Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 83
June 3, 2014
A Copa de Todos os Brasis
Se no Brasil tem muitos Brasis, a Copa de todos os Brasis é também a Copa de muitas Copas, e não a de todas elas.
1. A Copa Brasil-il-il – Dos comerciais ufanistas, euforia histérica e excessos, de lo(u)cutores que seguem uma lógica sem lógica movidos pelo fígado, não pelo cérebro. Parte da nação é atacada pela Síndrome Tino Marques: vê a seleção como uma constelação de semideuses amada em todos os países, por todas as gerações, capaz de parar uma guerra, de melhorar a economia, heróis que provocam alegria em aeroportos.
O amarelo das camisas cega a coerência, traz alucinações otimistas, com uma droga sem bad trip: a vida é boa, a vida é bela.
A Seleção é incrível, cura doenças, o mundo tem jeito.
O brilho dourado nos faz esquecer de problemas geopolíticos e injustiças sociais.
2. A Copa dos Milhões em Ação – Existe a Seleção e o nada. Repetimos a vinheta com o coração a mil, “somos todos um só”. Na TV, famílias pulam do sofá. Propaganda de cerveja tem gente eufórica, carteiros jogam bola, porteiros jogam bola, gente na praia e na montanha, ilustres e desconhecidos, brasileiros ou não, cachorros jogam bola.
Overdose de entrevistas com mães de jogadores: histórias de superação, realização de sonhos.
Tudo na tela passa a ser verde amarelo, os logos, as liquidações.
E se o Brasil ganhar, você ganha outro televisor de graça: “É hexa, é hexa!”
A Coca-Cola se torna humanista, leva a taça a rincões distantes, faz a alegria de crianças vítimas da guerra. A Coca-Cola é incrível! Beba Coca-Cola, patrocinadora oficial da Copa.
3. A Copa da Tia Dilma – Não rolou 100%. Seria incrível: trem-bala, mobilidade urbana, legado… Tadinha. Copa planejada na eufórica recuperação econômica; commodities em alta, pré-sal emergindo, emprego e crédito a dar com pau. País festejado pela The Economist como a bola da vez. O país do futuro não decolou.
Nove estádios, como na África do Sul? Façamos 12! Façamos um na Amazônia, outro no Pantanal e outro sobre dunas de areia! Sexta economia do mundo. Mostremos nossa exuberância, fauna e flora, nosso povo criativo e trabalhador. O brasileiro é antes de tudo um forte!
Será a Copa de Todas as Copas, bolou pessoal do marketing. Ano de eleição. O PCdoB organiza. Depois a gente dá um jeito. O Mantega diz que dá pra pagar. O Mantega sabe das coisas, é incrível. Pé no chão, bom em números.
A venda de ingressos da Copa da Coreia foi uma bagunça, a central sindical ameaçou com greves, deu trabalho ocupar os estádios vazios, diferentemente do Brasil, que já vendeu quase todos os ingressos.
O teto da Arena de Frankfurt quase desabou antes da Copa da Alemanha.
Na África do Sul, o Soccer City ficou pronto na véspera, manifestantes protestaram contra os gastos, teve greve de seguranças dos estádios, que reclamaram de salários atrasados, e a polícia caiu de pau.
E falta pouco para o País não ser mais governado pelo Jérôme Valcke!
4. Copa Poker Face – É a Copa do oportunista, que se preocupa mais com seus interesses do que com o evento. Se for boa para os negócios, elogia, se for ruim, critica. É a Copa do Ronaldo, que, conselheiro do Comitê Organizador, a defendeu nos piores momentos, até aos 44 minutos virar casaca, criticar o atraso, dizer que ela o envergonhará. O maior goleador de todas as Copas mudou de lado.
5. #naovaitercopa – Galera mobilizada em redes sociais, indignada com o custo do evento, dinheiro que deveria ter ido para saúde e educação. Crê que todo político é corrupto, todo partido é corrupto, todo empreiteiro é corruptor, todo dirigente é ladrão.
Os estádios brasileiros custaram R$ 8,5 bilhões, com uma média de R$ 12 mil por assento. Na Alemanha foi R$ 3.400, e na África do Sul R$ 5.300.
Vive um grande dilema, pois a Copa vai ter, é o movimento que, a partir de julho, não vai ter mais.
Torcerão para o Brasil?
