Rodrigo Constantino's Blog, page 375

May 7, 2012

Não, eu não estou disponível

Luli Radfahrer, Folha de SP
Há mais ou menos um século, em uma Viena tão ou mais cosmopolita do que qualquer uma das novas cidadelas virtuais, são Freud tentava explicar um fenômeno que já incomodava muita gente: o esquartejamento do homem contemporâneo entre duas forças antagônicas, o corpo e o outro.

Chamadas na época de id e superego, essas demandas ganharam dezenas de nomes ao longo das décadas, mas não perderam importância. Ao contrário, à medida que a superconexão das redes concatena boa parte dos ambientes de interação, cresce a pressão social para um comportamento mais pragmático, funcional, onipresente, onisciente, onipotente e disponível.

Não é mais permitido a um indivíduo razoavelmente integrado estar desconectado ou alheio aos fatos, ignorante de acontecimentos, incapaz de realizar uma tarefa.

O acesso móvel propiciado por tablets e smartphones e o conhecimento instantâneo disponibilizado nos vídeos no YouTube e nos verbetes da Wikipédia acabaram com a época do "não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe". Hoje todos são compelidos a saber, opinar, compartilhar, blogar e retuitar, mesmo que não façam a mais pálida ideia do assunto abordado.

A angústia perante a impossibilidade da empreitada é natural. A ignorância, antes considerada uma bênção, foi transformada em maldição, obrigando a todos que nasçam prontos, especialistas. O resultado, previsível, é um enorme conflito entre demandas e capacidades, obrigando cada indivíduo a empacotar a informação que recebe o mais rápido possível e transmiti-la para grupos cada vez maiores de pessoas que fazem o mesmo, em um tsunami de meias-verdades, preconceitos, informações rasas e citações fora de contexto.

Por mais que entusiastas de mídias sociais classifiquem essa prática como uma formação de opinião mais democrática, inovadora e aberta, a realidade a transforma em um tipo vicioso de fofoca, terreno fértil para todo tipo de boataria, casa de doidos em que todos falam para ninguém escutar.

Na velocidade e na pressão das redes de compartilhamento, a informação gratuita perde seu valor. Sem tempo, foco ou referências de qualidade, não há como estabelecer uma reflexão sólida. O resultado é uma espécie de histeria coletiva, combustível social à espera do primeiro estopim que a incendeie.
A história mostra vários momentos cuja energia foi inversamente proporcional à razão. Por mais que tivessem potencial construtivo, a maioria foi aniquilada ou acabou em regimes totalitários.

Dicionários e enciclopédias foram feitos para serem consultados, não decorados. Quando a opinião de especialistas é trocada pela voz coletiva das ruas, corre-se o risco de ignorar os fatos para perpetuar mitos e falsas verdades. Não há revista científica que comprove os malefícios do leite com manga, mas todos ouvimos essa história "em algum lugar" parecido com o Google.

A única saída possível para preservar a sanidade está em desenvolver o espírito crítico. Isso não demanda atitudes reacionárias, mas uma seleção da informação recebida, da relevância de sua fonte e, acima de tudo, se cabe a você tomar alguma atitude com relação a ela ou se é mais saudável ignorá-la.
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Published on May 07, 2012 07:05

May 6, 2012

Decadance avec elegance

Vídeo onde comento a vitória de Hollande nas eleições francesas, lamentando a insistência neste modelo fracassado por esta nação. Aproveito para criticar a falsa dicotomia entre austeridade e crescimento.

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Published on May 06, 2012 14:14

May 4, 2012

A cruzada contra os juros


Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
Após negar com veemência que iria mexer na poupança, o governo Dilma mudou (e complicou) as regras de remuneração desta opção popular de investimento. A partir de agora, a remuneração da poupança depende da Selic. O governo tomou esta medida para poder seguir com a trajetória de queda dos juros. Como a poupança, isenta de imposto, tornara-se mais competitiva que os fundos DI, que aplicam nos títulos públicos indexados à taxa Selic, o governo se viu forçado a mexer na poupança para não perder o mercado que financia seus títulos.
O resumo da coisa toda, de forma simplificada, é o seguinte: o cenário externo abriu uma janela de oportunidade para que países como o Brasil reduzam os juros, atraindo poupança externa para fechar a conta. O governo tem aproveitado esta janela com vontade, e já derrubou a taxa Selic para 9% ao ano. Os “spreads” bancários continuam elevados, por vários motivos estruturais, então o governo resolveu impor sua redução por meio dos bancos públicos, que correspondem a 40% do mercado. Mas agora o limite para quedas maiores dos juros está na concorrência com a poupança. Nova marretada para permitir taxa menor.
Só há um pequeno detalhe nesta cruzada do governo contra os juros: o risco inflacionário. É verdade que o quadro mundial, com países desenvolvidos pagando taxa de juro real negativa, permite esta “ousadia” (irresponsabilidade) do governo por algum período. Mas o governo não fez uma única reforma estrutural que aumentasse a produtividade do país, tampouco reduziu seus gastos para permitir o aumento de oferta da poupança doméstica.
Logo, todo o crescimento de crédito, que tem sido acima de 15% ao ano por vários anos, não encontra lastro nos fundamentos econômicos. Quando a economia ameaça desaquecer, o governo resolve então injetar mais crédito de forma artificial, sendo que a inflação já se encontra acima do centro da meta, que por sua vez já é bastante elevada. Para um povo consumista como o nosso, isso é um convite para financiamentos arriscados. A inadimplência, mesmo com todo mundo empregado, já começa a subir de forma preocupante.
Enquanto o cenário externo seguir favorável a países emergentes com vastos recursos naturais, a farra poderá continuar sem grandes impactos negativos. Mas não se enganem: uma bomba-relógio está sendo montada, uma bolha creditícia está sendo inflada pelo próprio governo. Quando ela estourar, lembrem-se de que não foi culpa dos bancos, do mercado ou do capitalismo, mas sim de um governo que deseja estimular o crescimento econômico no curto prazo com medidas artificiais em vez de fazer o duro dever de casa das reformas.   
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Published on May 04, 2012 06:31

