Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 76

September 24, 2014

Racismo

Duas raças, duas realidades:


 


 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 24, 2014 16:14

September 22, 2014

Curtir, recomendar e compartilhar

 



A vida digital é um campo minado, na era da socialização rotineira por redes dominadas pelo verbo e imagem.


Vivemos num período em que difundir é apoiar, não apenas difundir. Divulgar se tornou opinar.


O meio é a mensagem e a opinião.


Cite uma frase que um comediante postou e você não gostou. Poste apenas para amigos, como quem diz: olha o que ele postou. Mas postar o post de outro sugere aprovação. Alguns criticarão: se postou, concordou com o que o comediante postou. Ao exibir o dito passou a “dizer”.


Gostei de um filme e postei a minha opinião. Mas um amigo tinha criticado o filme, tinha postado sua opinião, divergente da minha, e eu não tinha lido. Mandou mensagens perguntando se eu fazia alguma “indireta” ao ter postado em seguida a ele elogios àquilo que criticou. Se eu dissesse que não lera o que ele tinha postado, poderia se sentir ofendido, por eu não acompanhar a sua linha de tempo atentamente. Ignorei. O amigo não fala mais comigo.


Encaminhei para minha mulher uma matéria absurda sobre a qual discutimos no café da manhã. Encaminhei pela rede social, já que foi nela que a li. Ao encaminhar, uma amiga ligou pedindo para tirar, ou melhor, desencaminhar, operação que me fez perder uns 30 minutos, pois eu não sabia desencaminhar. Ela achou, e suas amigas poderiam achar, que eu defendia a matéria. Eu não defendia a matéria absurda. Apenas encaminhei para ouvir a opinião da minha mulher, se era mesmo absurda. Desencaminhei.


Um amigo morreu. Sua irmã anunciou a morte pela rede social. O que faço, “curto” o anúncio? “Recomendo” a notícia?


Outra foi assaltada e avisa que ficará um período sem celular. Curti.


Ninguém curte saber que um amigo é assaltado. Queria apenas que ela soubesse que fiquei ciente de que ficaria um período sem celular. Mas o clique que me resta é “curtir”. Ficar ciente de um assalto é curtir. Saber da morte e confortar uma família é curtir. Mostrar para um amigo algo que não concorda é “recomendar’.


A limitação semântica das redes sociais cria um sem número de mal-entendidos, que podem interferir nas nossas relações. A economia de palavras pode mudar a forma de pensarmos.


Assim como o “sim” e o “não” (ou zero e um) da linguagem digital, binária, nos obriga a esclarecer que não defendemos nem criticamos uma proposta ao comentá-la, que talvez não tenhamos opinião, que talvez desejamos dizer nem “sim” nem “não”, mas “talvez”.


Outro dia tuitei: “O candidato Eduardo Jorge fez campanha numa horta para alfaces”. Não o criticava. Foi uma referência à entrevista que dera ao Jornal Nacional, dentro de uma horta, sozinho, defendendo a agricultura familiar, enquanto outros candidatos apareceram em comícios armados, carreatas agitadas por bandeiras e militantes pagos, em cenários exuberantes selecionados por marqueteiros.


O candidato xis chegou de jatinho, fez caminhada pelas ruas, inaugurou uma usina, discursou para camponeses e depois agricultores, o candidato ípsilon participou de uma carreata, inaugurou uma fábrica, discursou para operários e depois encontrou industriais, e o candidato Eduardo Jorge caminhou pela salada.


Uma patrulha me atacou. Não entendeu a sutileza. Era uma observação em aberto, que podia ser interpretada ao gosto do freguês. Na verdade, eu mirava a histeria de uma campanha eleitoral, o contraste entre diferentes correntes ideológicas, a verdade contra a ilusão em que mergulhou a política brasileira, sebastianista na origem, messiânica na essência.


Mas o candidato do PV é inteligente, sacou a ironia e respondeu: “E todas apoiaram meu plano de governo.”


