Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 118
July 13, 2012
o anti darwinismo cultural
Falem bem ou mal, uma coisa se deve destacar: E AÍ, COMEU? é um filme que pensou no mercado, fez estratégias de lançamento [estreou em shopping populares], calculou a data, priorizou o cinema em bairros mais populares, pensa sem medo de ser feliz em atingir milhões, comemora os números.
E com a grana ganha a CASÉ FILMES, do nosso incansável produtor, já está pronto para outros filmes.
Foi assim com MUITA CALMA NESSA HORA, depois com CILADA.COM e agora com E AÍ, COMEU?
A grana de um alavanca a produção do próximo.
Até NO RETROVISOR, outro roteiro meu baseado em outra peça minha, entrou na fila.
Foi assim que BABENCO organizou sua carreira [LÚCIO FLÁVIO, PIXOTE, BEIJO DA MULHER ARANHA...]. E conta divertido que o pessoal da antiga EMBRAFIME tomava um susto quando ele ia a Brasília devolver o dinheiro “emprestado” pela estatal.
Tudo isso causa ojeriza em parte do mercado, que acha que devemos pegar a grana do imposto alheio, porque o Estado NOS DEVE isso [deve nos sustentar, intelectuais iluminados com o dom divido e bons contatos, que temos muito a dizer, coisas incríveis para mostrar e ensinar], para lançar obras que estão pagas antes da abertura da bilheteria.
Confesso que em 30 anos de carreira me acontecem os 2 fenômenos: viver da bilheteria ou do patrocinador/apoiador.
Sim, atiro a primeira pedra: fiz obras que sem a grana do fisco não saía do papel.
Sou 1 dos pretensiosos que se beneficiam da fraqueza do dinheiro público e do Estado ausente e sugam as tetas da isenção.
Como também já tive de pegar a graninha do leitinho das crianças para pagar o preju de uma peça teatral mal-sucedida.
Juro que prefiro a primeira opção: viver da bilheteria.
O artista brasileiro se acomodou. O público passou a ser a última preocupação. “Ah, tem o público? Tinha pensado em fazer um espetáculo sem ele, utilizando a plateia vazia numa cena.”
É a síndrome da Vertigem que mata pouco a pouco o bom teatro e cinema comerciais.
Grupos premiados e aclamados que deveriam fazer parte do mercado agora o dominam.
O bom contato na diretoria de marketing cultural de uma empresa pública ou estatal é a prioridade. Ele nos dará a grana para mostrarmos nosso talento.
Vivemos no Brasil do anti darwinismo cultural. Não sobrevivem os melhores, os predadores competentes e mais adaptados ao ambiente, mas os com bons contatos e conhecedores da burocracia de edital.
Curiosamente, a peça E AÍ, COMEU? de 1999, não tinha patrocínio. Entrou em cartaz graças a uma grana emprestada em banco.
O mesmo aconteceu com a peça NO RETROVISOR. Estreamos sem patrocínio. Sabíamos que a obra era boa e sobreviveria sem subsídio.
Era assim que se fazia teatro. FELIZ ANO VELHO, peça de 1983, também foi com grana emprestada.
Tais peças ficaram anos em cartaz, viajaram o Brasil e foram pro exterior. Sem patrocínio. A grana da bilheteria nos sustentava. Grana que pegávamos aos domingos, in cash, e saímos para jantar, pagando com notas de dez. Nem restaurantes nos davam permutas.
Hoje, muitas peças têm mais patrocinadores e apoiadores do que gente na plateia.
Sim, o Estado, as grandes corporações, os bancos DEVEM patrocinar cultura num País que quer crescer, educar, já que a falência acadêmica e nas escolas é epidêmica.
Minha dúvida é se subsidiar, ou melhor, financiar TODO MERCADO CULTURAL não o afasta do público [o produtor indireto e maior interessado].
Uma coisa me surpreende com o filme E AÍ, COMEU?
O público aumenta.
