António Lobo Antunes's Blog, page 2

May 1, 2025

Centro de Investigação António Lobo Antunes na biblioteca municipal de Nelas

O Município de Nelas inaugura este ano o Centro de Investigação António Lobo Antunes, na biblioteca com o seu nome, com espólio doado pelo escritor e em diversas línguas, anunciou o presidente da Câmara.
“Estamos a falar de um centro de investigação nacional, não de Nelas, do maior autor português, António Lobo Antunes que, como todos sabem, se afirma como nelense, o que para nós é um grande orgulho e regozijo”, disse Joaquim Amaral.
O projecto foi ontem (28.04.2025) entregue em mãos à ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, e a Cristina Lobo Antunes, esposa do escritor, presentes numa cerimónia no salão nobre da Câmara de Nelas, no distrito de Viseu.
Segundo Joaquim Amaral, o projeto “está consignado em rubrica do orçamento”, mas ficou também assumido o “compromisso de financiamento” por parte da ministra da Cultura, em 50%.
“E depois há também uma outra forma que foi explorada, quer com a senhora ministra, quer com os representantes do Governo, de que poderá haver mais financiamento, porque trata-se de um projeto nacional e não local”, adiantou.
O centro ficará instalado na Biblioteca Municipal António Lobo Antunes, no “espaço central que vai ser reformulado para esse efeito”, num investimento de cerca de 120 mil euros e, com o tempo, “se o projeto assim se justificar poderá a biblioteca ser ampliada para esse efeito ou, quem sabe, ser construído um edifício de raiz”.
Com inauguração prevista para este ano, no feriado municipal (24 de junho) ou, “a pedido do autor, na sua data de nascimento” (1 de setembro), o centro terá um “espólio doado por António Lobo Antunes”.
“Além de todas as obras de António Lobo Antunes, em todas as línguas, teremos tudo o que é investigação produzida sobre o escritor e as suas obras, em todas as línguas também, porque há milhares de obras, trabalhos académicos e artigos de investigação” sobre o autor que passava a infância em Nelas, em casa dos avós.
A esposa do escritor, Cristina Lobo Antunes, presente na cerimónia, disse aos jornalistas que “Nelas é um sítio muito emocional para o António [Lobo Antunes] e a ligação a Nelas é de coração”.
“É para mim especialmente emocionante vir aqui, porque encontro o António de várias idades, algumas das quais não conheci, como a infância, mas encontro em cada esquina e fico a conhecer um bocadinho mais dele e releio as obras, depois de conhecer Nelas e já leio de outra forma”, disse.
Cristina Lobo Antunes acrescentou ainda que o escritor “apoia e incentiva totalmente” esta iniciativa e “só não marcou presença” em Nelas porque “a saúde não permitiu”.
A ministra da Cultura acrescentou que a “obra está traduzida em mais de 40 línguas” e, também por isso, este centro de investigação, no entender de Dalila Rodrigues, permite “colocar numa escala global, um escritor que existe para além de Nelas, mas que tem em Nelas uma referência fundamental”.
Também hoje (29.04.2025), o Município de Nelas inaugurou sete bancos de jardim numa das principais artérias da vila com gravações de frases de António Lobo Antunes. O presidente disse que “o objetivo é alargar a todas as ruas” do centro do município.


fonte: Agência Lusavia Comunidade, Cultura e Arte 29.04.2025
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Published on May 01, 2025 10:02

April 14, 2025

Joaquim Margarido: opinião de leitura sobre A Outra Margem Do Mar

Quem ler António Lobo Antunes pela primeira vez, sentir-se-á, porventura, atraído por um estilo de escrita invulgar e que desperta sentimentos de uma profunda admiração. É deveras fascinante a forma como o autor se mostra capaz de pegar numa história e de a contar numa perspectiva vincadamente pessoal, a narrativa tornada amálgama de emoções, as coisas, os lugares e as pessoas reféns de uma lógica circular onde passado e presente se misturam e confundem. Porém, para todos os outros a quem o universo de Lobo Antunes não é alheio, “A Outra Margem do Mar” traz com ele um gosto a comida requentada, so(m)bras da véspera que perderam o vigor, o sabor e a novidade, que a custo se levam à boca, se mastigam e engolem.
A Outra Margem do Mar é o regresso do autor a Angola, fazendo incidir o seu olhar sobre o 4 de Janeiro de 1961 e o massacre da Baixa de Cassanje, momento crucial na afirmação do nacionalismo angolano moderno e momento zero da chamada Guerra do Ultramar. Resultando na chacina de centenas de trabalhadores negros daquela região algodoeira pelas forças armadas de Portugal, potência colonizadora à data, este episódio precedeu a ameaça de um desembarque do paquete “Santa Maria”, desviado por oposicionistas chefiados pelo capitão Henrique Galvão, os sangrentos assaltos às prisões, Casa de Reclusão e Esquadra da P.S.P de Luanda e, logo de seguida, os ataques perpetrados pela U.P.A. no Norte de Angola.
Com engenho e minúcia, o autor eleva à figura de protagonistas, a par do vento e da vastidão da paisagem, um militar de alta patente e um proprietário agrícola, ambos oriundos “da outra margem do mar”. À sua volta, sob o olhar atento de dezassete gaivotas pousadas no telhado de um armazém, gravitam um conjunto de personagens, dos superiores hierárquicos aos guerrilheiros, dos familiares directos às “damas de companhia”, peças solitárias numa deriva sem rumo nem fim à vista, peões de um jogo sem regras que vão caindo um após outro. Neste recuperar de memórias reside o grande mérito do livro. No demais, “nada diz, nada acrescenta, nem mexe o fundo à panela.”

