Rodrigo Constantino's Blog, page 378

April 24, 2012

As fraturas da vida

Dr. José Nazar *

Felicidade, isso não existe! As religiões, as neuroses, as drogas, os bens materiais em excesso, tudo isso são artifícios para que você possa continuar vivendo às custas do esquecimento de uma dor, que é própria de sua vida. Desde que nasce, o ser humano é marcado por uma fratura, aquela que é sua marca originária e que ditará sua maneira particular na vida.
Isso lhe causa horror e, por isso, você se defende alimentando-se de amargas ilusões.
Qual é o seu grande medo? Você não quer saber que a morte é real! Por isso mesmo, você se arma, se engana, constrói roupagens para se proteger do medo que esse encontro poderia lhe causar. Isso dificulta sua relação com o desejo.
A realidade é traumática demais. Você utiliza, como proteção, toda sorte de fantasias. Frente ao vazio da existência, você responde a partir de suas fraturas internas, suas crenças excessivas, seus sintomas, suas angústias, suas feridas internas.
Por mais que corra de si mesmo, se refugiando no casulo de seu espelho narcísico, você será marcado por uma divisão na alma, no mais íntimo de seu ser.
A única saída para o humano é tentar se reconciliar com as perdas operadas na vida e procurar aproximar-se de seu desejo, reduzindo danos.
Diante da miséria que o habita, você se reconstrói a partir de um mito individual, para poder se suportar um pouco mais. Suas ilusões são mecanismos para você continuar se enganando frente a espelhos viciados de um amor narcísico. Você foge de quê?
O ser humano é feito de fraturas, de altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Desde que nasce, ele já carrega uma nuvem de sentimentos alternantes, numa verdadeira bi-polaridade. Isso tem a ver com a historicidade familiar de cada um, seus traumas que determinam lembranças agradáveis e ou desagradáveis.
Você tem como saída possível refletir sobre si mesmo, para tornar sua vida menos pior. Pode ser que seja bem sucedido e viva melhor, pode acontecer que você sucumba às suas próprias emoções desconhecidas, e isso leva ao pior!
No aqui e agora ou num futuro próximo, você vai se defrontar com a mordida do lobo. Ninguém escapa da mordida do lobo, que são as fraturas da vida! Isso é certo e seguro. Todo e qualquer ser humano carrega, no mais íntimo de seu ser, uma perda, que é vivida como uma mordida, um arranchamento das garantias e certezas. Somos doentes por natureza, o que permite fazer história. O problema é saber se a fratura é interna ou externa, encoberta ou a céu aberto. Eis a questão! A escolha desse título é intencional, porta um duplo sentido. Por um lado diz que todo ser humano é fraturado e, por outro, aponta para a seguinte questão: a vida encontra sua possibilidade a partir de um corte na carne do sujeito, que o traumatiza. No entanto, estas mesmas fraturas lhe dão vida. Mas, o que é que fratura? São os ditos dos pais, suas boas ou más palavras, isto é, tanto as ditas quanto as silenciadas.
É isso que a psicanálise veio demonstrar: o ser humano é descentrado dele mesmo, o sexo é traumático e, por isso, gera fraturas que não permitem a você estar em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. A felicidade não existe... o que há são alguns momentos de alegrias.
O sujeito humano não quer aquilo que deseja. Essa é sua depressão fundamental, a fratura não lhe permite estar em paz, nem consigo nem com o outro!

* José Nazar é psiquiatra e psicanalista (Escola Lacaniana de Psicanálise).[image error]
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Published on April 24, 2012 18:36