Estava acostumado com aquele cinema brasileiro que pede aos amigos para indicarem, que xingam exibidores e distribuidores que o tiram em poucas semanas, para colocar uma superprodução gringa, podre, vendida, fruto da nossa dominação.
Mas recebo relatórios e converso com bilheteiros quando vou ver outros filmes e noto que E AÍ, COMEU? está em cartaz.
Um deles me disse, envergonhado: “Eu estava ao lado da gerente e não podia rir muito, mas é aquele filme que fala de coisas que a gente só diz entre amigos. Eles nos dedam…”
Ri deste último comentário, pois era um dos slogans pensados na pré-produção, que acabou na gaveta.
Muitos adolescentes veem o filme. Não era assim com a peça.
O colunista do GLOBO, Matheus Souza, defendeu o filme.
Para o colunista, chega a ser irresponsável desaconselhar o público a assistir ao longa.
Escreveu:
O filme é repleto de méritos que me fizeram defendê-lo em discussões de bar ao longo do final de semana. Alguns dos pontos que levantei entre um chope e outro:
1 – Há um esforço claro para se fazer um bom filme. Isso já é de se aplaudir quando o assunto é a comédia nacional no cinema. A estética não é televisiva, assim como o timing das piadas. Não se trata de um episódio alongado de série, nem de um filme-família com gags físicas super batidas. Entre erros e acertos, “E aí, comeu?” se arrisca apesar de ser um produto com objetivos comerciais, o que é louvável. Afinal, é de se admirar a possibilidade de um filme tão focado em diálogos resultar em boa bilheteria.
2 – Amigos falando besteira enquanto tomam chopes em um boteco é um tema tão brasileiro quanto os índios de “Xingu”, as favelas de “Tropa de Elite” e o futebol de “Heleno”. E o mais original, tendo em vista a cinematografia recente do país. Já estava mais do que na hora de abordar esse universo, em uma sacada semelhante à da trupe de Judd Apatow retratando o universo masculino americano.
3 – O roteiro é de um dos melhores escritores brasileiros vivos, o incrível Marcelo Rubens Paiva. Enquanto 70% da produção cinematográfica brasileira sofre com diálogos irreais e mal escritos, aqui a naturalidade é o diferencial.
4 – O filme tem pelo menos três momentos brilhantes. Murilo Benício e Seu Jorge roubam a cena e fazem valer o ingresso.
5 – Podem acusar que as personagens femininas são pouco elaboradas mas, mesmo assim, são muito bem defendidas pelas atrizes que as representam. Dira Paes é do tipo que poderia ler um texto de “Malhação” e te convencer que é de Shakespeare.
6 – Todo tipo de evolução é válida e deve ser reconhecida. “E aí, comeu?” é significativamente melhor que “Cilada.com”. Em tudo. Aliás, é bem diferente. Se você detesta o filme anterior da trupe do Mazzeo, não necessariamente irá desgostar desse, largue o preconceito de lado. Até porque o próprio Bruno, ao se desgrudar das neuroses excessivas que o tornaram famoso, acaba interpretando o mais simpático e engraçado do trio principal. A cena dele na casa de sua pretendente menor de idade e seu monólogo sobre o motivo pelo qual mulheres casadas arrumam casos extraconjugais me arrancaram risadas sinceras.
7 – Para concluir, vale ressaltar que criar campanhas contra o filme e criticá-lo de modo grosseiro não vai fazer com que no lugar dele sejam produzidos longas autorais de boa qualidade que passarão assim a receber mais atenção. O circuito brasileiro não é um conto de fadas. Se esse filme naufragar nas bilheterias a conclusão dos produtores será: “não vale a pena apostar em comédias fora do molde televisivo” ou “não vale a pena fazer comédias adultas, vamos investir apenas no que toda a família pode entender” ou ainda “bons diálogos
Não preciso dizer que até a família paga pau pra mim, o incrível, depois de ler isso.
Moral aqui em casa tá alto.
Vá ver e depois me conta.
