Cristina Torrão's Blog, page 28
March 4, 2019
Contos do Portugal Profundo - e uma história brasileira (7)
«O mundo era feito de sombras. Eram sombras o que me rodeava e eu mesmo era uma. Olhava as pessoas na rua e só via escuridão. Ouvia, no café, os projectos que as vozes alardeavam e tudo me parecia cinzento. O meu cérebro era uma mancha negra de perguntas, um gerador de problemas. Porque se movia esta gente como um carreiro de formigas? Que buscavam elas? Para que faziam projectos se a vida, traiçoeira, lhes cortaria as pernas quando menos esperassem? Dava por mim a penar que, afinal, todos estávamos enganados (...) À excepção de uma reduzida minoria, todos nós caminhávamos num fio de vida ilusório».
In "O Cisne", de João J. A. Madeira
Published on March 04, 2019 02:39
February 28, 2019
Como eu escrevo
Li esta interessante entrevista a Fernando Naporano e pus-me a fazer considerações sobre a maneira como escrevo. Saiu este texto:
Escrevo prosa: romances e contos. Levanto-me
muito cedo e gosto mais de escrever durante a manhã. De tarde, não tenho
ocasião e, ao serão, não consigo ser criativa. O ato de criação é, para mim,
muito cansativo e só me sinto apta a ele na frescura da manhã. Ao serão,
aproveito para fazer revisões. Revejo inúmeras vezes aquilo que escrevo, no
mínimo, dez vezes, algumas passagens ou cenas seguramente vinte ou trinta
vezes.
Tento sempre escrever entre duas a
três horas seguidas. Menos do que duas horas, não compensa, e mais do que três,
não consigo, começo a ficar cansada e vazia.
Para escrever um romance histórico,
é claro que tenho de fazer muita pesquisa. Já os contos são ideias que me
surgem, não preciso de pesquisar nada. Tenho alguns contos por publicar e
muitos mais na cabeça.
Nunca sinto medo de não corresponder
às expectativas. Escrevo aquilo que sinto. Quem gosta, gosta; quem não gosta,
não gosta.
Com projetos longos, romances de duzentas
ou mais páginas, fico um pouco ansiosa. Antigamente, ficava mais, tinha medo de
me esquecer de ideias que me surgiam logo no início para o meio ou o fim do
texto. Com o tempo, fiquei mais calma, a experiência ensinou-me que essas
ideias raramente se perdem. Pelo contrário: à medida que o enredo avança,
surgem outras melhores. Às vezes, porém, é difícil parar de escrever, quando penso que ainda tenho mais de cem ou de duzentas à
minha frente.
Escrevo seguramente de maneira
diferente hoje do que há dez ou vinte anos, quando comecei. Sou mais sucinta e
consigo “chamar” melhor os sentimentos. No início, estava bastante bloqueada.
Sentia necessidade de escrever, mas, por vezes, não sabia bem o quê. Hoje,
identifico mais facilmente.
O conselho que daria a mim mesma, se pudesse recuar,
seria o conselho que daria a qualquer principiante: pratica, escreve, sempre,
só com a prática se aprende!
Tenho dois grandes projetos que não
sei se chegarei a realizar. O primeiro seria um romance sobre a vida de Cristo,
com o foco na sua relação com a família. Há passagens da Bíblia que falam em
irmãos de Jesus. Como se daria ele com esses irmãos? Há outra passagem em que
ele diz que um profeta é reconhecido em todo o lado, menos na sua própria casa.
A família desconfiaria da sua sanidade mental? Também é curioso que Jesus nunca
se dirija a Maria com a palavra “mãe”, diz sempre “mulher”. Maria foi elevada,
pelo Cristianismo, a modelo de mãe ideal e, no entanto, o seu próprio filho
nunca a apelida de “mãe”. «Que queres tu, mulher?» pergunta Jesus, quando ela o
aborda, nas bodas de Canaã. Tudo isso seriam aspetos da sua vida que gostaria
de explorar. De uma maneira geral, interessam-me muito as relações familiares,
porque pouco do que as famílias expõem corresponde à realidade. Desconfio,
porém, que nunca chegue a realizar este projeto.
O segundo seria um romance que
caracterizaria a vida numa aldeia transmontana, ao longo de várias gerações.
Ando a pesquisar a minha família e a vida na aldeia-natal do meu pai com esse
fito e já constatei que as relações entre as pessoas estão carregadas de
violência. De novo, as relações familiares, aquilo que fica escondido, as
tragédias que se dão e ninguém consegue explicar (e, no entanto, têm sempre uma
explicação, nada do que fazemos é por acaso). Este projeto já me parece mais
realizável.
