Rodrigo Constantino's Blog, page 362
July 27, 2012
Cuba ou Castrolândia?
Antenor Barros Leal, Jornal do Commercio (24 de Julho) *
É impressionante o apoio dedicado por parte da intelectualidade brasileira (inclusive cantores e compositores da mais alta estima popular), aos ditadores que assumiram o poder em Cuba e que, para manter o domínio, impõem um dos mais bárbaros sistemas políticos atuais.
Comparável à Coreia do Norte, onde parentes se revezam no comando de um povo assustado e controlado nos mínimos detalhes, Cuba exerce, entretanto, um fascínio desonesto e inaceitável, embora dominada por uma “família” como outra qualquer.
Os nossos cubanistas odeiam o controle da imprensa. Desprezam a falta de liberdades. Detestam o exercício do poder por parentes dos políticos, suplentes e outros bichos. Não imaginam viver num país onde sejam proibidos a organização social ou o simples protesto. Não aceitariam, ainda que de forma coloquial, conversar sobre a retirada de direitos dos trabalhadores. Se alguém por aqui tentasse proibir o livre exercício do direito de greve, com certeza, correriam para as ruas em solenes protestos.
Se apenas alguns escolhidos pudessem compor o Congresso Nacional, que gritaria ouviríamos? E se houvesse uma imensa quantidade de presos políticos?
Mas, quando se trata de Cuba não tem problema! Aceitam e elogiam. Como podem apoiar um governo que proíbe a leitura de livros não aprovados por sua “stasi” particular? Como ajudam a um pais que faz eleição no modelo iraquiano do “Hussein” que ganhava todas com 100% dos votos?
Há pouco tempo, dois atletas cubanos pediram asilo político no Brasil. Não aceitos, foram enviados presos para o “paraíso” donde tentavam escapar. Ninguém reclamou.
O que tem os dirigentes antidemocráticos cubanos de encantador? O que pode agradar a brasileiros livres um pais dominado por um grupelho? Será que foi a simpatia do nosso heroi “fidel” da montanha, cantando liberdade contra um bandido chamado Batista? Ou o Fidel posterior? Fiel cumpridor das ordens da falida União Soviética e destruidor das liberdades e do livre pensamento do povo?
Precisamos iniciar um movimento anticastrista, da mesma forma que somos contra os sadans, assads e kim jongs. Como ficamos felizes com a queda dos "donos" do Egito, da Tunísia e do Iraque e nada fazemos contra os que dizimam o futuro dos cubanos?
Está na hora da inteligência da América Latina se juntar para acabar com este regime cruel que se eterniza à sombra da tortura, que se alimenta do silêncio das prisões e do sofrimento das famílias daqueles que ousam ser contra.
Ou bem fazemos isto ou seremos cúmplices históricos de um crime bárbaro contra um povo que se parece conosco, que canta como nós cantamos, que veio de onde viemos e que, se não o ajudarmos, ficará na rabeira do mundo.
Onde, aliás, seus títeres gostam de viver.
* Presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro
Published on July 27, 2012 13:23
Mais uma dose

Mais uma dose?É claro que eu estou a fimA noite nunca tem fimPor que que a gente é assim?
A música de Cazuza expressa bem a sensação predominante nos mercados financeiros do mundo todo atualmente. A apreensão dos investidores é grande, pois há riscos enormes de crise em todo lugar. A China está desacelerando rapidamente, os Estados Unidos não conseguem crescer mesmo com tanto estímulo e a Europa pode ir para a UTI a qualquer momento (ruptura do euro). Os fundamentos econômicos são ruins, o clima é de pessimismo generalizado.
Todos os olhares se voltam neste momento para os donos das impressoras de moeda fiduciária. Como Santo Agostinho, os investidores sabem que a castidade (austeridade) é fundamental, pois há excessos no organismo (endividamento insustentável), mas eles pedem em coro: não agora! Os ajustes seriam dolorosos demais. Deixem-nos curtir um pouco mais o aqui e agora como se não houvesse amanhã. A noite nunca tem fim...
E, como viciados em heroína, todos lançam olhares suplicantes ao fornecedor da droga, implorando por mais uma dose. Sim, cada rodada produz efeito eufórico menor, e mais estragos no organismo. Sim, a ressaca pela manhã será braba. Sim, há o risco de que, em algum momento, o organismo acuse o golpe e a overdose seja fatal. Mas entre o sofrimento certo da abstinência hoje, e o risco de morte amanhã, o viciado “escolhe” jogar todas as fichas na sorte.
Isso explica as reações dos mercados ontem, após a firme declaração de Mario Draghi, presidente do BCE, de que faria “o que for preciso” para salvar o euro (e seu emprego, diriam os mais cínicos). É música para o ouvido dos dependentes “químicos”. O fornecedor deu o sinal: nova rodada de droga a caminho! Hora de celebrar. Até porque a euforia dura pouco. Cada vez menos. Por que que a gente é assim?