July 12, 2012
proletários do mundo todo, comprai
MasterCard e o banco alemão Sparkasse Chemnitz fizeram uma votação entre internautas para escolher quem ou o que merecia estampar seus cartões.
Votaram em monumentos, paisagens, esportistas e políticos.
Deu Karl Marx.
Revelando o bom humor dos alemães e a prova irrefutável de que as ideologias já eram.
E JOÃOSINHO TRINTA profetizou: Quem gosta de pobreza é intelectual.
O proletariado quer mais é consumir.
Trabalhadores do mundo todo querem crédito.
Na Guerra Fria de hoje, combatem iPhone X Android, Face X G+, PC X Mac, Google X Explorer.
O maniqueísmo inerente se transferiu para redes virtuais e brinquedinhos eletrônicos.
Mimos que em 36 vezes no cartão podem se tornar reais.
Se no colapso da URSS o primeiro estabelecimento a abrir foi um MCDONALDS a metros da Praça Vermelha e do túmulo do Lenin, e se chineses do novo regime híbrido da terra de MAO fazem fila para comprar um BIG MAC, o troco foi dado.
Ideologia, CAZUZA, não é preciso mais de uma para viver?
Ninguém mais consegue viver sem uma tela e teclado à frente. E um cartão no bolso.
July 11, 2012
teatro é 3-d
E se quiser uma dica, vá ver Quartos de Hotel.
Texto e Direção: Mário Bortolotto.
Elenco: Katiana Rangel, Carcará, Danielle Cabral, Walter Figueiredo, Erika Puga, Francisco Eldo Mendes.
No Teatro Estação Caneca (Rua Frei Caneca, 384), de quarta a domingo.
Esquema “pague quanto quiser”.
Um Bortolotto diferente, como o próprio admite. “Sem bandidos.”
Maduro. Mais existencialistas. Mais romântico. Tão internamente desesperado quanto os anteriores.
De solitários em busca de explicações em outros solitários.
Dividida em 6 cenas, que se passam em 6 quartos de hotéis, todos sem estrelas na fachada.
Como: Homem casado que resolve desabafar com uma puta. Conquistador barato que tenta transar com duas irmãs. Amigo que descobre a infidelidade da mulher. Casado que não aguenta ser sufocado pela esposa. E outras.
Peça na lista das grandes peças escritas pelo autor que se renova sem sair do trilho certeiro da sua longa carreira, se é que vc me entende.
E com grandes atuações e momentos como: “Não gosto das novidades dos seus amiguinhos gays. Banda tem que ter história!”
Destaca-se a trilha.
E a atuação do ator Francisco Eldo Mendes, um mestre na sutileza, na compenetração e profundidade do jogo teatral, ator que tem inspirado toda uma geração de novos atores e desenvolve um método próprio de atuação e postura cênica e vocal.
July 10, 2012
filme censurado é ruim demais
Enfim o juiz da 3ª. Vara de Justiça de MG, Ricardo Machado Rabelo, liberou a exibição do longa A SERBIAN FILM – TERROR SEM LIMITES, considerando que não há mais “razões de natureza jurídica que impeçam a exibição do filme”.
No ano passado, ele teve sua cópia apreendida pela Justiça do Rio de Janeiro e sua exibição proibida por liminar do Ministério Público Federal. A acusação: “apologia a crimes contra crianças e inventivo a práticas de pedofilia”.
Desde a Constituição de 1988 que vivemos este imbrólio jurídico.
O artigo 5º foi simbólico e muito comemorando na Constituinte, especialmente depois de sairmos de décadas de censuras em regimes autoritários e até democráticos.
A lembrar: peças do NELSON RODRIGUES foram censuradas até no período de ‘ouro” da cultura brasileira, entre 1945 e 1964, em que vingava na teoria uma democracia presidencialista, que combatera na II Guerra regimes fascistas.
O artigo 5º. garante a livre manifestação do pensamento:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Muitos veem contradições nos 2 parágrafos. Com base no segundo que muitas obras, como o livro A ESTRELA SOLITÁRIA, foram embargadas e só depois de uma luta judicial liberadas.