May 3, 2012

Fanatismo e submissão


 Rodrigo Constantino
“Anseio ardentemente por aquela condição psíquica em que, livre de toda responsabilidade, sentirei a estupidez do mundo como um destino.” (Karl Kraus)
Em 1951, Eric Hoffer escreveu um livro que logo se tornaria um clássico. The True Believer disseca as principais características que levam alguém a aderir a uma seita de forma fanática, dando início a um movimento de massa. O livro ainda é bastante atual, e serve como alerta para as diferentes formas de fanatismo, que acabam sendo bastante semelhantes entre si.
Os movimentos de massa produzem em seus adeptos a disposição de sacrifício pela causa santa, assim como um impulso à ação em conjunto. O entusiasmo, a esperança, a intolerância e o ódio aos que são diferentes representam sintomas deste tipo de fenômeno. Tais movimentos demandam fé cega de seus membros. A submissão é infinitamente mais importante do que o pensamento individual, o questionamento racional. Vale lembrar que Islã quer dizer justamente submissão, e que os dogmas católicos sempre tiveram que ser aceitos por seus crentes sem questionamento (creio porque absurdo).
Segundo Hoffer, todos esses movimentos distintos apelam ao mesmo tipo de mente. Talvez esta tenha sido a principal contribuição de seu livro: mostrar como são parecidos, no fundo, movimentos que na aparência são tão díspares. Apesar de vivermos em uma época “sem deus”, o fato é que vivemos em tempos bastante “religiosos”, onde inúmeras seitas fanáticas proliferam. Por isso é tão importante mergulhar mais na mente típica do fanático.
Os principais tipos de movimento de massa que atraem estas pessoas são religiosos, revolucionários e nacionalistas. Dentre estes, Hoffer considerava o nacionalismo aquele com maior capacidade de duração nos tempos modernos, citando como exemplos as revoluções francesa e russa, que desembocaram no nacionalismo para sobreviver. Nem sempre o advento de tais movimentos será totalmente maléfico. O caso de Ataturk na Turquia demonstra que estas mudanças oriundas de movimentos nacionalistas podem deixar algum legado positivo também. Mas os riscos são sempre enormes.
E o que levaria tanta gente a aderir a tais movimentos? Para Hoffer, um dos principais motivos é a angústia que a autonomia traz consigo para o indivíduo. Temos uma tendência de culpar forças exógenas pelos nossos fracassos, e as pessoas frustradas com suas vidas acabam desenvolvendo um fervor por mudanças radicais. O sentimento profundo de insegurança em relação ao presente faz com que estas pessoas abracem alguma boia de salvação que prometa um futuro melhor. Os movimentos de massa oferecem a sensação de um poder irresistível do grupo monolítico de moldar este futuro maravilhoso.
A liberdade de escolha deposita no próprio indivíduo o peso de seus fracassos. Quanto maior forem as alternativas de escolha, mais espaço há para frustrações. Para Hoffer, muitos se unem aos movimentos de massa para escapar da responsabilidade individual. Como disse um jovem ardente defensor do nazismo, a meta era ficar “livre da liberdade”. Movimentos de massa fornecem aos fanáticos uma forma de dissipar sua individualidade até o ponto de anulá-la por completo. A paixão pela igualdade é também a paixão pelo anonimato. O fanático se transforma em uma massa amorfa igual a todos os demais membros da seita, disfarçando então seu complexo de inferioridade.
Para uma massa dessas, o principal alvo de catequização e conversão é o indivíduo que se sustenta por conta própria, que não depende de algum corpo coletivo que lhe ofereça apoio. A mente independente, blindada de rótulos simplistas e avessa a seitas, o indivíduo criativo que não necessita de um movimento de massa para encontrar algum sentido em sua existência, este é o foco de inveja e ódio dos fanáticos de todas as matizes. Eles precisam destruí-lo, se não forem capazes de convertê-lo. Hoffer aponta que movimentos de massa podem nascer sem deus, mas não sem um demônio: são os bodes expiatórios das seitas, culpados pela desgraça que é o presente. Os judeus dos nazistas, os kulaks dos bolcheviques, os ímpios dos crentes.
Não se comunica com estes fanáticos por meio da razão, e sim da fé extravagante. Eles precisam ser ignorantes acerca das dificuldades envolvidas nesta tarefa vasta e hercúlea, muitas vezes utópica, de criar um novo mundo. A experiência de casos passados atua como um inibidor aos revolucionários, e por isso o desconhecimento da história costuma ser crucial na seleção dos adeptos. Os envolvidos na Revolução Francesa, no bolchevismo e no nazismo eram em sua grande maioria pessoas sem experiência política.
Uma classe média em crise, que acaba de perder parte de seus bens e se encontra frustrada com o presente, representa um terreno fértil para movimentos de massa. Foi assim na Itália fascista e na Alemanha nazista. Um movimento em ascensão prega a esperança imediata, um futuro róseo logo depois da esquina, uma “boa nova” para os escolhidos, que impele seus membros à ação. Movimentos de massa já estabelecidos contam com a promessa de um futuro fantástico, porém distante, para manter acesa a chama da esperança. O Stalinismo era o ópio do povo russo assim como religiões estabelecidas.
O núcleo familiar representa um grande obstáculo a tais movimentos coletivistas. Por isso quase todos eles combateram a família em suas origens. O Cristianismo inicial, segundo o autor, foi um dos movimentos de massa mais hostis ao núcleo familiar. Jesus teria dito que aquele que ama seu pai e sua mãe mais do que a ele não seria digno de ser seu seguidor. O mesmo para aquele que amasse mais seus filhos. Abraão seria o ícone perfeito deste tipo de fanático, ao se mostrar disposto a sacrificar o próprio filho em nome de sua fé. A causa santa vem em primeiro lugar, a família fica em segundo plano.
O ser humano em geral clama pela sensação de pertencimento a algum grupo maior. Suas frustrações alimentam ainda mais o desejo de sumir em meio a uma massa uniforme. O tédio diante da vida, a falta de sentido na existência, tudo isso joga mais lenha na fogueira, empurrando o indivíduo na direção da massa. Um movimento de massa representa o pacote completo que exime o sujeito da responsabilidade de desejar e arriscar por conta própria.