Published on July 27, 2012 06:35
July 25, 2012
Lucro que salva vidas
Rodrigo Constantino, O GLOBO
A notícia divulgada semana passada foi alvissareira para milhões de pessoas. A FDA aprovou o Truvada, pílula para ajudar a prevenir o HIV em alguns grupos de risco. Segundo a agência americana, o remédio pode reduzir em até 73% o risco de infecções causadas pelo vírus da Aids. Trata-se de mais uma importante conquista do capitalismo.O laboratório responsável pela conquista foi o Gilead Sciences, fundado em 1987 na Califórnia. Nestes 25 anos, a empresa apresentou taxas aceleradas de crescimento, sempre em busca do lucro. Graças a isso, seu faturamento ultrapassou US$ 8 bilhões em 2011, permitindo um investimento acima de US$ 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento no ano.O mercado farmacêutico é bastante competitivo. Várias empresas precisam concorrer para atender melhor as demandas dos consumidores. É este mecanismo de incentivos que garante uma incessante busca por novidades desejadas pelos pacientes de inúmeros tipos de doenças e transtornos.Claro que há o outro lado da moeda: grandes laboratórios pressionando médicos e fazendo campanhas para estimular o uso excessivo de medicamentos. Qualquer desvio do padrão comportamental virou motivo para diagnósticos precipitados. Vejo estarrecido o dia em que a Anvisa vai nos obrigar a tomar antidepressivos. João Ubaldo Ribeiro escreveu um excelente artigo sobre o tema neste jornal há alguns dias. Mas compare este risco de abuso com a quantidade de vidas salvas graças aos avanços medicinais, com a redução do sofrimento dos doentes, com os sorrisos que retornam aos lábios idosos quando o Viagra devolve sua virilidade. Tanto alívio e tantas vidas salvas não têm preço. Ou melhor: têm sim, e custam caro!Eis onde entra o capitalismo. Ainda presos na era medieval, muitos criticam o lucro como motivador das pessoas. Gostariam que a humanidade fosse movida somente pelo altruísmo. São românticos bem-intencionados. De boas intenções, porém, o inferno está cheio. Os países socialistas, que seguiram esta receita, acabaram na miséria e escravidão, praticamente sem nenhuma contribuição relevante à medicina. A despeito da propaganda, o fato é que a medicina cubana é um lixo, principalmente para os pobres (todos aqueles distantes do poder). A União Soviética colocou o Sputinik em órbita, mas faltava papel higiênico e nenhum remédio importante veio deste regime.Enquanto isso, laboratórios capitalistas em busca do lucro fornecem mais e melhores remédios no mercado. Pfizer, Merck, Eli Lilly, Roche, Sanofi, Novartis, Bayer, Schering-Plough, Astrazeneca e tantos outros, investindo bilhões na busca de medicamentos inovadores. Há quem acenda velas para santos. Eu agradeço a existência destes laboratórios em busca de rentabilidade.Noam Chomsky, adorado pela esquerda, possui um livro cujo título já expõe a falsa dicotomia tão disseminada entre lucro e vidas humanas. Chama-se “O Lucro ou as Pessoas?”, e é uma crítica ao “neoliberalismo”, este fantasma inexistente na América Latina, mas ao mesmo tempo culpado por todos os males da região. Chomsky, que já defendeu a candidatura de Heloísa Helena e foi citado com forte empolgação por Hugo Chávez na ONU, é um socialista. Seria o caso de perguntar ao famoso intelectual quantas vidas o regime socialista salvou, já que sabemos quantas ele ceifou: algo na casa dos 100 milhões.Toda a retórica de nossos “intelectuais” contra o capitalismo não serve para salvar uma única vida. Por outro lado, as dezenas de bilhões de dólares que os laboratórios capitalistas destinam para pesquisas todo ano já salvaram milhões de vidas. E vão continuar salvando mais ainda, se os socialistas não criarem obstáculos demais.Esta é a parte difícil. O sensacionalismo dos demagogos representa grande ameaça ao progresso. Sempre pregando maiores impostos (o que reduz a quantidade de recursos disponível para novos investimentos), ou então a quebra de patentes para reduzir os preços dos medicamentos (o que gera insegurança no setor e também reduz investimentos), a esquerda costuma agir como Maquiavel às avessas: para salvar dez vidas hoje, condena cem à morte amanhã.No próprio caso da Aids, a esquerda insistiu que era preconceito falar em “grupo de risco”. Como o vírus não liga para a sensibilidade politicamente correta, milhões de pessoas podem ter contraído a doença desnecessariamente, por falta de maior precaução. A praga do politicamente correto corrói até a ciência, que não possui ideologia. O mundo seria um lugar muito melhor se tivesse menos hipocrisia e mais laboratórios em busca de lucro.
Published on July 25, 2012 06:33
July 24, 2012
A dignidade dos feios
João Pereira Coutinho, Folha de SP
ERNEST BORGNINE morreu há três semanas e nem uma palavra minha nesta Folha. Que injustiça: para mim e para Borgnine, um dos meus atores de eleição.
Sim, a carreira é longa e irregular, com grandes momentos ("A um Passo da Eternidade", de Fred Zinnemann) e péssimos momentos (o pastelão bíblico "Barrabás"). Sem falar dos momentos verdadeiramente sofríveis, quase todos nas últimas décadas -e quase todos, ironicamente, filmes-catástrofe.
Mas, para a posteridade, ficará a sua composição em "Marty", obra de Delbert Mann que valeu o Oscar de melhor ator em 1955. Nada mais justo: "Marty" é um tratado precioso sobre a dignidade dos feios e a coragem da individualidade humana.
Para começar, o mundo é dos belos. Negar para quê? Faz parte da retórica bem pensante dizer que a beleza não é fundamental. Há quem fale até em "beleza interior" para compensar o estrago e atribuir uma espécie de indenização ética ao sujeito.
Não vale a pena mascarar a verdade ou confundir as verdades: a "beleza interior" pode ser relevante, e até mais relevante, do que a superficialidade da carne.
Mas é para essa superficialidade que se olha primeiro -ou que se rejeita primeiro. A ideia pode não ser agradável para quem pensa que todas as desvantagens da vida são produto de uma "construção social" defeituosa.
Infelizmente, a realidade não se ajusta a fantasias. A natureza é um cassino. E nem tudo obedece aos caprichos igualitários do nosso tempo: alguns foram bafejados pelo escopo da beleza -e outros, simplesmente, não.
Marty não foi: ele é gordo e feio. E nem sequer tem fortuna pessoal para cumprir o demolidor aforismo de Nelson Rodrigues sobre o assunto ("Dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro").
Aos 34 anos, Marty é um solitário. E todos lhe perguntam, ao balcão do açougue onde trabalha: "Quando casas, Marty?". Pior: todos cobram esse feito, como se existisse um prazer perverso na humilhação perversa dos feios.
Marty escuta e sofre: em silêncio. Os irmãos arrumaram a vida: têm filhos, mulheres, famílias. Casas nos subúrbios.
Ele, Marty, continua a morar com a mãe. Que também lhe pergunta: "Quando casas, Marty?".
De vez em quando, ele sai com os amigos aos sábados à noite. Para ver o mercado e testar a sua baixa cotação na praça. Mas Marty está cansado de procurar companhia. Porque está cansado da rejeição.
"Marty" começa por ser uma pequena pérola sobre esse grande tabu: a rejeição dos feios, a angústia que existe nessa rejeição, e o cansaço de quem tentou uma vez, e outra, e outra ainda, para receber apenas desprezo ou repulsa de volta.
Poucos filmes captaram de forma tão digna e pungente a tristeza da feiura.
Mas "Marty" vai mais longe e mostra como a vida adulta é sobretudo definida pelas escolhas que fazemos: escolhas nossas, radicalmente nossas, mas tantas vezes ensombradas pela opinião dos outros.
Isso sucede quando Marty conhece finalmente um par. Clara (Betsy Blair, no filme) é uma "outsider" como ele -feições modestas, igual desesperança no afeto alheio. Mas é doce, atenta e presente, alguém com quem ele fala sem parar na primeira noite.
Marty encontrou alguém. Marty sabe que encontrou alguém. Mas o exército dos solitários inicia as suas operações: a mãe viúva que teme o abandono do filho, os amigos celibatários que invejam a sorte de um membro do clube, todos eles começam a encontrar defeitos na escolha de Marty. E a dar palpites ou sugestões para o desviar da sua rota.
