M. Barreto Condado's Blog, page 31

November 2, 2016

Todos (os) Santos

- Um, dó, li, tá, tu és bruxa, tu és santa, tu és finada.- Finada? Eu não quero ser finada!- Ora isso não é algo que possas escolher. És finada e ponto final.- Já te disse que não quero ser finada.- Escuta lá os mortos não reclamam, aliás nem se ouvem por isso vê lá se fazes o mesmo.- Os mortos também recebem mais flores do que os vivos e eu não te vejo com nenhum bouquet de flores.- Isso é porque o remorso é mais forte do que a gratidão, por isso agradece e cala-te.- Agradecer? O quê? Não sou nenhuma santa.- Pois não és finada. (suspiro) - Mas hoje não é o dia de todos os Santos? - Santa paciência. Hoje é o dia das Bruxas.- Então quero ser uma.- Já te disse que não podes. - E um sapo, posso ser?- Não!- Então já não quero brincar. - Olha porque não fazes o que Victor Hugo disse.- E ele era um bruxo.- Não!- E era um santo?- Também não. Mas é um finado.- Ahhhh. Então e o que foi que ele disse?- Disse que podes brincar porque segundo ele: “os mortos são uns invisíveis e não uns ausentes”.- Está bem, mas amanhã quero ser outra coisa. - Amanhã logo se vê. Agora como tua primeira tarefa vais aquele cemitério bater nos túmulos e perguntar se querem ressuscitar. - Maldita tarefa.- Se forem como o meu primo Schopenhauer: “…sacudirão a cabeça num movimento de recusa”.- Começo a pensar que devia ter sido Santa.

Crónica in Diário do Distrito, 02 Novembro 2016
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Published on November 02, 2016 05:20

October 31, 2016

All Hallows Eve

Cai o véu que separa os mundos.
Nesta noite é permitido às almas circularem livremente pelos locais que em vida conheceram. Uns mais afortunados poderão vê-las, outros senti-las, mas a verdade é que nesta noite elas estão aqui para nos agraciar com a sua presença. Voltam para nos fazer companhia, para nos sentir, para nos lembrar que não estamos sós.
Não necessitamos fechar os olhos para senti-las ao nosso lado.
Fazem-nos companhia enquanto cozinhamos, sentam-se à nossa mesa para nos ouvir conversar e antes de voltarem a partir ajeitam-nos os lençóis da cama como faziam em vida beijam-nos nas faces sussurrando-nos as tão ansiadas palavras de amor.
Nesses momentos se fecharmos bem os olhos quase que as conseguimos ouvir dizer:
Não chores não morri! Já não sou o meu corpo, mas o meu espirito permanece em ti.
Não tenhas saudades minhas!Pois nunca te deixarei, não o conseguiria mesmo que tentasse.
Não te sintas só!Estarei sempre aqui até ao dia em que nos reencontremos.
E até que esse dia chegue novamente ansiarei pela tua presença.Mas voltarei. Porque enquanto viver na tua memória, Vivo!
Agora descansa com a certeza que estarei sempre por perto.E quando o véu se voltar a erguer e sentires o vazio da minha ausência pensa que teremos sempre este dia para nos voltarmos a reencontrar.
E no próximo ano aqui estarei só para te ver.
Ergue-se o véu que separa os mundos.

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Published on October 31, 2016 16:57