Sua submissão livra-o do fardo de sua autonomia. Seu fanatismo tira sua necessidade de pensar e questionar por conta própria. A “certeza absoluta” da doutrina infalível fornecida pelo movimento lhe conforta da angústia da hesitação. A aventura revolucionária lhe estimula e livra sua vida vazia de seu tédio. A causa fanática alivia em seu sentimento de culpa e pecado. O futuro fantástico lhe dá forças para enfrentar o presente medonho, um fardo temporário, um vale de lágrimas e sofrimento até o oásis por vir. O ideal glorioso e indestrutível lhe oferece a força que lhe falta como indivíduo, a eternidade que acalenta sua inexorável mortalidade e aniquilação.
Eric Hoffer não era otimista quanto à possibilidade de persuasão de um fanático. Para ele, o apelo à razão não surtia tanto efeito sobre um fanático. Seus medos e inseguranças lhe comprometem, e sua causa santa é uma necessidade de se segurar a alguma coisa para aguentar a vida. O mais provável seria um fanático se converter, não se convencer. Por isso é comum ver fanáticos pulando de seita em seita. Para Hoffer, é mais fácil para um comunista fanático se converter ao fascismo, chauvinismo ou Catolicismo do que se transformar em um liberal sóbrio com mente aberta. Os ateus fanáticos, que encontram sua razão de ser em deus da mesma forma que os crentes, pois vivem em função de sua negação, entravam para o grupo dos fanáticos de Hoffer.
A propaganda se faz importante para a ascensão do movimento de massa, mas sua sustentação só será possível com base na coerção. Foi apenas após Constantino que o Cristianismo conseguiu se estabelecer. A espada foi crucial para a sobrevivência do movimento, e onde o Cristianismo não foi capaz de dominar o poder estatal, ele raramente conseguiu se manter de forma permanente. O mesmo vale para o Islã. Seu crescimento se deu por conquista no começo, e a conversão foi um subproduto disso em muitos casos. A Reforma deslanchou quando ganhou o apoio de príncipes e governos locais. A ameaça comunista era infinitamente maior quando tinha o suporte de um dos exércitos mais poderosos do planeta.
Além disso, a conquista e a conversão de outras pessoas acabam dando legitimidade ao fanático. Trata-se do conhecido argumentum ad populum. Bilhões de pessoas que acreditam em algo, isso quer dizer que essa crença não pode estar errada! Eles ignoram o alerta de Anatole France, de que “se 5 bilhões de pessoas acreditam em uma coisa estúpida, essa coisa continua sendo estúpida”. Isso também explica porque os fanáticos, apesar de desejarem exterminar uns aos outros, odeiam ainda mais aqueles que não compartilham de fanatismo algum. Um fascista fanático pode até nutrir algum respeito pelo comunista fanático, mas ambos desprezam o homem “sem fé”, sem uma causa santa que o faz disposto aos maiores autossacrifícios, incluindo seu martírio.
Estes fanáticos demandam um líder, alguém que assuma por eles o fardo da responsabilidade. Este líder, segundo Hoffer, deve ter audácia, uma fé fanática na causa santa, e a habilidade de despertar a devoção fervorosa no grupo. A qualidade das idéias em si tem menor relevância. O que importa é o gesto arrogante, o completo desprezo pela opinião dos outros, o desafio ao mundo. Algum grau de charlatanismo é fundamental para a liderança do movimento de massa. Os fatos precisam ser deturpados sempre a favor da seita, tarefa facilitada pela necessidade de crença dos fanáticos. Os fanáticos estão ávidos por obediência ao guru da seita. O crente deve ser acima de tudo uma pessoa obediente e submissa.
Normalmente, o movimento de massa joga descrédito e suspeita sobre o governo estabelecido, mas acaba adotando as mesmas práticas ou até piores uma vez que consegue chegar ao poder. Os revolucionários franceses adotaram o Terror, fazendo a monarquia parecer suave. Os bolcheviques mataram milhões em poucos meses, mais do que o regime dos czares em toda a sua existência.
O filósofo John Stuart Mill lamentou sobre o Cristianismo: “Que os cristãos, cujos reformadores pereceram na masmorra ou na fogueira como apóstatas ou blasfemos – os cristãos, cuja religião exala em cada linha a caridade, liberdade e compaixão... que eles, depois de conquistar o poder de que eram vítimas, exerçam-no exatamente da mesma maneira, é demasiado monstruoso”. A Igreja, uma vez estabelecida e cristalizada, soube ser autoritária e pegar emprestado do Império Romano sua hierarquia e burocracia.  
O que todos os fanáticos condenam em conjunto é a democracia liberal do Ocidente, acusada de decadente e pusilânime. Os indivíduos sob tal regime não estariam mais dispostos ao sacrifício por uma causa santa. A perda de vigor, de fé cega, seria sinal de podridão moral. Sem dúvida há alguma verdade nisso. De fato, as democracias modernas dão sinais de covardia, ainda mais quando comparadas às teocracias islâmicas e seus terroristas fanáticos dispostos a tudo pela causa. Falar em reformas nunca tem o mesmo apelo emocional que falar em revolução, em derrubar todo o sistema podre, passar uma borracha no presente injusto e criar um novo mundo maravilhoso, ou então em resgatar um passado idealizado, um jardim do Éden sonhado.
Mas, como espero ter deixado claro acima, com base no excelente e importante livro de Eric Hoffer, a troca deste marasmo imperfeito por um movimento de massa revolucionário é algo extremamente perigoso. Talvez o mundo precise de alguns fanáticos de vez em quando, que abraçam causas santas com fé cega. Talvez alguns desses movimentos tenham tido efeitos líquidos positivos ao longo da história. Só que é fundamental ter em mente o risco que eles representam. Quando muitos sucumbem ao fanatismo e à submissão sem questionamentos racionais, então a liberdade individual corre sério perigo. Os fanáticos podem querer justamente fugir desta liberdade. Mas ela é crucial para o avanço da civilização.  
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Published on May 03, 2012 17:44