Marty fica confuso, medroso, melindrado. Mas é quando se encontra novamente só que a epifania acontece: a vida só lhe pertence a ele, não ao coro grego que pretende determinar o seu destino.
Moral da história?
Enganam-se os que pensam que a afirmação da individualidade é sempre um ato heroico e prometeico, como nas óperas de Wagner ou nos textos de Nietzsche.
Grande parte da nossa individualidade joga-se todos os dias nas pequenas decisões anônimas que tomamos. Joga-se, no fundo, nesses momentos em que pesamos a nossa covardia e a nossa coragem.
E decidimos depois seguir em frente.
Published on July 24, 2012 07:38
July 23, 2012
A falácia da utopia

Poucas coisas são tão perigosas para a liberdade como uma mentalidade utópica. Os utópicos não se caracterizam simplesmente por erros pontuais de raciocínio lógico; eles adotam todo um método mental que de uma forma misteriosa é indiferente à verdade. De certa forma, a utopia pode ser um substituto laico da religião para aqueles inconformados e incapazes de lidar com as limitações da vida imperfeita.
Em seu livro The Uses of Pessimism, Roger Scruton dedica um capítulo para derrubar a falácia da utopia e mostrar como ela está a um passo do totalitarismo. Parte da explicação para movimentos utópicos seria, segundo o autor, um resíduo de heresia religiosa em um mundo sem religião, ou seja, a expectativa de criar um paraíso terrestre, colocando um fim nas imperfeições do mundo.
Os utópicos podem ignorar a aprendizagem com experiências passadas e até o bom senso, abraçando um projeto absurdo e impraticável. Nada pode refutar uma utopia, e nisso reside seu fascínio. As milhões de vidas perdidas ou escravizadas nas tentativas de tornar a utopia realidade não negam a utopia; apenas provam que maquinações perversas ficaram no caminho como obstáculos indesejados. É preciso redobrar o esforço.
É exatamente com esta postura que socialistas podem ignorar todas as desgraças causadas em nome de sua utopia. A União Soviética nunca foi comunista, eles alegam. Era um “socialismo real”, ou pior, um “capitalismo de estado” (assim conseguem jogar a culpa para o lado do capitalismo). O fim, sendo inviável, jamais chega. A utopia está, desta maneira, totalmente imune a qualquer tipo de refutação.
Utopias são visões de um futuro em que todos os conflitos e problemas da vida humana são resolvidos completamente. As pessoas viverão em harmonia, felizes. O desejo dos utópicos é por uma “solução final”, não para alguns problemas, mas para todos os problemas. Tudo aquilo que cria conflitos e tensões será eliminado. A raça será pura, não haverá mais classes ou hierarquia, o mundo será um lugar de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Cada utopia tem sua versão.
Mas o ponto importante das utopias, como frisa Scruton, é o fato de que elas não podem se concretizar. No fundo, talvez de forma subliminar, os utópicos sabem disso, e por isso se negam a descrever em maiores detalhes e de forma crítica o que exatamente eles têm em mente. As utopias acabam empacotadas de forma vaga, ainda que com a embalagem “científica”.
Karl Marx, que criticava o socialismo utópico e considerava o seu científico, jamais foi capaz de entrar em detalhes sobre o funcionamento de seu modelo. Todos poderiam atender a seus múltiplos desejos, caçar pela manhã, pescar na parte da tarde e até virar crítico literário de noite, pois não haveria mais divisão de trabalho nem propriedade privada. Como exatamente fazer isso sem tais mecanismos não vem ao caso. Quem produz as ferramentas necessárias para a caça e a pesca? Marx não responde. Talvez elas brotassem do solo.
Esta meta inalcançável serve como poderosa arma para negar tudo aquilo que é real. Se eu defendo algo que não pode existir, que jamais existiu e que sequer pode ser refutado, então coloco-me em uma Torre de Marfim e, do alto de minha utopia, passo a atirar em todos os modelos atuais. Qualquer defeito, qualquer problema existente passa a ser indício de que o modelo vigente fracassou. A utopia serve como uma condenação abstrata de tudo que nos cerca, e justifica a postura intransigente e violenta do utópico.
O ideal dos utópicos jamais é refutado, jamais é testado. Ele permanece para sempre como um horizonte distante, imaculado, oferecendo um julgamento rigoroso de tudo que existe, como um sol que não pode ser observado mas que cria uma sombra em tudo aquilo que ele lança seu brilho. E as sombras são os inimigos da pureza do sol, que precisam ser eliminados do caminho para que venha a luz.
Utópicos costumam aderir facilmente às teorias conspiratórias e simplistas, que dividem de forma maniqueísta o mundo entre bom e mau. Todos aqueles que recusam a utopia são seus inimigos. Eles não podem discordar por convicção; devem ser traidores, opressores ou, na melhor das hipóteses, alienados.
Foi assim que os jacobinos encararam todos que criticavam a Revolução Francesa, como “inimigos do povo”. Hugo Chávez, em busca de seu “socialismo do século 21”, adota a mesma tática.
Os inimigos variam de acordo com a utopia. Para os nazistas eram os judeus; para os comunistas, os burgueses; para os anarquistas, os políticos. O importante é ter um bode expiatório, de preferência bem definido, aquele que impede a realização da utopia. O crime, a violência e a destruição são justificáveis como meios para um sonho tão puro e lindo como o utópico.
A revolta e o desejo de vingança contra a realidade alimentam a utopia revolucionária. Esta sede destrutiva costuma derivar de um profundo ressentimento direcionado àqueles que, de alguma forma, conseguem contemporizar com as restrições da vida. O caminho do totalitarismo está aberto se os utópicos conseguem chegar ao poder.
Published on July 23, 2012 19:23
Who Really Invented the Internet?
By L. GORDON CROVITZ, WSJ
A telling moment in the presidential race came recently when Barack Obama said: "If you've got a business, you didn't build that. Somebody else made that happen." He justified elevating bureaucrats over entrepreneurs by referring to bridges and roads, adding: "The Internet didn't get invented on its own. Government research created the Internet so that all companies could make money off the Internet."
It's an urban legend that the government launched the Internet. The myth is that the Pentagon created the Internet to keep its communications lines up even in a nuclear strike. The truth is a more interesting story about how innovation happens—and about how hard it is to build successful technology companies even once the government gets out of the way.
For many technologists, the idea of the Internet traces to Vannevar Bush, the presidential science adviser during World War II who oversaw the development of radar and the Manhattan Project. In a 1946 article in The Atlantic titled "As We May Think," Bush defined an ambitious peacetime goal for technologists: Build what he called a "memex" through which "wholly new forms of encyclopedias will appear, ready made with a mesh of associative trails running through them, ready to be dropped into the memex and there amplified."