October 26, 2016

Lar Doce Lar

Lembro-me da casa dos meus avós em Lisboa, numa rua com frondosas árvores que nos protegiam da chuva no inverno e do calor no verão. Acordar com o chilrear dos pássaros a receberem cada novo dia. Mas lembro-me principalmente dos vizinhos, eram uma extensão da nossa própria família. Pedir um balde de gelo, meia dúzia de ovos ou uma xícara de açúcar era mais do que um esquecimento nas mercearias, era uma oportunidade para conversarmos sobre tudo e sobre nada.
Depois mudei para um prédio impessoal também em Lisboa, onde cedo me habituei que os simples gestos de boa cidadania eram quase como jogar “roleta russa”.  
E quando julgamos que já nos habituámos a esta indiferença os vizinhos que se tinham inicialmente resignado à nossa presença acabando por nos aceitar envelhecem, partem. A verdade é que os tempos mudam e nem sempre essas mudanças são para melhor.
Por isso quando leio que a sonda Schiaparell embateu no solo de Marte lembro-me das vezes em que a meio da noite ouço estranhos ruídos o que me deixa a pensar se alguns dos meus vizinhos serão abduzidos e substituídos por marcianos. Da maneira como agem no dia seguinte posso garantir que não são humanos.
Quando vejo imagens da frota russa a passar na nossa costa fico satisfeita por já não ter a garagem inundada pois ainda me arriscava a ir para o meu carro e acabar por entrar no Dmitry Donskoy.As contas desta administração parecem um apêndice do Orçamento de Estado do próximo ano, pelo que ficarei à espera que o senhor Moscovici se manifeste.
Temo ainda que alguns vizinhos não tenham aceite o protocolo de Quioto pela maneira como deixam após a sua passagem os elevadores transformados em verdadeiras câmaras de gases tóxicos e corrosivos. Outros tantos continuam a transportar os seus sacos de lixo desde a sua casa até ao contentor geral deixando atrás de si líquidos dignos de tratamento numa ETAR.
Uma pequena informação reciclar não significa baralhar e deitar fora.
Por tudo isto sinto que talvez tenha chegado a altura de mudar de casa.

Mas principalmente por saber que a minha casa é algo do outro mundo gostava de informar que a coloquei à venda nas seguintes agências: NASA, ESA, SETI e Steven Spielberg.  
Crónica in Diário do Distrito, 26 Outubro 2016

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Published on October 26, 2016 09:58

October 20, 2016

E viveram felizes para sempre

Eram oito horas da manhã quando na passada quinta-feira chegava a Alcobaça a convite da Câmara Municipal para participar na 3.ª edição do festival Books & Movies. Dirigi-me à Biblioteca Municipal atravessando a pequena ponte sobre o rio Alcôa com o habitual nervosismo de quem nem não sabe o que esperar, mas com a forte convicção da imensa responsabilidade que é apresentar os MacCumhaill e a Irmandade. Desta feita a minha assistência eram os alegres, curiosos e deveras interessados alunos das escolas de São Martinho do Porto e da Benedita com os quais passei momentos simplesmente indescritíveis. Almocei no restaurante Frei Bernardo em excelente companhia onde entre diversas iguarias pude degustar alguns dos tentadores doces conventuais. E onde fui simpaticamente convidada para um final de noite que se veio a comprovar deveras reconfortante à lareira a ouvir falar em bom português. Mas foi naquele final de tarde sentada na esplanada da pastelaria Alcôa defronte para o Mosteiro enquanto bebericava um sumo de laranja natural e comia uma torrada dividida com uma pomba, duas…três não paravam de chegar. Passado pouco tempo perdi-lhes a conta mas a minha mesa mais parecia a escadaria da catedral de S.Paul, só lá faltava a Mary Poppins a cantar “feed the birds” e da minha torrada tão estoicamente dividida não sobraram migalhas para me reconfortar o queixoso estômago. Pude reparar que os últimos turistas abandonavam o Mosteiro quando pouco passava das dezoito horas, descendo a escadaria principal caminhando na direcção de um falso rei que se passeia por ali tentando cativar a atenção e possivelmente algumas moedas em troca da sua imagem. Levantara-se uma leve brisa outonal que me parecia querer beijar como se de um velho amigo se tratasse e nesse momento como que enxotadas por uma mão invisível as pombas levantaram voo na direcção do campanário desaparecendo. O falso rei prostrou-se de frente para a velha escadaria do Mosteiro, levantou a sua espada e fez uma vénia em sinal de reverência também ele se despedindo com o respeito que aquele local inspira. Mas foi quando o véu da noite começou a descer lentamente sobre as suas frias paredes de pedra que reparei que lá de dentro alguém observava. Abri e fechei os olhos só podia ser aquela parca luz a pregar-me partidas. Quando voltei a olhar lá estavam pequenos vultos por detrás das janelas do andar superior olhavam sem ser vistos ou assim julgavam. Pareciam querer garantir a calma daquela noite. Olhei em volta todos pareciam ignorar o que ali se passava, aparentemente só eu os via.  Levantei-me da minha cadeira e caminhei na direcção do solar da cerca do Mosteiro, nesse momento vi-os colocarem os fortes capuzes e desaparecerem tão misteriosamente como tinham aparecido. Sei que não imaginei, que não era a minha fervilhante imaginação a inspirar-me para outra história com seres imortais, tenho a certeza que os vira e apesar de saber que quem me observava estava vivo sem viver sabia que podiam já não se ouvir o bater dos seus corações, mas continuava-se a sentir o calor das suas almas. No final da noite voltei a fazer o caminho de volta atravessando aquele longo terreno de terra batida àquela hora quase deserta. Parei perto da escadaria olhando para as janelas onde antes vira os misteriosos vultos e nada. Voltei-me para partir quando pelo canto do olho me pareceu ver algo mover. Desta vez e bem nítido pude vislumbrar uma linda mulher loira que me saudava sorridente, aproximou-se por detrás dela um homem que a abraçou protector enquanto também ele me olhava. Soube quem eram mesmo sem se terem apresentado. Baixei a cabeça discreta, mas respeitosamente e recomecei a andar.  Senti passos a seguirem-me a uma distância segura, mas nunca me voltei, sabia que quem o fazia não estava realmente ali e que vinha a mando do seu Senhor para garantir que chegava em segurança ao meu destino.  Só quando me sentei dentro do carro e liguei a ignição soube que me encontrava só. E ao sair de Alcobaça voltei a atravessar um espesso nevoeiro sabendo que deixava para trás algo que era só meu, aquele momento.  Lembrei-me de uma frase do escritor alemão Heinz Konsalik: “O Amor é mais forte do que a Morte” e Pedro e Inês eram prova disso afinal continuavam a viver e na sua morte tinham encontrado o seu “viveram felizes para sempre”.
Crónica in Diário do Distrito, 19 Outubro 2016
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Published on October 20, 2016 06:51