por Joaquim Margaridoem Erros meus, má fortuna, amor ardente10.05.2020
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Published on April 14, 2025 10:29

November 29, 2024

Carla Vigário: «Um regressar ao passado», sobre Não É Meia Noite Quem Quer

Ler este livro foi um martírio. Uma narrativa pesada, densa,sem propriamente um fio condutor, uma data, um local, um nome, nada a que meagarrar na sufocante escrita. Para mim António Lobo Antunes é alta patente, umhomem vivido, sui generis, complexo, culto, acima da banalidade, jamais acheipossível, e continuo com a mesma convicção, de conseguir alcançá-lo. Este livroé um exemplo de que por vezes vale a pena resistir.

Esta narrativa acompanha os pensamentos de uma mulher de 50anos, que regressa à casa de praia onde passou as férias da sua infância. Nósestamos dentro da sua cabeça e vamos assistindo às suas memórias desconexas, àssuas emoções não categorizadas, que vão saltando a uma velocidade feroz, deacontecimento em acontecimento durante a sua vida, indiferentes à época, comose antes nos tivesse sido dado contexto, exatamente da mesmíssima forma comosão os pensamentos, incontroláveis e supersónicos. Por este motivo considereidifícil seguir a narrativa, de encontrar o leme onde me agarrar. Nunca sabiabem onde estava, se na infância, se na vida adulta, se antes ou depois de dadosfactos, isto na mesma frase.

Consegui extrair, neste oceano de memórias, especificamenteduas que me emocionaram e levaram à escrita deste post: uma cena particular queme deixou profundamente triste e à qual regresso com alguma frequência,relacionada com um momento entre mãe e filha pequena, relação essa atrita, masque naquele simples e aleatório instante foi de pura felicidade, em que as duasdançavam livremente. Deixou-me um travo agridoce, o experenciar de um momentomágico que nos sustenta naquilo que poderia ser uma vida melhor, não fossemosseres faltantes ao sabor do acaso.

Também me arrepiou a forma como o pai chamava menina à suafilha, como a pedir socorro e desculpa ao mesmo tempo, de um poço sem fundo deonde nunca pára de cair. Não sei como Lobo Antunes conseguiu, usando apenas umalfabeto e pontuação, mostrar tantas emoções, ser tão profundo a níveisviscerais, é como se tivéssemos um coração nas mãos e não um manuscrito. Foiuma leitura abismal, ainda assim, considero existir um certo desrespeito doescritor pelo leitor, na maneira como nos atira para aquele fluxo desordenadode uma mente em constante ação, do género "estou a borrifar-me se percebesou não, vou escrever como me dá na real gana", e isso é libertador, acoragem para fugir das normas, independentemente das consequências, como oeventual afastamento de leitores.

As personagens somos nós, feitos de falácias, de falta detacto, de incapacidade para lidar com o que vai surgindo, mas ainda assim ter deo fazer. A forma como aquelas pessoas ficaram agarradas a mim, aquilo queviveram, deixou-me desconfortável. Não pelos eventos serem trágicos (emboratambém os haja), mas sim porque é como se nos mirássemos ao espelho, semsubterfúgios, despidos, tal como somos, e isso é aterrador. Trata-se de outroscorpos, de outro passado, outros desenrolares, outras histórias, ainda assim,não deixámos de ser nós. A vida humana em bruto, genuína, sem aquela moralfastidiosa que tentam dar à literatura, sem dicotomias, só a vida a acontecer,com injustiças, dramas, insuficiências, mas também alguma beleza. TalvezClarice Lispector me tenha feito sentir coisas análogas, não obstante seremestilos absolutamente diferentes.

Achei original e magnífica a capacidade de Lobo Antunes parasimular os pensamentos dentro de uma cabeça humana, exatamente da forma comoeles acontecem, sem qualquer lógica e voláteis. Decerto fiquei a anos-luz deperceber o conteúdo, ou de chegar ao cerne do mesmo, ainda assim, fico felizpor não ter desistido, mesmo que nostalgia seja a palavra que melhorcaracteriza esta leitura cinzenta e cabisbaixa. Finalmente conheci um [cisquinho]do escritor reservado e encontrei nele uma forma única de ler. Nem todos oslivros ficam tatuados em nós, mas este imprimiu em mim a sua marca.

PS 1: Também há uns capítulos reservado à guerra colonial,pela voz de um irmão.

