Rodrigo Constantino's Blog, page 365

July 5, 2012

A cura gay

Contardo Calligaris, Folha de SP

Em 1980, a homossexualidade sumiu do "Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais". Em 1990, ela foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial da Saúde.

Médicos, psiquiatras e psicólogos não podem oferecer uma cura para uma condição que, em suas disciplinas, não é uma doença, nem um distúrbio, nem um transtorno. Isso foi lembrado por Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia, numa entrevista à Folha de 29 de junho.

No entanto, o deputado João Campos (PSDB-GO), da bancada evangélica, pede que, por decreto legislativo, os psicólogos sejam autorizados a "curar" os homossexuais que desejem se livrar de sua homossexualidade.

Um pressuposto desse pedido é a ideia de que os psicólogos saberiam como mudar a orientação sexual de alguém (transformá-lo de hétero em homossexual e vice-versa), mas seriam impedidos de exercer essa arte --por razões ideológicas, morais, politicamente corretas etc.

Ora, no estado atual de suas disciplinas, mesmo se eles quisessem, psicólogos e psiquiatras não saberiam modificar a orientação sexual de alguém --tampouco, aliás, eles saberiam modificar a "fantasia sexual" de alguém (ou seja, o cenário, consciente ou inconsciente, com o qual ele alimenta seu desejo).

Claro, ao longo de uma terapia, alguém pode conseguir conviver melhor com seu próprio desejo, mas sem mudar fundamentalmente sua orientação e sua fantasia.

Por via química ou cirúrgica (administração de hormônios ou castração real --todos os horrores já foram tentados), consegue-se diminuir o interesse de alguém na vida sexual em geral, mas não afastá-lo de sua orientação ou de sua fantasia, que permanecem as mesmas, embora impedidas de serem atuadas. A terapia pela palavra (psicodinâmica ou comportamental que seja) tampouco permite mudar radicalmente a orientação ou a fantasia de alguém.

O que acontece, perguntará João Campos, nos casos de homossexualidade com a qual o próprio indivíduo não concorda? Posso ser homossexual e não querer isso para mim: será que ninguém me ajudará?

Sim, é possível curar o sofrimento de quem discorda de sua própria sexualidade (é a dita egodistonia), mas o alívio é no sentido de permitir que o indivíduo aceite sua sexualidade e pare de se condenar e de tentar se reprimir além da conta.

Por exemplo, se eu não concordo com minha homossexualidade (porque ela faz a infelicidade de meus pais, porque sou discriminado por causa dela, porque sou evangélico ou católico), não posso mudar minha orientação para aliviar meu sofrimento, mas posso, isso sim, mudar o ambiente no qual eu vivo e as ideias, conscientes ou inconscientes, que me levam a não admitir minha orientação sexual.

Campos preferiria outro caminho: o terapeuta deveria fortalecer as ideias que, de dentro do paciente, opõem-se à homossexualidade dele. Mas o desejo sexual humano é teimoso: uma psicoterapia que vise reforçar os argumentos (internos ou externos) pelos quais o indivíduo se opõe à sua própria fantasia ou orientação não consegue mudança alguma, mas apenas acirra a contradição da qual o indivíduo sofre. Conclusão, o paciente acaba vivendo na culpa de estar se traindo sempre --traindo quer seja seu desejo, quer seja os princípios em nome dos quais ele queria e não consegue reprimir seu desejo.

Isso vale também e especialmente em casos extremos, em que é absolutamente necessário que o indivíduo controle seu desejo. Se eu fosse terapeuta no Irã, para ajudar meus pacientes homossexuais a evitar a forca, eu não os encorajaria a reprimir seu desejo (que sempre explodiria na hora e do jeito mais perigosos), mas tentaria levá-los, ao contrário, a aceitar seu desejo, primeiro passo para eles conseguirem vivê-lo às escondidas.

O mesmo vale para os indivíduos que são animados por fantasias que a nossa lei reprova e pune. Prometer-lhes uma mudança de fantasia só significa expô-los (e expor a comunidade) a suas recidivas incontroláveis. Levá-los a reconhecer a fantasia da qual eles não têm como se desfazer é o jeito para que eles consigam, eventualmente, controlar seus atos.