That fired imaginations, and by the 1960s technologists were trying to connect separate physical communications networks into one global network—a "world-wide web." The federal government was involved, modestly, via the Pentagon's Advanced Research Projects Agency Network. Its goal was not maintaining communications during a nuclear attack, and it didn't build the Internet. Robert Taylor, who ran the ARPA program in the 1960s, sent an email to fellow technologists in 2004 setting the record straight: "The creation of the Arpanet was not motivated by considerations of war. The Arpanet was not an Internet. An Internet is a connection between two or more computer networks."
If the government didn't invent the Internet, who did? Vinton Cerf developed the TCP/IP protocol, the Internet's backbone, and Tim Berners-Lee gets credit for hyperlinks.
Enlarge Image
Xerox PARCXerox PARC headquarters.
But full credit goes to the company where Mr. Taylor worked after leaving ARPA: Xerox. It was at the Xerox PARC labs in Silicon Valley in the 1970s that the Ethernet was developed to link different computer networks. Researchers there also developed the first personal computer (the Xerox Alto) and the graphical user interface that still drives computer usage today.
According to a book about Xerox PARC, "Dealers of Lightning" (by Michael Hiltzik), its top researchers realized they couldn't wait for the government to connect different networks, so would have to do it themselves. "We have a more immediate problem than they do," Robert Metcalfe told his colleague John Shoch in 1973. "We have more networks than they do." Mr. Shoch later recalled that ARPA staffers "were working under government funding and university contracts. They had contract administrators . . . and all that slow, lugubrious behavior to contend with."
So having created the Internet, why didn't Xerox become the biggest company in the world? The answer explains the disconnect between a government-led view of business and how innovation actually happens.
Executives at Xerox headquarters in Rochester, N.Y., were focused on selling copiers. From their standpoint, the Ethernet was important only so that people in an office could link computers to share a copier. Then, in 1979, Steve Jobs negotiated an agreement whereby Xerox's venture-capital division invested $1 million in Apple, with the requirement that Jobs get a full briefing on all the Xerox PARC innovations. "They just had no idea what they had," Jobs later said, after launching hugely profitable Apple computers using concepts developed by Xerox.
Xerox's copier business was lucrative for decades, but the company eventually had years of losses during the digital revolution. Xerox managers can console themselves that it's rare for a company to make the transition from one technology era to another.
As for the government's role, the Internet was fully privatized in 1995, when a remaining piece of the network run by the National Science Foundation was closed—just as the commercial Web began to boom. Economist Tyler Cowen wrote in 2005: "The Internet, in fact, reaffirms the basic free market critique of large government. Here for 30 years the government had an immensely useful protocol for transferring information, TCP/IP, but it languished. . . . In less than a decade, private concerns have taken that protocol and created one of the most important technological revolutions of the millennia."
It's important to understand the history of the Internet because it's too often wrongly cited to justify big government. It's also important to recognize that building great technology businesses requires both innovation and the skills to bring innovations to market. As the contrast between Xerox and Apple shows, few business leaders succeed in this challenge. Those who do—not the government—deserve the credit for making it happen.
A telling moment in the presidential race came recently when Barack Obama said: "If you've got a business, you didn't build that. Somebody else made that happen." He justified elevating bureaucrats over entrepreneurs by referring to bridges and roads, adding: "The Internet didn't get invented on its own. Government research created the Internet so that all companies could make money off the Internet."
It's an urban legend that the government launched the Internet. The myth is that the Pentagon created the Internet to keep its communications lines up even in a nuclear strike. The truth is a more interesting story about how innovation happens—and about how hard it is to build successful technology companies even once the government gets out of the way.
For many technologists, the idea of the Internet traces to Vannevar Bush, the presidential science adviser during World War II who oversaw the development of radar and the Manhattan Project. In a 1946 article in The Atlantic titled "As We May Think," Bush defined an ambitious peacetime goal for technologists: Build what he called a "memex" through which "wholly new forms of encyclopedias will appear, ready made with a mesh of associative trails running through them, ready to be dropped into the memex and there amplified."
That fired imaginations, and by the 1960s technologists were trying to connect separate physical communications networks into one global network—a "world-wide web." The federal government was involved, modestly, via the Pentagon's Advanced Research Projects Agency Network. Its goal was not maintaining communications during a nuclear attack, and it didn't build the Internet. Robert Taylor, who ran the ARPA program in the 1960s, sent an email to fellow technologists in 2004 setting the record straight: "The creation of the Arpanet was not motivated by considerations of war. The Arpanet was not an Internet. An Internet is a connection between two or more computer networks."
If the government didn't invent the Internet, who did? Vinton Cerf developed the TCP/IP protocol, the Internet's backbone, and Tim Berners-Lee gets credit for hyperlinks.
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But full credit goes to the company where Mr. Taylor worked after leaving ARPA: Xerox. It was at the Xerox PARC labs in Silicon Valley in the 1970s that the Ethernet was developed to link different computer networks. Researchers there also developed the first personal computer (the Xerox Alto) and the graphical user interface that still drives computer usage today.
According to a book about Xerox PARC, "Dealers of Lightning" (by Michael Hiltzik), its top researchers realized they couldn't wait for the government to connect different networks, so would have to do it themselves. "We have a more immediate problem than they do," Robert Metcalfe told his colleague John Shoch in 1973. "We have more networks than they do." Mr. Shoch later recalled that ARPA staffers "were working under government funding and university contracts. They had contract administrators . . . and all that slow, lugubrious behavior to contend with."
So having created the Internet, why didn't Xerox become the biggest company in the world? The answer explains the disconnect between a government-led view of business and how innovation actually happens.
Executives at Xerox headquarters in Rochester, N.Y., were focused on selling copiers. From their standpoint, the Ethernet was important only so that people in an office could link computers to share a copier. Then, in 1979, Steve Jobs negotiated an agreement whereby Xerox's venture-capital division invested $1 million in Apple, with the requirement that Jobs get a full briefing on all the Xerox PARC innovations. "They just had no idea what they had," Jobs later said, after launching hugely profitable Apple computers using concepts developed by Xerox.
Xerox's copier business was lucrative for decades, but the company eventually had years of losses during the digital revolution. Xerox managers can console themselves that it's rare for a company to make the transition from one technology era to another.