Não vai ter Copa para o #naovaitercopa?
Ganha adesão de movimentos grevistas de motoristas e cobradores, professores, seguranças de banco, de rachas de sindicatos, que se juntam a índios, sem-teto e sem-terra.
Os movimentos sociais não dão trégua, já que os problemas sociais não deram. Organizou-se a Copa e não demarcaram terras indígenas, nada de salários dignos a professores, nem repararam perdas salariais.
Fica a dica: #quempagaconta?
6. A Copa de Murphy – Você conhece a lei: se uma coisa pode dar errado… Muita coisa dará errado.
O avião de uma delegação vai atrasar, o aeroporto vai fechar, torcedores ficarão presos em congestionamentos, uma turista argentina será assaltada, um repórter holandês se afogará, outro se perderá numa comunidade não pacificada, uma bala perdida rolará, uns black blocs vão depredar, a luz vai acabar, vai faltar água, um casal de japoneses vai pegar dengue, vai ter nego invadindo gramados pra protestar, no momento vergonha alheia vai ter piriguete rebolando na arquibancada, piquete na porta de estádios, balas de borracha, bombas de gás e vaia.
A Copa do Mundo não para o tempo.
Surpresa seria o Brasil deixar de ser Brasil por quatro semanas.
7. Imagine na Copa – Aqueles chatos que, qualquer problema, dos que sempre acontecem, reclamavam “imagine na Copa”, deixarão enfim de dizer “imagine na Copa”.
A minha Copa?
Vou com amigos assistir a todos os jogos. Nos bares e em casa.
Me divertir com holandeses bêbados pela cidade, provocar argentinos, recepcionar estrangeiros que já chegaram, indicar ruas e bares, praticar meu inglês, francês e italiano arranhado.
Já está rolando a minha Copa: assisti aos documentários de todas elas, debato a escalação, encontro torcedores estrangeiros me socializo.
Vou na abertura e na final, de metrô, com a camisa do Corinthians.
Já tenho os ingressos.
Minha Copa termina em outubro na cabine de votação da próxima eleição.
Será incrível.
Como dizem lá em casa: falou besteira, escuta o que não.
June 2, 2014
#naovaitercopo
Vendem-se braçadeiras VERGONHA
SketchCover é uma loja virtual de Sketchs [adesivos] em diversos suportes: capas de iPad etc.
Decidiu vender braçadeiras VERGONHA por R$ 7,00 [preço de custo].
Sugere que as usemos durante a Copa do Mundo.
Diz o site http://www.sketchcover.com/:
DEIXE CLARO O QUE VOCÊ SENTE PELA CLASSE POLÍTICA BRASILEIRA E PELO MOMENTO QUE ESTAMOS PASSANDO.
UMA FORMA PACÍFICA DE PROTESTAR. KIT COM BRAÇADEIRA E ADESIVO PARA CARRO.
O interessado recebe kit pelo correio que contém uma braçadeira de 50cm x 3,5cm de algodão com barra costurada e um adesivo eletrostático para vidro externo medindo 15cm x 4cm
Os envios são feitos às terças e quintas-feiras por correio tradicional.
A verba arrecadada com as vendas é revertida para instituições de assistência que não possuem nenhuma vinculação com o conteúdo do site.
Mas, peralá: coloca a camisa da Seleção e a braçadeira VERGONHA?
Vergonha do quê, exatamente, da classe política brasileira eleita por nós?
May 30, 2014
redes sociais e a verdade
Acho divertida a obsessão da fotógrafa Alison Jackson em imaginar a verdade.
É o retrato de tempos em que boatos se espalham pelas redes como fatos.
Não sei se é isso que ela pretende, mostrar um mundo que pode ser recontado pela tecnologia de redigitalização de imagens: a Era do Photoshop.
São hilárias suas fotos de mentira da Rainha da Inglaterra no banheiro, e seus netos aprontando pela Corte, de George Bush e Tony Blair numa sauna, Lewinsky acendendo um charuto para Bill Clinton…
O problema é que usar dublês e flagrar, como uma paparazzi, momentos da história que não foram registrados, reinterpretando-a, leva milhões a acreditar que o que veem até aconteceu, mas não seu registro.