Na interpretação da Justiça, seu autor, Ruy Castro, violou a honra do biografado, o ex-jogador GARRINCHA, ao afirmar que ele era alcoólatra, apesar de estar liberada a expressão artística.
Este mesmo argumento tem sido utilizado para se censurarem revistas, jornais e livros.
A censura em geral é burra, teimosa, quase sem sentido. Até ULISSES, de JOYCE, já foi censurado, como O VERMELHO E O NEGRO, de Stendhal, e HAMLET, de Shakespeare.
O MP provou sua estupidez e deu visibilidade ao recolher as cópias de A SERBIAN FILM.
Tal censura seria feita indiretamente pelo mercado. Pois o filme é ruim que dói e dificilmente um distribuidor ou exibidor se disporia a colocá-lo em cartaz. E mesmo se colocasse difícilmente o filme sobreviveria à primeira semana de exibição.
O filme lembra o que de pior havia no cinema brasileiro dos anos 1970: péssimos atores, fotografia mal feita, locações selecionadas nas coxas, apelo e sexo, muito sexo.
Conta a história de um ex-ator pornô aposentado, morando em Belgrado com a mulher e um filho, chamado para atuar novamente por uma quantia difícil de recusar. A própria mulher apoia a decisão.
Por contrato, não pode saber do que se trata. Os produtores parecem personagens caçados pelo Tribunal de Haia: servos ligados ao antigo regime, com cara de mau e guardas costas de sobra.
É parte do esquema que produz o que de pior tem na indústria pornô do LESTE EUROPEU, de onde vem infindáveis produções dos chamados snuff moveis [filmes que mostram cenas reais de estupros, mortes, decapitações].
Dopam o personagem com um coquetel de êxtase, a “droga do amor”, e Viagra, tornando-o um animal reprodutor sem controle. Sangue e porrada por toda parte. Cenas em que um saco de vômito só não basta. Filme para ser ver com Dramin.
Prova da total decadência do País fragmentado que já foi o paraíso anti-stalinista das esquerdas e polo de um grande cinema, como Emir Kusturica.
Nem quem gosta de porcarias, filme trash & underground, como eu, consegue chegar ao fim. Não sei como os promotores do MP carioca chegaram.
A liberação judicial deve ser comemorada.
Mas os amantes do antigo cinema iugoslavo lamentam
July 6, 2012
Dom Sócrates
SÓCRATES VIVE
Dona Kátia Bagnarelli avisa.
Última companheira do MAGRÃO diz que no dia 28 de Julho vamos eternizá-lo com uma obra de arte em forma de busto no Parque São Jorge.
Em agosto terá a primeira semana do LEGADO DO DOUTOR com exposição de tudo o que ele deixou pra ela, as obras de artes nunca vistas antes, salas de leitura com as colunas escritas por ele em 10 anos de vida jornalística, as melhores imagens de lances em campo, o Doutorzinho explicando para as crianças a importância do esporte e da educação, palestras e debates com convidados. Tudo GRATUITO!
E não é que seu nome foi gritado por todo o PACAEMBU logo depois de encerrada a partida, no jogo mais importante da história do Timão, enquanto aguardávamos a instalação da estrutura da premiação no gramado.
“DO-TÔ! DO-TÔ! DO-TÔ! DO-TÔ! DO-TÔ!”, gritavam os curintia, com o punho esquerdo erguido. Sua mística está eternamente em nossos corações. Elegância, raça, posicionamento político coerente, vida bandida e boêmia, gozador em tempo integral, misturado às responsabilidades com o País, a família, sua terra, em querer mudar.
Não é por outra que seu nome é Sócrates BRASILEIRO Sampaio de Souza Vieira de Oliveira.
Dom Sócrates.