Agora, não entendo por que João Campos precisa recorrer à psicologia ou à psiquiatria para prometer sua "cura" da homossexualidade. Ele poderia criar e nomear seus especialistas; que tal "psicopompos"? Ou, então, não é melhor mesmo "exorcistas"?
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Published on July 05, 2012 07:22

July 4, 2012

Raios de sol entre nuvens carregadas


Rodrigo Constantino
Junho tinha tudo para ser mais um mês pesado para os mercados. As eleições gregas tiveram resultado positivo pela ótica dos investidores, com a derrota da esquerda radical representada pelo Syriza. Mas a alegria durou pouco e os mercados seguiram estressados. A Espanha anunciou novo pacote de ajuda aos bancos, na casa dos 100 bilhões de euros, mas nem isso foi suficiente para sustentar uma recuperação. Os títulos do governo espanhol de 5 anos chegaram a abrir 50 pontos-base durante o mês. Tudo parecia indicar a continuação do bear market, com os agentes rejeitando até as boas notícias.
Até que aos 45 minutos do segundo tempo a Europa conseguiu marcar um gol importante. O desempenho positivo de junho foi todo feito no último dia útil do mês, após o comunicado do novo (o 19o) summit dos países do euro. A principal mensagem extraída do novo acordo foi a sinalização de que a Alemanha havia cedido mais do que parecia disposta, ao concordar com a criação de um mecanismo único de supervisão bancária e com o uso do European Stability Mechanism (ESM) para recapitalizar os bancos diretamente.
Com o mercado cansado de cair e leve, a notícia foi a deixa para o rali que salvou o fechamento do primeiro semestre do ano. O petróleo subiu 7% só no dia 29, ainda assim fechando com queda de 4% no mês. O S&P 500 subiu 4% e o DAX 2,5%, quase tudo no último dia de junho.
Mas será que o acordo desta vez foi realmente um game changer? Ou será que estamos diante de “mais do mesmo”, ou seja, um jogo de xadrez em que a Alemanha morde e assopra ao mesmo tempo, sem, entretanto, mergulhar de vez no caminho da união fiscal e dos euro-bonds? Esta parece ser a pergunta mais relevante, pois boa parte do mercado sonha com a emissão de bonds comunitários, enquanto Angela Merkel, poucas horas antes do resultado do summit, ainda afirmava que esta não seria a solução durante o tempo em que ela estivesse viva. São palavras fortes. Será que suas ações contradizem sua retórica?
Analisando o acordo com mais cuidado, talvez não exista motivo para tanto otimismo assim. É preciso lembrar que não houve aumento de capacidade de recursos no ESM, ou seja, a Alemanha não aceitou colocar novos recursos no bolo comum para resgatar bancos periféricos. Além disso, Merkel disse que só aceita recapitalizar esses bancos após um novo regime regulatório organizado pelo ECB, o que deve ocorrer somente no final do ano. Restam vários entraves a este passo, a começar pela Inglaterra aceitar que seus bancos sejam regulados pelo ECB. O diabo, como sempre, está nos detalhes. E estes só serão decididos no summit do dia 9 de julho.
Muitos investidores ainda alimentam a expectativa de que, no final do dia, a Alemanha terá que ceder às principais demandas dos demais e sucumbir ao projeto comunitário que criaria, na prática, os Estados Unidos da Europa. A própria Merkel parece desejar isso, desde que a Alemanha consiga, no processo, impor reformas estruturais que tornariam os outros países mais competitivos e parecidos com a própria Alemanha. Por ela reconhecer que dificilmente isso se dará durante sua gestão, a retórica de que não haverá euro-bonds enquanto ela estiver viva (politicamente) pode fazer sentido. O problema é que a economia não anda no passo lento da política.
O tempo joga contra este projeto, pois cada vez as divergências econômicas ficam maiores. O risco de vitória do Syriza na Grécia já foi um efeito disso. As tensões sociais se agravam, os ajustes impostos são muito dolorosos, e partidos radicais terão cada vez mais audiência para suas “soluções mágicas”. Os socialistas liderados por François Hollande tiveram expressiva vitória no Parlamento em junho também, marcando de vez a mudança de rumo na segunda maior economia da região. Em outras palavras, as reformas estruturais e de austeridade já subiram no telhado, e a Alemanha está totalmente isolada. As divergências devem aumentar daqui para frente.
A dúvida surge automaticamente: se a Alemanha tiver que antecipar o projeto comunitário mesmo sem as reformas estruturais dos outros, será que ela aceita? Será que o alemão aceita custos tão explícitos para transferir riqueza aos demais? Será que os alemães, os holandeses e os finlandeses deixarão o nacionalismo para trás e passarão a enxergar somente europeus em volta?
Considero esta hipótese bastante remota. Projetos paridos na elite e impostos de cima para baixo raramente vingam. São vítimas daquilo que Hayek chamou de “arrogância fatal”, e não contam com o apoio legítimo do povo. Não podemos esquecer que a Europa ainda possui democracias plenas em seus países membros. O antagonismo entre o euro e a democracia fica evidente quando se chega perto das eleições, principalmente nos elos mais fracos do grupo.
Eventualmente, na própria Alemanha isso poderá ocorrer, quando ficar mais claro o tamanho da conta que seus pagadores de impostos terão de arcar. Por isso muitos defendiam e ainda defendem o ECB como a única saída politicamente viável, ou seja, a rota disfarçada da inflação, que demora mais a escancarar a magnitude da fatura dos que são “convidados” a assumir os rombos.
Minha visão é de que o euro é um projeto fracassado. A questão que surge é a seguinte: insistir em seu salvamento com mais manipulações beneficia a Europa? Penso que não. Assim como a União Soviética, postergar o dia do julgamento faz apenas com que a dor seja maior depois. Quanto mais tempo levar para a ruptura do euro, maiores serão as divergências entre seus membros. E, por tabela, maior será a necessidade de transferências dos mais ricos para os mais pobres. Isso é socialismo. Ele nunca funciona.
Como um viciado em drogas, porém, o mercado celebra euforicamente cada nova rodada de estímulo das autoridades, ainda que a nova onda tenha menor intensidade e duração. Até o dia em que o organismo não agüenta mais.
A crise europeia está muito longe do fim. Haverá momentos de tranqüilidade aparente e até de otimismo. Um futuro sombrio aguarda a Europa. Não vamos nos enganar com alguns raios de sol esporádicos que surgem no horizonte. 
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Published on July 04, 2012 09:47