October 12, 2016

Festival Books&Movies 2016, Alcobaça




















A convite da Câmara Municipal de Alcobaça este ano estarei presente na 3ª edição do Festival Books&Movies, 
E é já amanhã dia 13 de Outubro, no Auditório da Biblioteca Municipal que irei levar os mundos fantásticos dos MacCumhaill e da Irmandade aos Grupos Escolares. 
O primeiro encontro está marcado para as 09:30h e o segundo para as 14:00h. 
Quem quiser aparecer é sempre muito bem-vindo.
Até lá!
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Published on October 12, 2016 03:58

“…, Nobre Povo, Nação valente, …”

Somos realmente um nobre povo. Foi com esta sensação que voltei de Paris no passado dia 10 de outubro, onde me desloquei a convite da SALF, Société des Auteurs Lusophones de France. Tive o enorme privilégio de ser uma das suas convidadas de honra, garantindo-me assim a possibilidade de falar sobre os meus livros, conhecer novos autores e agentes literários além-fronteiras. É verdade que quando lancei “Yggdrasil, Profecia do Sangue” em 2015, tive medo que a minha ambição de dar a ler o que escrevo ficasse por aí, mas lembrando-me dos meus “egrégios avós” soube que todos os passos que desse, fossem eles mais ou menos consistentes acabariam eventualmente por me “guiar à vitória” sendo que as minhas armas não serão certamente outras do que as palavras com as quais tanto gosto de brincar. Aterrei no aeroporto de Orly no passado dia 08 de outubro, na companhia da poetisa angolana Regina Correia que viajava no mesmo voo e com quem descobri ter tantas afinidades. Foram dois dias intensos. Quem ainda pensa que fui passear para a cidade das Luzes engana-se, a verdade é que tudo o que me move é por amor a novas experiências, sensações, memórias, locais, cheiros, pessoas. Tudo o que me rodeia serve de combustível literário, vivo tudo intensamente para conseguir escrever.  Nestes dois dias tive o privilégio de conhecer e assistir ao lançamento do novo livro da também poetisa angolana Ana Casanova de onde retive das suas palavras a minha luta literária diária: “Não sei onde me leva este caminho, não sei se chegarei ao tal destino, …”, é verdade que não sei se lá chegarei, mas gosto de pensar que estou no bom caminho.  Naquela última noite quando me despedi e voltei para o hotel na companhia da Regina fi-lo com a sensação de dever cumprido. O vento frio do outono que nos provocara lá fora continuava a soprar forte agitando as árvores que ladeavam o Sena. Perdidas nos nossos próprios pensamentos observávamos o rio, também ele parecia satisfeito por nós, deslizando suavemente tentando apaziguar o vento.  Sentadas no bar do hotel com um copo de vinho tinto à frente conversávamos sobre tudo. Mas nada conseguiria descrever melhor os nossos sentimentos naquela nossa última noite em Paris como as palavras escritas da Regina: “Atravesso a sombra e solto a voz, festiva palavra estampada na memória de cada verso, …”, “de palavra em palavra, até cortar a linha do horizonte, …”.  Aproveito para agradecer aos inúmeros portugueses residentes em França que tão calorosamente nos receberam pois são eles que continuam a manter acesa a chama da nossa “Nação valente e imortal”. E a todos os escritores lusófonos que se encontravam neste evento, Manuel do Nascimento, Manuel Sousa Fonseca, Inês Oliveira, Frankelim Amaral, António de Sousa, Altina Ribeiro e ainda à artista plástica Odete Domingues Ferreira a continuação de bom trabalho em bom português. Aproveito ainda para relembrar todos os recentes autores portugueses que vivem em Portugal e que apesar de ainda não terem o seu tão merecido reconhecimento, continuam “contra os canhões” a “marchar, marchar” para levarem longe a sua paixão. Não os vou conseguir referenciar aqui a todos pelo que deixo somente o nome de alguns que tenho a felicidade de conhecer e que sei serem merecedores do seu lugar ao sol neste tão aguerrido mundo literário: Ana Cristina Pinto, Júlia Nery, Vanessa Lourenço, Anita dos Santos, Ana Ribeiro, Maria Cecília Garcia, Paulo Costa Gonçalves, Amílcar Monteiro e César Brazídio. Acredito que estes serão alguns dos nomes que ficarão nos anais da Literatura Portuguesa. Gosto de pensar que daqui a poucos anos farão parte do Plano Nacional de Leitura.E em forma de um até breve Paris deixo as palavras da jovem poetisa Inês Oliveira também ela radicada em França: “Vou ficar no pensamento de todos que me sabem amar e quando chegar o momento com um sorriso me vão recordar”.
Crónica in Diário do Distrito, 11 Outubro 2016
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Published on October 12, 2016 03:27