July 5, 2012
hj não tem
Alô?… Fala chefia… Tudo certinho com o senhor?… Não deu pra aparecer hoje aí no trampo. Uma dor de dente desgraçada. Meu cunhado tá me levando de moto lá no hospital… Aqui onde eu moro tem dentista no hospital, aquele plano que o senhor paga é bão demais!… Corinthians? Não sei não, o que aconteceu?… Invicto? Puxa… Mas o senhor não é são-paulino, ficou vendo o jogo ontem por quê?… Vi nada não, ganharam o quê?… Eu tava de cama com este torcicolo… É que a dor de dente se espalhou e deu também torcicolo… A rouquidão é por causa que eu ficava gritando de dor a noite toda, “ai, vai, ai!”… O povo gritando aqui atrás é barulho da TV, sabe como é, aqui no bairro pessoar vê TV alta pra se esnobar, é todos uns maloqueiro… Vai cair a ligação, chefinho, tô sem ficha, só queria dizer que é com dor no coração e no dente que não vou poder trabalhar hoje, certo?… Valeu. Amanhã também não sei se apareço. Mas eu aviso… Lembrança a todos aí.
July 3, 2012
desavença italiana
Domingo.
Se deliciavam no café da manhã, dia da semana em que tudo era permitido: queijo gordo, geleias, croissant, ovos com salchicha, até bacon.
Combinaram na lua de mel em Cancún que em todos os domingos teriam um café da manhã digno de um resort mexicano.
Liam o jornal e se esbaldavam.
Mas em férias de repente do nada ela se virou para ele e sugeriu depois de ler o caderno de economia:
“Vamos nos separar?”
Ele estava com a xícara erguida. Deteve o movimento. Olhou pensativo. Deu um gole no café. Delicioso. Era ele quem o preparava como um connaisseur.
Depositou a xícara sobre o caderno de esporte e respondeu:
“Bora.”
Ela estendeu a mão para firmar o pacto: “Promete?”
Ele estendeu a sua. Apertaram, olhos nos olhos: “Prometo”.
Voltaram a ler o jornal. Ele abriu o caderno de cultura, e ela leu os editoriais.
Depois de um tempo, ela comentou:
“Você aceitou tão rápido. Já tinha pensando nisso?”
“Na verdade, não. Tá vendo como mesmo depois de tantos anos você não me conhece?”
“Não conheço, mesmo. Achei que ia fazer um escândalo, tentar me convencer do contrário.”
“Tô de boa. Você sugeriu com tanta convicção, que achei que é a coisa certa. Senti isso. Reparou como a gente sempre sabe o que o outro está pensando antes de ele falar?”
“É o convívio.”
“Como você quer fazer?”
“Não pensei nisso ainda.”
“Posso ir prum flat.”
“De boa?”
“Sempre quis morar num. Imagine… Você deixa o quarto uma zona, vai trabalhar, volta, e ele está arrumadinho.”
“Posso ajudar a decorar?”
“Lógico. Você tem um puta bom gosto. Por isso me casei com você. Entre outras coisas…”
“Tipo?”
“Ah, você é uma baita gostosa, linda…”
“Cê acha, é?”
“Puxa, agora que vou morar sozinho, vou falar palavrões. Acho tão avançado homem que fala palavrão, desprendido…”
Ela pegou na mão dele, colocou-a no seu rosto, beijou, abaixou para o peito. Ele fez carinhos neles, ela tirou e disse: “Achei que ia brigar pelo apê.”
“Nada de separação litigiosa. Acho coisa de gente rancorosa, mal resolvida…”
“Meu deus, o que a gente fala pras crianças?!”
“Hum, boa pergunta. Precisamos de um motivo.”
“Bora dar um Google.”
“Motivos mais comuns em divórcios? Elas não são mais crianças, estão já namorando, na faculdade, daqui a pouco vão morar com amigos, fazer intercâmbio na Espanha. Estão se lixando para nós. Vão até gostar. Terão duas contas bancárias para explorar.”
“E pros amigos, o que a gente diz?”
“Vamos falar da crise dos sete anos. Sempre tem a desculpa da crise dos sete anos.”
“Mas nós somos casados há 20.”
“Vamos dizer que há 13 anos a gente não superou a crise dos sete.”