O mapa astral do "filósofo"

Rodrigo Constantino

Soube que o "filósofo" Olavo de Carvalho, não satisfeito em usar seu espaço todo no Diário do Comércio para me atacar, dedicou boa parte de seu "talk show" (humorístico) ao mesmo fim. Soube ainda - e confesso que não fui checar, pois me falta estômago para aturar aquele show de horror -, que ele disse no programa que foi apenas um estudioso de Astrologia, e que eu nada sabia sobre seus trabalhos nessa área. Segundo o leitor que me passou tais informações, ele também assevera que a relação dele com a astrologia diferiu abissalmente dos astrólogos “de mídia” ou os calculadores de horóscopo de jornal. Se ele disse isso tudo mesmo, mentiu, como de praxe.

E como eu gosto de apresentar as provas, segue a reportagem que saiu na revista VEJA, 9 de abril de 1980, com o título "Alto Astral: Já se faz horóscopo por computador". A matéria é até favorável ao astrólogo... Olavo de Carvalho cobrava caro por suas "aulas". Para o "mestre", a astrologia era um "valioso campo de conhecimento para ser aplicado nas mais diversas áreas". A VEJA testou o Astroflash e o astrólogo Olavo de Carvalho, fornecendo os mesmos dados sobre uma pessoa conhecida, sem dizer seu nome. Ambos, computador e astrólogo Olavo de Carvalho, disseram coisas interessantes sobre o sujeito em questão, que era Fernando Gabeira.

Para mim, tudo não passa de embuste (e, uma vez embusteiro, sempre embusteiro). Mapa astral é baboseira pura (e não custa lembrar aos "olavetes" o que a Bíblia diz da astrologia*). Mas que o "filósofo" não venha me acusar de ignorância ou mentira sobre suas aptidões de astrólogo! Até a revista VEJA o levou bastante a sério como um dos "astrólogos de mídia". Ele deveria saber melhor que quando Júpiter se alinha a Marte, nunca é bom provocar um liberal apaixonado pela verdade...

* Em Isaías 47.13-14, Deus afirma: "Já estás cansada com a multidão das tuas consultas! Levantem-se pois, agora os que dissecam os céus e fitam os astros, os que em cada lua nova te predizem o que há de vir sobre ti. Eis que serão como restolho, o fogo os queimará; não poderão livrar-se do poder das chamas; nenhuma brasa restará para se aquentarem, nem fogo para que diante dele se assentem."[image error]
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Published on May 03, 2012 11:30

O resgate dos direitos humanos

Flavia Piovesan, O GLOBO


"Engravidei duas vezes, e os dois bebês tinham o mesmo problema: anencefalia. Na primeira vez, era uma gravidez programada, desejada. Soube aos 3 meses de gestação que o bebê era anencéfalo. Foi muito triste. Optei pelo aborto legal, mas enfrentei muita burocracia. Se você não tem condições financeiras de contratar um advogado para acompanhar o processo, não consegue. (...), eu só tive a autorização judicial para interromper a gravidez com 7 meses e meio de gestação. (...) Fiz aborto numa época já de risco. (...) Só os pais sabem a dor que é viver este processo. Interromper a gravidez aos 3 meses poderia evitar tanto sofrimento." (Depoimento de Vanessa Oliveira no jornal O Estado de S. Paulo, em 11 de abril de 2012)Se não houvesse obtido autorização judicial para interromper a gravidez, Vanessa Oliveira, em tese, estaria a responder criminalmente pela prática de aborto, sujeita a pena de detenção de 1 a 3 anos (artigo 124 do Código Penal). No Brasil, o aborto só não é punido se não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resultar de estupro. O aborto constitui um grave problema de saúde pública, sendo a 4ª causa de morte materna no Brasil. A ilegalidade do aborto leva à sua clandestinidade, que, por sua vez, leva à sua realização em condições inseguras, gerando um evitável e desnecessário desperdício de vidas de mulheres, sobretudo das mais vulneráveis.Após 8 anos de polêmica, este foi o cerne do histórico julgamento do STF, ao autorizar a interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal, em 12 de abril último. A partir da decisão - que tem efeitos gerais, imediatos e vinculantes relativamente a todo Poder Judiciário e à administração pública -, a rede pública de saúde terá que assegurar à mulher que decidir pela interrupção o abortamento legal. Para a ciência, a anencefalia é uma anomalia fetal grave e incurável, incompatível com a vida, amparada por um diagnóstico 100% seguro.Três são os principais impactos do mais importante julgamento do STF. O primeiro deles atém-se à afirmação dos direitos humanos das mulheres, ao assegurar-lhes a liberdade de prosseguir ou não na gravidez de fetos anencefálicos, à luz de suas convicções morais. Louva a autonomia das mulheres, sua dignidade e seu direito à saúde física e psíquica. Para o STF, obrigar a mulher a manter a gravidez em hipótese de patologia que torna absolutamente inviável a vida extrauterina significa submetê-la a um tratamento cruel, desumano e degradante, equiparável à tortura. Seria desproporcional proteger o feto que não sobreviverá em detrimento da saúde mental da mulher. Na luta pelos direitos das mulheres, a este caso emblemático se soma a relevante decisão do STF pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha (em fevereiro de 2012).O segundo impacto corresponde à observância da laicidade estatal. Defendeu o STF a separação entre os dogmas religiosos de domínio privado e a razão pública e secular, que há de guiar o Estado. Para o STF, a ordem jurídica em um Estado Democrático de Direito não pode se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religião. A interpretação constitucional deve primar pelo respeito à principiologia e racionalidade constitucional, conferindo força normativa à Constituição. Uma vez mais, o STF se lançou como veículo da razão pública, reforçando o princípio da laicidade estatal já destacado nos casos concernentes ao uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica (em maio de 2008) e à proteção constitucional às uniões homoafetivas (em maio de 2011).Finalmente, o terceiro impacto relaciona-se à consolidação do STF como órgão guardião da Constituição, com a especial vocação de proteger direitos fundamentais. As Cortes Constitucionais têm assumido a especial missão de fomentar a cultura e a consciência de direitos e a supremacia constitucional, tendo seus julgados o impacto de transformar legislação e políticas públicas, contribuindo para o avanço na proteção de direitos. Como lembra o ministro Celso de Mello: "O Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades constitucionais e dos direitos fundamentais. (...) É dever dos órgãos do Poder Público - e notadamente dos juízes e dos Tribunais - respeitar e promover a efetivação dos direitos humanos."A emblemática decisão do STF simboliza, assim, o triunfo dos direitos humanos, sob a perspectiva da saúde e da justiça social.