Fim da utopia

João Luiz Mauad, O GLOBO

São inúmeras as explicações para os atuais problemas europeus. Uns apontam para a rigidez com que o BCE administra o Euro, outros para especulação dos mercados ou para a moderna engenharia financeira. Até mesmo o surrado espantalho neoliberal aparece de vez em quando como culpado. Embora evidências saltem aos olhos, essas análises constumam ignorar que, muito além de mera crise monetária ou de crédito, o que está em xeque é o próprio modelo de bem estar social, sob o qual sucessivos governos, tanto à direita quanto à esquerda, têm financiado “direitos” generosos com altos impostos e pilhas enormes de dívidas. Tudo isso sem que as economias do velho continente consigam crescer o bastante para manter a farra.

Malgrado sua concepção eminentemente coletivista, a experiência social-democrata que floresceu na Europa Ocidental após a Segunda Guerra manteve o modelo econômico capitalista, pelo menos no sentido de que a propriedade privada dos meios de produção era permitida, ainda que altamente concentrada nas mãos de poucos. O arquétipo do “capitalismo selvagem” foi substituído por um sistema híbrido, que combina grandes conglomerados industriais e financeiros, freqüentemente patrocinados e tutelados pelo Estado, uma agricultura altamente subsidiada, além de empresas miúdas – quase sempre comerciais ou de prestação de serviços. Para completar, a hipertrofia dos governos formou um enorme contingente de funcionários públicos que, em alguns países, chega perto de 50% da população economicamente ativa.

O apogeu da social-democracia européia ocorreu em meio à Guerra Fria, num período marcado pela limitação à livre movimentação de pessoas, capitais e produtos, quase sempre mediante rígidos controles burocráticos e barreiras tarifárias. Com queda do Muro de Berlim e a aceleração do processo de globalização, conseqüência direta da profusão de novas tecnologias que permitiram a movimentação muito mais dinâmica da informação, dos capitais, dos produtos e do próprio trabalho, as sociedades européias se viram, da noite para o dia, numa sinuca de bico, obrigadas a promover uma reavaliação profunda do modelo, algo até então impensável.

