Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 86
April 10, 2014
filme sobre democracia corintiana
Política, futebol e rock’n roll
Tudo é possível
Um retrato dos agitados e excitantes anos 1980
Num momento em que, ao colocar os pés nas ruas, se fazia política
Lançamento hoje
April 9, 2014
Uma família no Golpe de 64
Ditadura começou hoje há 50 anos
São 9 dias que mudaram o Brasil
O Golpe Militar fez 50 anos em 31 de março, segunda-feira passada.
No dia 1 de abril de 1964, as tropas se movimentam até o Rio.
No dia 2, o Congresso declarou a presidência vaga, e Jango fugiu para o Uruguai.
Mas é hoje, dia 9 de abril, que faz 50 anos que a ditadura militar começou de fato e lei.
Pois há 50 anos a Junta Militar instaurou o AI [Ato Institucional] e cassou o governo anterior e a oposição.
Em seguida, o general Castelo Branco foi empossado, iniciando um ciclo que durou 21 anos. Não devolveram o Poder aos civis, nem marcaram eleições, como combinado.
Meu pai era deputado federal quando estourou o Golpe. Estava em Brasília. Estava em sexto lugar na lista dos 102 cassados pelo AI-1.
João Goulart era o primeiro. Depois, Jânio Quadros, Luiz Carlos Prestes, Miguel Arraes, Leonel Brizola. Celso Furtado, o décimo.
Na capa do Estadão de 10 de abril, a manchete: “Entra em vigor o Ato Institucional”.
Toda a capa do jornal é dedicada ao tema. No texto abaixo, o título: “Terá vigência até janeiro de 1966”. O governo que dizia ter apoio popular e que um dispositivo militar organizado para resistir ruiu por inteiro; general Argemiro Assis Brasil, chefe da Casa Militar, foi quem armou o suposto dispositivo militar para repelir o Golpe.
Aos 85 anos, Almino Affonso, que acaba de lançar a biografia 1964: Na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart, contou para o Valor: “Os comunistas não tinham como chegar ao poder. Por eleições, nem falar; por luta armada, nem falar; muito menos em aliança com Jango. A que título um proprietário de terras faria aliança que levasse ao comunismo?”
Sobre o fato de Jango abandonar o poder: “Não se pode chamar de covarde a quem, tendo um canivete, não reage ao ataque de alguém armado com metralhadora”.
Meu pai e Almino se asilam na embaixada da Iugoslávia, recém-inaugurada.
Ele dizia com ironia que a escolheram porque tinha piscina e era novinha em folha.
A embaixada estava vazia.
Um ano antes, o marechal Tito, a terceira via [liderava um país comunista mas sem fechar a fronteira com o Ocidente e se alinhar totalmente com a URSS], esteve em Brasília e agradou os militares de ambos os lados.
Os novos asilados achavam que não sofreriam retaliação.
Nas primeiras noites, dormiram no chão, depois, arrumaram camas de vento e se cotizaram para comida e sabonetes.
As famílias chegaram.
Lembra Almino: “No início, estavam lá os deputados Bocayuva [Cunha] e Lício Hauer, do Rio, Fernando Santana, da Bahia, e José Aparecido de Oliveira, da bossa nova da UDN mineira. Rubens Paiva, outro amigo-irmão, chegou mais tarde. Viajaram para Belgrado num navio cargueiro. Rubens Paiva conseguiu ir logo para Paris e, com a mulher, Eunice, foi de carro buscar Almino dois meses depois.”
Aqui estão eles, com a vista de uma Brasília ainda descampada.
Reconheço ainda na foto o assessor de imprensa de Jango, Raul Ryff.
Ficaram meses na embaixada. Meu pai emagreceu [aqui com minha avó Paiva estirada na poltrona].
E nossa família em Brasília, com direito a passeios turísticos.
Podíamos entrar em sair pelos portões da embaixada livremente.
Passei meu aniversário de 5 anos, em maio, dentro dela, em que fizeram uma festinha animada.
Aqui, eu ao lado dos irmãos Affonso, Rui e Gláucia.
Meses depois o governo militar deu o salvo-conduto, e puderam todos sair.
Sem os passaportes brasileiros, que não foram entregues.
Viraram todos cidadãos iugoslavos, com direito a passaporte, com o que viajaram por todo exílio.
Meu pai voltou de surpresa ao Brasil no mesmo ano.
Nos mudamos para o Rio, reencontrar Ryff, Waldir Pires e Bocayuva
Almino, só na Anistia.
Aqui um encontro de exilados e cassado no exílio [Chile ou Uruguai]
April 8, 2014
hora de desenterrarmos os rios urbanos
São Paulo era uma grande bacia hidrográfica.