Comentário: Concordo com o geral, mas discordo do terceiro impacto, que não considero positivo. O STF não deve legislar, pois isso é usurpar poderes do Congresso. Ele deve ser apenas o guardião da Constituição, sem ativismo. "Fomentar a cultura e a consciência", portanto, não deveria ser função do STF, assim como "transformar legislação". Por fim, não gosto nada do termo "justiça social", algo vazio, desprovido de sentido objetivo, usado para obliterar o próprio conceito de justiça. Dito isso, o artigo merece reflexão, pois é mesmo a imposição de uma tortura sem razão de ser forçar uma mãe a carregar por 9 meses um feto ancencéfalo na barriga. Coisa de quem se preocupa mais com a "vibe" de sua cruzada moral do que com o sofrimento do ser humano de carne e osso...[image error]
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Published on May 03, 2012 09:22

Our central bankers are intellectually bankrupt

Ron Paul, Financial Times


The financial crisis has fully exposed the intellectual bankruptcy of the world’s central bankers.Why? Central bankers neglect the fact that interest rates are prices. Manipulating those prices through credit expansion or contraction has real and deleterious effects on the economy. Yet while socialism and centralised economic planning have largely been rejected by free-market economists, the myth persists that central banks are a necessary component of market economies.Printing unlimited amounts of money does not lead to unlimited prosperity. This is readily apparent from observing the Fed’s monetary policy over the past two decades. It has pumped trillions of dollars into the economy, providing money to banks with the hope that this new money will spur lending and, in turn, consumption. These interventions are intended to raise stock prices, lower borrowing costs for companies and individuals, and maintain high housing prices.These economists understand that having wages or commodity prices established by government fiat would cause shortages, misallocations of capital and hardship. Yet they accept at face value the notion that central banks must determine not only the supply of one particular commodity – money – but also the cost of that commodity via the setting of interest rates.But like their predecessors in the 1930s, today’s Fed governors behave as if the height of the credit bubble is the status quo to which we need to return. This confuses money with wealth, and reflects the idea that prosperity stems from high asset prices and large amounts of money and credit.The push for easy money is not new. Central banking was supposed to have ended the types of periodic financial crises the US experienced throughout the 19th century. Yet US financial panics have only got worse since the centralisation of monetary policy via the creation of the Fed in 1913. The Depression in the 1930s; the haemorrhaging of gold reserves during the 1960s; the stagflation of the 1970s; the dotcom bubble of the early 2000s; and the current recession all have their root in the Fed’s loose monetary policy.Each of these crises began with an inflationary monetary policy that led to bubbles, and the solution to the busts that inevitably followed has always been to reflate the bubble.This only sows the seeds for the next crisis. Lowering interest rates in an attempt to forestall a recession in the aftermath of the dotcom bubble required massive credit creation that led to the housing bubble, the collapse of which we still have not recovered from today. Failing to learn the lesson of the bursting of both the dotcom bubble and the housing bubble, the Fed has pumped trillions of dollars into the economy and has promised to leave interest rates at zero through to at least 2014. This will only ensure that the next crisis will be even more destructive than the current one.Not content with its failed attempts to prop up the US economy, the Fed has set its sights on bailing out Europe, too. Through currency swaps, it has committed to offering potentially hundreds of billions of US dollars to the European Central Bank and we cannot rule out the possibility of direct intervention.The Fed’s response to the crisis suggests that it believes the current crisis is a problem of liquidity. In fact it is a problem of poorly allocated investments caused by improper pricing of money and credit, pricing which is distorted by the Fed’s inflationary actions.The Fed has made banks and corporations dependent on cheap money. Instead of looking for opportunities to invest in real products that will serve the needs of consumers, Wall Street awaits the minutes of each Federal Open Market Committee meeting with bated breath, hoping that QE3 and QE4 are just around the corner. It is no wonder that long-term investment and business planning are stagnant.We live in a world that seems to have abandoned the concept of savings and investment as the source of real wealth and economic growth. Financial markets clamour for more cheap money creation on the part of central banks. Hopes of further quantitative easing from the Fed, the Bank of England, or the Bank of Japan – or further longer-term refinancing operations from the ECB – buoy markets, while decisions not to intervene can cause stocks to plummet. Policy makers focus on spurring consumption, while ignoring production. The so-called capitalists have forgotten that capital cannot be created by government fiat.Control of the world’s economy has been placed in the hands of a banking cartel, which holds great danger for all of us. True prosperity requires sound money, increased productivity, and increased savings and investment. The world is awash in US dollars, and a currency crisis involving the world’s reserve currency would be an unprecedented catastrophe. No amount of monetary expansion can solve our current financial problems, but it can make those problems much worse.
The writer is a US congressman and a candidate for the Republican party’s presidential nomination
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Published on May 03, 2012 07:08

Faust moderno

Contardo Calligaris, Folha de SP

Faz tempo que sonho em escrever e montar um "Faust". A peça aproveitaria as ideias das melhores versões do mito, desde as de Christopher Marlowe e de Goethe até a mais recente, que está em cartaz em São Paulo, no Sesc Santana: "Fogo-Fátuo", de Samir Yazbek (coautoria de Helio Cicero e montagem bonita de Antônio Januzelli).

Numa hora intensa, inteligente e, às vezes, francamente engraçada, a peça apresenta o encontro entre um Faust escritor em crise (disposto talvez a vender sua alma) e um Mefisto que se pergunta qual função ainda tem o diabo num mundo em que os homens não precisam dele para fazer o pior. Se você estiver em São Paulo ou passar por aqui até 27 de maio, confira como Faust e Mefisto encontram uma solução original aos males de ambos.

Volto ao meu sonho. Por que a história do homem que vende sua alma ao diabo me parece ser um mito crucial da modernidade?