Um conflito de visões



Rodrigo Constantino*
“Cada homem, onde quer que vá, é englobado por uma nuvem reconfortante de convicções, que se move com ele como moscas num dia de verão.” (Bertrand Russell)
Eu adoro debater. Participo de infindáveis debates em diversas redes sociais, e também face a face. Acredito no poder das ideias e sei que elas podem mudar as pessoas, pois vi este resultado inúmeras vezes, e algumas diante do espelho. Mas sempre me impressionou a resistência que muitos oferecem nos debates, quando confrontados por ideias diferentes daquelas previamente defendidas. Como ouriços, estas pessoas se fecham em suas crenças prévias, sem deixar espaço para o questionamento.Quando isso acontece, o debate vira conversa de surdos, cada um tentando impor sua visão de mundo. Infelizmente, esse talvez seja o padrão dos debates, não a exceção. E creio que Thomas Sowell, em seu melhor livro, conseguiu oferecer boas explicações para este espantoso fenômeno: estamos diante de um conflito de visões. A questão fundamental que se apresenta aqui é: quais são as premissas por trás de cada visão ideológica diferente? Dependendo destas premissas básicas – sobre o homem, sobre a sociedade –, então pode ocorrer um conflito irreconciliável de visões de mundo. Sowell deposita enorme importância a estas premissas e sua consequente visão de mundo. Conforme ele diz, os conflitos de interesse podem dominar o curto prazo, mas os conflitos de visões dominam a história. Não é possível ignorar uma visão de mundo para lidar com a realidade. Todos possuem uma, ainda que repitam o contrário, alegando serem pessoas “práticas”. A visão de mundo é como um mapa que nos guia em um mundo complexo. Não podemos dispensá-la. Podemos, no máximo, nos evadir de reflexões mais profundas sobre ela. Mas, neste caso, estaremos seguindo cegamente a visão de outro, ou de outros, pincelada de forma aleatória e formando verdadeira colcha de retalhos.Esta visão normalmente não é produto do raciocínio, mas sim um ato cognitivo pré-analítico. Ela é algo que sentimos antes de termos construído qualquer raciocínio sistemático que possa ser chamado de teoria. Não é o resultado da dedução lógica de hipóteses testadas contra suas evidências. Por isso, é tão complicado alterar uma visão de mundo: ela está enraizada em nossa personalidade desde muito cedo.  Toda visão será simplista, justamente porque ela serve para facilitar a compreensão de um mundo complexo. Mas isso não quer dizer que sejam ruins; elas oferecem um sentido básico de como o mundo funciona. Qualquer teoria é calcada sobre pilares que dependem desta visão de mundo que temos. Apesar de subjetivas, as visões e suas respectivas teorias possuem implicações claras, e fatos podem testar e medir sua validade objetiva. Um homem primitivo pode ter uma visão de que possui poderes místicos e que a reza altera o curso da natureza, mas sabemos que sua paralisia diante de um vulcão em erupção não vai evitar que a lava o mate se ele não começar a correr e fugir. É a visão de mundo que vai pautar nossa agenda tanto de pensamento como de ação.Falando mais especificamente das visões sociais e políticas, elas diferem basicamente em suas concepções sobre a natureza dos homens. Para Sowell, esta divisão pode ser resumida entre a visão “limitada” e a “ilimitada”. Na visão limitada, o homem é visto não como uma tabula rasa, mas como um ser que possui limitações desde sempre. Adam Smith, por exemplo, não olhava a natureza humana como algo a ser alterado. Sua preocupação era como chegar aos melhores meios para produzir benefícios sociais desejados, dentro destas limitações humanas. Um dos pontos-chave da visão limitada, conforme explica Sowell, é que ela lida com trade-offs em vez de “soluções”. Já na visão ilimitada, a natureza humana é vista como infinitamente plástica, e isso possibilita a noção de “solução”. Uma solução ocorre quando não é mais necessário fazer uma escolha entre duas alternativas imperfeitas, em que qualquer uma delas produza efeito negativo. Há uma resposta final e absoluta. As guerras, a pobreza e os crimes, todos estes males são vistos, na versão ilimitada, como coisas que podem ser extirpadas do mundo. Já pela visão limitada, tais desgraças são vistas como parte dos efeitos das paixões humanas, que podem ser, no máximo, minimizadas. A visão ilimitada desfruta de uma esperança utópica enquanto a limitada adota postura bem mais cética.A Revolução Francesa é o exemplo típico da visão ilimitada. Finalmente, as injustiças seriam debeladas e o paraíso terrestre poderia se tornar realidade. Igualdade, liberdade e fraternidade, todos viveriam em paz e felizes. Faltou combinar com a natureza humana, e o resultado prático foi Robespierre, a guilhotina e o terror. Já a Revolução Americana, ainda que