PS 2: Não percebi o título, o que só prova o quanto o livrome escapou.


por Carla Vigárioem Dona Leitura14.08.2024
(texto revisto, sublinhados nossos)
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Published on November 29, 2024 15:08

November 24, 2024

A obra de António Lobo Antunes e Portugal pós-25 de Abril (congresso internacional)



A Cátedra "Antonio Lobo Antunes" do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Università degli Studi di Milano (UniMi), promove, em parceria com a AISPeB — Associazione italiana di studi portoghesi e brasiliani, e o Instituto Camões, o Congresso Internacional – A Obra de António Lobo Antunes e Portugal Pós-25 de Abril.
O evento, a decorrer nos dias 27 e 28 de novembro de 2024, com transmissão online pelo Zoom, reunirá especialistas e interessados na Universidade de Milão para explorar a relação entre a literatura de Lobo Antunes e as transformações sociopolíticas portuguesas após a Revolução de Abril. O evento contará com painéis, debates e apresentações sobre temas centrais da obra do autor, abordando aspetos literários, históricos e culturais.
Congresso Internacional – A Obra de António Lobo Antunes e Portugal Pós-25 de Abril
27.11.2024 | quarta-feira – Sala Malliani (Via Festa del Perdono, 7, Milano)
28.11.2024 | quinta-feira – AULA 113 (Via Festa del Perdono, 7, Milano)

Link Zoom

Consulte o Programa [PDF; 7,8 MB] em anexo.

Mais informações no site da Cátedra Lobo Antunes

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fonte (mupi e texto): Plataforma 9
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Published on November 24, 2024 07:01

November 14, 2024

September 28, 2024

Viagens com António Lobo Antunes, a triste saga

foto de Francisco Seco, El País

Caros visitantes e leitores de António Lobo Antunes:

Será colocado à venda no próximo dia 3 de Outubro, a reedição do livro de entrevistas Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, do jornalista João Céu e Silva, editada pela Contraponto, versão dita revista e aumentada da primeira versão, publicada em 2009 pela Porto Editora. Citando a sinopse, encontrada nos sítios de livrarias online: 

«Durante os últimos quinze anos, João Céu e Silva manteve uma relação de grande intimidade com o escritor António Lobo Antunes, tendo-lhe feito mais de setenta entrevistas, dezenas de notícias sobre a sua carreira e críticas literárias de cada vez que publicava um romance, além de o ter acompanhado em várias viagens pela Europa e Estados Unidos da América. Com a pandemia, o contacto continuou através de telefonemas frequentes, sendo a partir daí maior a preocupação com a saúde do escritor, que se refugiou em casa e deixou de querer receber visitas com o receio de ser infetado pela covid-19, mas continuando ambos a conversar sobre a obra até que esse diálogo deixou de ser possível devido à degradação da sua saúde. É desse convívio intenso que esta nova edição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes dá conta, passando a incluir muitas horas de novas conversas, múltiplos detalhes que agora têm uma outra interpretação, bem como toda a cobertura jornalística entretanto realizada. Esta é uma Longa Viagem indispensável para os admiradores de um dos mais importantes escritores das últimas décadas da literatura nacional e internacional.»

O agravamento do estado de saúde do nosso Escritor tem alguns anos, o que, entristecendo-nos, decidimos não tornar público neste site, respeitando, como sempre, a vontade da família. No entanto, a situação foi, aos poucos, tornando-se do conhecimento geral. Citando Luís Osório, que em Setembro de 2022 já dava ao público uma pista no seu podcast Postal do Dia, e concretizando depois, no mesmo podcast, em Janeiro deste ano: [...] sozinho, emparedado em diálogos imaginados, em gente que não existe para nós, mas existe para ti, livros por escrever, murmúrios soprados por um Deus em que não acreditas, folhas em branco que sentes nunca mais serão tocadas pelo pelo teu lápis impecavelmente afiado. João Céu e Silva, segundo o artigo publicado há uma semana no Expresso, disse ter acompanhado António Lobo Antunes nos últimos anos recentes, acabando por revelar de forma pouco digna a condição porque se tornou impossível o lançamento de novos livros que ALA pudesse ter estado a trabalhar no seu ritmo normal - um livro publicado e outro já em preparação na editora, o que permitia haver, quase todos os anos, a sempre esperada novidade editorial, não contando com os volumes de crónicas.

Embora não tenhamos acesso completo ao artigo do Expresso, falando sobre a reedição dessa Longa Viagem, o mesmo motivou um outro artigo na Time Out Lisboa, que citamos:

«António Lobo Antunes anunciou várias vezes que deixaria de escrever, mas foi sem aviso que a demência dominou, por fim, o vício da escrita. Quem o afirma é João Céu e Silva, que acompanha o escritor há mais de década e meia. Segundo o Expresso, o jornalista dá a notícia, de que se impôs o “silêncio no reino da polifonia”, no texto de entrada de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, que está prestes a reeditar pela Contraponto. A obra, revista e aumentada, chega às livrarias a 3 de Outubro, e avança que o eterno candidato ao Nobel da Literatura vive em “exílio da realidade”.

Durante duas centenas de horas, em dezenas de entrevistas realizadas nos últimos 15 anos, João Céu e Silva teve oportunidade de fazer uma revisitação completa à vida de António Lobo Antunes, incluindo ao estado de demência “que o foi invadindo” e que o tornou “irreconhecível”. O jornalista afirma que o escritor, além de não escrever nem fumar (algo que, para si, seria como respirar), também já não reconhece os seus próximos, tendo perdido, ao longo do último par de anos, “a noção do mundo que o rodeava e de si próprio”.