Só topo vender a alma em troca de sucesso em minhas empreitadas terrenas se meu breve tempo de vida for, para mim, mais importante do que a eternidade no céu. Ou seja, Faust, para assinar o pacto, deve ser, se não ateu, suficientemente agnóstico para se preocupar mais com os homens do que com Deus.
Paradoxo: a aparição de Mefisto, interessado em comprar minha alma, confirma indiretamente a existência de Deus e torna o contrato impossível: eu venderia a alma ao Diabo à condição de não acreditar realmente nem na alma nem no Diabo.

Várias soluções desse paradoxo são possíveis. Será que Mefisto se daria o trabalho de oferecer mares e montes a Faust só pelo prazer de lhe infligir as penas do inferno? Talvez Mefisto compre almas não para aumentar o rebanho dos pecadores (para isso, mal é necessário pagar), mas para alistar novos diabos. E ser diabo, mesmo de segunda linha, pode ser uma séria tentação.

Outra possibilidade é que Faust seja um vigarista, capaz de enganar até Mefisto. Já ao assinar o pacto, ele saberia que Mefisto será privado de sua "justa" recompensa: bastará, para isso, que Faust se arrependa, na última hora.

De qualquer forma (nisto concordo com o Mefisto de Yzbek), o Faust que frequenta hoje os consultórios dos psicoterapeutas não precisa de diabo. Explico.

Hoje (mas a observação já começa a valer na época romântica, quando Goethe escreve seu "Faust"), o sentimento é frequente, em adolescentes e adultos, de ter vendido a alma, sem que por isso Mefisto tenha tentado comprá-la.

Diante de qualquer sucesso (inclusive nosso) agimos como se fosse coisa de empreiteira de obras públicas: levantamos a suspeita de que foi o fruto da venda da alma de quem se deu bem. Se conseguimos algum conforto (mesmo espiritual), é porque a gente se vendeu: traímos a nós mesmos.
Temos um casamento feliz? É porque renunciamos a procurar o amor de nossa vida. Somos prósperos? É porque topamos aquele emprego, em vez de tentar empreender por nossa conta. Temos paz de espírito? É porque desistimos de procurar a pedra filosofal -que era a única coisa que nos importava de verdade.
O Faust de hoje já vendeu sua alma: ele vive com o sentimento de que seu sucesso, por modesto que seja, custou-lhe a renúncia à sua vocação, ao seu desejo, ao seu ser.

As más línguas dirão que preferimos parecer covardes e vendidos a fracassarmos por incompetência na tentativa de realizar "nosso desejo". "Desisto da procura do Santo Graal para que meus filhos possam comer a cada dia" soa muito melhor do que "desisto porque cansei ou não sei procurar direito".
Mas não é só isso: o desejo, na nossa cultura, aparece quase sempre como uma coisa da qual desistimos, que fugimos, que reprimimos, ao menos em parte.

Claro, Freud tem razão: a vida em sociedade exige repressão e renúncias. Mas talvez a sensação constante de ter traído nosso desejo (sabe-se lá qual) expresse sobretudo a nostalgia de um mundo passado, em que era mais fácil saber quem éramos e por que estávamos no mundo.

Cada vez mais, somos livres para inventar nossas vidas. E o preço inevitável dessa liberdade é nossa indefinição. "Quem sou eu? Veremos: o futuro mostrará de que sou capaz." Quando o futuro chegar, a pergunta mudará: "Tudo bem, fiz isso e aquilo, até que me dei bem, mas será que fiz mesmo o que eu queria? Será que preenchi todo meu destino?".

Pois é, amigo, nunca vamos saber. Pois, justamente, o destino estava escrito naquela alma que a gente vendeu.
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Published on May 03, 2012 06:31

May 2, 2012

Culpado como um bandido

Rodrigo Constantino

O "filósofo" Olavo de Carvalho dedicou seu espaço inteiro no Diário do Comércio à minha pessoa. Como não o dou a mesma importância, não pretendo respondê-lo em meu precioso espaço de O Globo (que reservo para coisas mais sérias), mas sim aqui mesmo, no meu blog. Farei isso de forma breve, pois o tempo é escasso e existem outras prioridades. Mas é preciso fazê-lo, pois como este senhor ainda engana muitos inocentes úteis e fala em nome da direita, faz-se necessário desmascarar o embuste de vez em quando.

Olavo diz:

Num de meus últimos programas de rádio, critiquei en passant o sr. Rodrigo Constantino por conceder ao Estado, cujo poder ele abomina e diz querer limitar por todos os meios, o mais alto e presunçoso dos poderes – que é o de conceder ou negar a condição de ser humano a uma criatura proveniente de pai e mãe humanos.