Published on February 28, 2019 02:21
February 25, 2019
No Luxemburgo
As Memórias de Dona Teresa podem não estar à venda na Bertrand e na Wook. Mas vão estar com a luxemburguesa Librairie Pessoa, no 19e Salon du Livre et des Cultures du Luxembourg, em 1,2 e 3 de março.
O meu profundo agradecimento à São Gonçalves.
P.S. O livro está à venda em algumas livrarias independentes e online, na loja da editora. Se o procurarem e vos disserem que está esgotado, digam que a própria autora vos afiançou que isso não é verdade!
O meu profundo agradecimento à São Gonçalves.
P.S. O livro está à venda em algumas livrarias independentes e online, na loja da editora. Se o procurarem e vos disserem que está esgotado, digam que a própria autora vos afiançou que isso não é verdade!
Published on February 25, 2019 03:25
February 20, 2019
Constança - A princesa traída por Pedro e Inês
Foi muito interessante ler um romance sobre D. Constança
Manuel, a princesa que casou com D. Pedro I e foi mãe do rei D. Fernando. Tendo o
caso amoroso de Pedro e Inês atingido nível de culto no nosso imaginário
coletivo, há a tendência para esquecer a esposa traída.
Tudo indica que a princesa se terá apercebido da paixão
entre os dois, já que Inês de Castro foi afastada da corte, sendo confinada ao
castelo castelhano de Albuquerque, perto da raia portuguesa. Isto será
igualmente indício de que Constança terá sofrido com o caso.
Isabel Machado, a autora deste livro, retrata uma
Constança muito sofredora, também devido ao seu passado. Estivera casada com o
rei castelhano Afonso XI, mas este repudiou-a, sem consumar o matrimónio, e
encarcerou-a no castelo de Toro, a fim de casar com a infanta D. Maria de
Portugal, irmã de D. Pedro! Esta rainha, porém, não teve igualmente grande
sorte com o rei castelhano, pois Afonso XI sempre preferiu a barregã Leonor
Nunes de Gusmão, com quem teve vários filhos, situação que, depois da sua
morte, levaria a uma guerra civil em Castela.
A estadia de Constança Manuel na corte portuguesa limitou-se
a seis anos, dando três filhos à luz: o infante D. Luís, que morreu com poucos
dias de vida; a infanta D. Maria, que casou em Aragão; e o infante D. Fernando,
que viria a ser o 9º rei de Portugal e o último da dinastia Afonsina. Segundo o
imaginário popular, a princesa terá morrido de desgosto pela paixão entre o
marido e a sua aia e melhor amiga, versão que a autora corrobora.
Este romance alterna entre a primeira pessoa (a
própria Constança) e a terceira pessoa. Não penso que houvesse esta
necessidade, mas é assunto passível de discussão. Tem momentos bons e
empolgantes, ao lado de outros mais fracos, do ponto de vista literário, e há
situações de enredo mal resolvidas. O carácter de D. Pedro permanece
enigmático, o que aliás não é uma crítica, já que esta personalidade continua
envolvida em muito mistério. Gostei de ver um retrato favorável de D. Afonso IV,
fiel à sua esposa Beatriz, incomodado com o desprezo a que o genro de Castela vota
a filha e revoltado com o sofrimento que a paixão entre Pedro e Inês provoca na
nora Constança. É notória a relação conflituosa que tem com o filho, o que nos
leva à pergunta ainda não respondida: o que de facto originou o assassinato de
Inês? Mas isso é assunto para outro romance, pois deu-se vários anos depois da
morte de Constança Manuel, a protagonista deste.
Published on February 20, 2019 03:18
February 16, 2019
Esgotado ou Não Disponível?
Não se compreende!
O livro existe e está disponível, tanto na editora,
como na distribuidora.
A situação na wook.pt e na bertrand.pt está
assim, pelo menos, desde o dia 18 de janeiro (quando dei conta).
Já não
peço que esteja em todas as livrarias, isso é privilégio só para alguns,
que aprendi a aceitar. Mas que custava estar disponível online?
Para que conste: isto também é o mercado livreiro em Portugal!
O livro existe e está disponível, tanto na editora,
como na distribuidora.
A situação na wook.pt e na bertrand.pt está
assim, pelo menos, desde o dia 18 de janeiro (quando dei conta).