A rede social nos pede economia de palavras, caracteres, argumentos. Nos força a ter uma precisão matemática, para não sermos mal-entendidos. Nos obriga à exatidão. Mas, sem espaço para argumentos, nos deixa órfãos e em maus lençóis. Deveria haver “curtir”, “saquei”, “que pena”, “me solidarizo”, “compartilho sem concordar”, “recomendo como Rivellino, concordando enfaticamente”, “recomendo como Raul Seixas”, recomendando apesar de não ter opinião formada sobre tudo.


 



 


Outro dia tuitei: “No cinema ontem as 3 pessoas na minha frente viam o filme, curtiam e postavam coisas ao mesmo tempo. No Face! Pq sai de casa?”


Uma garota lamentou que nada deveria me impedir de sair de casa. Demorei para entender que ela entendeu errado. Não me perguntei “por que saí de casa?”, mas por que uma pessoa que vai ao cinema e fica numa rede social sai de casa. Nunca deixarei de ir a um cinema porque hoje em dia uma porcentagem alta de espectadores fica com a tela do celular na cara trocado mensagens, postando, curtindo e compartilhando, e espero para breve uma campanha introdutória das redes de exibição, pedindo para não fumar, deixar celulares no modo silencioso e não entrar em redes sociais durante a exibição do filme, pois a luz da tela do celular atrapalha aqueles que estão nas fileiras de trás, mesmo que se diminua o brilho na opção ajustes + geral + imagens de fundo e brilho.


Minha seguidora não percebeu que eu acentuara corretamente o verbo sair. Porém, eu deveria ter sido preciso na conjugação e escrito “Pq saem de casa?”, já que eu me referia a três pessoas. Me faltou a precisão.


 

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 22, 2014 07:29

September 19, 2014

Maioria aprova ciclovias em SP


 


Então a maioria aprova as polêmicas ciclovias de SP?


Sim. O Ibope comprovou: nove em cada dez habitantes são favoráveis às ciclovias


Pesquisa divulgada ontem mostrou que, em um ano, a cidade ganhou 86,1 mil ciclistas frequentes.


88% apoiam as faixas; mais do que os 86% do ano passado.


São 133,6 km de ciclovias em SP. 261 mil paulistanos usam bicicletas para viagens frequentes


Neste fim de semana, mais quilômetros vão ser entregues.


Em 2014, o número de paulistanos usando bicicletas como meio de transporte cresceu 50%.


E esses números podem aumentar se a cidade se inspirasse em outras e instalasse racks externos em ônibus.


Que podem levar de duas a 3 bikes.


 




 


Em 2013, eram 63 km de vias exclusivas para bicicletas.


Desde junho, a gestão Haddad inaugurou 70,6 km de ciclovias.


Para o Ibope:


71% declararam “nunca” usar a bicicleta como alternativa ao automóvel.


23% afirmaram que usam bicicletas “de vez em quando”


3% “quase todos os dias”.


 


+++


 


Nesse mês, a prefeitura testou dispositivo para permitir bicicletas dentro de ônibus em determinados dias, como já funciona no metrô.


Cada busão receberia até duas bikes, amarradas num suporte, sábados depois das 15h e domingos o dia todo.


É uma…


 



 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 19, 2014 07:23

September 17, 2014

Capacete para passageiro de avião


 


Designers da Airbus bolam um capacete para passageiros de avião.


Não é para protegê-los de turbulências ou pousos com freadas bruscas.


Mas para entretenimento.


Eles viriam com visores de realidade virtual, isolamento sensorial (Óculos Rift) e até olfativo.


Tudo controlado por um painel e integrados a uma plataforma de trabalho, que pode ser o Google Glass.


Forma perfeita para evitar o chato tagarela ao lado, ou se imaginar num banquete sem barrinhas de cereais.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 17, 2014 07:47

September 16, 2014

O verdadeiro sistema solar


 


O modo como aprendemos o Sistema Solar, com os planetas girando em torno do Sol, está errado.


Está sendo omitido um dado importante: o Sol não está parado e se move a uma velocidade incrível de 828,000 km/h em órbita pela Via Láctea, nossa galáxia.


 



 


A cada 220 milhões de anos, o Sol gira em torno da nossa galáxia.


Logo, o modelo visual do Sistema Solar precisa ser mudado.


E, aliás, é muito mais interessante, já que os planetas são puxados pelo Sol nessa órbita gigante, como um DNA cósmico.