As for the government's role, the Internet was fully privatized in 1995, when a remaining piece of the network run by the National Science Foundation was closed—just as the commercial Web began to boom. Economist Tyler Cowen wrote in 2005: "The Internet, in fact, reaffirms the basic free market critique of large government. Here for 30 years the government had an immensely useful protocol for transferring information, TCP/IP, but it languished. . . . In less than a decade, private concerns have taken that protocol and created one of the most important technological revolutions of the millennia."
It's important to understand the history of the Internet because it's too often wrongly cited to justify big government. It's also important to recognize that building great technology businesses requires both innovation and the skills to bring innovations to market. As the contrast between Xerox and Apple shows, few business leaders succeed in this challenge. Those who do—not the government—deserve the credit for making it happen.
Published on July 23, 2012 07:51
Nêmesis
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
Nêmesis era a deusa grega da vingança. Ela tinha especial prazer em torturar heróis que caíam em "hybris" (desmedida) e pensavam ser outra coisa que mortais sob o domínio dos deuses e das moiras, senhoras divinas quase cegas que teciam o destino de todos.
Fosse eu religioso, minha espiritualidade seria a trágica dos gregos, apesar da grandiosa beleza do sistema bíblico. Não que eu ache "legal" o politeísmo, mas porque eu acho que a visão de mundo dos trágicos é a melhor. A piedade trágica, aquela despertada pela empatia entre nós e os infelizes heróis do teatro grego, é que levou Nelson Rodrigues a dizer que devíamos assistir ao teatro de joelhos.
A acusação feita aos trágicos é que eles negam o sentido último da vida, porque os deuses gregos eram uns loucos apaixonados e sem projeto moral para o mundo (o destino é sempre cego). Isso é verdade. O Deus de Israel, que para os cristãos encarnou no judeu Jesus, tem um projeto moral para o mundo, mesmo que não saibamos ao certo qual é. E isso nos acalma.
A tragédia marcou a cultura de forma profunda, os exemplos são inúmeros: Shakespeare, Gracian, Schopenhauer, Nietzsche, Camus, Cioran, Nelson Rodrigues, Philip Roth.
É desse último que quero falar hoje. Especificamente de seu livro mais recente, "Nêmesis", a história do jovem professor de educação física Bucky Cantor atravessando o grande surto de pólio nos EUA no verão de 1944.
Os heróis de Roth sempre são esmagados entre a vida pessoal, os vínculos afetivos e ideias, e grandes processos históricos ou "cósmicos" que têm um efeito aleatório na vida deles -e sempre destrutivo.
Como exemplos históricos, vemos a Guerra da Coreia, o macarthismo versus comunismo nos anos 1950 nos EUA, a contracultura, a canalhice do politicamente correto nas universidades americanas. Como exemplo cósmico, o envelhecimento, a perda das funções sexuais ou de memória, as pragas (como a pólio em "Nêmesis").
No caso desse romance, a praga da pólio ocupa o lugar de pragas atávicas que sempre significaram para nossos ancestrais a fúria dos deuses. E é contra Deus que Cantor se revoltará.
Mas Roth é um grande escritor, e a revolta do jovem Cantor será teologicamente sofisticada, e não mero ateísmo militante, porque o ateísmo militante é sempre infantil.
O cruzamento entre as intenções pessoais e o destino, histórico ou cósmico, dá o efeito de esmagamento e negação de projeto moral, na medida em que os heróis de Roth não conseguem discernir qualquer sentido que não seja a cegueira terrível do acaso ou o "terror da contingência", tal como diz o narrador de "Nêmesis".
A expressão "terror da contingência" é comum nos textos do historiador das religiões Mircea Eliade para descrever o que nos moveria ao desejo religioso de um sentido maior. Tememos o acaso porque ele nega qualquer providência sábia por trás das coisas. O acaso é cego.
Para Cantor, Deus é um "demiurgo". Essa expressão era comum em alguns textos heréticos do início do cristianismo (textos gnósticos) e significava que Deus é mal. E se Deus for mal, não há qualquer esperança.
Mas o narrador do romance pensa diferente. Sua hipótese sobre a vida e as decisões que Cantor tomará é mais psicanalítica (ele sofreria de uma "neurose de responsabilidade"), mas nem por isso menos teológica. Para o narrador, Cantor é excessivo em julgar a si mesmo responsável pela desgraça que destrói seus alunos. E por isso sofrerá, porque nenhum homem pode se julgar senhor do destino, já que esse não nos pertence.
Como a deusa em questão é a da vingança, Nêmesis, a desmedida de Cantor em se julgar responsável pelo destino de seus alunos será vista de outra forma: Cantor se julga um justo e um dedicado professor e, por isso, pagará um preço alto pela autoimagem de homem reto. Aí está sua desmedida.
Cantor é o Jó de Roth (o judeu Levov, protagonista de "Pastoral Americana", é outro Jó de Roth): Cantor e Jó se julgam justos. Mas Cantor é um Jó que não encontra, ao final, a piedade de Deus, mas a vingança de uma deusa cega à misericórdia.
Nêmesis era a deusa grega da vingança. Ela tinha especial prazer em torturar heróis que caíam em "hybris" (desmedida) e pensavam ser outra coisa que mortais sob o domínio dos deuses e das moiras, senhoras divinas quase cegas que teciam o destino de todos.
Fosse eu religioso, minha espiritualidade seria a trágica dos gregos, apesar da grandiosa beleza do sistema bíblico. Não que eu ache "legal" o politeísmo, mas porque eu acho que a visão de mundo dos trágicos é a melhor. A piedade trágica, aquela despertada pela empatia entre nós e os infelizes heróis do teatro grego, é que levou Nelson Rodrigues a dizer que devíamos assistir ao teatro de joelhos.
A acusação feita aos trágicos é que eles negam o sentido último da vida, porque os deuses gregos eram uns loucos apaixonados e sem projeto moral para o mundo (o destino é sempre cego). Isso é verdade. O Deus de Israel, que para os cristãos encarnou no judeu Jesus, tem um projeto moral para o mundo, mesmo que não saibamos ao certo qual é. E isso nos acalma.
A tragédia marcou a cultura de forma profunda, os exemplos são inúmeros: Shakespeare, Gracian, Schopenhauer, Nietzsche, Camus, Cioran, Nelson Rodrigues, Philip Roth.
É desse último que quero falar hoje. Especificamente de seu livro mais recente, "Nêmesis", a história do jovem professor de educação física Bucky Cantor atravessando o grande surto de pólio nos EUA no verão de 1944.
Os heróis de Roth sempre são esmagados entre a vida pessoal, os vínculos afetivos e ideias, e grandes processos históricos ou "cósmicos" que têm um efeito aleatório na vida deles -e sempre destrutivo.