Já não
peço que esteja em todas as livrarias, isso é privilégio só para alguns,
que aprendi a aceitar. Mas que custava estar disponível online?
Para que conste: isto também é o mercado livreiro em Portugal!
Published on February 16, 2019 09:03
February 13, 2019
Mentirosos
Um mentiroso compulsivo prejudica terceiros, por
vezes, de forma grave, e alimenta intrigas ao transmitir falsas informações. Não
menos grave, porém, é a arrogância e o desprezo a que vota os seus
interlocutores, o que diz muito sobre o seu carácter: um complexo de inferioridade tão grande, que só pode ser compensado por doses maciças de arrogância, a máscara perfeita para a sua pequenez.
Published on February 13, 2019 03:08
February 11, 2019
Lucy
Quinze anos e três meses
Pregou-nos alguns sustos nos últimos tempos, mas encontra-se agora muito bem e adora dar o seus passeios.
Pregou-nos alguns sustos nos últimos tempos, mas encontra-se agora muito bem e adora dar o seus passeios.
Published on February 11, 2019 03:02
February 2, 2019
No Tempo de D. Afonso Henriques
Este livro, com coordenação do Professor Mário Jorge
Barroca, reúne as prestações de vários historiadores no colóquio com o mesmo
título, promovido pelo museu Alberto Sampaio e que decorreu em Guimarães nos
dias 22 e 23 de junho de 2010. Cada historiador abordou um tema, como, por
exemplo, a Igreja no tempo de D. Afonso Henriques, a imagem do nosso primeiro
rei na escultura medieval portuguesa, a arquitetura militar dessa época, o
papel da escrita, a habitação, a alimentação, o vestuário, etc., sem esquecer
as terras do sul muçulmano.
O limitar do tempo à época de D. Afonso Henriques -
século XII - é de extrema importância. Por falta de documentação coeva, ou de
estudos sistemáticos sobre muitos dos temas, há a tendência frequente, mesmo em
tratados históricos de alto nível, de alargar o espaço temporal aos séculos
XIII, XIV, ou mesmo XV, quando se pretende caracterizar a época da formação da
nacionalidade, seja em relação aos costumes, ao paço real, ou mesmo ao
vestuário e modo de combater. Um grande exemplo é uma tentativa de explicação
da organização territorial, usando as Inquirições levadas a cabo por D. Afonso
III em 1258, cerca de 70 anos após a morte de D. Afonso Henriques, como nos diz
André Evangelista Marques, no capítulo “A organização do espaço rural no tempo
de D. Afonso Henriques: a morfologia do casal
entre os textos e as materialidades” (pp. 195 a 227:
«Esta acepção da palavra [casal] pode ser considerada dominante, na medida em que a passagem
do tempo a tornou quase hegemónica, como se verifica, logo na primeira metade
do século XIII, pela leitura das actas das Inquirições Gerais de 1220 e de
1258.
Mas a realidade foi bem mais complexa e matizada (…)
[existe a] tendência para retroprojectar uma realidade característica dos
séculos XIII e seguintes (…) A escassez de estudos de história rural para o
período anterior a 1200, sobretudo no que respeita ao Entre-Douro-e-Minho,
explica o excessivo à-vontade com que esta noção [do casal] se generalizou na literatura e foi aplicada a [outras] cronologias»
(p. 210).
Trata-se de um livro imprescindível para quem se
interesse pelo início da nossa nacionalidade. Apenas menciono uma certa
desilusão, quanto ao capítulo “Viajar no Tempo de D. Afonso Henriques. Vias e
Pontes no território vimaranense” (pp. 303 a 357). Como o título o indica,
resume-se ao atual distrito de Guimarães e à ligação desta vila (à altura) com
outros centros urbanos como Braga, Porto ou Ponte de Lima. Apesar de ser um
estudo muito completo e rigoroso, gostaria também de ler sobre outros caminhos
e rotas no século XII português. Presumo, porém, que esse estudo, como tantos outros, estará ainda por
fazer.
Louve-se, no entanto, o trabalho recente dos
historiadores, que originou um verdadeiro avanço no estudo da nossa época
medieval neste século XXI. Esperemos que assim continue.
Published on February 02, 2019 06:50
January 31, 2019
Contra o Esquecimento!
Ruth Winkelmann, uma judia de 90 anos, é um caso raro
na História da Alemanha. Sobreviveu ao regime nazi e à guerra, sem sair de
Berlim. E, mesmo depois do conflito mundial, não deixou o país onde nasceu.