 

 https://www.youtube.com/watch?v=zBlAGGzu…


 


 


O Sol e os planetas giram, mas não voltam ao mesmo lugar.


Quando a Terra deu uma volta ao Sol, viajou também a milhões de quilômetros.


 

 https://www.youtube.com/watch?v=0jHsq36_…


 


Os “círculos cósmicos” a que estamos acostumados são falsos.


 


Veja mais: http://www.spiritscienceandmetaphysics.c…

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 16, 2014 11:54

September 15, 2014

Celulavia


 


Cidade chinesa resolveu o problema daqueles que tropeçam em outros pedestres que não conseguem deixar de digitar.


Criou as “celulavias”, faixa de pedestre em que apenas nela é permitido operar smartphones com segurança, sem atrapalhar aqueles que querem distância do vício.


Em Chonging, cidade do sudoeste chinês, uma faixa exclusiva foi desenhada e permite navegar por seu próprio risco.


Deixa o caminho desimpedido para os que têm pressa.


Existem 500 milhões de usuários de smartphones na China.


Ideia inspirada dos americanos, que em Washington já tinham separado em algumas quadras pedestres de celulestres.


Parece brincadeira, mas é grande a quantidade de gente que se machuca trombando com tais usuários, defende  autoridades da cidade.


Eu mesmo já atropelei vários.


 



 

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 15, 2014 08:43

September 12, 2014

A campanha que virou piada


 


Campanha do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará (SIMEC) pergunta sobre ser operado por médico ou voar com piloto depois de tais profissionais terem fumado maconha.


 



 


Virou piada na Internet.


E mostra um desconhecimento de causa, o que causa estranheza por se tratar de uma instituição que deveria se pautar pela ausência de preconceitos.


A coxinha é liberada, nem por isso um comandante de avião se entope de coxinha antes de um voo.


Nem de cachaça, Rivotril, Melhoral, energéticos…


E se tais profissionais são responsáveis pelas vidas de outros, como tratam daqueles que precisam de ajuda por estarem em estados alterados?


Aqueles que defendem a liberação da maconha no campo da saúde visam a melhoria da qualidade de vida do paciente, extraem e pesquisam os benefícios da erva, pensam no controle dos riscos da substância ao tirar a penumbra em que vivem usuários e viciados, e livrar cidadãos das consequências da violência e da polícia e prisões.


 





 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 12, 2014 07:32

September 11, 2014

Lançamento do ano


 


Obra-prima de FOSTER WALLACE, INFINITE JEST, de 1996, romance de 1.100 páginas do meu [e de uma penca de amigos] atual favorito autor, que se matou em 2008 [sofria de depressão profunda], finalmente sairá no Brasil em novembro.


O livro mais esperado do ano tem o selo da Companhia das Letras.


E já definiram a capa, o intrigante projeto gráfico de Nick Neves, Alceu Nunes e Elisa Braga.


O título ficou GRAÇA INFINITA, depois de meses de discussão.


O tradutor Caetano Galindo conta:


“Então, como sabem os fiéis seguidores do inconstante @cwgalindo (aka moi), uma das últimas etapas pro lançamento do nosso Infinite Jest foi vencida. Fechamos um título. O livro, o monstro, vai se chamar Graça Infinita. E ficamos todos contentes. Yay. Veta de lá, veto de cá, palpites de idas e vindas. É assim que essas coisas se decidem e, insisto, é assim que elas devem ser decididas. Gostei da escolha final. Gostamos.”


Gostei também.


Quem não conhece WALLACE, comece por FICANDO LONGE DO FATO DE JÁ ESTAR MEIO QUE LONGE DE TUDO (2012), uma seleção de textos organizado pelo Daniel Galera, traduz\ido por ele e Daniel Pelizzari, e depois  BREVES ENTREVISTAS COM HOMENS HEDIONDOS (2005), ambos da Cia. das Letras.


Costumo dar de presente, e adoram.


Galindo nos brindou com um trecho:


 


Uma mão levantada pelo violentamente vesgo Carl ‘Baleia’ Whale, treze anos. Struck percebe:


‘E se você precisar peidar.’


‘É sério, né, Moby.’