E não é para menos: enquanto a taxa de natalidade não pára de cair e os velhos vivem cada vez mais, os gastos com saúde e aposentadorias ficam cada vez mais caros. Por outro lado, a relação entre trabalhadores ativos e inativos segue diminuindo rapidamente. Tudo isso em meio ao baixo crescimento econômico que já dura décadas. Uma eventual mudança de rumo, entretanto, não deixará de ser traumática, notadamente para aqueles que se acostumaram com privilégios “sociais” abundantes e pouco trabalho.

Uma das primeiras a entender que as políticas da social-democracia precisavam ser revistas foi Margareth Thatcher, que compreendia a natureza daquela armadilha econômica em seus dois aspectos principais. Em primeiro lugar, não é possível manter um mercado de trabalho baseado na estabilidade do emprego, especialmente em vista da evolução tecnológica que cria e destrói ofícios e profissões numa velocidade tremenda. Em segundo lugar, as instituições de proteção social, concebidas fundamentalmente para compensar o fracasso individual, fomentam de modo inexorável a ineficiência, num mundo globalizado cada vez mais competitivo.

Thatcher concluiu, há trinta anos, que as premissas do “marco social” – que imperou a partir da 2ª Guerra – haviam sido derrubadas e, a menos que o modelo então vigente se transformasse profundamente, seria varrido pelo furacão da globalização. As reformas liberais que seu governo produziu, no entanto, se deram algum fôlego à economia britânica por algum tempo, já foram completamente revertidas pelos governos esquerdistas que o sucederam - preocupados, como sempre, não com os baixos índices de crescimento e produtividade, mais com a utopia do “bem comum”.

Evidentemente, a falência do “welfare state” não se dá de forma uniforme. Dependendo das instituições e da cultura de cada país, ela é mais lenta ou mais rápida. O modelo é mais resistente nos países nórdicos, germânicos e anglo-saxãos - ancorados numa ética severa, na primazia da responsabilidade individual e na valorização do trabalho - do que nos países mediterrâneos, mais chegados ao patrimonialismo e à cultura de privilégios. Mas não se iludam: a médio prazo, mesmo esses países precisarão promover mudanças liberalizantes que tornem suas economias mais dinâmicas e competitivas.
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Published on July 04, 2012 06:50

July 3, 2012

Memória traiçoeira

Rodrigo Constantino

A atriz Lizandra Souto e o ex-jogador de vôlei Tande se separaram, supostamente por causa de traição da parte dele (que nega veementemente os boatos). Em desabafo, a bonita atriz disse que Tande não foi um bom marido. Eles foram casados por 15 anos e têm dois filhos. Algumas pessoas alegam que é deselegante falar mal de alguém com quem se viveu junto por tanto tempo. Mas meu foco aqui é outro: o viés cognitivo de uma memória traiçoeira.

No excelente livro Thinking Fast and Slow, que pretendo resenhar em breve, o Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, especialista em economia comportamental, explica em um dos capítulos como nossa memória pode nos enganar e nos levar a decisões incoerentes. O livro todo, aliás, é uma bomba para a teoria das expectativas racionais, comum entre muitos economistas.

No capítulo "Two Selves", Kahneman separa a utilidade experimentada daquela lembrada no momento das decisões. Um experimento realizado por ele demonstra bem a diferença. Participantes foram divididos em dois grupos, e ficaram expostos a dor com uma das mãos mergulhadas em água gelada (14 graus). O primeiro grupo ficou primeiro exposto por 60 segundos, e depois de 7 minutos, por 90 segundos, sendo que nos últimos 30 segundos a temperatura da água subiu 1 grau, aliviando um pouco a sensação de dor. O outro grupo seguiu a ordem inversa.

Controlando o experimento para variáveis exógenas, cada grupo teve a opção de escolher qual experimento repetir uma terceira vez: o de 60 segundos ou o de 90 segundos. Os participantes sabiam que o tempo de cada um era diferente, e qual era o mais longo. Entretanto, 80% dos participantes escolheram repetir o experimento de maior duração! O que pode explicar isso?