Era filha de um judeu e de uma cristã. Os pais
separaram-se, quando o ódio contra os judeus se tornou visível e eles consideraram que
os seus filhos podiam estar em perigo. Mesmo assim, Ruth, a mãe e uma irmã
viveram os anos da guerra escondidas num anexo da casa de um amigo da família, aliás,
um militante do Partido Nazi!
Ruth foi o único membro judaico da família que
sobreviveu. O pai morreu em Auschwitz, um irmão foi também assassinado pelos
nazis e uma irmã, mais nova, não resistiu à vida no esconderijo sem aquecimento
e acabou por morrer de difteria, em março de 1945, pouco tempo antes de acabar a
guerra e apenas três dias depois de completar os oito anos.
Durante 57 anos, Ruth Winkelmann não conseguiu falar
desse período da sua vida. Sempre que se falava no Holocausto, ou aparecia um
programa sobre o assunto na televisão, ela saía, em silêncio, da respetiva sala
e ficava incomunicável por algumas horas. Em 2002, porém, numa estadia de
férias na costa polaca do Mar Báltico, fez amizade com outra turista alemã.
Conversa puxa conversa e, ao aperceber-se de que ela era judia, a senhora
perguntou-lhe como tinha sobrevivido ao período nazi. Sem hesitar, surpreendendo-se
a si própria, Ruth começou a contar a sua história, uma história que estava
guardada no fundo do seu ser há tantas décadas e que, de repente, subiu à
superfície. A surpresa foi ainda maior, quando, instada pela senhora se estava
disposta a contar as suas memórias numa escola, Ruth respondeu, sem hesitar:
«Estou».
Durante três meses, anotou as suas lembranças e
vasculhou entre fotografias e documentos que havia guardado durante todo esse
tempo, mas ignorado. Foi terrível, nas suas palavras, houve dias que ela achava que não
aguentava. Mas aguentou, pois, com 74 anos, Ruth encontrara a missão da sua
vida: lutar contra o esquecimento.
Entretanto, as suas memórias foram publicadas em
livro, Plötzlich hieß ich Sara (De Repente, Chamava-me Sara) com a ajuda da historiadora Claudia Johanna Bauer. Com 90 anos, Ruth
ainda arranja força para três sessões mensais nas escolas, ou de leitura de
excertos do livro noutros contextos. Os estudantes são mais recetivos a um
destino pessoal do que a aulas estéreis de História. Numa ocasião, até fizeram
uma pequena peça de teatro, baseada em passagens do livro. Na apresentação da
peça, Ruth diz que não havia ninguém na sala que não tivesse lágrimas nos
olhos.
Ruth Winkelmann adora falar com os jovens, realizando,
em parte, um sonho seu: gostaria de ter sido professora. Porém, quando a guerra
terminou, ela tinha já dezasseis anos e não a autorizaram a encetar os estudos
interrompidos há vários anos, por já estar fora da idade. Acabou por se tornar
modista e, se a sua nova missão a ajuda a fazer as pazes com o passado, esta mágoa,
diz ela, guarda-a até hoje.
Nota: Texto baseado numa reportagem da edição de 27 de
janeiro de 2019 da KirchenZeitung , igualmente a origem da fotografia, no início.
Published on January 31, 2019 04:24
January 24, 2019
Seres exóticos
Na programação televisiva alemã da passada segunda-feira, dei com o seguinte programa (tradução minha):
«Quem come o quê ao pequeno-almoço? Como funciona a máquina da louça? Onde está o aspirador? Cinco mulheres observam como um pai se avia sozinho, durante dois dias, com os filhos».
Passando por cima da polémica que possa causar um programa que mostra o quotidiano de uma casa onde moram crianças, achei pertinente o comentário da redação da revista em causa:
«Curioso que, em 2019, homens a tratar das tarefas caseiras continuem a ser apresentados como algo de exótico».
«Quem come o quê ao pequeno-almoço? Como funciona a máquina da louça? Onde está o aspirador? Cinco mulheres observam como um pai se avia sozinho, durante dois dias, com os filhos».
Passando por cima da polémica que possa causar um programa que mostra o quotidiano de uma casa onde moram crianças, achei pertinente o comentário da redação da revista em causa:
«Curioso que, em 2019, homens a tratar das tarefas caseiras continuem a ser apresentados como algo de exótico».
Published on January 24, 2019 02:06