‘Jim, senhor, e se você está lá jogando, e de repente tem que peidar. Parece que é um daqueles pressurizados nojentos bem quentes e tal.’


‘Deu pra entender.’


Agora uns murmúrios empáticos, olhares de um pro outro. Josh Gopnick concorda intensissimamente com a cabeça. Struck está de pé muito ereto à direita do monitor, mãos atrás das costas como um catedrático de Oxford.


‘Assim, é do tipo que é urgente pacas.’ Whale olha brevemente em volta. ‘Mas que não é impossível que seja na verdade uma vontade de ir ao banheiro, por outro lado, disfarçada de peido.’


Agora cinco cabeças estão aquiescendo, sofridas, urgentes: claramente uma questão controversa no sub-14. Struck examina uma cutícula.


‘Você quer dizer defecar, então, Baleião. Ir ao banheiro.’


Gopnik ergue os olhos. ‘O Carl está dizendo aquele tipo que você não sabe o que fazer. E se você acha que tem que peidar mas na verdade é que você tem que cagar?’


‘Assim tipo numa situação de competição, não é uma situação que você pode ir aguentando e forçando pra ver o que rola.’


‘Aí por cautela você não solta,’ Gopnik diz.


‘– o peido,’ Philip Traub diz.


‘Mas aí você se negou um peido urgente, e está correndo de um lado pro outro tentando competir com um peido quente terrível desconfortável e nojento andando pela quadra dentro de você.


 


[...]


 


‘Moby, se sou eu: eu deixo andar.’


‘Você manda ver haja o que houver?’


‘Au contraire. Eu deixo andando dentro de mim o dia inteiro se for o caso. Eu tenho uma regra de ferro: nada me escapa da bunda durante o jogo. Nem um apito ou um silvo. Se eu jogar dobrado eu jogo dobrado. Eu aguento o desconforto em nome de uma dignidade cautelosa, e se for um especialmente ruim eu olho pro céu entre os pontos e digo pro céu Obrigado Cavalheiro mais um por favor. Obrigado cavalheiro mais um por favor.’


 

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 11, 2014 08:08

September 9, 2014

Gente diferenciada no museu


 


2 museus em São Paulo ocupam a mesma quadra e eram separados por uma grade, o da Imagem e Som (MIS) e o da Escultura (MuBE).


Uma ideia brilhante e óbvia há 8 anos: resolveram abrir a grade.


Uma grande praça se formou, com esculturas, jardins do Burle Marx, um restaurante, CHEZMIS, e um café, Café e Restaurante do MuBE.


O público de um e do outro se misturou. Crianças brincavam.


Há 2 meses, por decisão do MuBe, a grade foi novamente fechada.


Diz que público do MIS invade sua área, e museu não ganha nada por isso.


Olívio Guedes, que acumula o cargo de diretor de Relações Institucionais, vice-presidente do Conselho de Administração e membro do Comitê Curadoral do MuBe, disse:


“Várias vezes o MIS fez eventos onde? No MuBe. Cadê o respeito ao MuBe? O que ele ganha com isso? A destruição de suas calçadas?”


“Há destruição da calçada por causa do excesso de pessoas. Acho ótimo que tenha a exposição do Castelo Rá-Tim-Bum, mas precisa ter coordenação. Também não há seguranças. E se acontece algo com uma criança que saiu do MIS e veio para o MuBe?”


“O MuBe está aberto a todos e assim continuará, mas este portão está fechado porque o museu está sendo destruído. Não existe uma parceria. Cadê a troca? Se um ganha, o outro também tem de ganhar”, afirmou.


Presidido por Jorge Frederico Magnus Landmann, o Mube nunca se notabilizou pela popularidade, apesar de ter entre seus conselheiros membro da família do maior escultor brasileiro, Brecheret (Maria Aparecida Silva Brecheret).


Criado em 1995 numa área de 7.000 metros quadrados no Jardim Europa, é uma obra do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, com jardim projetado por Burle Marx.


Foi criado à partir de uma proposta inovadora: ser um museu sem acervo fixo. Mas esteve envolto em polêmicas desde a sua fundação.