Diz elas: “A fantasia toca a realidade. O espectador fica suspenso no descrédito. Tento focar a relação psicológica entre o que vemos e imaginamos. Revela nosso voyeurismo e necessidade de acreditar.”
Seu trabalho gera controvérsias.
Fura bloqueio entre público e privado.
Para polemizar mais, tem gente que acredita que foi flagrado o encontro entre JFK e Marilyn [quando na verdade muitos dizem que foi o irmão Bob o amante da bombshell].
E compartilha a foto como se fosse verdade.
O mundo está confuso…
Hoje em dia, verdade é o que foi postado, muito compartilhado e curtido.
Redes sociais ditam o que é a verdade.
May 29, 2014
Estreia filme da categoria tem que ver
Estreia amanha um filme que destoa do padrão da produção nacional e já está na lista de um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos: O Lobo Atrás da Porta.
É uma produção modesta da GULLANE, ou melhor, baixo-orçamento [não custou mais que R$ 1,5 milhão], que fura o bloqueio das comédias nacionais e mega-franquias dos super-heróis, chega em 60 salas, para ter uma carreira digna e despretensiosa, sem concessões.
É um filme policial, um filme de relação, de drama real, palpável, como uma matéria de um jornal barato, de personagens que logo serão esquecidos, substituídos por outra tragédia do subúrbio das nossas vidas.
Sobre um crime hediondo que, por engenhosidade dramática, se justifica.
Sensacional filme de Fernando Coimbra, baseado num sequestro dos anos 1960 de uma menina de 4 anos pela amante enciumada e violentada, como uma lenda urbana, conhecida como A Fera da Penha.
O filme é narrado numa delegacia por 3 personagens, num Rio de Janeiro que é figurante:
A mãe e esposa que tem uma filha sequestrada [Fabíula Nascimento]
O marido Bernardo que tem culpa no cartório [Milhem Cortaz]
E a amante Rosa [Leandra Leal], que apresenta a sua versão
Vai ter gente achando que são interpretações cheias de improvisos e cacos.
Especialmente para quem conhece o histórico do fabuloso Milhem.
Que nada. Seguiu-se à risca o roteiro.
E uma regra básica do cinema: deixe o olhar falar.
Da categoria: Tem que ver.
May 25, 2014
O Brasil atrasado da moda
A ELLUS surpreendeu no desfile primavera-verão do SPFW deste ano com a campanha #protestoellus: Abaixo Este País Atrasado.
Um protesto esquisito, num local que não combinava.
Um debate ideológico se seguiu, sob o hálito do verdadeiro debate, o da luta de classes.
Como o debate sobre os que reclamam da deselegância dos novos consumidores em aeroportos e da construção de uma estação de metrô que traria gente “diferenciada” num bairro de gente fina e educada, que anda de metrô em Paris e NY.
A ELLUS esclareceu. Soltou o “DESABAFO”:
“O Brasil está entupido, um congestionamento em tudo. Não anda no trânsito, nos aeroportos, nos hospitais, nas estradas, na energia, nas escolas, na comunicação, na burocracia (corrupção)… Até a água está entupida!
Dificuldade para tudo! As coisas não fluem! Tudo é tão difícil! Tudo isso gerando esse custo. Brasil = ineficiência, improdutividade. Isso faz com que fiquemos isolados do mundo, acarretando esse atraso todo em relação ao mundo moderno.
É claro que os maiores responsáveis são os políticos e os governos antiquados, cartoriais, quase medievais, que com suas ideias atrasadas de protecionismo acabam por gerar atrofia.
Até para indústria da moda, exportar o nosso design fica difícil com todo esse custo, abrindo espaço maior para as importações de roupas e acessórios provenientes de países pobres, porque nós não temos condições de competir.
Precisamos desburocratizar, simplificar para motivar, avançar, abrir, internacionalizar, se não, cada vez mais, ficaremos isolados nas geleiras do Polo Sul.
Que Brasil é esse em que até as empresas e patrimônios públicos acabam destruídos?!?!
ABAIXO ESSE BRASIL ATRASADO!
TIME ELLUS”
Faz sentido.
Até lembrarem que a empresa é questionada pela Justiça se utiliza MÃO DE OBRA ESCRAVA.
O Processo corre na 2ª Região do Ministério de Trabalho e foi denunciado pela procuradora Carolina Vieira Mercante em 2012, que instaurou um inquérito civil e convocou representantes da Etiqueta Ellus através da portaria 1083/2012.