com a influência de pensadores da vertente ilimitada, como Thomas Paine e Thomas Jefferson, também contou com a importante participação de pensadores mais céticos. A Constituição americana é prova disso, elaborada com total preocupação aos pesos e contrapesos que limitariam a capacidade de estrago causada pelo governo. Ninguém com tanto poder merece confiança cega.A visão limitada parte da premissa de que nossa natureza é relativamente imutável ao longo do tempo. Claro que costumes se aprimoram e o conceito de moral evolui. Mas o mal sempre estará presente nos homens, segundo esta visão. E isso justifica a desconfiança com relação a todo tipo de “engenharia social”. A visão ilimitada enxerga o homem como um ser com potencial praticamente infinito, e que basta oferecer as condições “certas” para que todos pratiquem o bem. Na outra versão, o ser humano é visto como uma criatura tragicamente limitada, com impulsos egoístas e perigosos. Rousseau e seu “homem bom”, corrompido pela sociedade, representam o ícone da visão ilimitada; Hobbes e seu pessimismo, com o “lobo do homem”, seria o exemplo alternativo. Sobre o conhecimento, a visão limitada assume que qualquer indivíduo será incapaz de tomar decisões sociais e políticas por conta própria, pois ele possui minúscula parcela do conhecimento necessário. A ideia de um “déspota esclarecido” desperta calafrios aos adeptos desta visão. O conhecimento vem muito da experiência, do processo de tentativa e erro, aprendizagem gradual e darwinista que vai eliminando aquelas ideias que não funcionam. Hayek foi quem melhor resumiu esta visão limitada do conhecimento humano, com seu argumento sobre o conhecimento disperso e fragmentado na sociedade. Por outro lado, a versão ilimitada deposita fé infinita na capacidade da razão humana. Seus adeptos estão dispostos a ignorar séculos de experiência e partir do zero para desenhar a sociedade perfeita e justa. Dependendo da visão adotada, as medidas pregadas em diferentes áreas serão diametralmente opostas. Vejamos o caso do crime. Na visão limitada, há a noção de que seres humanos sempre terão um lado sombrio e violento, e que o mecanismo de incentivos pode mitigar seus efeitos. Por isso, defende-se, nesta visão, o uso de punição exemplar para crimes, especialmente os mais graves. Já na visão ilimitada, a culpa recai quase sempre sobre a “sociedade”, e se as condições sociais forem melhoradas, então o crime poderá desaparecer. Esta visão costuma defender uma “reeducação” para os criminosos, mesmo os mais bárbaros. A postura com relação às crianças também será radicalmente distinta. Na visão limitada, cada nova geração é como uma invasão de pequenos bárbaros que precisam ser civilizados antes que seja tarde demais. O livro O Senhor das Moscas, de William Golding, captura bem esta imagem nada romantizada das crianças. Sozinhas em uma ilha após um acidente, elas criam todo tipo de situação absurda que costumamos ver nas sociedades de adultos. Intrigas, grupos formados para concentrar poder, inveja, violência e atos claramente irracionais são parte do dia a dia das crianças na ilha. Já a visão rousseauniana ilimitada vai enxergar as crianças como seres “puros”, totalmente voltados para o bem, e qualquer forma de educação mais rigorosa será vista como um absurdo. Alguns vão chegar a ponto de defender leis que proíbam até palmadas.Para Sowell, há ainda as visões “híbridas”, aquelas que misturam a versão limitada com a ilimitada, dependendo do assunto em questão. Muito daquilo que chamamos de “incoerência” no posicionamento dos outros se deve ao fato de que uma pessoa pode manter uma visão limitada em um tema específico, e uma visão ilimitada em outro assunto. Estas visões híbridas são mais difíceis de serem classificadas ou encaixadas em rótulos tradicionais, tais como direita e esquerda. Cada visão dessas irá produzir conclusões que são consequências lógicas de suas premissas. Seguro delas, seu defensor tentará “vencer” os debates, muitas vezes com base em emoções. Não há saída fácil para o embate entre dois tipos tão diferentes de visão de mundo. O que podemos fazer, talvez, é seguir o conselho de Ayn Rand: checar sempre as premissas, e verificar se elas fazem mesmo sentido. Além disso, torna-se crucial manter a mente sempre aberta, e aceitar o debate civilizado, em que o grande objetivo é se aproximar da verdade, e não derrotar o “oponente”. Não adianta fugir da questão em si, fingir que tanto faz qual visão de mundo nós temos, pois dependendo de qual seja ela, os resultados práticos daquilo que pensamos e fazemos será totalmente diferente. Para o bem ou para o mal.  
* Texto inédito do livro LIBERAL COM ORGULHO (Ed. Lacre, 2011)[image error]
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Published on April 24, 2012 13:39