“Ninguém vai cair nessa.”
“É verdade. Vou dar um Google. Olha, só não vale falar que decidimos por causa da falta de tesão, que com o tempo diminuiu a frequência. Acho muito baixo astral casal que se separa e sai espalhando que não transava mais, que pareciam dois irmãos na cama…”
“Até porque no nosso caso não é verdade. Nossa média é alta, comparada a outros casais.”
“Então, por que nos separamos?”
“Boa pergunta. Deixa eu ver… O que diz o Google?”
“A conexão tá lenta…”
“E se a gente não disser nada?”
“Como assim?!”
“Ué, se perguntarem, a gente faz aquela cara dissimulada, sabe? De gente fechada que não gosta de falar das suas intimidades.”
“Hum, você é tão esperto. Me dá um tesão. Por isso me casei com você.”
Ela o abraçou para trás e beijou o pescoço dele.
“Pensei que fosse por causa da minha barriga tanquinho.”
“Tanquinho industrial?”
Ela deu um apertão na gordura da cintura dele e começou a recolher a louça. Ele ficou se examinando, se apalpando, se olhou no reflexo da janela: “Preciso emagrecer. Agora que sou um divorciado de meia-idade disponível no mercado.”
“Relaxa. Mulheres não ligam pra isso.”
“Não? E do que elas gostam? Conta outra…”
“De cara interessante.”
“Será que sou um cara interessante?”
“Você vai catar geral, será seletivo ou dará um tempo sozinho?”
“Não me decidi. Posso catar geral?”
“Por mim… Exceto minhas amigas, OK?”
“Por que não?”
“Nem vem!”
“Estou pensando em partir pra outra geração.”
“Que faixa?!”
“Dez anos a menos, no máximo.”
“Ufa, que susto. Tudo bem. Deve ser interessante pegar uma geração diferente, outros costumes, bandas, gírias, lugares, bares. Contanto que não seja a geração dos nossos filhos. É doente, isso.”
“E você?”
“Não planejei nada. Mas…”
“Fala.”
“Ai, tenho vergonha…”
“Pode se abrir. A gente é amigo agora.”
“Você não vai me zoar? Tá bom, eu falo. Eu queria pegar, sei lá… Outra mulher. Pronto, falei.”
“Uau! Que legal.”
“Ah, nunca fiquei. Me sinto uma careta. Hoje em dia é tão normal. Deve ser uma experiência diferente. Já levei cantadas de umas mulheres bem interessantes. Gatas.”
“Você sente atração?”
“Não sei explicar.”
“Mas você não vai virar lésbica, nem coisa do tipo.”
“Sei lá. Por quê?”
“Porque daí teríamos o motivo. ‘Ah, se separaram porque ela é gay, sempre foi, desde pequena, ficou anos casada com aquele cara, mas no fundo gosta de mulher’.”
“E daí? Deixa falar. Te incomoda? Antigamente até iam pensar, ‘pô, o cara é tão devagar que a mulher trocou por outra, o cara nem sabe fazer direito.’ Hoje em dia as pessoas estão mais abertas. Até a sua turma do clube.”
“Dane-se. Eles vão é morrer de inveja quando me ver na piscina com uma gata dez anos mais nova com um baita corpão e um biquininho mínimo…”
“Bobo. Você nem vai na piscina com medo de pegar doença de pele, seu hipocondríaco!”
Riram. Terminaram de lavar a louça. Começaram a enxugar.
“O título do clube fica com quem?”, ela perguntou.
“Se tiver algum entrave no estatuto, pode ficar pra você. Vou pegar um flat com piscina.”
“Boa. Posso vender o meu carro? Não aguento mais esse trânsito. Tô pensando em andar só de bicicleta agora.”
“Coisa de sapata.”
“Hiii, começou a gozação.”
“Ah, acho bacana. Alguém tem que fazer alguma coisa pelo planeta.”
“E os livros?”
“A gente divide: o que eu não li fica pra mim e vice-versa.”