Não por outra, 4 nações indígenas viviam por aqui, antes da sua fundação.
Pouco a pouco, enterramos seus rios.
Por baixo das nossas avenidas [9 de Julho, Sumaré, Pacaembu], correm rios aterrados e canalizados. Um elevado corre sobre o Rio Tamanduateí [foto abaixo com Mosteiro de São Bento ao fundo].
Os rios Tietê e Pinheiros foram adulterados e retificado [foto acima do blog de Iba Mendes].
As enchentes e a falta de espaço para correr esse bem tão precioso chamado água nos levarão cedo ou tarde a desenterrá-los.
E para quem acha impossível, eis o exemplo do que Seul [Coreia do Sul] fez com seu rio- canal Cheonggyecheon, construído entre 1392-1410 na Dinastia Joseon.
Em 1976, 6 km de vias elevadas foram construídas sobre ele.
Trocar a estrada pelo rio foi proposto em 1999.
A Câmara Municipal de Seul fechou uma das três artérias rodoviárias e, com isso, diminuiu a quantidade de carros em circulação.
É o chamado Paradoxo Braess: “Removendo o espaço em uma área urbana e diminuindo a capacidade extra dentro de um sistema de rede viária, pode-se diminuir o trânsito de automóveis em geral.”
Em julho de 2003, decidiram derrubar a autoestrada para revitalizar a área: um parque urbano linear de 5,8 km de extensão e 80 metros de largura.
75% do material da demolição da antiga via foi reutilizado para a construção do parque de 400 hectares e reabilitação do córrego que agora tem peixes e pássaros.
O projeto finalizado em 2008 custou US$ 300 milhões. Levou 3 anos.
Pergunto se não vale a pena.
Escreveu Rafael Giaretta, do portalarquitetonico.com.br:
Seul também ampliou a malha de transporte público e fez mudanças no fluxo dos veículos que circulavam pelo centro da cidade. Como resultado, houve aumento do número de usuários optando por novos sistemas de transporte e na mudança de hábitos de viagem.
O projeto é incrível e nos faz ter esperanças de um futuro melhor para as grandes cidades. Claro que pra fazer isso é necessário lidar com processos difíceis, posturas e significativa complexidade técnica. Porém, tudo isso vale a pena em função de toda melhoria que uma mudança dessas proporciona para a cidade e seus habitantes.
April 7, 2014
capas do rock sem falecidos
Da turma do #tenhotempolivreadoidado.
A internet é cheia desses criativos e desocupados, a quem devemos tanto conteúdo útil e inútil.
E curiosos.
O pessoal do site Buzzfeed com tumblr Live! (I see dead people) redesenharam capas de discos das nossas bandas preferidas, retirando as imagens dos membros mortos.
Tétrico. Mas divertido.
Temos Beatles [Abbey Road], sem John Lennon e George Harrison, The Who [Odds & Sods], sem John Entwistle e Keith Moon, Ramones, desfalcado de Dee Dee, Johnny e Joey Ramone, Nirvana [single do Smells Like Teen Spirit], sem Cobain, The Beach Boys [Surfer Girls], sem os irmãos Dennis e Carl Wilson, AC/DC, New York Dolls, sem Arthur Kane, Jerry Nolan e Johnny Thunders, The Clash, sem Joe Strummer, e Doors, sem Morrison [Morrison Hotel]
E vem muito mais por aí.
Afinal, banda de rock & roll sem um membro falecido é como ópera sem gordo.
April 4, 2014
Triste demais aposentadoria de Letterman
O anúncio da aposentadoria de DAVID LETTERMAN deu um nó na minha cabeça.
O anúncio dominou ontem as redes sociais.
https://www.youtube.com/watch?v=l5sVI_-L…
E garanto que muita gente foi para a cama e sentiu já nostalgia e um certo vazio.
Sem ele todas as noites, há 33 anos, comandando o LATE SHOW que diverte, informa, ironiza e retrata o sabor da América, uma solidão grande passará a nos fazer companhia.
LETTERMAN era sarcástico, mas era o bom senso.
Muitas vezes, precisávamos do seu programa para opinarmos sobre algo ou justificarmos a nossa indignação.
Assisti por anos seu show, dica ainda no final dos anos 1980 do Marcelo TAS, que me contou de um programa americano em que o entrevistado falava sem rodeios aquilo que queríamos dizer.
Aprendi inglês assistindo-o ainda na NBC.
Nunca vi cometer uma grosseria com algum convidado.