October 3, 2016

Porque também de nós reza a estória

Não somos ninguém e somos toda a gente. Somos filhas, mães, avós. Somos quem somos. Nada nos liga e tudo nos atrai. Somos sonhadoras. Perdemos umas vezes e ganhamos outras tantas. Mas acima de tudo não deixamos de acreditar. Acreditamos que o amanhã será melhor do que o hoje, levamos os nossos sonhos sempre mais além, entramos numa corrida de obstáculos e sabemos que alcançámos a nossa meta quando olhamos à nossa volta e sentimos que o nosso trabalho importa não é somente mais um entre tantos. Afinal somos novas autoras, mas com tanto para contar. E no sábado passado esse foi o momento da Anita dos Santos.
Num encontro no magnifico Clube literário da Chiado Editora, onde com casa cheia foi apresentado o seu segundo livro. Na mesa ladeada pelas suas duas oradoras convidadas e a sua representante editorial a Anita irradiava a sua própria luz. Não pensem, contudo, que era um momento para mulheres. Não! Era um momento para leitores, para nós que continuamos a gostar de ter um livro nas mãos, de o folhear, de cheirar as suas páginas, de mergulhar nesses mundos fantásticos onde somos sempre de alguma forma surpreendidos.  
É um dia de sentimentos dispares sabemos que uns vão amar a nova criação pelo que comporta e outros vão odiá-la pela mesma razão. Mas para o seu criador é sempre mais um bocado de si que tão amavelmente oferece. Acabaram os meses de escrita onde em cada página fica tanto, uma lágrima, um sorriso, um nome, um momento, um local, uma saudade que nunca acaba. E já no final surge aquela capa pois não poderia ser outra.
Confesso que o que mais me marcou neste novo livro, foi o desenho do mapa feito pelo marido e por um dos filhos da autora. E não é que faz todo o sentido, afinal quando escrevemos fazemo-lo porque temos o apoio incondicional das pessoas mais importantes na nossa vida e elas correspondem-nos com a mesma intensidade.
Não posso deixar de me congratular por saber que ficou no ar a promessa de que a estória não acaba por aqui afinal o André e o Vicente ainda têm tanto para nos contar.
E foi assim no passado sábado a apresentação da Anita com a sala cheia, com todos os pormenores bem delineados. Envelopes azuis escondidos nas costas de algumas cadeiras com frases que eram lidas pela assistência. Imagens de árvores espalhadas por toda a sala onde a curiosidade não deixa de ser que os Druidas do livro têm os seus nomes. Um pequeno teatro em que a autora contou com a colaboração de dois leitores presentes no público, a leitura de alguns excertos do livro e muito, muito mais.
Quando terminou foi difícil vir embora, mas fi-lo com a certeza de que esta estória tem continuação e gostava de me despedir utilizando as palavras da própria autora:
“As palavras que lia não seriam muito diferentes daquilo que escrevo hoje, pelo menos na minha imaginação”
Desejo-te muito sucesso Anita dos Santos e se me permites vou mergulhar n’ “A Cidade das Brumas”.