Segundo Kahneman, e com base em outros experimentos, nós damos mais valor ao pico das sensações de prazer ou dor, e à lembrança mais recente da sensação. Se alguém sentiu dor por mais tempo, mas há mais tempo, então a tendência é lembrar da experiência como menos dolorosa do que alguém que acabou de sofrer. A duração da dor importa menos que seu pico ou quão recente ela foi.

O autor afirma que as memórias são tudo que nós temos de nossa experiência de vida, e que o "eu da memória" acaba sendo mais importante do que o "eu da experiência". Como nós lembramos das coisas faz toda a diferença do mundo. Confundir a experiência concreta com a memória que fica dela é uma ilusão cognitiva. Como a memória pode estar errada, mas é ela quem nos governa em nossas decisões, somos levados a fazer inúmeras escolhas erradas e incoerentes.  

E o que isso tudo tem a ver com Lizandra Souto e Tande? Tudo! No final de cada capítulo do livro, Kahneman coloca alguns comentários do cotidiano para reforçar a lição daquele capítulo. O exemplo deste capítulo em questão foi justamente o seguinte: "Você está pensando em seu casamento fracassado totalmente pela perspectiva do eu da memória. Um divórcio é como uma sinfonia com um som estridente no final - o fato de que acabou mal não significa que foi tudo ruim".

Alguém passa 15 anos compartilhando com o outro momentos bons e ruins, em intensidades diferentes. Mas dependendo do momento em que ele for questionado sobre a felicidade da experiência, a resposta poderá ser bastante diferente. Alguém que viveu mais momentos prazerosos, mas teve um pico elevado de sofrimento ou acabou de ter uma experiência negativa, poderá concluir que foi bem menos feliz do que outro que viveu um "inferno" constante, mas com picos de dor menos intensos e com a última semana razoavelmente feliz. Assim é o homem (e a mulher): vítima da memória míope e traiçoeira.


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Published on July 03, 2012 14:38

Uma defesa da hipocrisia

João Pereira Coutinho, Folha de SP
Ironias da vida: falamos com uma pessoa de tendências progressistas sobre a liberalização das drogas. Ela concorda: as políticas repressivas falharam. Só a liberalização diminui o tráfico.

E, além disso, cada um sabe de si na forma como usa e abusa da própria liberdade: quem sou eu para impor a terceiros os meus pontos de vista moralistas e repressivos?

Calma, camaradas. Tanta violência retórica não se justifica: já escrevi repetidas vezes que o meu "conservadorismo de costumes" só se aplica a matérias de vida ou morte.

A liberdade individual termina quando começa a liberdade dos outros? Deploro esse clichê.

Melhor dizer que a liberdade individual termina quando está em causa uma vida humana --a do próprio ou a de terceiros. Aborto, eutanásia, suicídio assistido, pena de morte-- não contem comigo para a jornada.

Mas contem comigo para o resto. E o resto, lamento informar, inclui a prostituição também.

Sim, eu sei: idealmente, o amor não deveria estar à venda, embora seja sempre possível contar a piada de que a única diferença entre sexo pago e sexo grátis é que sexo grátis, normalmente, fica mais caro.

Aqui, o meu interlocutor progressista hesita. Se mudamos o gênero da palavra e escrevemos "interlocutora", o feminismo vem à tona e decide o assunto: a prostituição degrada as mulheres, alimenta o tráfico de seres humanos e deve ser reprimida pelas autoridades.

Um bom exemplo dessa atitude radical está na França. Leio nos jornais que o governo progressista de François Hollande tem um Ministério dos Direitos das Mulheres.

E a ministra, Najat Vallaud-Belkacem, quer acabar com a prostituição no país. A sra. Vallaud-Belkacem, manifestamente, nunca leu Maupassant ou Flaubert, escritores que construíram o melhor da literatura francesa no conforto dos bordéis.

Para a ministra, é preciso um plano de ação contra o negócio, desmantelando redes de tráfico e proxenetismo. Os clientes também serão duramente penalizados.

Perante essa deriva persecutória, só me resta dizer: "bonne chance, madame". Mas também acrescento que a ambição governamental será inútil e, além disso, abusiva.

Começa por ser abusiva porque o governo francês confunde tudo: tráfico de seres humanos com a decisão autônoma de alguém vender o corpo para fins sexuais.