E olha que praticava o humor que passeia no fio da navalha, no limite do grotesco.
Sua grande esperteza é que se fazia de ignorante curioso, gente boa e bobão, um estereótipo do americano comum.
Mas de bobo e ignorante, ele não tinha nada.
Via todos os filmes dos atores que iria entrevistar, lia os livros, sabia o que acontecia nos bastidores do Poder, zoava de Putin ao Papa de uma maneira que ambos cairiam na gargalhada.
Seu alvo preferido durante anos foi o atrapalhado e colecionador de gafes, George W Bush.
Reclamou que Obama não inspirava piadas, o que virou piada.
Muitas vezes, ele próprio, “Uncle David”, era a piada do programa.
Fumava escondido das câmeras. Tomava uns goles extras.
Sua mãe, uma simpática velhinha de Indiana, aparecia em links para passar receitas de biscoitos ou falar de trivialidades.
O dono da Deli da esquina no teatro na Broadway, em que se gravava o show, um asiático americanizado, aparecia sempre para falar de temas de interesse geopolíticos.
Ele dava voz ao povo.
Os técnicos de estúdio ganharam quadros. Os roteiristas, até estagiários, apareciam e interviam.
Aliás, por traz do sucesso do programa, estava a numerosa equipe de roteiristas que bolava quadros, piadas, em 33 anos, inovando a cada semana o show.
LETTERMAN era Nova York, a capital do mundo.
Bandas indies tomavam de assalto o seu programa.
Está tudo no Youtube: Radiohead em começo de carreira, Queen of Stone Age que, ineditamente, tocou em dois programas seguidos.
Algumas atrizes apareciam mais provocantes e sexy em seus programas como uma piada, exatamente para ironizar a sua fama de galinha, constranger o apresentador e, lógico, a audiência.
Aliás, uma das atitudes mais dignas e corajosas, ele tomou ao vivo:
Quando começou a ser chantageado por um produtor, que queria dinheiro para não revelar que o apresentador, então casado, tinha um caso com uma estagiária, Letterman anunciou que estava sendo chantageado, pediu desculpas à mulher, e o idiota foi preso.
Triste demais a sua aposentadoria.
Dificilmente encontrará substituto.
Perdemos todos.
March 31, 2014
Simpsons jantam em SP
Figueira?
Isso mesmo. A família mais popular dos EUA volta ao Brasil depois de 12 anos.
E vai jantar no Figueira Rubaiyat, Rua Haddock Lobo, Jardins, um dos mais caros da cidade.
Merge tenta se comunicar em Português com o garçom, e Hommer, depois de traçar um espeto misto, de que consegue comer só a carne, diz que até moraria no Brasil, se não fossem os peixes que, quando você vai nadar, entram na uretra (?!).
No episódio que foi exibido ontem nos EUA, os Simpsons chegam para a Copa do Mundo.
Homer é convidado para apitar uma partida, mas é assediado pela máfia de manipulação de resultados.
https://www.youtube.com/watch?v=3VOhkDrX…
Dessa vez, esperamos que o governo Dilma não repita o papelão do de FHC, que protestou contra a FOX e o episódio de 2002, em que a família veio ao Rio para adotar um garoto chamado Ronaldo, e pai e filho se esbaldaram diante do programa de TV da apresentadora infantil sexy, que rebolava e rebolava.
Segundo o governo brasileiro, o episódio era preconceituoso.
March 28, 2014
Brasileiro, o estúpido
Pesquisa do Sistema de Indicadores de Percepção Social do Ipea projeta:
1. São praticados 527 mil estupros por ano no Brasil.
2. Mais da metade das vítimas, menores de 13 anos.
3. 15% dos estupros foram praticados por mais de 2 agressores, indício de estupros coletivos, como os vistos na Índia.
A pesquisa sobre violência contra as mulheres entrevistou 3.810 pessoas em todos os Estados. As mulheres representaram 66,5% do universo de entrevistados.
65% concordaram que a mulher que usa roupa que mostra o corpo merece ser atacada; 42,7% concordaram totalmente, e 22,4%, parcialmente.
Diante da frase “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”, 35,3% disseram sim e 23,2% afirmaram concordar parcialmente.
Para os pesquisadores, os dados revelam que “os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres que provocam, e deveriam saber se comportar, não os estupradores”.
Já em casa, a relação é outra. Diante da frase “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”, 91% concordam.
85% entendem que o casal deve se separar se houver violência.
82% discordam da frase “A mulher que apanha em casa deve ficar quieta para não prejudicar os filhos”.
Para 82%, “O que acontece com o casal em casa não interessa aos outros”.