Um anarquista frustrado


Rodrigo Constantino, para a revista Banco de Ideias - Instituto Liberal
Um dos grandes nomes do liberalismo brasileiro foi, sem dúvida, Og Francisco Leme. Além de fundador do Instituto Liberal, Og Leme foi o responsável pela iniciação de muitos economistas e empresários na doutrina liberal. É, portanto, com grande regozijo que celebro a iniciativa do IL, com o apoio financeiro de Salim Mattar, de lançar um livro de crônicas deste arguto pensador liberal.
Og Leme se dizia um anarquista frustrado. Defensor ferrenho das liberdades individuais, ele compreendia que estas, para sobreviverem, teriam que ser limitadas de alguma forma. Ele gostava de citar Edmund Burke, lembrando que até mesmo a liberdade, para ser usufruída, precisa de limites. Mas Og Leme não fugia da mais delicada questão para os liberais: como delegar poder ao governo sem que ele mesmo se transforme na maior ameaça às liberdades?
A democracia, para Og Leme, era vista como o melhor meio de organização para decisões coletivas. Mas isso não a colocava automaticamente em concordância com o liberalismo. Democracia demanda igualdade, e liberalismo demanda liberdade. Quando ambos convivem em harmonia, temos a liberal-democracia. Isso não quer dizer que a democracia não precise de claros limites. O excesso de politização das decisões era exatamente o grande risco que Og Leme via para a liberdade.
A grande maioria das decisões deve ser deixada sob o controle do mercado, ou seja, trocas voluntárias entre indivíduos. Og Leme sempre levantou a bandeira do princípio de subsidiariedade, ou seja, tudo aquilo que pode ser feito pelo indivíduo e sua família, assim deve ser feito, para somente depois subir às esferas municipal, estadual e, finalmente, federal. Poucas tarefas caberiam ao governo federal pela ótica liberal. Og Leme defendia o Estado Mínimo, por saber que a prosperidade depende da liberdade.
As mais importantes instituições deste modelo liberal seriam o Estado de Direito e a economia de mercado. Og Leme não abria mão da defesa da isonomia, ou seja, a igualdade de todos perante as leis. O liberal condena todo tipo de privilégio, assim como a “Justiça alternativa”, que delega enorme poder arbitrário ao governo. Na economia, o mais importante é respeitar a propriedade privada e a liberdade, permitindo assim que a “mão invisível” realize o “milagre” da prosperidade.
A vida em sociedade é extremamente desejável, basicamente por três motivos: 1) somente na coletividade ocorre a humanização do animal homem; 2) a divisão de trabalho gera grande progresso material; 3) o estoque de conhecimento é acumulativo e todos se beneficiam disso. A questão é atribuir os papéis adequados ao governo para preservar tais vantagens. Segundo Og Leme, garantir o Império das leis e a propriedade privada é o principal objetivo do governo.
Ele aceitava também a intervenção estatal nas áreas de educação e saúde, desde que limitada ao financiamento, e não à gerência. Alguma intervenção em monopólios naturais também era tolerável para ele, que nunca deixava de alertar, todavia, que as “falhas de mercado” costumam ser agravadas pelas “falhas de governo” com o excesso de regulação. Mais que isso ele condenava, frisando, porém, que o liberalismo é um processo, sempre aberto a mudanças e aperfeiçoamento.
Enquanto a “terceira via” ganhava força como solução após o fim do comunismo, Og Leme atacava este caminho, repetindo que ela costuma levar ao “terceiro mundo”. Ele via a social-democracia como uma forma de socialismo diet, assim como a nova tendência “verde”. O estado beneficente estaria fadado ao fracasso. Para Og Leme, este era o ideal liberal: “um setor público tão pequeno quanto possível e descentralizado ao máximo”.
Og Leme foi um grande liberal, que lutou a boa luta, e deve ser lido por todos que valorizam a liberdade. [image error]
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Published on April 24, 2012 11:39