Como exemplos históricos, vemos a Guerra da Coreia, o macarthismo versus comunismo nos anos 1950 nos EUA, a contracultura, a canalhice do politicamente correto nas universidades americanas. Como exemplo cósmico, o envelhecimento, a perda das funções sexuais ou de memória, as pragas (como a pólio em "Nêmesis").
No caso desse romance, a praga da pólio ocupa o lugar de pragas atávicas que sempre significaram para nossos ancestrais a fúria dos deuses. E é contra Deus que Cantor se revoltará.
Mas Roth é um grande escritor, e a revolta do jovem Cantor será teologicamente sofisticada, e não mero ateísmo militante, porque o ateísmo militante é sempre infantil.
O cruzamento entre as intenções pessoais e o destino, histórico ou cósmico, dá o efeito de esmagamento e negação de projeto moral, na medida em que os heróis de Roth não conseguem discernir qualquer sentido que não seja a cegueira terrível do acaso ou o "terror da contingência", tal como diz o narrador de "Nêmesis".
A expressão "terror da contingência" é comum nos textos do historiador das religiões Mircea Eliade para descrever o que nos moveria ao desejo religioso de um sentido maior. Tememos o acaso porque ele nega qualquer providência sábia por trás das coisas. O acaso é cego.
Para Cantor, Deus é um "demiurgo". Essa expressão era comum em alguns textos heréticos do início do cristianismo (textos gnósticos) e significava que Deus é mal. E se Deus for mal, não há qualquer esperança.
Mas o narrador do romance pensa diferente. Sua hipótese sobre a vida e as decisões que Cantor tomará é mais psicanalítica (ele sofreria de uma "neurose de responsabilidade"), mas nem por isso menos teológica. Para o narrador, Cantor é excessivo em julgar a si mesmo responsável pela desgraça que destrói seus alunos. E por isso sofrerá, porque nenhum homem pode se julgar senhor do destino, já que esse não nos pertence.
Como a deusa em questão é a da vingança, Nêmesis, a desmedida de Cantor em se julgar responsável pelo destino de seus alunos será vista de outra forma: Cantor se julga um justo e um dedicado professor e, por isso, pagará um preço alto pela autoimagem de homem reto. Aí está sua desmedida.
Cantor é o Jó de Roth (o judeu Levov, protagonista de "Pastoral Americana", é outro Jó de Roth): Cantor e Jó se julgam justos. Mas Cantor é um Jó que não encontra, ao final, a piedade de Deus, mas a vingança de uma deusa cega à misericórdia.
Published on July 23, 2012 06:35
July 22, 2012
Saindo do armário
Elena Landau, O GLOBO
Primeiro foram os aeroportos, depois os portos e refinarias. Agora vem um pacote para aprofundar o processo de concessões para o setor privado e ressuscitar o PAC. Depois de um surto intervencionista, o governo percebeu que é impossível crescer de forma sustentada sem investimentos em infraestrutura e muito menos sem capital privado. Finalmente o PT rendeu-se ao óbvio e abraçou a agenda das privatizações de vez. O problema é que o faz de forma encabulada, tentando fingir que não faz o que faz, e nisso acaba fazendo malfeito.
A verdade é que a privatização nunca foi abandonada. Mudou de forma e foi redesenhada, refletindo circunstâncias econômicas e preferências governamentais, mas nunca deixou de acontecer ao longo dos últimos 20 anos.
A desestatização começou em setores industriais, para depois incluir concessões públicas possibilitando o país cumprir uma agenda de investimentos que o Estado, por falta de recursos e restrições institucionais e políticas, não podia fazer sozinho. As formas de venda também variaram ao longo do tempo: moedas de privatização foram aceitas no início, depois veio a participação do BNDES e dos fundos de pensão. Em muitos casos a privatização foi integral, em outros, empresas estatais mantiveram participações minoritárias nas empresas privatizadas. O fato é que, de Collor a Dilma, o reposicionamento do Estado na atividade econômica nunca parou.
Acontece que o governo petista ficou por muito tempo aprisionado por um discurso eleitoral que satanizava as privatizações. Demorou a sair do armário e mesmo assim continua envergonhado de um processo que só traz benefícios ao país. O grave, no entanto, não é a retórica da política, mas as falhas efetivas da privatização petista.
Primeiro, o processo de privatização petista peca por falta de planejamento. Vende concessões isoladamente sem pensar no setor, como nos aeroportos. Não há um plano de setor aeroportuário, apenas uma venda de ativos premida pela necessidade de melhorar a infraestrutura até a Copa do Mundo. Processo oposto ao das telecomunicações, quando toda a prestação do serviço foi redesenhada através de uma Lei Geral e uma agência reguladora específica foi criada. O setor de petróleo foi redefinido sem a análise e o debate necessários, embarcando em um modelo de exploração do pré-sal que, combinado com a política de conteúdo local, deixa a Petrobras numa armadilha e paralisada.
Segundo, erra na falta de critérios para qualificar os participantes dos leilões. O próprio governo tentou pressionar pela mudança dos consórcios já nos dias seguintes à privatização em Belo Monte. Se o consórcio não era sólido o suficiente para ganhar o leilão, por que não foi impedido de participar na pré-qualificação?
Terceiro, ficou refém do populismo. Muitas concessões de rodovias feitas no governo Lula não tiveram seus compromissos de edital realizados porque o pedágio não cobre os custos. E aí volta a velha prática de aditivos e ajustes no contrato. No setor elétrico, o baixo custo obtido nos leilões, apregoado como vitória política, é compensado por um elevado financiamento público, cujos critérios mudam a cada leilão, para não falar de mudanças do combustível original e dos titulares dos contratos, em completo desacordo do que se espera de um processo de licitação impessoal e transparente. Aos poucos este governo vai tomando consciência que o barato sai caro. Não há almoço grátis: ou paga o usuário ou paga o contribuinte.
Quarto, o governo petista politizou as agências reguladoras e tirou do Cade o poder de avaliar riscos à competição nas licitações públicas. Por fim, a expressiva participação de estatais para disfarçar a privatização, como a Infraero, não permite um choque na gestão nem ganhos fiscais.
Para dar mais competitividade à indústria o melhor a fazer, além de redução de impostos e juros, é melhorar a infraestrutura do país. Para isso, é preciso sair do armário de vez: planejar a privatização dos setores de infraestrutura, aprimorar os critérios de qualificação dos consórcios e fortalecer as agências reguladoras. E claro, governar com a realidade e não com a ideologia dos palanques. Ou seja, acabar com os malfeitos.
ELENA LANDAU é economista e advogada.