Crónica in Diário do Distrito, 03 Outubro 2016
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Published on October 03, 2016 07:48

Era uma vez...

Quem nunca se apaixonou perdidamente por um livro e pelo seu criador. Desde o momento em que o tiramos de uma qualquer prateleira, o folheamos, o cheiramos cada livro tem um cheiro distinto do que nos quer contar dos locais para onde nos quer transportar um pouco da alma do seu criador.Quando começamos a ler deixamos de existir e passamos a fazer parte daquele novo mundo que se abre para nos receber. Cada parágrafo é um novo momento dessa nossa nova existência, passamos a aceitar os vilões como nossos inimigos mortais, identificamos-nos quase sempre com os seus heróis que têm tanto de nós ou de quem gostaríamos de ser. Somos naqueles momentos em que o simples virar de páginas nos traz novas promessas, desejos parte daquele novo mundo. Quantas vezes damos por nós sem conseguir dormir sem terminar de ler o próximo capítulo? Por isso significar deixar a nossa nova existência num limbo sentimos que temos que completar a nossa jornada pois essa continua à nossa espera naquelas páginas onde alguém tal como nós se deixou perder nos cantos mais distantes dos mundos que até então só viviam na imaginação do seu criador.            Ler é como uma viagem sem fim para onde podemos partir sempre que quisermos e só voltamos se quisermos. Pois a seguir a uma viagem vem sempre outra e outra dando-nos a possibilidade de nos recriar quantas vezes quisermos.            Talvez por esse motivo quando me perguntam porque gosto de escrever, o que me motiva? A minha resposta só possa ser uma. Porque estou viva e vivo através das palavras.              Por ser um produto de tudo o que já li, de tudo o que já vivi, das pessoas com quem já me cruzei. Senti que estava na altura certa para também eu poder levar comigo através destes mundos por mim criados quem me quisesse seguir. E tal como em tantos contos que ouvimos desde cedo esta minha viagem também começará com o “Era uma vez…”.            “Era uma vez uma mulher de seu nome Madalena, que desde cedo influenciada pela sua avó materna de quem herdara o nome, decidiu tomar as rédeas do seu destino e deixar que esse a levasse até onde só a imaginação conseguia alcançar. Apesar de todas as contrariedades que encontrou nesse novo percurso pejado de pessoas falsas, promessas traiçoeiras e alguma inveja encontrou outras tantas pessoas verdadeiras e foi com elas que ganhou coragem para superar todos os obstáculos.             Viajou para Dublin, foi visita em Yggdrasil junto da família MacCumhaill e com a permissão desta escreveu a sua história para que outros soubessem que devemos confiar na magia, pois ela apresenta-se nas formas mais simples que nos rodeiam.            Quando regressou a Lisboa lembrou-se de uma história que ouvira em tempos quando fora aluna num colégio de Irmãs no Campo Grande, lembrava-se do maior ensinamento de todos: “A verdadeira Irmandade não une pelo sangue, mas pelo amor e respeito”.             E assim aos poucos foi contando sobre pessoas, locais e situações, e nunca parou de o fazer pois parar nunca foi uma opção…”            Esta estória nunca poderá acabar com “Fim” nem tão pouco com “Viveu feliz para sempre”, tenho a certeza que nunca acabará e que a imortalidade de que tanto gosto de falar se acabe por tornar realidade em tudo o que escrevo.
Desejo, contudo, que em qualquer momento peguem num dos meus livros o sintam, o folheiem, o cheirem, pois, cada livro tem um cheiro distinto do que nos quer contar dos locais para onde nos quer transportar e os meus têm a minha alma. 
Crónica in Diário do Distrito, 26 Setembro 2016
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Published on October 03, 2016 07:46

September 19, 2016

“Quem tem medo do Lobo mau, Lobo mau, Lobo mau”