Olivio Guedes é leiloeiro oficial. Escreveu vários catálogos e artigos, também um dicionário de Antiguidades e um Glossário de Arte. Curador, é sócio da Galeria Slaviero e Guedes, faz curadorias de Marketing Cultural para empresas, unificando a Arte com Tecnologia.


A postura do museu é bizarra. Fecharam os portões, porque “gente” passeia por ele, usa suas instalações.


Num espaço que é praticamente uma concessão da cidade, seu diretor, como se sentisse dono de um pequeno negócio, prefere mantê-lo restrito.


E às moscas.


Já a arte popular…


Escultor faz sucesso na Paulista recolhendo bitucas no Vão Livre do MASP.


Tornou-se uma celebridade da região


 



 


 


 


E eu?


Virei indicação de banheiro de uma temakaria no Itaim.


Futuro que minha mãe nunca pensou para seu filho.


 


 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 09, 2014 07:24

September 8, 2014

Juízo final


 


 


HÁ DUAS SEMANAS:


Noite de sábado quente no Rio de Janeiro.


Desembarcamos no Santos Dumont antes do previsto. Num táxi, comentei com minha mulher que daria para deixarmos as malas no apê da família, encarar um Big Polis e depois um cineminha.


São três redes de cinema a 5 minutos a pé, Cine Leblon, Kinoplex Shopping Leblon e Cinépolios Lagoon, e uma a 15 minutos, Estação Shopping da Gávea.


Ao todo, 20 salas.


Pensei rápido.


Não assinamos O Globo. Tem alguma banca aberta? Desviaremos do caminho, para passar pelas da Ataulfo de Paiva, desvio chato, congestionado. A vizinha deve ter O Globo, tem cara de quem assina O Globo, gente boa, animada, assina jornais e deve estar lá se preparando para ir ao cineminha. Ou peço ao porteiro? Devem ter jornais recolhidos, hoje é sábado, o Rio Show, guia cultural do jornal, saiu ontem, sexta, deve ter no prédio, os porteiros são gente boa, me deixarão vasculhar no lixo recolhido em busca de um exemplar lido, se bem que o Rio Show é o tipo de caderno que o leitor guarda na mesa de centro, sob a televisão, na bolsa, para ser consultado na semana, filmes, teatros, shows, restaurantes. Se o porteiro não puder deixar a guarita, posso eu mesmo vasculhar as lixeiras.


Melhor, podemos ir a pé pelas ruas do Leblon, arriscar, passamos no Big Polis, damos um rolê na noite quente de sábado, em que chegamos antes do previsto, checamos na fachada art déco do Cine Leblon, que quase fechou, virou comoção, mobilizaram-se, e acabou de ser tombado, os filmes em cartaz, ou podemos comer no Lagoon e tentar um filme numas das seis salas, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, cenário sem igual. É Rio de Janeiro!


Vejo a luz no rosto da minha mulher refletida de uma tela led. “Já vimos os filmes do Leblon. Como chama o cinema da Lagoa?”, perguntou. Tinha um celular na mão. Já checara os filmes e horários. Digitava o nome do cinema e checava a programação, enquanto eu passeava na imaginação pelo lixo do prédio, pelas ruas do bairro. Claro. Celular. Como não? O mais bizarro: o meu estava no colo, ainda em “modo avião”.


Senti nostalgia de ir ao cinema e escolher na hora, guardar cadernos culturais, vasculhar o lixo em busca de jornal velho, pedir ao vizinho, sair sem rumo certo, eleger o que fazer com os dados do acaso.


Senti falta da imprevisibilidade.


O celular, hoje, nos deixa conectados demais, informados demais, seguros demais. Nele, há previsão do tempo e da vida.


Quando a psicóloga e educadora Marluce Dias assumiu em 1998 a diretoria-geral da Globo, no tradicional seminário com produtores, diretores e roteiristas de Angra (RJ), alertou para uma plateia desconfiada que a maior concorrência da empresa era nova e desconhecida. Fez suspense e apontou: o celular. Muitos se olharam céticos. Somos chefiadas por uma doidona? Na época, celular era um telefone apenas. Havia Palm e BlackBerry. O iPhone surgiu só em 2007. O Android em 2008. Viu no que deu. “Marluca” ou visionária?