Primeiro foram os aeroportos, depois os portos e refinarias. Agora vem um pacote para aprofundar o processo de concessões para o setor privado e ressuscitar o PAC. Depois de um surto intervencionista, o governo percebeu que é impossível crescer de forma sustentada sem investimentos em infraestrutura e muito menos sem capital privado. Finalmente o PT rendeu-se ao óbvio e abraçou a agenda das privatizações de vez. O problema é que o faz de forma encabulada, tentando fingir que não faz o que faz, e nisso acaba fazendo malfeito.
A verdade é que a privatização nunca foi abandonada. Mudou de forma e foi redesenhada, refletindo circunstâncias econômicas e preferências governamentais, mas nunca deixou de acontecer ao longo dos últimos 20 anos.
A desestatização começou em setores industriais, para depois incluir concessões públicas possibilitando o país cumprir uma agenda de investimentos que o Estado, por falta de recursos e restrições institucionais e políticas, não podia fazer sozinho. As formas de venda também variaram ao longo do tempo: moedas de privatização foram aceitas no início, depois veio a participação do BNDES e dos fundos de pensão. Em muitos casos a privatização foi integral, em outros, empresas estatais mantiveram participações minoritárias nas empresas privatizadas. O fato é que, de Collor a Dilma, o reposicionamento do Estado na atividade econômica nunca parou.
Acontece que o governo petista ficou por muito tempo aprisionado por um discurso eleitoral que satanizava as privatizações. Demorou a sair do armário e mesmo assim continua envergonhado de um processo que só traz benefícios ao país. O grave, no entanto, não é a retórica da política, mas as falhas efetivas da privatização petista.
Primeiro, o processo de privatização petista peca por falta de planejamento. Vende concessões isoladamente sem pensar no setor, como nos aeroportos. Não há um plano de setor aeroportuário, apenas uma venda de ativos premida pela necessidade de melhorar a infraestrutura até a Copa do Mundo. Processo oposto ao das telecomunicações, quando toda a prestação do serviço foi redesenhada através de uma Lei Geral e uma agência reguladora específica foi criada. O setor de petróleo foi redefinido sem a análise e o debate necessários, embarcando em um modelo de exploração do pré-sal que, combinado com a política de conteúdo local, deixa a Petrobras numa armadilha e paralisada.
Segundo, erra na falta de critérios para qualificar os participantes dos leilões. O próprio governo tentou pressionar pela mudança dos consórcios já nos dias seguintes à privatização em Belo Monte. Se o consórcio não era sólido o suficiente para ganhar o leilão, por que não foi impedido de participar na pré-qualificação?
Terceiro, ficou refém do populismo. Muitas concessões de rodovias feitas no governo Lula não tiveram seus compromissos de edital realizados porque o pedágio não cobre os custos. E aí volta a velha prática de aditivos e ajustes no contrato. No setor elétrico, o baixo custo obtido nos leilões, apregoado como vitória política, é compensado por um elevado financiamento público, cujos critérios mudam a cada leilão, para não falar de mudanças do combustível original e dos titulares dos contratos, em completo desacordo do que se espera de um processo de licitação impessoal e transparente. Aos poucos este governo vai tomando consciência que o barato sai caro. Não há almoço grátis: ou paga o usuário ou paga o contribuinte.
Quarto, o governo petista politizou as agências reguladoras e tirou do Cade o poder de avaliar riscos à competição nas licitações públicas. Por fim, a expressiva participação de estatais para disfarçar a privatização, como a Infraero, não permite um choque na gestão nem ganhos fiscais.
Para dar mais competitividade à indústria o melhor a fazer, além de redução de impostos e juros, é melhorar a infraestrutura do país. Para isso, é preciso sair do armário de vez: planejar a privatização dos setores de infraestrutura, aprimorar os critérios de qualificação dos consórcios e fortalecer as agências reguladoras. E claro, governar com a realidade e não com a ideologia dos palanques. Ou seja, acabar com os malfeitos.
ELENA LANDAU é economista e advogada.
Published on July 22, 2012 07:41
July 21, 2012
Um tiro na nuca da nação
Guilherme Fiuza, O GLOBO
Carlinhos Cachoeira disse que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase simultaneamente, um dos agentes federais que o investigaram é executado num cemitério, enquanto visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon Brando não precisam entrar em cena para o país entender que há uma gangue atentando contra o Estado brasileiro. Em qualquer lugar supostamente civilizado, os dois tiros profissionais na nuca e na têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob suspeita, imediatamente, os investigados pela Operação Monte Carlo - alvos do agente assassinado. Mas no Brasil progressista é diferente.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime. Declarou que "é leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do policial federal e a operação da qual ele fazia parte. E mais não disse. Tapajós foi enterrado no lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia, iam dizer que esses roteiristas exageram. No enterro, alguém de bom-senso poderia ter soprado ao ouvido do ministro: dizer que é leviano suspeitar dos investigados pela vítima, excelência, é uma leviandade.
Mas ninguém fez isso, e nem poderia. O ministro da Justiça não foi ao enterro. Wilton Tapajós era subordinado ao seu ministério, atuava na principal investigação da Polícia Federal e foi executado em plena capital da República, mas José Eduardo Cardozo devia estar com a agenda cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do que a agenda do ministro.) Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado pelo agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do governo popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.
Assim como o consultor Fernando Pimentel (ministro vegetativo do Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o príncipe do Enem), Cardozo é militante político de Dilma Rousseff e ministro nas horas vagas. O projeto de permanência petista no poder é a prioridade de todos eles, daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu ambicioso plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de cumpri-lo). Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que não dá voto a ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro. Para bater boca com a oposição e acusá-la de politizar a operação da PF, por exemplo, o ministro não se sente leviano.
Carlinhos Cachoeira era comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O bicheiro mandava e desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as jogadas da Delta, intermediava doações para campanhas políticas, segundo seu ex-diretor Luiz Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de Dilma Rousseff, da qual Cardozo fazia parte. O policial federal assassinado estava entre os homens que começaram a desmontar o esquema Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos. O mínimo que qualquer autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da máfia foi eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça preferiu ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja neutralidade.
Montar golpes contra o Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que compensa. Especialmente se o golpe é montado dentro do próprio Estado, com os padrinhos certos. Exemplo: às vésperas do julgamento do mensalão, um conhecido agente do valerioduto acaba de ser inocentado, candidamente, à luz do dia.
Graças a uma providencial decisão do Tribunal de Contas da União - contrariando parecer técnico anterior do próprio TCU -, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que permitiu repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve mais nada a ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que permitiram o escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT, acabam de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos Valério se sacrificou por este país).