As duas situações não habitam o mesmo plano moral. Traficar ou escravizar alguém é um crime contra a liberdade de terceiros. Vender o corpo para fins sexuais pode ser uma degradação da condição humana do sujeito --ou, para usar a linguagem kantiana, uma forma de sermos tratados como um meio, não como um fim.

Mas essa decisão, moralmente condenável, não constitui uma ameaça para ninguém. A minha vida e mesmo a minha liberdade não estão ameaçadas se a vizinha do lado gosta de receber cavalheiros ao serão.

Por outro lado, a ambição do governo francês será também inútil. A prostituição não é apenas a mais velha profissão do mundo. Como dizia Nelson Rodrigues, com sua insuperável sabedoria sobre a natureza humana, é também a mais velha vocação.

E nem todas as leis serão capazes de alterar a realidade: enquanto houver gente disposta a vender e a comprar sexo, haverá um mercado para o negócio.

A única diferença é que, em países que fizeram da proibição uma cruzada, esse mercado funciona na clandestinidade, desprotegendo ainda mais as mulheres que o Estado imagina proteger.

Nada disso significa, obviamente, que cabe ao Estado regular a atividade como se a prostituição fosse apenas mais um negócio entre vários. Ou, pior ainda, que o Estado pode legitimamente lucrar com ele, taxando os seus proventos. O Estado não deve ser um proxeneta coletivo.

Tolerar a prostituição significa apenas isso: tolerar. O fato de algo ser moralmente condenável não significa que deva ser legalmente proibido.

A hipocrisia, como dizia um francês ilustre, pode ser a homenagem que o vício presta à virtude. Mas, sem essa homenagem, as sociedades humanas seriam lugares inóspitos para habitar.
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Published on July 03, 2012 07:30

July 2, 2012

Merkel: Just Say Nein to Eurobonds

By MATTHEW WILL, WSJ

The European financial crisis has created an unusual mix of allies. Politicians, hedge fund managers, liberal pundits and the financial press are determined to convince German Chancellor Angela Merkel that economic salvation requires the European Central Bank to issue eurobonds.

Prior to last week's European Union summit in Brussels, the Organization for Economic Cooperation and Development endorsed French President Francois Hollande's plan to do just that and insisted Mrs. Merkel agree. She wouldn't, but at the summit she was all but held captive until relenting to some other bailout.

Meanwhile, money managers have waged their own campaign to get Mrs. Merkel on board. Financier George Soros has predicted dire consequences for Europe if Germany does not acquiesce. Harvard historian Niall Ferguson accused Mrs. Merkel of repeating the mistakes of Weimar Germany that led to the collapse of democracy. He did not use the "N word," but we all know an appeal to German guilt when we see one.

Each faction has its own reason for pressuring Germany but all share a common characteristic: They are wrong.

Historically, nations tax, borrow and spend until there is nothing left to tax and borrow. Because of the risk of riot, insurrection or removal from office, politicians refuse to directly cut spending. Instead, they print money. Unfortunately, the citizenry does not realize printing money and the ensuing inflation amount to a cut in benefits. Then politicians lay the blame for inflation on greedy capitalists who raise prices.

Europe's bad boys have played this trick repeatedly, undermining the value of their currency and reducing their citizens' standard of living. From 1980 to the launch of the euro in January 1999, the Italian lira and Portuguese escudo lost 108% and 244% of their value against the U.S. dollar, respectively. Greece devalued the drachma 583% against the dollar from 1981 until its euro entry in January 2001. Meanwhile, the deutsche mark remained remarkably stable against the dollar, gaining a mere 1.74% over 20 years.

Now the people borrowing and spending the money, such as Greece, Italy and Portugal, are not the same people controlling the money supply. This is handled by the European Central Bank, whose policies Germany monitors closely. When spendaholics reach their tax and borrow limits they can no longer print money. Thus the violent convulsions reverberating through countries that must face the music.

Until now, investors saw socialist calls for more borrowing and more spending as ridiculous, since no one will loan them money. The only reason private investors now care is because they were recently forced to take a 70% loss on Greek government bonds.

Then came the stroke of genius that united the forces of socialism and capitalism: Allow the profligate nations such as Greece, Italy, Portugal, etc., to borrow and spend, but require Germany to pay back the loans.