“Os móveis?”
“Posso ficar com a LCW? É design do Charles Eames. Deve caber no flat.”
“Olha só… Não sabia que você era ligado em design.”
“Você não sabe muita coisa de mim, baby. Tem cem anos que o cara desenhou essa poltrona. É um clássico.”
Começaram a guardar a louça. Ele desmontou a cafeteira italiana, tirou o pó, limpou, a segurou um instante. Perguntou: “Posso ficar com a cafeteira?”
“Oi?”
“Não consigo tomar café de outra.”
“Foi tio Modesto quem me deu.”
“Eu sei.”
“É uma Moka legítima.”
“Hoje em dia qualquer supermercado vende.”
“Então compro uma.”
“Só consigo fazer café nesta daqui.”
“Não.”
“Não o quê?”
“A cafeteira não sai daqui.”
“Me apeguei a ela. É a única coisa que estou pedindo, além da LCW.”
Disputaram a cafeteira.
“Me dá aqui. Quer fazer cafezinho nela pra sua Lolita, seu pedófilo. Não vai!”
“Solta! Você n ‘ao vai usar a herança do tio Modesto com um sapatão, sua degenerada!”
Cada um segurou uma parte dela. Até ela se dividir, e ambos rolarem pelo chão.
Cena patética presenciada pelos filhos recém-chegados na porta da cozinha.
O resultado foi óbvio.
Não se separam, pois não queriam abrir mão daquele bem.
Estão casados até hoje. Nunca mais tocaram no assunto.
Única diferença é que ela ficou mais gostosa depois que começou a andar de bike, e ele perdeu a barriga proeminente graças à natação no clube.
E começou a falar palavrão.
July 1, 2012
shark attack
Me sinto num filme de Spielberg quando ando pelo RECIFE e vejo a cada 50 metros a placa AVOID SEA BATH.
Me perguntei se não foi no auge do axé-turismo baiano na década passada que os pernambucanos não se viram preocupados com a concorrência e fizeram dos ataques de tubarões ocasionais um incentivo a mais para visitantes gastarem seus dólares, euros e reais no Recife.
Afinal, em qual praia do mundo você pode encontrar um peixe pré-histórico com fama de mau, ícone dos mares e de especiais do Discovery Channel?
Tem até dinheiro da PETROBRAS para elucidar os perigos aos banhistas, monitores que detalham os tipos de ataque mais comuns e as razões.
Aprendi que olhando de baixo surfista com a prancha e as perninhas balançando se parece com tartarugas, PF preferido dos tubarões. E que, claro, com a poluição dos rios e o porto, o alimento ficou escaço, e as batatas dos banhistas, atraentes como petiscos de botequim.
E placas que enumeram em quais situações os banhistas correm mais risco.
Evite o banho de mar se estiver sozinho, sangrando ou com joias que brilham.
Gosto da última: Evite o banho de mar se estiver alcoolizado.
Caramba, tudo hoje em diz é culpa do álcool. Por que, tubarão prefere carne temperada com álcool, gosta mais de destilados, flambada? Ou as autoridades acham que nós, bebuns, ao vermos um tubarão, o abraçamos e pedimos “converse comigo, quer um trago? você é meu melhor amigo, aquela desgraçada me largou…”?
Porém, na dúvida, obedeça a sinalização, evite nadar em mar aberto.
E se beber não dirija nem papeie com um tubarão.
June 28, 2012
blowing in the wind
June 27, 2012
é preciso ter ciência

"ISTAUTUA" DE CHICO SCIENCE NO RECIFE VELHO
Com SCIENCE a gente muda uma cidade, um Estado, o País.
Este sabia agregar, se alimentar das sobras do mangue e oferecer algo que deixava o mundo de boca aberta.
Foi a verdadeira revolução na MPB e na cultura brasileira.
Sem rancor, respeitando quem chegou antes e lhe abriu as portas, reverenciando os grandes mestres.
Queria ver a poeira subir, e muita fumaça no ar…
Faz uma falta danada!
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