As empresas Marisa, Pernambucanas, C&A, Zara, Collins e Gregory também estiveram na mira do Ministério do Trabalho por causa de denúncias do uso de trabalho escravo.
Em 2010, a Marisa recebeu 48 autos de infração: 16 bolivianos trabalhavam em condições análogas às de escravidão na zona norte de São Paulo; cadernos encontrados no local davam indícios de tráfico de pessoas; funcionários cumpriam uma jornada que começava às 7 da manhã e seguia até às 9 da noite, com expediente do fim de semana.
Multada, a empresa cortou mais de 70 fornecedores.
A Zara recebeu 48 autos de infração: jornadas de até 16 horas por dia, salários irrisórios, proibição de deixar o local sem autorização prévia, uso de mão de obra infantil, ambientes se ventilação, fiação exposta.
A empresa foi multada e passou a se envolver em ações de auxílio a imigrantes.
Em 2011, a Pernambucanas foi informada que trabalhadores em condições degradantes haviam sido encontrados em duas oficinas, menores de idade, mulher com deficiência cognitiva; trabalhavam mais de 60 horas semanais em troca de um salário médio de R$ 400.
A empresa subcontratada assumiu a culpa.
A Gregory recebeu 25 autos de infração. Em 2012, a Superintendência do Ministério do Trabalho achou evidências de trabalho escravo; trabalhadores recebiam R$ 3 por cada vestido de renda confeccionado; oficina embolsava R$ 73, e a loja o vendia por R$ 318; 23 bolivianos foram libertados, todos submetidos a jornadas excessivas de trabalho e servidão por dívida; armários eram trancados com correntes para que os trabalhadores não se alimentassem em horários impróprios.
Está tudo na matéria de 2012 da repórter Marcela Ayres da Reuters, na Revista Exame:
De que Brasil atrasado falamos?
May 23, 2014
Dublê, eu?
Por essa e outras, STEVE MCQUEEN é um ídolo: the king of cool.
Ou, inspirado em XICO SÁ, um macho de botas sujas
Na adolescência, passou 2 anos num reformatório na Califórnia.
Recusou um papel em Apocalypse Now, de Coppola, pois preferia consertar carros e ficar em casa.
Numa boa.
May 22, 2014
Cadê o Arco do Triunfo paulistano?
São Paulo já teve seu Arco do Triunfo, inaugurado com uma grande festa.
Foi construído na Praça da Luz em 1921 para homenagear o novo presidente da República, Epitácio Pessoa, que governou entre 1919 e 1922.
Entre a Estação da Luz e a Pinacoteca do Estado, o arco foi demolido nos anos 1950.
Sobre ele passa a Avenida Tiradentes.
Numa cidade que passa o trator sobre sua História, que considera seu passado um entulho, um obstáculo a ser removido, para fluir o trânsito, me pergunto onde foi parar esse monumento curioso e cívico.
Na eleição de 119, Pessoa venceu Rui Barbosa, então com mais de 70 anos, a eleição para presidente por 286.373 votos contra 116.414.
Curiosamente, era paraibano, e rompia provisoriamente com a alternância de poder entre SP e MG, conhecida como política do café com leite.
Sem rancor, e numa política de boa vizinhança, a cidade ergueu o monumento.
May 20, 2014
Me exponho logo existo

Pawel Kuczynski
Invejo quem não tem celular. Existem e são admiráveis. São poucos. Estão em extinção. Quando precisam falar com alguém, ligam de um fixo.
Admiro pessoas que ligam do fixo. São econômicas. Sem contar que a ligação é clara e não cai.
Invejo quem não tem carro, nem carta ou carteira de motorista. Vai a lugares a pé, usa “condução” ou bicicleta, e volta de carona ou racha um táxi. Nunca soprou num bafômetro. Não estão em extinção.
Negam a revolução industrial. São pessoas mais econômicas e descomplicadas. Talvez por isso mais felizes.
E invejo quem não está no Face, Twitter, Insta, Linkedin, G+, WhatsApp, em lugar nenhum: o que não existe virtualmente, nunca “teve” Orkut e nem sabe o que é o extinto MSN.
São seres analógicos, mais evoluídos do que a maioria. Caminham, olham o nada ou algo sem a urgência de um registro fotográfico ou um comentário, uma curtida, uma postagem.