Redes e aquários

João Pereira Coutinho, Folha de SP

Há um novo crime na praça. E eu sou culpado aos olhos de amigos, colegas, até leitores. Não respondo a e-mails de imediato. Só passados alguns minutos -ou algumas horas.
Defendo-me como posso. Digo, a sério, que só consulto a internet duas vezes por dia -ao acordar e ao deitar. Questão de higiene -mental. Curiosamente, quase sempre estou a escovar os dentes.
Ninguém acredita. E, quem acredita, diz que isso não é desculpa: existem uns celulares que recebem e-mails em tempo real e permitem respostas em tempo real.
Agradeço a informação, mas não era preciso: eu próprio já recebi e-mails do gênero, que terminam com a declaração solene "esta mensagem foi enviada por iPhone".
Nunca sei que responder: mostrar-me abismado com a proeza e aplaudir a grande honra que o sujeito me concedeu?
Às vezes, há situações bizarras. Alguém envia um e-mail. Minutos depois, envia outro, só para perguntar se eu recebi o primeiro. Duas ou três horas depois, vem mais um -dessa vez, uma repetição do inicial, para o caso de eu não ter lido.
Essa comunicação unilateral termina com um quarto ou um quinto, em que sou acusado das maiores baixezas (indiferença, preguiça, hostilidade etc.).
Em poucas horas, alguém iniciou e terminou uma comunicação comigo sem que eu jamais estivesse presente para dizer "presente!". Que se passa com o mundo?
Os especialistas no assunto, psicólogos e sociólogos que pesquisam os paradoxos da internet, afirmam que estamos cada vez mais ligados e exigimos respostas cada vez mais rápidas uns dos outros. Certo, especialistas do óbvio, certíssimo.
A questão, porém, deve ser outra: que tipo de gente a internet está a produzir no século 21?
Foi precisamente essa pergunta que o escritor Stephen Marche formulou em artigo para a revista "The Atlantic" ("Is Facebook Making Us Lonely?"). As conclusões não são otimistas: estamos todos ligados, mas essa sensação de contato permanente não significa que o nosso isolamento (e a nossa solidão) decresceu.
O Facebook é, inevitavelmente, um caso clássico: que significa esse imenso continente virtual onde "existem" 845 milhões de pessoas, onde se publicam bilhões de comentários diários e onde se postam 750 milhões de fotos por semana?
Stephen Marche não faz parte dos luditas modernos para quem o Facebook é a "bête noir" da civilização ocidental. A resposta dele, depois de ler os últimos estudos sobre o fenômeno, é de uma sensatez que arrepia: a internet é um meio, não um fim. O que somos como seres sociais depende da forma como usamos as redes sociais.
Que o mesmo é dizer: quem usa o Facebook para substituir a realidade não aumenta o seu "capital social". Pelo contrário, pode mesmo sentir o isolamento típico de um peixe que contempla o mundo através do vidro do aquário. Paralisante. Angustiante.
No artigo, o autor cita um neurocientista da Universidade de Chicago, John Cacioppo, que oferece uma metáfora ainda melhor: podemos usar o carro para ir ao encontro de amigos; ou podemos dirigir sozinhos pelas ruas da cidade. O mesmo carro, duas atitudes distintas.
A internet, e as redes sociais que ela comporta, é apenas um instrumento para, não um substituto de. O desafio, leitor, não está em quebrar o aquário. Está em sair dele de vez em quando.
Sair. Desligar. Não estar disponível. Ou, como escreve Stephen Marche, "termos a oportunidade de nos esquecermos de nós próprios".
Eis, no fundo, a observação mais luminosa do ensaio: a nossa constante disponibilidade para os outros é apenas uma manifestação mais profunda do nosso insuportável narcisismo. E o narcisismo, como sempre, nasce de uma insegurança que procuramos preencher com o culto doentio do ego.
Pensamos que somos tão imprescindíveis que temos de estar presentes 24 horas por dia na vida alheia. E vice-versa: pensamos que somos tão importantes que os outros têm de estar permanentemente disponíveis para nós.
Lamento, amigos. Lamento, colegas. Lamento, leitor. Os meus silêncios não têm nada de pessoal. Nem eu nem você somos assim tão importantes.[image error]
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Published on April 24, 2012 08:06

A euro parable: the couple with a joint account

Kenneth Rogoff, Financial Times

Perhaps the following parable is not entirely fair to the euro, but nevertheless the parallels seem striking.

Consider a young couple who is contemplating marriage, but unsure whether to take the big step. So instead they decide to test things out by opening a joint bank account. At first things go remarkably smoothly. Heady with success, they get the inspiration of extending the arrangement to her brother and his sister. Not only do they hope to show their siblings how well they can cooperate, but with four people, the total size of the account reaches the critical threshold needed to receive exorbitant privileges normally accorded to the bank’s larger customers.

Thanks to a cleverly designed constraint to limit imbalances between each sibling’s contributions and withdrawals, the innovative experiment continues to flourish. There is no real enforcement mechanism, but the two sets of siblings are determined to make the arrangement succeed. Forced to interact routinely, the couple and their siblings start becoming closer. They even start having dinners together on a routine basis.

Eventually, the quartet decides that dinners will be even more fun, and the bank will give them an even better deal, if they expand the arrangement. So the siblings persuade a few cousins to join. Pretty soon, their phones are ringing off the hook with family members they have not seen in years. Cousin Kendra, a marginally employed chef with precarious finances, is nevertheless welcomed in hopes she will employ her culinary skills to enrich group meals.

Life is not without its problems. Everyone is irritated at first cousin Nigel, who lives just across the river yet insists on managing his own finances. He is still invited to meals, though his cooking skills are hardly up to Cousin Kendra’s. She, in turn, exhibits little enthusiasm for balancing her chequebook, and the bank sends ever more frequent warnings that her overdrafts would have to be covered by the others. Shortly after joining, a couple other cousins have taken advantage of their new prime customer bank status to buy extravagant apartments with jumbo loans at far lower interest rates than they were ever afforded in the past.

The whole complex scheme seems to survive against all odds until one day things suddenly start to collapse. Despite informal personal imbalance limits, several cousins significantly overdraw their accounts. Others fall behind on mortgage repayments. Panicked, the founding siblings ask themselves whether it might be best simply to kick out the group’s worst behaving members. Unfortunately, the bank informs them this will be very difficult to do without first closing the entire account, wreaking havoc with everyone's finances.