A mentira já começa no "en passant", onde o autor tenta passar a imagem de que quase não se ocupou com ataques chulos e mentirosos a mim. Na verdade, Olavo de Carvalho me citou algumas vezes, e em vários "programas de rádio" (eu chamo aquilo de outra coisa, mas deixa para lá) nos últimos meses. Como foi ignorado solenemente, insistiu na esperança de receber alguma atenção recíproca. Foi o que fiz no vídeo citado. Ele deveria ser grato ao menos a isso.
Sim, é verdade que eu abomino o excesso de poder concentrado no estado (que escrevo com letra minúscula, ao contrário de Olavo de Carvalho). Mas não sou um anarquista. Reconheço que a vida em sociedade demanda a existência do estado, especialmente para cuidar da justiça. Tampouco sou jusnaturalista, ainda que tenha alguma simpatia pelo conceito. Logo, entendo que é função precípua do estado definir as leis, ainda que muitas possam ser consideradas injustas. O problema é que não acredito na viabilidade das alternativas (mercado de leis privadas, direito natural etc).
Isso não é o mesmo que afirmar, como quer Olavo de Carvalho, que eu penso que cabe ao estado dizer o que é certo ou errado. Não! Eu acho errado a escravidão, mas estados já a consideraram legal no passado. Eu também acho errado alguém ser obrigado a pagar 40% do que ganha em impostos, mas nem por isso sou anarquista (seria a lógica dedutiva, como diz Olavo de Carvalho, da premissa de que não aceito o estado impor qualquer valor arbitrário de imposto). 
Aliás, esta é a mesma tática que usam os anarquistas: oito ou oitenta, tudo ou nada. Se você acha errado imposto de 40%, então você deve achar errado qualquer imposto, para não cair em contradição lógica. Será que Olavo de Carvalho é um anarquista? Ou ele aceita o estado dizer quanto ele deve pagar de imposto? Mas nesse caso o estado poderia lhe impor 100% de imposto! Logo, ele defende ou o socialismo ou a anarquia. Qual será o caso?
Como fica claro acima, o que Olavo de Carvalho fez foi apenas apelar para uma retórica vazia, um reductio ad absurdum (ele comenta um livro de Schopenhauer sobre estratagemas de erística, e aprendeu a usá-los muito bem). Quem vai dizer quando o feto é um ser humano? Ora, como eu deixei claro no vídeo sobre o assunto, essa é a questão cabeluda! Cientistas discutem isso sem resposta adequada. E eu não tenho a pretensão de ter tal resposta sem margem a erros (ao contrário do que afirma Olavo, eu não me arrogo o monopólio da razão). 
O que eu sei é que não considero correto a imposição de uma visão religiosa sobre o tema. A resposta pode ser a sociedade de forma geral, o indivíduo de forma subjetiva. Isso não quer dizer que o estado tem a palavra definitiva sobre o assunto. Quer dizer apenas que nem todos são obrigados a aceitar a visão religiosa, e que nem todos que aceitam uma zona cinzenta nesta questão depositam fé messiânica no estado.
E, de fato, é a resposta que a maioria dos países civilizados e desenvolvidos deu ao dilema. Tanto é verdade que em praticamente todos eles o aborto é permitido no começo da gestação, e em casos especiais. Logo, à exceção das teocracias islâmicas e de países subdesenvolvidos (muitos com forte predominância católica), as sociedades chegaram à conclusão de que um feto de um dia não é o mesmo que um bebê de um ano. Conclusão esta, aliás, que está de acordo com o bom senso, excluindo aqueles mais fanáticos em suas crenças religiosas. 
Eis o que Olavo de Carvalho precisa necessariamente defender para manter sua proclamada lógica dedutiva: que em nenhum caso o aborto é defensável, incluindo aí feto anencéfalo, fruto de estupro ou com risco de vida para a mãe, e que tomar a pílula do dia seguinte é análogo a enforcar um bebê no berço, assassinato de um ser humano puro e simples. Pergunto quantas pessoas estão dispostas a sustentar esta bandeira, e quantas delas são fanáticos religiosos... Eu prefiro ficar com a imperfeita alternativa de que cabe à sociedade, de alguma forma, legislar sobre o assunto, reconhecendo que um feto de um dia não é um ser humano, e que direitos, valores e princípios conflitantes estão em jogo, demandando escolhas difíceis. 
Olavo conclui:
Serei um malicioso, um conjeturador de hipóteses rebuscadas, um "teórico da conspiração", ao supor que o estado terminal em que se encontram os partidos "de direita" do Brasil deve algo ao fato de aceitarem como doutrinários pessoas da estatura intelectual do sr. Constantino?

Aqui há uma confusão. Olavo não é malicioso, conjeturador de hipóteses rebuscadas e teórico da conspiração por causa do seu último "programa de rádio", e sim porque já o conheço de longa data e sei que ele é exatamente isso. A crença de que o desmantelamento da URSS foi obra arquitetada pela própria KGB, o excesso de poder mirabolante atribuído ao Foro de SP, a paranoia com o movimento homossexual, a acusação de que a ONU quer controlar o mundo por meio de um governo mundial, a obsessão com a Rede Globo como veículo da revolução cultural gramsciana, enfim, a lista é grande e o astrólogo sabe como teorias conspiratórias seduzem por simplificar um mundo complexo e fornecer bodes expiatórios para os males do mundo. Quem quiser ter uma palhinha do que estou falando, veja aqui o "filósofo" acusando a Pepsi de usar células de fetos abortados como adoçante.
Além disso, ele considera que a "direita" no Brasil está frita porque conta com intelectuais da minha estatura. Pergunto então: em quais países a "direita" está melhor representada e consegue resultados práticos melhores? Pois como citei acima, os países mais avançados do mundo permitem, em sua totalidade, o aborto em situações extremas e no começo da gestação. Será que o problema da nossa "direita" é o pensamento liberal que eu defendo? Ou será que a direita tacanha e saudosista de uma Idade Média idealizada, como aquela que Olavo de Carvalho representa, é que ilustra a decadência de nossa oposição "direitista"? Entre Bolívia, Brasil e Venezuela, ou Holanda, Austrália e Nova Zelândia, qual grupo possui mais liberdade individual e prosperidade? Será que a direita está melhor no Afeganistão e no Haiti do que na Inglaterra?
Pois no primeiro grupo há muito mais gente que pensa como Olavo de Carvalho, a ponto de o aborto ser vetado em todos os casos (agora o Brasil deu um passo à frente, sob duros ataques de Olavo de Carvalho e seus seguidores, permitindo o aborto de fetos anencéfalos para permitir que gestantes coloquem um fim, se assim desejarem, ao fardo de carregar no útero um feto que jamais será um ser humano de fato), enquanto no segundo grupo a minha postura é predominante nesse caso (e em outros). Logo, soa um tanto estranho e contraditório o "filósofo" acusar o liberalismo que eu defendo como causa da miséria de nossa oposição e da "direita" no país. Será que ele preferia o Talibã como ícone da nossa direita?  
Não, sr. Olavo de Carvalho, o principal problema da nossa "direita" (ao menos a parcela que você representa) é que ela ainda não saiu da Idade Média! Felizmente, o mundo saiu, e vocês não podem mais calar os "hereges" na marra. Se você pensa que há mais liberdade nos países que adotam sua postura extremista e proíbem o aborto em qualquer caso, tenho certeza que muitos vão concordar que Estados Unidos, Holanda, Austrália, Inglaterra e Nova Zelândia representam opções bem melhores que Afeganistão, Brasil, Haiti, ou Venezuela, onde o fanatismo religioso ainda não foi extirpado pelo iluminismo.   
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Published on May 02, 2012 10:48