Lançado originalmente pela Porto Editora, em 2009, a nova edição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes adiciona informação às entrevistas, anotações e reflexões que João Céu e Silva foi fazendo ao longo dos anos, incluindo a descrição mais detalhada do telefonema em que confirmou a degradação da saúde mental de António Lobo Antunes. Estávamos em Dezembro de 2021 e o escritor “estava como os personagens de muitos dos seus romances, que repetem ao longo do livro um mesmo pensamento, como se absortos da vida continuassem a viver”. Para Céu e Silva ficou então claro que muitos dos episódios de excentricidade de Lobo Antunes eram, na verdade, “sinais da doença”. “Foi durante esses 27 minutos que antevi o desfecho em curso da vida de António Lobo Antunes”, cita o Expresso, que teve acesso antecipado ao livro» (artigo escrito por Raquel Dias da Silva, 24.09.2024)

Consideramos que a forma como esta reedição do livro de entrevistas foi anunciada no Expresso é de muito mau gosto, tenha ela partido do autor, ou do próprio Expresso. ALA sofreu de cancro no passado, mas só o divulgamos quando o próprio o referiu em crónica e depois em várias entrevistas. Desta vez, o nosso Escritor não está em condições de declarar o quer que seja e/ou defender-se, pelo que seria de bom senso que o tema fosse tratado com a devida discrição, conforme - e desde sempre foi assim - é a vontade da família quando se tratam de assuntos tão íntimos. Não foi essa a opção. Pelo que parece, João Céu e Silva optou por usar o estado de saúde de ALA para justificar e publicitar a reedição do livro. Não é que duvidemos da legitimidade do seu trabalho, se de facto continuou a entrevistar o escritor, e em que circunstâncias - terá tido o consentimento da família, por exemplo? Ainda assim, poderia ter optado, humildemente, por simplesmente declarar que o livro de entrevistas fora actualizado e que conteria algo não expectável para os leitores mais chegados. Estes depois iriam ler, e constatar. Mas preferiu entrar de chofre. Por isso, ainda que estejamos a divulgar a reedição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, a nossa posição está de acordo com o que escreveu Rodrigo Guedes de Carvalho (jornalista e escritor, admirador da obra antuniana) na sua página facebook, a qual nos sentimos compelidos a citar:

«AS HIENAS DE VOLTA DO LOBO

António Lobo Antunes está vivo de todas as maneiras. E quando já não respirar estará sempre mais vivo do que as hienas que já o rondam. Este Outono não haverá livro "novo" do António. A razão é grave e de uma enorme tristeza, e estava guardada, com dignidade e recato, pelo círculo próximo. Até que um jornalista que de vez em quando escreve vê uma oportunidade: agora é que era de reeditar aquelas conversas com mais de 15 anos. É mais um entre os duzentos títulos de entrevistas a Lobo Antunes, a que neste caso chamaram longa viagem, uma originalidade que disfarça mal o óbvio. Reeditar coisa requentada tem riscos, claro. Pode o mofo afastar o apetite do leitor. Vai daí, o entrevistador de Lobo aposta numa brilhante campanha de marketing. Decide ser ele a publicitar aos quatro ventos o que era uma informação do mais privado foro familiar, decoro respeitado pela editora de sempre de Lobo Antunes. Informa as redes sociais e alguma Comunicação Social: António Lobo Antunes sofre de demência. Assim mesmo, sem punhos de renda, para que a coisa se espalhe como fogo em mato seco. Para logo acrescentar: agora comprem este livro, está muito giro, tem quinze anos mas demos-lhe aqui um refresco, são conversas com o consagradíssimo, caramba, querem maior tesouro, agora que sabeis, por mim, que ele sofre de demência? Não me dou mal com palavras mas não consigo escolher duas ou três que classifiquem isto. É pena que António Lobo Antunes não possa reagir aos que lhe querem roer já os ossos. E que prepararam isto andando sempre de volta dele.» (Rodrigo Guedes de Carvalho, Facebook, 25.09.2024)

Da nossa parte, e porque esta infeliz circunstância se desvia do propósito maior deste sítio/blog - a literatura de António Lobo Antunes -, resta-nos lamentar como João Céu e Silva e/ou o Expresso promoveram o renovado volume. Esta entrada, uma vez feita a violenta forma de tornar pública a condição de António Lobo Antunes, apenas serviu para esclarecer os nossos visitantes e leitores que, de facto, já não teremos a costumada e quase anual novidade editorial do nosso Escritor. Assim, não voltaremos a referir tão triste circunstância, uma vez que António Lobo Antunes está vivo e continua escrevendo: basta ler ou reler qualquer ou todos os seus livros: nas palavras já escritas, ele guardou as entrelinhas para continuadamente estar sempre escrevendo na mente de quem o lê.


Obrigado pela vossa visita!

