Monteiro Lobato e Euclides da Cunha. Escreveram em uma outra conjuntura, é verdade. Mas, como no Brasil a história está petrificada, eles servem como brilhantes analistas.
Para Lobato, o Brasil "permanece naquele eterno mutismo de peixe". E Euclides arremata: "Este país é organicamente inviável. Deu o que podia de dar: escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está: a bandalheira sistematizada".
MARCO ANTONIO VILLA, 55, é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Published on March 29, 2012 11:29
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