O censo mais recente revelou que existem 202 milhões de brasileiros. Há 250 milhões de celulares no Brasil. Incluindo bebês, presidiários, padres, pacientes na UTI em coma, índios não contatados, hippies, hare krishnas, faroleiros, caçadores de palmito, todo brasileiro tem um celular, e 48 milhões têm dois.


Nos escravizam. Estão no topo da cadeia alimentar. Se o sentido de vida é a sobrevivência e a reprodução, eles nos dominarão quando começarem a não nos obedecer. Já se comunicam entre si, manipulam dados, entram em sistemas bancários, exibem em suas telas mensagens e imagens hipnóticas, mudam rotas de satélites, controlam nosso tráfego e se reproduzem mais do que nós. Estarão enfim no comando.


Ou já estão?


HÁ UMA SEMANA:


Tarde de sábado ensolarada em São Paulo. Decidi dar um rolê pela Paulista.


No metrô, combinei um almoço pelo celular com amigos. Ele estava há meses com a tela rachada. Funcionava, mas eu temia uma pane inesperada.


Deixei-o consertando no Conjunto Nacional. Ficaria pronto às 16h.


Almoçamos.


Cruzei as ruas do Jardim com calma e curtindo raios de sol que teimosamente atravessavam os prédios no inverno. Chequei vitrines, entrei em livrarias. Fui pegar o celular às 16h20, mas a loja estava fechada. Não explicaram que, além do meu celular ficar pronto às 16h, eles fechavam às 16h.


Um processo de pânico se desenvolveu. Afetou meu batimento cardíaco, a respiração. Desci, reclamei com o único porteiro, voltei, bati na porta, desci novamente, perguntei se o porteiro era capaz de identificar algum técnico da loja.


O desenho se completava: eu ficaria o fim de semana SEM o CE-LU-LAR!


Voltei para casa como se tivessem me separado do irmão siamês.


A primeira constatação: eu não sabia de cor o número do celular da minha mulher, ela estava no interior com meu filho, ou já estavam na estrada? Eu não sabia seu celular, nem o da sogra, nem o fixo deles, nem tinha anotado em nenhum lugar. Eu não sei mais números de celulares! Nem de fixos! Apenas daqueles que decorei antes da lavagem cerebral das agendas eletrônicas dominantes de celulares.


De cor vem de “de coração”. Saber de cor é um saber físico, não idealizado.


Não sei mais decorar.


Sei de cor o da minha mãe, minha irmã mais velha e de amigos que não vejo há anos.


Garanto que minha mulher não sabe o meu de cor. Nem o do fixo de casa. Já a vi trocando o prefixo. Ela também foi dominada.


Seria ridículo pedir pela rede social o telefone da minha mulher.


A família se reencontrou à noite.


Selfies foram feitos no domingo, em almoço e jantar com amigos, e publicados. Não do meu celular.


Senti falta da previsão do tempo sempre à mão. Domingo, a temperatura despencou 13 graus em uma hora. Fomos almoçar sob sol e calor, voltamos tremendo de fio e molhados. Senti falta do despertador na segunda. Não sei mais programar aquele relógio ultrapassado que permanece como um fóssil no criado-mudo.


Consegui através de e-mails e redes sociais do meu desktop me comunicar normalmente com quem precisava.


Reabri meu fichário antigo, que servia de agenda telefônica e calendário. Comprei canetas e tive uma decisão maluca: não vou pegar o meu celular.


Só pra ver se é possível viver sem ele e fazer uma experiência antropológica contemporânea.


Vivi mais de 30 anos sem celular, e o sol brilhou todas as manhãs!


Começarei a contraofensiva!!


A luz há chegar aos corações!!!


SEGUNDA-FEIRA:


À tarde deu uma folga, o dia estava bonito.


Fui dar um rolê pela Paulista.


Aproveitei e peguei meu celular.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 08, 2014 07:42

Marcelo Rubens Paiva's Blog

Marcelo Rubens Paiva
Marcelo Rubens Paiva isn't a Goodreads Author (yet), but they do have a blog, so here are some recent posts imported from their feed.
Follow Marcelo Rubens Paiva's blog with rss.