Esta contradição entre o que acontece dentro de quatro paredes (privado) e o público mostra a dupla face do brasileiro.
Um povo cordial que não se controla e é bombardeado pelo estereótipo de sociedade feliz, sexualmente avançada e hedonista.
A jornalista Bia Abramo reflete nossa indignação:
Feminismo para quê? Por causa de números como esses, por exemplo:
* 58% dos entrevistados dizem concordar “totalmente” com a afirmação de que ela só é vítima de agressão por não se comportar de maneira adequada.
* 82% dos entrevistados, o que acontece com o casal em casa não interessa aos outros”
* 64% dos entrevistados dizem que “os homens devem ser a cabeça do lar”
* 79% afirmam que “toda mulher sonha em casar”
* 60% concordam que “uma mulher só se sente realizada quando têm filhos”
Nessas horas, nenhum orgulho de ser brasileiro.
+++
Se a palavra de ordem é o fim do assédio em transporte coletivo [mais 2 foram presos ontem no Metrô suspeitos de molestar sexualmente passageiros; 1 deles foi uma travesti que apalpou um homem num vagão na Estação Sé], se ao todo no ano já foram 27 presos, e se volta o debate da criação de vagões exclusivos para as mulheres, contrariando os próprios movimentos feministas, aqui vão mais sugestões de traquitanas anti-abuso.
Minha amiga Angela Dip sem querer contribuiu
Esse vem da China
March 27, 2014
como não sofrer abuso no metrô
March 26, 2014
por que derrubar o minhocão
MINHOCÃO é das obras mais infelizes e horrorosas de São Paulo.
Com o infeliz nome de Elevado Costa e Silva, foi construído pelo então prefeito interventor não-eleito, o jovem engenheiro Paulo Maluf, no começo dos anos 1970, que passou o trator sobre parques, rios e praças, numa intervenção urbanística mal planejada, que destroçou com uma cidade bonita, europeia, modernista.
Como era ditadura, não se pôde protestar contra tamanho absurdo.
A ironia é que o elevado desembocava justamente na EUCATEX, fábrica de móveis da família Maluf.
Degradou a antes glamorosa Av. São João e destruiu a Praça Marechal Deodoro.
Simbólico: a praça em homenagem ao líder do movimento republicano foi atravessada por um elevado com nome de um ditador.
Existe um movimento para demoli-lo.
Como em muitas cidades (Londres, San Francisco, Nova York, Paris, até no Rio de Janeiro), mal planejados elevados foram posteriormente demolidos.
Projeto de Lei transforma o Elevado Costa e Silva num “Parque Suspenso”.
Para quem não sabe, por conta do barulho e poluição, já que atravessa uma densa área residencial, ele fica fechado às noites [à partir das 21h], e aos domingos.
Intervenções já organizaram festivais de comida, até uma piscina.
Mas a verdade é que ele deveria vir abaixo.
Basta checar a imagem de 1942, de Benedito Junqueira Duarte [acervo da Casa da Imagem].
E ver o que a cidade perdeu.
March 24, 2014
Tortura: missão cumprida
Muitos artistas quando se mandaram para o exílio deixaram composições atemporais, como Aquele Abraço (Gilberto Gil), London London (Caetano Veloso) e Samba de Orly (Chico Buarque): “Vai, meu irmão, pega esse avião, você tem razão de correr assim…”
Outras relatavam o que acontecia por aqui para os que estavam por lá, como O Bêbado e Equilibrista (João Bosco), que homenageava Clarice Herzog e todas as Marias: “Que sonha com a volta do irmão do Henfil, com tanta gente que partiu, num rabo de foguete. Chora, a nossa Pátria mãe gentil, choram Marias e Clarices, no solo do Brasil…”
Então veio a Anistia. Veio o hino Tô Voltando (Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós): “Pode ir armando o coreto e preparando aquele feijão preto, eu tô voltando. Põe meia dúzia de Brahma pra gelar, muda a roupa de cama, eu tô voltando…”
Muita gente que canta estas músicas desconhece a referência.
Quando a música é boa pode ser reinterpretada e referendada por cotidianos variados.
Você já deve ter visto: Tô Voltando virou trilha de comercial de cerveja. Mudaram a letra. “Sou a paixão do planeta, a emoção, sou a bola rolando, eu tô voltando. Pode estender a bandeira, arrumar a TV, as cadeiras, eu tô voltando…”
A maioria que vê o comercial não tem ideia do que a original representou. A História é consumida e se integra, como titânio no osso.