José Alexandre Ramos

28.09.2024


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Published on September 28, 2024 15:50

Viagens com António Lobo Antues, a triste saga

foto de Francisco Seco, El País

Caros visitantes e leitores de António Lobo Antunes:

Será colocado à venda no próximo dia 3 de Outubro, a reedição do livro de entrevistas Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, do jornalista João Céu e Silva, editada pela Contraponto, versão dita revista e aumentada da primeira versão, publicada em 2009 pela Porto Editora. Citando a sinopse, encontrada nos sítios de livrarias online: 

«Durante os últimos quinze anos, João Céu e Silva manteve uma relação de grande intimidade com o escritor António Lobo Antunes, tendo-lhe feito mais de setenta entrevistas, dezenas de notícias sobre a sua carreira e críticas literárias de cada vez que publicava um romance, além de o ter acompanhado em várias viagens pela Europa e Estados Unidos da América. Com a pandemia, o contacto continuou através de telefonemas frequentes, sendo a partir daí maior a preocupação com a saúde do escritor, que se refugiou em casa e deixou de querer receber visitas com o receio de ser infetado pela covid-19, mas continuando ambos a conversar sobre a obra até que esse diálogo deixou de ser possível devido à degradação da sua saúde. É desse convívio intenso que esta nova edição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes dá conta, passando a incluir muitas horas de novas conversas, múltiplos detalhes que agora têm uma outra interpretação, bem como toda a cobertura jornalística entretanto realizada. Esta é uma Longa Viagem indispensável para os admiradores de um dos mais importantes escritores das últimas décadas da literatura nacional e internacional.»

O agravamento do estado de saúde do nosso Escritor tem alguns anos, o que, entristecendo-nos, decidimos não tornar público neste site, respeitando, como sempre, a vontade da família. No entanto, a situação foi, aos poucos, tornando-se do conhecimento geral. Citando Luís Osório, que em Setembro de 2022 já dava ao público uma pista no seu podcast Postal do Dia, e concretizando depois, no mesmo podcast, em Janeiro deste ano: [...] sozinho, emparedado em diálogos imaginados, em gente que não existe para nós, mas existe para ti, livros por escrever, murmúrios soprados por um Deus em que não acreditas, folhas em branco que sentes nunca mais serão tocadas pelo pelo teu lápis impecavelmente afiado. João Céu e Silva, segundo o artigo publicado há uma semana no Expresso, disse ter acompanhado António Lobo Antunes nos últimos anos recentes, acabando por revelar de forma pouco digna a condição porque se tornou impossível o lançamento de novos livros que ALA pudesse ter estado a trabalhar no seu ritmo normal - um livro publicado e outro já em preparação na editora, o que permitia haver, quase todos os anos, a sempre esperada novidade editorial, não contando com os volumes de crónicas.

Embora não tenhamos acesso completo ao artigo do Expresso, falando sobre a reedição dessa Longa Viagem, o mesmo motivou um outro artigo na Time Out Lisboa, que citamos:

«António Lobo Antunes anunciou várias vezes que deixaria de escrever, mas foi sem aviso que a demência dominou, por fim, o vício da escrita. Quem o afirma é João Céu e Silva, que acompanha o escritor há mais de década e meia. Segundo o Expresso, o jornalista dá a notícia, de que se impôs o “silêncio no reino da polifonia”, no texto de entrada de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, que está prestes a reeditar pela Contraponto. A obra, revista e aumentada, chega às livrarias a 3 de Outubro, e avança que o eterno candidato ao Nobel da Literatura vive em “exílio da realidade”.

Durante duas centenas de horas, em dezenas de entrevistas realizadas nos últimos 15 anos, João Céu e Silva teve oportunidade de fazer uma revisitação completa à vida de António Lobo Antunes, incluindo ao estado de demência “que o foi invadindo” e que o tornou “irreconhecível”. O jornalista afirma que o escritor, além de não escrever nem fumar (algo que, para si, seria como respirar), também já não reconhece os seus próximos, tendo perdido, ao longo do último par de anos, “a noção do mundo que o rodeava e de si próprio”.

Lançado originalmente pela Porto Editora, em 2009, a nova edição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes adiciona informação às entrevistas, anotações e reflexões que João Céu e Silva foi fazendo ao longo dos anos, incluindo a descrição mais detalhada do telefonema em que confirmou a degradação da saúde mental de António Lobo Antunes. Estávamos em Dezembro de 2021 e o escritor “estava como os personagens de muitos dos seus romances, que repetem ao longo do livro um mesmo pensamento, como se absortos da vida continuassem a viver”. Para Céu e Silva ficou então claro que muitos dos episódios de excentricidade de Lobo Antunes eram, na verdade, “sinais da doença”. “Foi durante esses 27 minutos que antevi o desfecho em curso da vida de António Lobo Antunes”, cita o Expresso, que teve acesso antecipado ao livro» (artigo escrito por Raquel Dias da Silva, 24.09.2024)

Consideramos que a forma como esta reedição do livro de entrevistas foi anunciada no Expresso é de muito mau gosto, tenha ela partido do autor, ou do próprio Expresso. ALA sofreu de cancro no passado, mas só o divulgamos quando o próprio o referiu em crónica e depois em várias entrevistas. Desta vez, o nosso Escritor não está em condições de declarar o quer que seja e/ou defender-se, pelo que seria de bom senso que o tema fosse tratado com a devida discrição, conforme - e desde sempre foi assim - é a vontade da família quando se tratam de assuntos tão íntimos. Não foi essa a opção. Pelo que parece, João Céu e Silva optou por usar o estado de saúde de ALA para justificar e publicitar a reedição do livro. Não é que duvidemos da legitimidade do seu trabalho, se de facto continuou a entrevistar o escritor, e em que circunstâncias - terá tido o consentimento da família, por exemplo? Ainda assim, poderia ter optado, humildemente, por simplesmente declarar que o livro de entrevistas fora actualizado e que conteria algo não expectável para os leitores mais chegados. Estes depois iriam ler, e constatar. Mas preferiu entrar de chofre. Por isso, ainda que estejamos a divulgar a reedição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, a nossa posição está de acordo com o que escreveu Rodrigo Guedes de Carvalho (jornalista e escritor, admirador da obra antuniana) na sua página facebook, a qual nos sentimos compelidos a citar:

«AS HIENAS DE VOLTA DO LOBO

António Lobo Antunes está vivo de todas as maneiras. E quando já não respirar estará sempre mais vivo do que as hienas que já o rondam. Este Outono não haverá livro "novo" do António. A razão é grave e de uma enorme tristeza, e estava guardada, com dignidade e recato, pelo círculo próximo. Até que um jornalista que de vez em quando escreve vê uma oportunidade: agora é que era de reeditar aquelas conversas com mais de 15 anos. É mais um entre os duzentos títulos de entrevistas a Lobo Antunes, a que neste caso chamaram longa viagem, uma originalidade que disfarça mal o óbvio. Reeditar coisa requentada tem riscos, claro. Pode o mofo afastar o apetite do leitor. Vai daí, o entrevistador de Lobo aposta numa brilhante campanha de marketing. Decide ser ele a publicitar aos quatro ventos o que era uma informação do mais privado foro familiar, decoro respeitado pela editora de sempre de Lobo Antunes. Informa as redes sociais e alguma Comunicação Social: António Lobo Antunes sofre de demência. Assim mesmo, sem punhos de renda, para que a coisa se espalhe como fogo em mato seco. Para logo acrescentar: agora comprem este livro, está muito giro, tem quinze anos mas demos-lhe aqui um refresco, são conversas com o consagradíssimo, caramba, querem maior tesouro, agora que sabeis, por mim, que ele sofre de demência? Não me dou mal com palavras mas não consigo escolher duas ou três que classifiquem isto. É pena que António Lobo Antunes não possa reagir aos que lhe querem roer já os ossos. E que prepararam isto andando sempre de volta dele.» (Rodrigo Guedes de Carvalho, Facebook, 25.09.2024)

Da nossa parte, e porque esta infeliz circunstância se desvia do propósito maior deste sítio/blog - a literatura de António Lobo Antunes -, resta-nos lamentar como João Céu e Silva e/ou o Expresso promoveram o renovado volume. Esta entrada, uma vez feita a violenta forma de tornar pública a condição de António Lobo Antunes, apenas serviu para esclarecer os nossos visitantes e leitores que, de facto, já não teremos a costumada e quase anual novidade editorial do nosso Escritor. Assim, não voltaremos a referir tão triste circunstância, uma vez que António Lobo Antunes está vivo e continua escrevendo: basta ler ou reler qualquer ou todos os seus livros: nas palavras já escritas, ele guardou as entrelinhas para continuadamente estar sempre escrevendo na mente de quem o lê.


Obrigado pela vossa visita!

José Alexandre Ramos

28.09.2024


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Published on September 28, 2024 15:50

September 27, 2024

Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, de João Céu e Silva - versão alargarda

Em pré-lançamento on-line e a ser colocado à venda no próximo dia 3 de Outubro, João Céu e Silva, jornalista e escritor, reedita o volume Uma Longa Conversa com António Lobo Antunes numa versão mais alargada.

«Durante os últimos quinze anos, João Céu e Silva manteve uma relação de grande intimidade com o escritor António Lobo Antunes, tendo-lhe feito mais de setenta entrevistas, dezenas de notícias sobre a sua carreira e críticas literárias de cada vez que publicava um romance, além de o ter acompanhado em várias viagens pela Europa e Estados Unidos da América. Com a pandemia, o contacto continuou através de telefonemas frequentes, sendo a partir daí maior a preocupação com a saúde do escritor, que se refugiou em casa e deixou de querer receber visitas com o receio de ser infetado pela covid-19, mas continuando ambos a conversar sobre a obra até que esse diálogo deixou de ser possível devido à degradação da sua saúde.
«É desse convívio intenso que esta nova edição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes dá conta, passando a incluir muitas horas de novas conversas, múltiplos detalhes que agora têm uma outra interpretação, bem como toda a cobertura jornalística entretanto realizada. Esta é uma Longa Viagem indispensável para os admiradores de um dos mais importantes escritores das últimas décadas da literatura nacional e internacional.» (citado do site da Bertrand).

O agravamento do estado de saúde do nosso Escritor tem alguns anos, o que, entristecendo-nos, decidimos não tornar público neste site, respeitando, como sempre, a vontade da família. No entanto, a evidência foi, aos poucos, tornando-se do conhecimento geral. Citando Luís Osório, que em Setembro de 2022 já dava ao público uma pista no seu podcast Postal do Dia, e concretizando depois, no mesmo podcast, em Janeiro deste ano: [...] sozinho, emparedado em diálogos imaginados, em gente que não existe para nós, mas existe para ti, livros por escrever, murmúrios soprados por um Deus em que não acreditas, folhas em branco que sentes nunca mais serão tocadas pelo pelo teu lápis impecavelmente afiado. A nova edição de Joao Céu e Silva, que o acompanhou, nestes últimos anos recentes, não deixa margem para dúvida quanto à impossibilidade de novos livros que ALA pudesse ter estado a trabalhar no seu ritmo normal - um livro publicado e outro já em preparação na editora, o que permitia haver, quase todos os anos, a sempre esperada novidade editorial, não contando com os volumes de crónicas.