Heróis da Liberdade


Rodrigo Constantino*
Pobre do país que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis. Será que Brecht estava certo quanto a esta profunda desconfiança com relação à necessidade de se criar heróis? O dramaturgo alemão nutria verdadeira ojeriza por mártires, pessoas dispostas a morrer pela causa. Mas será que Martin Luther King Jr. estava errado então, quando disse: “Se você não descobre uma causa pela qual valha à pena morrer, é porque você não está pronto para viver”?Confesso não ter forte opinião formada sobre o assunto. Sempre tive uma tendência à iconoclastia, para ser sincero. Derrubar mitos era um hobbymeu desde cedo. Sabendo-se que de muito perto nenhum ser humano resiste imune à lupa da moral, pois somos todos criaturas imperfeitas, a tarefa não era das mais impossíveis. Mas o iconoclasta é um destruidor com seu severo martelo, e o mundo, os homens e as boas causas necessitam de construtores, pessoas dispostas a enxergar o lado bom das coisas. Até que ponto os heróis, ainda que imperfeitos, não são cruciais ao mundo?Entendo o receio que desperta nos mais céticos qualquer tipo de culto ao herói. Ele facilmente se transforma em culto à personalidade, um passo próximo demais da tirania. Nietzsche, que era um típico iconoclasta, coloca o dedo na ferida em O Anticristo, ao alertar:
A morte dos mártires, seja dito de passagem, foi uma grande desgraça na história; seduziu... Os mártires prejudicaram a verdade... Ainda hoje não se necessita senão de certa crueza na perseguição para proporcionar a quaisquer sectários uma honrosa reputação. Como? Pode uma causa ganhar em valor se qualquer uma lhe sacrifica a sua vida? É, pois, a cruz um argumento? Escreveram sinais de sangue no caminho que percorreram, e a sua loucura ensinava que com o sangue se atesta a verdade. Mas o sangue é a pior testemunha da verdade; o sangue envenena a mais pura doutrina e transforma-a em loucura e em ódio nos corações. Quando alguém se atira ao fogo pela sua doutrina, que prova isso? Mas verdade é que do próprio incêndio surge a própria doutrina.
Creio que não podemos ignorar estes riscos. Basta olhar para a história e verificar quanta atrocidade foi praticada em nome de mártires, de “heróis imaculados” que criaram verdadeiras seitas de seguidores fanáticos, deixando um rastro de sangue no caminho. Mas acho que também existe o outro lado da história. Graças aos atos heróicos de alguns indivíduos, o curso dos acontecimentos foi alterado para melhor. Podemos pensar em todos os corajosos que enfrentaram déspotas e contribuíram para a libertação de seus povos. Gandhi, os “pais fundadores” dos Estados Unidos, os abolicionistas. Precisamos de heróis, afinal?O liberalismo tem seus heróis. Como não poderia deixar de ser, não há nada que se assemelhe ao culto à personalidade que vemos em ideologias populistas e coletivistas. O liberalismo, por definição, valoriza a liberdade individual e o indivíduo. Logo, não combina com a glorificação de ícones, de “messias salvadores” que vieram criar um “novo mundo”. Os maiores heróis do liberalismo sempre serão os milhões de anônimos, as pessoas comuns que labutam diariamente, de forma honesta, e colaboram com o progresso da sociedade. Isso não impede, porém, que os liberais possam enaltecer alguns gigantes da causa. Penso ser até mesmo saudável que o façam, com cautela, pois o bom exemplo serve de inspiração. Os heróis da liberdade funcionam como um farol que ilumina o norte, o caminho a ser seguido por outros que desejam construir um mundo com mais liberdade, ainda que sempre imperfeito. Sejam pensadores, que colaboraram com a robustez dos argumentos liberais; ou estadistas, que meteram a mão na massa e, de forma menos pura, deram passos importantes na direção certa, todos merecem o reconhecimento por sua parcela de contribuição na infindável luta por mais liberdade. Hayek, Mises, Milton Friedman, Karl Popper e tantos outros no primeiro time; Ronald Reagan e Margaret Thatcher com merecido destaque no segundo. A lista, felizmente, é longa.O herói de um será o vilão do outro, naturalmente. Não é possível chegar ao consenso aqui. Devemos concordar em divergir, e que cada um alimente a admiração por seus próprios heróis. Mas tendo a concordar com os pontos principais que o historiador Paul Johnson, em Os Heróis, distingue como essenciais para o reconhecimento dos heróis de hoje. São eles: Primeiro, pela absoluta independência mental, que surge da capacidade de pensar tudo por si mesmo, e tratar com ceticismo qualquer consenso corrente sobre qualquer questão. Segundo, após decidir-se de forma independente, agir – com decisão e coerência. Terceiro, ignorar ou rejeitar tudo que os meios de comunicação lançam sobre nós, desde que permaneçamos convencidos de que estamos agindo certo. Finalmente, agir com coragem pessoal o tempo todo, independentemente das conseqüências para nós mesmos.
Para Paul Johnson – e eu concordo –, não há substituto para a coragem quando se trata de atos heróicos. Um maluco que enfrenta uma matilha de cães raivosos não é corajoso, pois desconhece o perigo. O viciado em adrenalina que testa a sorte o tempo todo, brincando com a morte, tampouco é um corajoso, mas sim suicida. Coragem é quando sabemos dos riscos envolvidos, sentimos medo, e mesmo assim decidimos agir. Nas palavras de Paul Johnson, a coragem é “A mais nobre e melhor de todas as qualidades, e o único elemento indispensável em todas as diferentes manifestações”.O liberalismo, especialmente no Brasil, um país com forte tradição antiliberal, precisa urgentemente de pessoas com coragem para defendê-lo. A reação dos grupos de interesse será forte. Sindicalistas e pelegos incrustados no poder, políticos corruptos, empresários aliados do governo corrupto, funcionários públicos com fartos privilégios, intelectuais engajados, a lista de pessoas atingidas pelas necessárias reformas liberais é grande, e não devemos esperar outra coisa senão uma virulenta ou mesmo violenta reação. Mas não devemos esmorecer. O preço da liberdade é a eterna vigilância. Esta, por sua vez, exige coragem. E o liberalismo brasileiro precisa de seus heróis. Mãos à obra!
*Artigo inédito do livro LIBERAL COM ORGULHO (Ed. Lacre, 2011)
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Published on May 02, 2012 05:38

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