Desperate, the family brings in a well-regarded outside financial advisor. She comes up with the seemingly brilliant idea of a joint credit card, with payments guaranteed unconditionally by all, including the wealthiest cousins. This would allow the impecunious members to pay off bad cheques and mortgages, effectively borrowing against the resources of the others. And it wouldn’t be a gift, the advisor promised. Borrowers would pledge to skip meals. Any savings on ingredients would be used to make loan repayments. This works for a while until cousin Kendra starts to look pale from her diet. She begins missing work and the imbalance between her occasional deposits and frequent withdrawals gets worse. The richest cousins soon find they have to mortgage their houses in order to pledge enough cash to the bank to prevent an immediate collapse.

Of course, this grand experiment ends catastrophically. I will have to leave the reader in suspense as to whether the couple gets married. No doubt, in the film version of this parable, the studio would tape alternate endings and test which one sample audiences liked best.

Perhaps the parable overstates the risks fully independent countries face when sharing the same currency, but then again, maybe not by so much.

Economists have long understood that significant labour mobility is not nearly enough, A sustainable currency union requires other country-like features including a centralised fiscal authority that has as at least as much power to collect taxes as the constituent states. A central financial regulator is also essential, at least absent an adequate global regulator. And the centre cannot be endowed with so much power without the legitimacy that can only come from political union. Currency union without political union is an unstable halfway house.

This is not to say that a future United States of Europe, or part of Europe, needs to take any particular narrowly defined form. There is no one-size-fits-all formula for marriages or currency unions, although a loose bond that is easily broken is obviously not enough.

The real lesson of the euro’s grand experiment is that, given the weak state of global governance, the optimal single currency area is probably still a country, at least when two or more large countries are involved. A pre-nuptial joint bank account is a very unstable route to marriage.

The writer is professor of economics at Harvard University and co-author of “This Time is Different” [image error]
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Published on April 24, 2012 07:47

April 23, 2012

Bresser-Pereira no fundo do poço

Luiz Carlos Bresser-Pereira desceu ao fundo do poço mesmo. Quando eu penso que o economista "desenvolvimentista" não pode afundar mais (após declarar apoio ao PT), eis que vejo seu artigo na Folha hoje com o seguinte título: "A Argentina tem razão". Ele explica: "Não faz sentido deixar sob controle estrangeiro um setor estratégico para o desenvolvimento do país". Que dureza! Entre EUA e Venezuela, Bresser-Pereira escolhe o último. Entre Inglaterra e Nigéria, ele fica com o último. Entre Canadá e Irã, ele prefere o último. Para ler Bresser-Pereira, Carlos Lessa, Marcio Pochman e cia, só mesmo com Engov!

Sobre este setor estratégico, segue artigo meu de 2006 desmontando a falácia nacionalista.[image error]
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Published on April 23, 2012 07:11