Tal evidência é também informada na edição do Expresso da semana passada, sobre esta reedição, que motivou o artigo que transcrevemos da Time Out Lisboa

«António Lobo Antunes anunciou várias vezes que deixaria de escrever, mas foi sem aviso que a demência dominou, por fim, o vício da escrita. Quem o afirma é João Céu e Silva, que acompanha o escritor há mais de década e meia. Segundo o Expresso, o jornalista dá a notícia, de que se impôs o “silêncio no reino da polifonia”, no texto de entrada de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, que está prestes a reeditar pela Contraponto. A obra, revista e aumentada, chega às livrarias a 3 de Outubro, e avança que o eterno candidato ao Nobel da Literatura vive em “exílio da realidade”.

Durante duas centenas de horas, em dezenas de entrevistas realizadas nos últimos 15 anos, João Céu e Silva teve oportunidade de fazer uma revisitação completa à vida de António Lobo Antunes, incluindo ao estado de demência “que o foi invadindo” e que o tornou “irreconhecível”. O jornalista afirma que o escritor, além de não escrever nem fumar (algo que, para si, seria como respirar), também já não reconhece os seus próximos, tendo perdido, ao longo do último par de anos, “a noção do mundo que o rodeava e de si próprio”.

Lançado originalmente pela Porto Editora, em 2009, a nova edição de Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes adiciona informação às entrevistas, anotações e reflexões que João Céu e Silva foi fazendo ao longo dos anos, incluindo a descrição mais detalhada do telefonema em que confirmou a degradação da saúde mental de António Lobo Antunes. Estávamos em Dezembro de 2021 e o escritor “estava como os personagens de muitos dos seus romances, que repetem ao longo do livro um mesmo pensamento, como se absortos da vida continuassem a viver”. Para Céu e Silva ficou então claro que muitos dos episódios de excentricidade de Lobo Antunes eram, na verdade, “sinais da doença”. “Foi durante esses 27 minutos que antevi o desfecho em curso da vida de António Lobo Antunes”, cita o Expresso, que teve acesso antecipado ao livro» (artigo escrito por Raquel Dias da Silva, 24.09.2024)


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Published on September 27, 2024 14:02

September 7, 2024

Sérgio Almeida: «'Crónicas', de Lobo Antunes: os escritos que nos conseguem ler» (sobre As Outras Crónicas)

 

Ao antagonismo em que cada vez mais estamos mergulhados não escapa a própria literatura. Numa lógica pseudo-competitiva que carece de sentido, inventariam-se autores e géneros como se estes se digladiassem entre si e não convergissem para propósitos idênticos.

Mesmo dentro da própria obra, essa necessidade permanente deconflito já se faz sentir. Na bibliografia descomunal de António Lobo Antunes,por exemplo, tende-se demasiadas vezes a colocar em planos opostos os seusromances e livros de crónicas. E se não deixa de ser verdade que é o próprioescritor que, em certa medida, contribui para essa avaliação, ao desvalorizar asua produção cronística, nem por isso deixamos de estar perante dois universosque dialogam em permanência, numa intertextualidade a vários títulosfascinante.

Afinal, assistimos em ambos, ainda que com modelos bemdistintos, a uma partilha do «espaço da ficcionalidade, da intimidade e dasubjetividade», como bem sublinhou a docente Agripina Carriço Vieira apropósito de uma oficina de actores realizada pelo Teatro D. Maria II quepartiu deste segmento da obra do autor de Memória de Elefante

A mais recente reunião das suas crónicas, escritas entre2013 e 2019, confirma-nos o vigor do registo antuniano e o amplo domínio dogénero. Até mesmo quando assumem formas tão distintas como uma evocação pereneda infância ou um vislumbre sobre o ofício da escrita.

Quer numa quer noutra, o leitor jamais é colocado à margem.Nestas viagens mentais ao início dos tempos, Lobo Antunes é quase sempre omiúdo que se recusava a encaixar nas convenções mais genéricas ou naexpectativa dos demais; já então maravilhado com o poder que as palavras podemassumir, quando dispostas na ordem, construía universos alternativos através daescrita, em cadernos que invariavelmente destruía, por entender que ainda nãotinham a qualidade suficiente.

Como um romance eternamente inacabado que abre mão de ummaior experimentalismo e da propensão fragmentária presentes nas suas obras demaior fôlego, as crónicas de António Lobo Antunes são tanto um microcosmo apartir do qual entrevemos o que nos rodeia como um álbum de memórias quefolheamos sempre com gosto. 