As redes sociais possibilitaram uma descoberta: a maioria não tem ideia do que se passou há décadas; a maioria reproduz certezas contadas por alguém, viu num vídeo do Youtube, ouviu falar, leu num site de fulano, que tem a fonte segura e informações dos bastidores das verdades absolutas. A verdade é inviolável?
A Lei da Anistia é das poucas que perduram, apesar da Constituição de 1988. Virar a página, é a sua proposta. No entanto, foi questionada pela OAB através da ADPF 153 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) em 2010, é questionada pela OEA (Organização dos Estados Americanos). O “esquecimento” e o “perdão” são revistos em Comissões da Verdade, uma nacional, algumas estaduais e até setoriais, como a da USP.
O Ministério Público Federal investiga por conta própria e levará para os tribunais alguns casos de antes e depois da Lei, como o atentado ao Riocentro e as torturas cometidas em instalações militares. Levou o coronel reformado Brilhante Ustra, chefe do DOI/Codi-SP, identificado por muitos presos políticos como Dr. Tibiriça, torturador impiedoso, anistiado.
Mas a Advocacia Geral da União defende que a Lei da Anistia foi uma conquista democrática. Tese defendida pelo ex-deputado Fernando Gabeira, ele próprio, um anistiado. O STF deu a palavra final e se colocou contra a revisão.
O filósofo Denis Rosenfield, da UFRGS, que escreveu O Que É Democracia?, da mítica coleção Primeiros Passos (Brasiliense), resumiu o pensamento dos contrários: “A Lei da Anistia, negociada entre militares democratas, políticos do establishment e a oposição do MDB, com amplo apoio da sociedade civil, foi assinada por Figueiredo em agosto de 1979, abrindo realmente caminho para a redemocratização do País.”
Abriu sim o caminho para a redemocratização. Mas foi promulgada por representantes de um regime que não tinha alternância no Poder, nem controle civil sobre militares, em que o cidadão não tinha direito amplo de votar e ser eleito, controle das decisões governamentais, direito de se associar livremente.
1. As manifestações e passeatas que pediam Anistia eram reprimidas com violência. De um lado, estudantes, religiosos, ABI, OAB. Do outro, Tropa de Choque de Erasmo Dias, Newton Cruz e todo aparelho repressivo disponível.
2. As entidades da sociedade civil eram ameaçadas. Não tiveram sossego nem mesmo depois da promulgação da lei: um bispo foi sequestrado, a OAB e bancas de jornais sofreram atentado, e o Riocentro, atacado.
3. O Congresso que a aprovou vivia sob um regime bipartidário artificial criado durante a ditadura, que cassou partidos. Tinha muita pressão sobre as decisões do plenário; no dia da votação da emenda Dante de Oliveira, anos depois, o Congresso foi cercado por tropas comandadas pelo general Newton Cruz, num cavalo branco, para intimidar os partidários das eleições diretas.
4. Parte do Congresso foi sendo cassada desde o dia 9 de abril de 1964. Foram ao todo 17 Atos Institucionais e 104 Atos Complementares. Deputados, senadores, ex-presidentes, trabalhadores, militares, até professores, foram impedidos de exercer o direito político.
5. Com o avanço da oposição, o Pacote de Abril, baixado por Geisel, fechou temporariamente o Congresso em 1977 e instituiu a figura do Senador Biônico (interventor não eleito) em 1/3 do Senado.
6. As entidades estudantis, fechadas durante a ditadura, estavam se reconstruindo. Assembleias e passeatas estudantis eram sobrevoadas por helicópteros do Exército. A PUC-SP, que abrigava o congresso de refundação da UNE, foi invadida em setembro de 1977: mais de 3 mil estudantes presos. Estudantes que participassem de política eram expulsos das universidades com base no Decreto 477.
7. Sindicatos que sofreram intervenção na ditadura se reconstruíam. Assembleias sindicais eram sobrevoadas por helicópteros do Exército. Líderes foram amaçados e presos. As confederações de trabalhadores eram ilegais.
Como a Lei da Anistia que perdoou torturadores pode ser considerada democrática, se foi promulgada com parte da oposição no exílio, na prisão, cassada ou silenciada pela tortura?
Se a Lei se mantém firme por 35 anos, com defensores que pertencem aos três Poderes, é sinal de que ao Estado, não apenas às Forças Armadas, não interessa a revisão.
A Justiça é cega coisa nenhuma.
A decisão de não revê-la não é técnica, é ideológica e imoral.
Não foi negociada entre militares e democratas, nem teve apoio da totalidade da sociedade civil, que queria outra Anistia. Foi imposta por um ditador. O segundo escalão que torturou foi perdoado pelo Alto Comando.
Missão cumprida.
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