A inveja das moscas


Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
SOU UMA personalidade atormentada e dada a arroubos. Noites insones me levam a terras distantes onde nossos ancestrais vagam arrancando a vida e seu sentido das pedras. Com o passar dos anos, cada vez mais me encanta a luta desses nossos patriarcas perseguidos pelos elementos naturais, por seus próprios demônios e por deuses de olhos vermelhos cheios de sangue e dentes afiados.Construímos sonhos de autorrealização profissional, afetiva e material. A expectativa com nossa própria grandeza ocupa grande parte de nossos devaneios.O sentimento da fragilidade do mundo sempre me perseguiu desde a infância. Se os psicanalistas estiverem certos, e tudo que é primitivo é indelével, esse sentimento constitui minha substância mais íntima. Que inveja eu tenho das moscas!Livres, voando pelo mundo, sem saber de si mesmas.Li nas últimas férias a coletânea de ensaios "The Best American Essays of the Century", editada por Joyce Carol Oates e Robert Atwan, Houghton Mifflin Company, Boston.Destaco dois ensaios: "The Crack-Up" (a rachadura), de F. Scott Fitzgerald, de 1936 e "The Old Stone House" (a velha casa de pedra) de Edmund Wilson, de 1933.Edmund Wilson foi, segundo Paulo Francis, o último grande crítico literário de uma tradição na qual o crítico não se escondia atrás de algum teórico, tipo Blanchot ou Derrida, para repetir o que todo mundo diz e com isso não correr riscos. Wilson enfrentava o autor cara a cara, dizendo o que pensava dele, sem se preocupar com o que a "indústria da crítica acadêmica" diria. A coragem nunca foi um valor na academia, Francis tinha razão.Nesse ensaio, Wilson fala de uma casa de pedra na qual sua família viveu por muitos anos. Sua família era do tipo de família que aqui chamaríamos de quatrocentona falida. Mãe fria, pai, homem letrado e melancólico, ele, Wilson, parecido com seu pai, e também um bêbado.Estou convencido de que pessoas sem algum vício terrível permanecem em alguma forma de infância moral. Apenas quem perdeu qualquer esperança de ser virtuoso deveria falar sobre moral. Pessoas sem vícios falando sobre moral é como virgens dando aula de sexo.Wilson, entre outros parentes, fala de uma tia, infeliz no casamento, obrigada a ser uma mulher normal quando na realidade era uma filósofa schopenhauriana amadora. Segundo ele, ela enfrentou virtuosamente seu fardo criando um sistema filosófico pessoal pessimista e, quando ficou viúva, se mudou para Nova York e gastou seus últimos dias indo a livrarias e vendo teatro. Quando ainda casada, sua tia lia à noite, sobre o fogão, sozinha, em seu único momento de paz.F. Scott Fitzgerald, autor de "O Grande Gatsby", nesse ensaio descreve a sua maior crise existencial (a rachadura que dá título ao ensaio), que o acometeu por volta dos 50 anos. Escritor famoso, Fitzgerald afirma: "Identifiquei-me com meus próprios objetos de horror e compaixão" e "passei a ter uma atitude trágica em relação à tragédia e melancólica em relação à melancolia". Em síntese, foi inundado por seus próprios objetos literários e se tornou, ele mesmo, um deles. O efeito foi devastador e libertador.Na abertura, ele define o que entende por uma pessoa inteligente: conseguir viver com duas ideias opostas sobre a vida e não desistir de nenhuma delas.E exemplifica: saber que não há esperança para nós e ainda assim viver buscando provar o contrário. O resultado seria uma vida combativa em nome da esperança. Uma vida pautada pelo controle de si mesmo e do mundo a sua volta.Ao final do ensaio, ele volta a definir, agora, o que é, após sua rachadura, o estado natural de um adulto que tem consciência e sensibilidade: infelicidade qualificada (e não banal).Uma condição com a qual convivemos, mas que ao assumi-la, uma espécie de libertação acontece: em suas palavras, não mais desejar ser um homem bom, não mais ser simpático com o marido de sua prima, nem responder a cartas de escritores jovens medíocres que não deveriam aborrecer os outros. Ser apenas um escritor e não querer agradar a ninguém, nem a si mesmo.[image error]
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Published on April 23, 2012 07:06

Epidemia carcerária

Meu artigo para o OrdemLivre.org de hoje fala sobre o fracasso da guerra contra as drogas. O consumo cresce sem parar, concomitantemente à população carcerária. Está na hora de repensar o melhor jeito de lidar com o problema das drogas.
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Published on April 23, 2012 04:51

Petralhas virtuais - estudo de caso


Rodrigo Constantino

Atentai para o nível dos petralhas virtuais! Eu recebo uma média de 10 mensagens (spam) por dia desses canalhas que "trabalham" no bunker do PT na tentativa de jogar fumaça no julgamento do mensalão. Atacam a grande imprensa com a fúria de um stalinista. Sempre respondo a mesma coisa: A "profissão" mais degradante do mundo é petralha virtual. De vez em quando, do outro lado, não é que respondem? Segue uma dessas respostas, de um tal de Indira Demeterco (indirademe@gmail.com), para vocês terem uma noção do nível dessa gente (peço desculpas pelos termos chulos que eu normalmente não usaria aqui) e do que eles pretendem fazer com o Brasil:

"É você é o quê? Um privilegiado, herdeiro dos donatários das capítanias hereditárias? Um membro da elite que suga o trabalho do povo? Um classe média preconceituoso e babaca, que se acha o mais ético do mundo, mas fura o sinal, não respeita faixa de pedestre e corrompe guardas e outros servidores públicos se puder? Me engana, que eu gosto. Quais os valores que você ensina para seus filhos? Você diz pra eles que é legal e bonito mudar as regras do jogo com o jogo em andamento, como fez FHC ao aprovar a emenda da reeleição em proveito próprio? Você ensina para seus filhos, que é bonito comprar votos para aprovar uma emenda (a da reeleição) para continuar mais um tempo no poder? Você ensina para seus filhos que o Brasil sempre foi uma nação decente, justa e sem corrupção até 2002? Que a corrupção começou no país em 2002, com a chegada do PT ao poder? Ora, vai se foder seu FDP,direitista corrupto, preconceituoso, desonesto, falso, hipócrita. Se prepara, que o PT veio para mudar o país e acabar com parasitas como você. Ouça povo nas ruas e veja se ele está satisfeito ou não. Trouxa, babaca."