 

por Sérgio Almeida
Jornal de Notícias
09.04.2024
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Published on September 07, 2024 16:08

September 1, 2024

Luis Malagrida: «A Lisboa de António Lobo Antunes»


«Nada a não ser de vez em quando um arrepio nas árvores e cada folha uma boca numa linguagem sem relação com as demais, no início cerimoniosas, hesitavam, pediam permissão, e depois palavras destinadas a ela e das quais se recusava a entender o sentido, quantos anos faz que me atormentam, não tenho que lhes dar explicações, soltem-me, isso de menina, em Africa, e depois em Lisboa, a mãe aproximava-se ao móvel da cozinha...»
Início de Comissão das Lágrimas . António Lobo Antunes (ALA) alguma vez expressou em entrevistas... o que ouviu um dia em [hospital Miguel] Bombarda “o mundo ao contrário”. Aqui, neste início, efectua-se um feito poético: nada, árvore, folha, boca... Linguagem, e isso de uma intensidade maiúscula, liga-se muito directamente com tormento, negação, menina, África e mãe; uma dor... no entanto, não tenho dúvida do nexo de conteúdo do primeiro ao segundo. Alguns poderão dizer que é um recurso?, (que também aparece em Ontem Não Te Vi em Babilónia ), algo útil, localmente?
Pessoalmente não o creio, porque a técnica, ou utensílio, ou o embutido de forma artificial sempre deixará traços, enquanto aqui a naturalidade é imediata e unifica heterogéneos sem que se possa objectar um erro lógico. Constitui a essência da obra de ALA, que talvez possamos analisar com toda a precaução, porque o próprio contexto artístico não se presta a rebuscar um conteúdo analítico que impomos a priori. Embora, precisamente, também um silêncio não seria perceptivo... Sempre em literatura... as coisas podem observar-se como incompletas... desde que não se tente no sentido de completar nada, mas simplesmente de “doxa”.
O subscritor não é profissional da literatura... apenas um simples leitor; ALA é um íman... desde as primeiras leituras, já distantes, ocorreram as releituras, e aqui aparece um interesse indirecto na Lisboa de ALA, isto é, Benfica, o bairro que o viu nascer, e da sua juventude; surgiu um interesse crescente em localizar cada referência, no possível, primeiramente através do Google e depois através de diversos blogs de Benfica e da Lisboa antiga. ALA teve presente o seu bairro em três livros: Tratado Das Paixões Da Alma , A Ordem Natural Das Coisas e A Morte de Carlos Gardel , entre 1990-1994. Também em Elogio do subúrbio no (primeiro) Livro de Crónicas , e A gente os dois no Segundo Livro de Crónicas . Talvez com maior intensidade em A Ordem Natural Das Coisas, embora R. Gomes Pereira, Grão Vasco, Emília das Neves, Ernesto da Silva e Calçada do Tojal apareçam nesses três livros, chamados trilogia de Benfica, é neste livro onde a acção se situa explicitamente: onde a família Valadas tem a mansão C. do Tojal, enquanto que o seu avô paterno teve uma mansão na Estrada de Benfica até 1973, à altura de calçados Guimarães, que ainda perdura, perto de Villa Ana e Villa Ventura, que foram restauradas; são as únicas. Todos os demais chalés e mansões desapareceram. ALA descreve a sua escola primária em Gomes Pereira, mesmo por cima da antiga Fábrica de Tecidos... onde a criada em A Morte de Carlos Gardel procura e procura a casa onde trabalhou toda a sua vida... Já desaparecida... por ali... dando voltas... olhando, buscando, o que já não existe... Com saudade? Talvez, mas o termo fica curto... porque representa a máxima plenitude em vigor, em projectos, em futuro naquela época dos anos 50-60, quando ALA se licencia em medicina e partirá depois para Angola, enquanto João Lobo Antunes para Nova Iorque; não se pode denominar nostalgia à afirmação literária de um tempo passado. Para ALA, a literatura não é realidade... mas sim um substrato... como escreve em Cartas da Guerra... Além disso, se em certos momentos o passado se acentua, também o presente e o futuro podem acentuar-se ou anular-se... como ocorre em A Ordem Natural das Coisas e depois. Uma espécie de anulação do presente, um Aion para o filósofo francês G. Deleuze.
Benfica mudou muito rapidamente, desaparecendo rebanhos de cordeiros (embora tenham perdurado para além do tangível) e os enxames de abelhas... que “escureciam o sol”. Já nos anos 40 começou a edificação imparável... É de anotar que alguns engenheiros ou arquitectos urbanistas tentaram fazer os desenvolvimentos de forma mais serena, seguindo esquemas provenientes da Grã-Bretanha do pós-guerra. Assim o explica J. A. Lamas, morador de Benfica, em entrevista de 2009. Mas, infelizmente, surgiram interesses... defendidos por um Brigadeiro da época... daqueles que “olhavam, queriam e ordenavam”.
ALA, na última parte de A Ordem Natural das Coisas, inclui uns capítulos dedicados à sua tia Madalena, onde ela expressa com pesar essa mudança vertiginosa no carácter de Benfica, assim como o seu próprio desaparecimento... em linhas de um dramatismo superlativo... e intercaladas pelo final, assim mesmo, da família Valada. Há uma espécie de continuidade entre o “ente” Portugal e a singularidade que se descreve. O passado como morte, não como saudade, como fim de tantas coisas que um dia começaram e que uma “ordem natural” finaliza; teríamos de remontar a Parménides para encontrar o seu oposto... Mas, mais importante aqui é a seriedade com que ALA aborda e desenvolve. E o parágrafo reproduzido de Comissão das Lágrimas exprime-o de maneira mais diáfana, translúcida e dinâmica... Passar do que é exímio ao banal e vice-versa; um devir sincopado... que ilude a representação. E aí entra o génio, a elegância de António Lobo Antunes.

por Luis Ignacio Malagrida Pons31.08.2024

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Published on September 01, 2024 10:00

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