Mandam cartas e cartões postais escritos a mão. Negam a revolução tecnológica. Estão no topo da linha evolutiva.
Sim, existe gente que não se comunica, nem curte, nem posta. Não critica, nem milita, nem lamenta a morte de um ídolo para amigos, conhecidos, seguidores desconhecidos e amigos de amigos. Não se indigna, não se revolta, não se mostra. Não mostra seus gatos, seus pratos, sua mãe no dia delas. Nem relata suas viagens. Não pensa, não expõe, não se exibe para centenas ou milhares de pessoas. Logo, não existe? Nem o pôr-do-sol retrata. Nem a lua tem o seu momento. O que dirá de um nascer do sol? Existe?
Sobre os Guarani-Kaiowá, o alienado analógico não emitiu opinião em público, nem militou contra a sua extinção. Raquel Sherazade? Nem sabe quem é. Não entende por que algumas celebridades aparecem com cartaz escrito “bring back our girls”. Não lamenta para muitos a onda de linchamentos, o descaso com o dinheiro público, não cita Mahatma Ghandi, Caio Fernando Abreu, Nelson Rodrigues, Cazuza, Veríssimo, Renato Russo, Millôr.
Ainda não anunciou sua nova posição ideológica, nem em quem não vai votar, não elogiou a simplicidade de José Mujica, o presidente uruguaio, não se revoltou contra a perseguição a gays e garotas da banda Pussy Riot na Rússia, não riu das barbeiragens que eles, os russos, bêbados, praticam nas estradas, nem comentou que no Rio de Janeiro se diz “bandalha”, não barbeiragem, ou transgressão.
Não postou fotos do carro sem permissão na vaga de deficiente, do prefeito de Londres indo de bike pro trabalho, do primeiro-ministro do Reino Unido indo de metrô pro trabalho, do príncipe William flagrado na classe econômica como um plebeu. Não viu o comercial que todos devem ver, o vídeo a que todos devem assistir, a foto que vai fazer as pessoas pensarem de outra maneira, fotos que vão mudar a vida, a rotina, a forma como trabalhamos, do animalzinho que quer apenas ser amado, do outro que ao invés de devorar a presa cuida dela.
Não soube da cidade que DEVE visitar, do livro que DEVE ler, do filme que DEVE ver, do clipe que TEM que assistir, do hotel em que um conhecido ficou para ser invejado, da nova banda de que TODOS estão falando, da criança que surpreende e faz algo incrível e inesperado, que prova como existe inteligência em quem menos se espera. Não leu sobre o alerta contra golpes praticados, a torcida para que não haja Copa, que algum repórter internacional falou (mal) de nós, sobre o complexo de vira-lata que temos, e que a unanimidade é burra.
Não viu a foto de uma flor que desabrochou numa selva de pedras, a piada, a gostosa, a amiga fazendo biquinho, a amiga fazendo cara de sexy, a lista do que difere os homens das mulheres, as últimas sobre maconha, as fotos da repressão policial brutal, de como era antigamente, o filme raro encontrado, bons exemplos feitos por pessoas altruístas, enquanto o acomodado só reclama, a denúncia contra maus tratos contra animais, o poema, a charada, o superatleta que faz coisas com uma incrível habilidade, voa sobre abismos, pedala sobre montanhas, a ilusão de ótica que faz bolinhas se moverem e que parece mágica, o pedido de que “alguém tem que fazer alguma coisa”, as provas de que houve a realização de um sonho, o astro com uma banana na mão. Nem descobriu que alguns amigos têm opiniões aterradoras.
Pensar que há dez anos não existiam redes sociais.
Há 20, a internet não era regulamentada, nem existia o consórcio W3C (World Wide Web Consortium).
Há 30, não tinha celular nem computador pessoal no Brasil.
A maioria não tinha telefone nem máquina fotográfica.
E éramos bem informados e educados.