Pois é. Eis aí um típico petralha virtual. Te manda spam e depois liga a metralhadora giratória de ofensas, provavelmente diante de um espelho, como tio Lênin ensinou. É triste um país que tem gente dessa laia recebendo verba do GOVERNO para espalhar mentiras e ódio autoritário pelas redes sociais e emails. Ou o Brasil se livra da corja petista, ou esta corja acaba de vez com o Brasil.

Para quem tiver interesse, segue meu vídeo sobre os petralhas virtuais.
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Published on April 23, 2012 04:38

April 12, 2012

Católicos, aborto e Hitler


Rodrigo Constantino

Vamos colocar os pingos nos is, uma vez que muitos católicos estão comparando os defensores do aborto em fetos anencéfalos com os nazistas e o próprio Hitler.

Em primeiro lugar, considero altamente ofensivo comparar fetos anencéfalos aos judeus. Que história é essa? Judeus são seres humanos, como quaisquer outros. Já esses fetos não possuem nada que remeta ao que chamamos de humano. Não é eugenia eliminar o sofrimento de uma mãe que carrega na barriga um feto condenado a não viver! A morte cerebral, mesmo em adultos, é considerada morte, e os médicos ficam autorizados a extrair órgãos para doação, quando permitido. Acho que alguns católicos acabam traindo seu antissemitismo até quando tentam "defender" os judeus.*

Em segundo lugar, não venham jogar Hitler para o lado dos defensores de um estado laico, por favor! Dizem que quando se apela para Hitler em um debate de internet, é porque faltam argumentos. Pode ser. Mas se os católicos fanáticos se sentem no direito de acusar quem aceita o aborto, nesses casos extremos, de parecido com Hitler, então eu me sinto no direito de resgatar o que o próprio Lúcifer dizia. É injusto o ataque dos católicos, até porque Hitler tinha palavras elogiosas ao Cristianismo, justamente a este lado mais fanático que os carolas raivosos demonstram, na "certeza" de que lutam pela boa causa.**

Vejamos o que ele diz em "Minha Luta":

A grandeza do Cristianismo não repousa nas tentativas de negociação por compromisso com quaisquer opiniões filosóficas no mundo antigo, mas em seu inexorável fanatismo em pregar e lutar por sua própria doutrina.

Em outras palavras, é esta intransigência, esta postura extremista, fanática dos carolas contra qualquer caso de aborto, que Hitler considerava como a grandeza do Cristianismo!

Não custa lembrar também que Hitler, que se dizia católico ("Sou e sempre fui um católico e sempre serei"), afirmava que estava seguindo os mandamentos do Senhor quando eliminava os judeus ("Acredito hoje que minha conduta está de acordo com a vontade do Criador Todo-Poderoso"), em boa parte com a omissão da Igreja Católica. Aliás, no Index dos livros proibidos pela Inquisição (quem disse que os comunas que inventaram a censura?), Voltaire, Galileu, Victor Hugo e Kant estavam vetados (que perigosos!), mas "Mein Kampf", do nazista assassino, jamais constou na lista. Uma mancha e tanto para a Igreja...

Portanto, meus caros colegas católicos mais empedernidos, não tentem colar a imagem daqueles que aceitam o aborto em caso de feto anencéfalo ao nome de Hitler, porque isso é para lá de absurdo!

* O antissemitismo católico vem de longa data, como fica claro em "O Mercador de Veneza", de Shakespeare. A "usura" sempre foi condenada pelos católicos. O pior caso foi na Espanha. Desde o momento de sua criação, a Inquisição espanhola lançara olhos cobiçosos sobre a riqueza judia. A Inquisição endossou com entusiasmo o virulento antissemitismo já promulgado por um notório pregador, Alonso de Espina, que odiava igualmente judeus e 'conversos'. Alonso defendera a completa extirpação do judaísmo da Espanha - por expulsão ou extermínio. A 12 de maio de 1486, todos os judeus foram enxotados de grandes partes de Aragão. Torquemada parece ter aceitado o adiamento pela Coroa da expulsão de todos os judeus da Espanha até que o Reino muçulmano de Granada fosse final e definitivamente conquistado. Sempre que católicos falam de uma cultura "judaica-cristã", vem à minha mente a imagem de água e óleo se misturando.

** Essa "certeza" de luta pela boa causa é que me assusta. É boa causa impor o sofrimento de 9 meses para uma mãe que vai parir um conjunto de tecido sem capacidade cerebral? É boa causa isso? Eu digo que NÃO! Eu digo que é uma CRUZADA MORAL que faz seus adeptos se sentirem pessoas melhores, superiores do ponto de vista moral, apenas isso. Essa gente ama a Humanidade, mas parece não se importar tanto com o próximo de carne e osso - e cérebro!
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Published on April 12, 2012 11:40

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