In its November 2011 Green Paper, the European Commission proposed that each eurozone member be fully liable for the entire issuance of eurobonds. Germany, with the highest GDP and good credit, has the most to lose from such an approach.

Therein lies the common ground between investors looking to save their own portfolios and politicians looking to spend their way into office. Who cares what happens to Germany and the other responsible nations?

Unfortunately, the long-term consequence of this approach will be global economic chaos. In the past, patterns of taxing, borrowing, spending and the printing of money destroyed local economies. These collapses occurred over time, and the impact was isolated. If Germany assumes the ultimate obligation of paying the debt of other nations, the bubble grows. When Europe gets to the point of collapse, who will guarantee that debt?

Eventually, money will be printed and the standard of living will fall for citizens of irresponsible nations. This is a historical reality. The only real question is, do we prefer that the entire European bubble burst at once, or mitigate the risk by allowing local bubbles to burst periodically over time? The best possible answer is for Angela Merkel to just say nein to more eurobonds.

Mr. Will is professor of finance at the University of Indianapolis.
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Published on July 02, 2012 11:40

Bolchevique "traveco"


Luiz Felipe Pondé, Folha de SPA esquerda é uma praga da qual não nos livramos. Egressa da tradição judaico-cristã messiânica, traz consigo a tara do fanatismo daquela. Mas ela tem várias faces.No Brasil, após a ditadura, a esquerda tinha o absoluto controle da universidade e, por tabela, de muitas das instâncias de razão pública, como escolas de nível médio, mídia, tribunais e escolas de magistratura. Coitadinha dela.Neste caso, do aparelho jurídico, sente-se o impacto quando vemos a bem-sucedida manobra da esquerda em fazer do Código Penal uma província ridícula do politicamente correto, para quem, como diz a piada, entre matar um fiscal do Ibama e um jacaré, é menos crime matar o fiscal.Com a crise da Europa e a Primavera Árabe, a esquerda se sente renovada. Interessante como, no caso árabe, ela flerta com os movimentos islamitas. A razão é, antes de tudo, sua ignorância completa com relação ao Oriente Médio. A esquerda sempre foi provinciana. Ela confunde o fanatismo islamita com o fanatismo revolucionário. Lá, não existe “povo em busca de igualdade democrática”, mas sim fiéis em busca de tutela absoluta.Antes de tudo, devo dizer que há uma forma de esquerda que respeito: os melancólicos de Frankfurt. Para estes, como Adorno e Horkheimer, vivemos o “échec” (impasse, fracasso) da modernidade, devido à mercantilização das relações. Para mim, isso é um fato. E, enfim, a melancolia sempre me encanta. Os melancólicos têm razão.Desde Deleuze, Derrida e Foucault (três chifres da mesma cabra), a esquerda assumiu ares de revolução de campus universitário, que encampa desde movimentos como o engodo do Maio de 68, passando pela crítica da gramática como forma de opressão (risadas…), até a ideia boba de que orientação sexual seja atitude revolucionária. Que tal sexo com pandas? Por falar em pandas…Outra forma é a esquerda-melancia. Verde por fora, vermelha por dentro. Essa se traveste de preocupação com os pandas para querer roubar o dinheiro e o esforço alheios, além de refundar a união das Repúblicas Socialistas Soviéticas, mas com obrigação de comida orgânica no cardápio.Existe também a esquerda “de classe executiva” que vai a jantares inteligentes. O mais perto que ela chega de qualquer coisa vermelha é do vinho que gosta de discutir, marca de sua falsa “finesse”. Nada mais “fake” do que falar de vinhos como modo de elegância afetada.Há também a religiosa, que se divide em duas. A budista “light”, aquela que acha que o budismo é uma espiritualidade “progressista”. A outra, a católica, pensou que Marx precisava de um Che Jesus e se deu mal. Nem a esquerda a leva a sério, nem a igreja a considera mais.Claro, não podemos esquecer do feminismo, aquele que acha que o patriarcalismo é responsável por todos os males e afirma que Shakespeare era uma menina vestida de menino. Outra forma é a esquerda multicultural. Essa confunde o mundo com uma praça de alimentação étnica de um shopping center de classe média, achando que “culturas” (esse conceito “pseudo”) se misturam como molhos.Outra forma é a esquerda “aborígene”, aquela que entende que a vida pré-descoberta da roda é a forma plena de habitar o cosmo.Há também a esquerda da psicologia social, composta basicamente de psicólogas, pedagogas e assistentes sociais a favor da educação democrática e da ideia de que tudo é construído no diálogo. Essas creem que se pode dialogar com serial killers, culpando a escola, o capital e a igreja pelas mulheres que eles cortam em pedaços nas redondezas.Todos esses tipos têm um traço em comum: são todos frouxos, como diria Paulo Francis.Mas existe uma outra esquerda, a bolchevique “traveco”. Os bolcheviques eram cabras que gostavam de violência e a praticaram em larga escala. Hoje, para a esquerda, pega mal pregar violência. Ela sofre com um problema que é a imagem de si mesma como um conjunto de seres puros, dóceis e pacíficos.Então, para os simpatizantes da violência revolucionária bolchevique, a saída é se travestir de gente dócil e falar em “violência criadora”. O amor e a violência são os mesmos, mas a saia confunde.
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Published on July 02, 2012 07:38