Militávamos contra a possível extinção de uma nação indígena, protestávamos contra linchamentos e o descaso com o dinheiro público, líamos Mahatma Ghandi, livros de Caio Fernando Abreu, Veríssimo e Millôr, comprávamos discos do Cazuza e Renato Russo, anunciávamos nossa posição ideológica em bótons, broches e pins na jaqueta, víamos o comercial que todos deviam, sabíamos do livro que DEVÍAMOS ler, do filme que DEVÍAMOS ver, da nova banda de que TODOS estavam falando, do “complexo de vira-lata”, cria do Nelson Rodrigues (cujas peças assistíamos) em maio de 1958, meses antes do Brasil ganhar a primeira Copa do Mundo, numa crônica publicada na Manchete Esportiva, relembrada por Ruy Castro no livro Os Garotos do Brasil (Foz).
Víamos fotos da repressão policial brutal, desvendávamos a charada, o poema, a ilusão de ótica que faz bolinhas se moverem, no livro de ilusões de óticas que todos tinham.
Éramos mais discretos.
Menos ansiosos.
Não precisávamos da aprovação alheia.
Não precisávamos chamar tanta atenção, nem criar a ilusão de que somos melhores do que somos.
Somente éramos.
+++
Juliana Sayuri entrevistou para o caderno ALIÁS o grande filósofo Michel Maffesoli, ou melhor, antropólogo urbano, nosso teórico favorito dos anos 1980, da pós-modernidade.
Que agora tem 69 anos e anda mais lúcido do que nunca – diretor do Centre d’Études sur l’Actuel et le Quotidien (CEAQ) da Université Paris Descartes – Sorbonne.
Vale a pena.
Aqui, o pingue pongue entre os 2:
Qual é o papel das mídias sociais na pós-modernidade?
Podemos dizer que, na pós-modernidade, as mídias estão se tornando mais e mais importantes, especialmente as chamadas “mídias sociais”. Lembremos Hegel, que dizia no século 19: a leitura do jornal é a oração do homem moderno. Podemos pensar que as mídias interativas serão a oração do homem pós-moderno. Contrariamente às críticas tradicionais, porém, acredito que essas mídias favorecem a mediação, isto é, a relação e a inter-relação entre as pessoas. Se a modernidade, particularmente no seu momento final, viu o triunfo da “multidão solitária”, a pós-modernidade nascente verá se desenvolver uma multiplicidade de novas tribos urbanas, cuja essência é o relacionismo.
Com os avanços tecnológicos, nós estamos observando a emergência de uma geração ‘selfie’?
Certamente o selfie está no ar. Entretanto, na minha opinião, essa mise en scène de si mesmo não é, como se costuma dizer, o símbolo de um aprisionamento de si. Nessa perspectiva, discordo dos teóricos que abordam abusivamente o narcisismo. Prefiro dizer que os selfies compõem a forma contemporânea da iconofilia. Assim, podemos indicar um narcisismo tribal. Isso quer dizer que, ao difundir essas fotografias, nós pretendemos nos posicionar em relação aos outros da tribo. Se traçarmos um paralelo com uma imagem religiosa, o selfie tem uma finalidade sacramental, que torna visível a força invisível do grupo. O que me liga aos outros da minha tribo? Nós nos definimos sempre em relação ao outro. Assim, o fenômeno tribal repousa essencialmente no compartilhamento de um gosto (sexual, musical, religioso, esportivo, etc.). É preciso dizer que essa “partilha” cresce exponencialmente com o desenvolvimento tecnológico.
Nas mídias sociais, publicamos ‘selfies’ sempre felizes. Somos tão felizes? Ou filtramos nossos retratos justamente para esconder nossas angústias atuais?
De fato, as mídias sociais (Facebook, Instagram, Twitter, etc.) tendem a dar uma figuração feliz de nós mesmos. Certamente não estamos sempre felizes. Mas há aí um movimento de pudor: nós tendemos a dar à tribo, ou às diversas tribos às quais pertencemos, imagens reconfortantes de nós mesmos. No entanto, historicamente, é preciso lembrar que os quadros e as esculturas, as imagens próprias a todas as civilizações destacaram essencialmente essa figuração de felicidade. Os últimos livros de Michel Foucault (História da Sexualidade: O Cuidado de Si e História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres) mostram que isso marcou a Grécia e a Roma antiga. Foi o caso também na Idade Média. Para resumir em uma expressão: isso traduz um “pudor antropológico”, que é um elemento essencial do viver em sociedade.
Há quem argumente que a tecnologia está nos tornando antissociais. Temos muitos amigos no Facebook, mas estamos mais solitários?