Todos que tenham a minha idade sabem que esta era uma das músicas preferidas da nossa infância (bem de pelo menos alguns, eu pessoalmente gosto de não me incluir neste grupo). Mas a triste realidade é que desde pequenos que nos fomos habituando a ouvir que o Lobo é mau, agressivo, falso, agoirento, a própria representação do mal, e o cancioneiro português é disso um rico exemplo.  Mas existem muitos mais exemplos em todo o mundo desde os tempos mais remotos. Na mitologia Nórdica que tanto me fascina, Fenrir é visto como um lobo monstruoso, pai dos lobos Skoll, que pretende destruir o sol e de Hati, que por sua vez pretende destruir a Lua. Também na literatura somos bafejados por incríveis descrições da sua maldade, Bram Stoker apresenta-os como os guardiões da noite do príncipe da Valáquia, Vlad Dracul consegue mesmo transmutar-se num lobo. E não me poderia esquecer dos lobisomens que aparecem somente para nos atormentar quando à noite fechamos os olhos e nos deixamos guiar para onde a imaginação nos insiste em levar.  Talvez eu seja diferente, gosto de pensar que não estou só.  Para mim os Lobos não são maus, são sim uns corajosos sobreviventes num mundo onde o Homem continua a ditar as suas regras esquecendo-se das leis primordiais, as leis da natureza. Tenho que voltar um pouco atrás no tempo e explicar que esta minha paixão pelos lobos tornou-se, mais séria, quando em 1988 me tornei mãe adotiva de um lobo deste Santuário de seu nome Manchas. A história dele e das suas irmãs, na altura marcou-me sobejamente, ainda hoje guardo com devoção o cartão da adoção e a fotografia que o Grupo Lobo me enviou aquando da oficialização da mesma. O Manchas tinha sido mais um caso de pura maldade, desprezo pela vida animal ou simplesmente a única forma de defesa encontrada por algum pastor para proteger o seu rebanho. Ainda lobito foi encontrado com as irmãs dentro do covil onde a mãe os deixara antes de morrer envenenada perto de algum riacho. Por sorte ou simplesmente destino acabariam por encontrar no Santuário do Grupo Lobo, a sua nova casa.Assim como eles, outros tantos ao longo destes anos aqui foram encontrando proteção. Neste local onde todos têm nomes, sejam de rios, de árvores, de serras, sementes, na realidade o que importa é que cada um deles é único, tem a sua própria história. São os verdadeiros embaixadores da sua espécie. E não! Não são Lobos maus.  Muitos talvez se perguntem se não seria melhor estes magníficos animais estarem em liberdade. A resposta seria sim se este fosse um mundo ideal, infelizmente não é o caso. Estes nobres animais que aqui se encontram já carregam com eles uma grande bagagem de vida e de anos e as suas hipóteses de sobrevivência seriam muito baixas, o facto de a grande parte deles já ter nascido em cativeiro ou ter tido desde sempre contacto com o homem impossibilita esse estado natural que nunca lhes deveria ter sido tirado. Mas, e apesar da minha devoção por estes animais não serei certamente eu a pessoa mais indicada para vos falar deles. Dessa forma gostava de expressar aqui o meu agradecimento ao Grupo Lobo pela excelente visita que nos proporcionou, ao Furco por ter continuado a dormir ignorando a nossa curiosidade “paparazzo”, ao Lobito por timidamente se ter escondido assim que nos vislumbrou perto do seu cercado, à Faia por nos ter fixado com os seus belos olhos amarelos (fez-me lembrar a loba Lua da Irmandade da Cruz) e de nos ter avisado com o seu uivo que não nos queria ali muito mais tempo, e o meu agradecimento à Tua por se ter deixado ver independentemente dos restante “membros masculinos” da sua alcateia não o terem feito.  Havia tanto ainda para dizer, mas vou-me reservar esse prazer para os dois livros que ainda tenho para escrever sobre a Irmandade e os seus Guardiões. Uma coisa vos posso garantir, o meu amor e respeito por estes animais acabou de ganhar uma nova intensidade.  Dito isto gostava de vos convidar a todos a visitarem o CRLI – Centro de Recuperação do Lobo Ibérico situado no Picão, perto de Mafra, onde todas as vossas questões serão esclarecidas, onde conseguirão perceber não somente o que significa a palavra Santuário, mas como é importante respeitarmos e compreendermos os animais que ainda conseguem viver em liberdade (infelizmente a população de Lobo Ibérico em Portugal já não chega sequer a 300 indivíduos) e ainda como podemos todos ajudar este projecto a crescer e a ganhar força.  Gostava de conseguir uivar em agradecimento a estes magníficos animais, mas como não o posso fazer limito-me a apertar nos meus braços os seus primos directos, os meus fiéis cães e companheiros de jornada, Rommel, Morgaine, Dobby e Raven, não têm nomes de Rios mas tal como eles seguimos todos na mesma correnteza. E como dizem no Grupo Lobo: “Saudações Lupinas”
Crónica in Diário do Distrito, 19 Setembro 2016
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Published on September 19, 2016 07:18