June 29, 2012

Notícias de sexta-feira

Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou ontem nova regra liberando a candidatura dos “contas-sujas”. A mudança se deu no julgamento de um recurso apresentado pelo PT. O ministro Dias Toffoli, o mais próximo ao partido, desempatou a votação. É o partido de Lula ajudando a sujar a democracia brasileira, seu “esporte” preferido.

Mas como nem tudo é notícia ruim, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães decidiu renunciar ao cargo de alto representante-geral do Mercosul. Ele alegou falta de apoio político para tal decisão. Se for isso mesmo, trata-se de um ótimo sinal. Afinal de contas, Pinheiro Guimarães é o grande ideólogo “bolivariano” infiltrado no bloco, representando o “chavismo” no lado brasileiro.

A postura do Itamaraty na questão paraguaia foi vergonhosa, e espera-se que os interesses da nação fiquem acima dos interesses ideológicos da turma alinhada ao Chávez. O Barão do Rio Branco, ao assumir em 1902 o ministério das Relações Exteriores, declarou: "Não venho servir a um partido político: venho servir ao Brasil, que todos desejam ver unido íntegro, forte e respeitado". Que falta faz um Barão do Rio Branco na diplomacia brasileira!

De volta às notícias ruins, o “Obamacare” foi considerado constitucional ontem pela Suprema Corte. O governo poderá obrigar o cidadão a comprar seguro de saúde. Isso foi aprovado porque os juízes encararam tal seguro como um imposto. Logo, trata-se de uma vitória de Pirro para Obama. Ele consegue manter sua reforma no setor de saúde, mas somente evidenciando que o seguro representa um novo imposto para a classe média, algo que o presidente negava veementemente.

Foi Thomas Sowell quem resumiu de forma brilhante a mentalidade esquerdista no caso: “É incrível como algumas pessoas acham que nós não podemos pagar médicos, hospitais e medicamentos, mas pensam que nós podemos pagar por médicos, hospitais, medicamentos e toda a burocracia governamental para administrar isso”. Se a saúde já é cara, espere até ela ficar “gratuita”!

Para fechar esta rodada de notícias de sexta-feira, nada como comparar FHC e Lula. FHC disse que vota em Serra, mas não faz campanha. Ele argumentou que pedir votos é um papel “indevido” a um ex-mandatário. E ainda alfinetou Lula: “Eu não sei morder canela. Não acho que seja apropriado ao ser humano”. Já Lula foi multado por fazer campanha antecipada para Fernando Haddad. Que abismo que separa a postura de FHC da de Lula!
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Published on June 29, 2012 05:57

June 28, 2012

Três séculos de Rousseau

Hoje faz 300 anos que nasceu Rousseau, o pai do totalitarismo moderno. Em homenagem a data, e devido ao fato de que milhões de filhotes de Rousseau pululam por aí, seguem os links de alguns artigos sobre este "selvagem" nada bom:


O coletivismo de Rousseau

O bom selvagem

O fanatismo de Rousseau

Pondé sobre Rousseau (vídeo)
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Published on June 28, 2012 16:09

Rodrigo Constantino's Blog

Rodrigo Constantino
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