Contrariamente aos críticos que sublinham o isolamento crescente, que seria característico das megalópoles pós-modernas, considero que a multidão solitária – na minha expressão, a solidão gregária – é uma das especificidades da modernidade decadente. Paradoxalmente, o desenvolvimento tecnológico não nos direciona ao antissocial. Tende, ao contrário, a consolidar essa mise en relation – no seu sentido forte e etimológico, o comércio das ideias, dos bens, dos afetos. É evidente que o termo “amigo” particularmente no Facebook não pode ser reduzido à concepção de amizade clássica, feita de relações intensas e recíprocas. Entretanto, a multiplicidade de amigos nos permite saber, se necessário for, onde e com quem manter relações sociais. E uma das pistas que será preciso estudar sobre o desenvolvimento tecnológico próprio às mídias sociais é a emergência de novas formas de generosidade e de solidariedade, nas quais os uns e os outros são causa e efeito de uma “horizontalização societal”.
Divulgado nos últimos dias, um estudo da OMS mostrou que a depressão é a principal enfermidade entre os jovens. A vida virtual e a fragilidade das relações ‘tête-à-tête’ teriam impacto nessa geração?
É preciso ter bastante cuidado com os diversos estudos institucionais focados principalmente no campo da saúde, que tendem a dizer que a depressão é a doença específica das jovens gerações. Valeria questionar se essa depressão não é característica das gerações no poder, quer dizer, das próprias gerações que comandam esses estudos e que talvez, num processo de compensação como destacou o psicanalista Carl Gustav Jung, tendem a projetar ao exterior o mal-estar que nós mesmos sofremos.
Há tempo para contemplação do mundo atualmente?
No livro A Contemplação do Mundo, tento demonstrar que a tendência geral da pós-modernidade, perceptível particularmente nas jovens gerações, consiste menos em querer mudar o mundo – e mais em se acomodar ao mundo. Adaptar-se, ajustar-se a ele. Isso pode nos conduzir a evitar a devastação, cujos “saques” ecológicos são exemplos cotidianos. Com o sociólogo italiano Massimo De Felice, no Centro de Pesquisa Atopos da Universidade de São Paulo (USP), tentamos justamente desenvolver pesquisas sobre essa “ecosofia”. Acredito que é assim que precisamos compreender o “ritmo da vida”, isto é, pensar a existência a partir de um ponto fixo – a natureza, o território –, todos os elementos que fazem com que o ambiente social dependa do ambiente natural. Se a modernidade foi um pouco paranoica, levando à dominação e à devastação do mundo, na pós-modernidade uma nova sabedoria está em gestação.
Por fim, a tecnologia é um meio? Ou uma mensagem?
É habitual considerar que, com a prevalência de um racionalismo exacerbado, a tecnologia moderna contribuiu para um desencantamento do mundo. No entanto, na minha opinião, é paradoxal observar que, atualmente, esse desenvolvimento tecnológico, especialmente nos seus usos sociais, nos direcionam a um reencantamento do mundo. Nessa perspectiva, as mídias sociais são ao mesmo tempo um meio e uma mensagem, que confortam a vida em sociedade. Se a modernidade se firmou a partir de um princípio individualista, a tecnologia pós-moderna abriga um relacionismo galopante – uma relação, como frisei, entre nós e os outros.
May 19, 2014
NY Times ironiza Olimpíada no Rio
Matéria de ontem do New York Times, com vídeo, lamenta estado da Baía da Guanabara e ironiza: “Dica aos velejadores olímpicos, não caiam nas águas do Rio”.
O local que sediará competições de vela e windsurfe continua poluído, com lixo boiando.
http://www.nytimes.com/2014/05/19/world/…
Nico Delle Karth, velejador austríaco, que treina no local, disse que nunca viu algo assim.
O velejador brasileiro, medalhista olímpico, Thomas Low-Beer , que também treina no local, comentou: “É nojento, não sei distinguir uma carcaça de cachorro morto com a água contaminada.”
A matéria de Simon Romero e Christopher Clarey lembra que faltam 2 anos, que nada foi feito no Complexo Deodoro, que há pressão para um Plano B do vice-presidente de COI, John D. Coates, que muito dinheiro foi gasto em vão para despoluir a baía.
Mais uma para o arquivo de enxame de vexame nacional.
Copa rola. Já a Olimpíada tá sofrendo uma pressão…
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