September 12, 2016

À moda do Porto

Tanto já foi escrito sobre o Porto, mas nunca o suficiente para descrever a magia que esta cidade carrega na sua história. Não serei eu que a completarei, mas deixarei o meu testemunho sobre os sentimentos dispares que sinto sempre que lá chego.  Tudo ali me transporta para tempos mágicos carregados de mistérios e desafios, o simples facto de atravessar o rio faz-me sentir que o faço sobre a proteção dos Deuses, saudada pelo quente esvoaçar das asas dos dragões que a protegem, a neblina que me abraça e transporta através de tempos perdidos. Juro que se fechar os olhos e respirar fundo consigo ouvir o barulho dos barcos Rabelo aportando na ribeira carregados de pipas de vinho do Porto, as vozes das varinas que me chamam gritando “meu amor, minha querida”, consigo ouvir o resfolegar dos cavalos transportando os seus nobres cavaleiros, vozes de crianças brincando despreocupadas correndo descalças por qualquer beco ou ruela. Sei que foi aqui que Portugal foi buscar o seu nome, mas foi também aqui que nasceu o Infante, aquele que nos conduziria à descoberta de novos mundos. Não quero abrir os olhos tenho medo que esta magia desapareça. Mas quando o faço percebo que toda a alegria, a vida, a simpatia, a esperança e o caloroso recebimento das gentes do Norte continuam ali para me dar as boas-vindas num apertado abraço no meio daquela neblina que, entretanto, se começa a dissipar permitindo que o sol me beije. Sinto-me bafejada pela sorte, e independentemente desta vez a minha visita ser muito curta, não deixo de apreciar o rebuliço de pessoas que sobem e descem a avenida dos Aliados, nem tão pouco daqueles turistas que se sentam nas inúmeras esplanadas bebericando o seu vinho branco do Douro, o seu fino traçado, o seu tango, o seu príncipe, o seu whisky em copo de chocolate, o Vinho do Porto. Alguns pedem para acompanhar francesinhas, bacalhau à Gomes de Sá os mais ousados a medo pedem Tripas, um pouco relutantes quando percebem quais são os ingredientes, contudo o sabor acaba por levar a melhor pois vislumbro-os fazendo sopinhas de pão numa tentativa de apanharem todo o molho, limpando os pratos com uns enormes sorrisos nos rostos. Nesse dia ainda tive tempo de passar muito rapidamente pelo Palácio de Cristal onde decorria a feira do livro, foi com enorme satisfação que vi tanta gente. Fiquei fascinada com a quantidade de mulheres e homens bonitos que se podiam vislumbrar por ali, gostaria de pensar que é a verdadeira boa cepa do Norte. Quando subia a rua Júlio Dinis, chamou-me a atenção a peculiar forma de proporcionar momentos felizes aos turistas que visitam a cidade, primeiro passou por mim uma mota com sidecar e mais à frente uma pequena imitação de uma locomotiva com as suas carruagens. Simplesmente delicioso. Infelizmente, desta vez não tive tempo para muito mais, contudo, antes de me vir embora ainda tive tempo de beber um cimbalino, trocar alguns bitaites, e como não há espiga, e eu sou fina como um alho prometi voltar ainda antes do final do ano. Mas desta feita ficarei instalada no Palácio das Cardosas e comerei uma francesinha (que a meu ver se deveria chamar uma Portosinha) vegetariana. E na hora da minha despedida olhei para a Lua e percebi o que com o seu quarto crescente me estava a tentar dizer. Naquele momento a neblina voltou a cobrir a cidade e enquanto atravessava a ponte novamente sob a proteção dos Deuses e sob o suave esvoaçar dos seus dragões, pude sentir o cheiro do Douro e o grito das gaivotas que de mim se despediam. Até breve. 
Crónica in Diário do Distrito, 12 Setembro 2016
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Published on September 12, 2016 03:35