O melhor de tudo é que uma lavagem de reputação como essa acontece tranquilamente, sem nem uma vaia da arquibancada. No mesmo embalo ético, Delúbio Soares já mandou seu advogado gritar que ele é inocente e jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi operar um pouquinho no caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo mundo faz. Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de que não vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil progressista há de confiar no seu voto.
Esses ventos indulgentes naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se enche de otimismo e fala grosso com a CPI. Se o esquema de Marcos Valério está repleto de inocentes, seria leviano deixar o bicheiro de fora dessa festa.
Carlinhos Cachoeira disse que vai à CPI quando quiser, porque a CPI é dele. Quase simultaneamente, um dos agentes federais que o investigaram é executado num cemitério, enquanto visitava o túmulo dos pais. Al Pacino e Marlon Brando não precisam entrar em cena para o país entender que há uma gangue atentando contra o Estado brasileiro. Em qualquer lugar supostamente civilizado, os dois tiros profissionais na nuca e na têmpora do policial Wilton Tapajós poriam sob suspeita, imediatamente, os investigados pela Operação Monte Carlo - alvos do agente assassinado. Mas no Brasil progressista é diferente.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se pronunciou sobre o crime. Declarou que "é leviano" fazer qualquer ligação entre a execução do policial federal e a operação da qual ele fazia parte. E mais não disse. Tapajós foi enterrado no lugar onde foi morto. Se fosse filme de máfia, iam dizer que esses roteiristas exageram. No enterro, alguém de bom-senso poderia ter soprado ao ouvido do ministro: dizer que é leviano suspeitar dos investigados pela vítima, excelência, é uma leviandade.
Mas ninguém fez isso, e nem poderia. O ministro da Justiça não foi ao enterro. Wilton Tapajós era subordinado ao seu ministério, atuava na principal investigação da Polícia Federal e foi executado em plena capital da República, mas José Eduardo Cardozo devia estar com a agenda cheia. (Talvez seja mais fácil desvendar o crime do que a agenda do ministro.) Por outro lado, o advogado de Cachoeira, investigado pelo agente assassinado, é antecessor de Cardozo no cargo de xerife do governo popular. Seria leviano contrariar o companheiro Thomaz Bastos.
Assim como o consultor Fernando Pimentel (ministro vegetativo do Desenvolvimento) e Fernando Haddad (o príncipe do Enem), Cardozo é militante político de Dilma Rousseff e ministro nas horas vagas. O projeto de permanência petista no poder é a prioridade de todos eles, daí os resultados nulos de suas pastas. Cardozo anunciara que ia se aposentar da política, e em seguida virou ministro. Lançou então seu ambicioso plano de espalhar UPPs pelo país e se aposentou (da função de cumpri-lo). Deixou de lado o abacaxi do plano nacional de segurança, que não dá voto a ninguém, e foi fazer política, que ninguém é de ferro. Para bater boca com a oposição e acusá-la de politizar a operação da PF, por exemplo, o ministro não se sente leviano.
Carlinhos Cachoeira era comparsa da Delta, a construtora queridinha do PAC. O bicheiro mandava e desmandava no Dnit, órgão que, além de acobertar as jogadas da Delta, intermediava doações para campanhas políticas, segundo seu ex-diretor Luiz Antonio Pagot. Entre essas campanhas estava a de Dilma Rousseff, da qual Cardozo fazia parte. O policial federal assassinado estava entre os homens que começaram a desmontar o esquema Cachoeira-Delta, e seus tentáculos palacianos. O mínimo que qualquer autoridade responsável deveria dizer é que um caçador da máfia foi eliminado de forma mafiosa. Mas o falante ministro da Justiça preferiu ficar neutro, como se a vítima fosse o sorveteiro da esquina. Haja neutralidade.
Montar golpes contra o Estado brasileiro é, cada vez mais, um crime que compensa. Especialmente se o golpe é montado dentro do próprio Estado, com os padrinhos certos. Exemplo: às vésperas do julgamento do mensalão, um conhecido agente do valerioduto acaba de ser inocentado, candidamente, à luz do dia.
Graças a uma providencial decisão do Tribunal de Contas da União - contrariando parecer técnico anterior do próprio TCU -, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil que permitiu repasses milionários à agência de Marcos Valério, não deve mais nada a ninguém. Os famosos contratos fantasmas de publicidade, que permitiram o escoamento sistemático de dinheiro público para o caixa do PT, acabam de ser, por assim dizer, legalizados. Nesse ritmo, o Brasil ainda descobrirá que Lula tinha razão: o mensalão não existiu (e Marcos Valério se sacrificou por este país).
O melhor de tudo é que uma lavagem de reputação como essa acontece tranquilamente, sem nem uma vaia da arquibancada. No mesmo embalo ético, Delúbio Soares já mandou seu advogado gritar que ele é inocente e jamais subornou ninguém. O máximo que fez foi operar um pouquinho no caixa dois, o que, como já declarou o próprio Lula, todo mundo faz. Nesse clima geral de compreensão e tolerância, o ministro do Supremo Tribunal Federal que passou a vida advogando para o PT já dá sinais de que não vai se declarar impedido de julgar o mensalão. O Brasil progressista há de confiar no seu voto.
Esses ventos indulgentes naturalmente batem na cela de Cachoeira, que se enche de otimismo e fala grosso com a CPI. Se o esquema de Marcos Valério está repleto de inocentes, seria leviano deixar o bicheiro de fora dessa festa.
Published on July 21, 2012 12:10
July 20, 2012
Coragem para mudar
Rogério Werneck, O Globo
No dia 7 de agosto, a presidente Dilma Roussef cruzará a linha dos 40% do mandato. Dos 48 meses, 19 já se terão passado. E a verdade é que, por enquanto, os resultados ficaram muito aquém do que o governo esperava. Mas ainda há tempo para mudanças. A dúvida é se o governo conseguirá perceber que a insistência no curso atual só pode redundar em fiasco.
O desempenho da economia mostra-se cada vez mais decepcionante. Tendo crescido apenas 2,7% em 2011, o PIB deverá mostrar expansão de menos de 2% em 2012. É bem possível que, afinal, a inflação deste ano fique próxima da meta. Mas, no caso, o elogio que cabe ao Banco Central é o mesmo que poderia ser feito a um jogador de sinuca que, tendo dado uma tacada forte, sem conseguir matar a bola na caçapa "cantada", se regozija por vê-la bater nas tabelas laterais e, lentamente, escorrer para dentro de outra caçapa, do lado oposto da mesa. A arte estava em trazer a inflação para o centro da meta com a economia crescendo a uma taxa razoável. E não a menos de 2% ao ano.
A incerteza externa, em boa parte advinda da apreensão com o desfecho do imbróglio europeu, tem contribuído para a desaceleração do crescimento. Mas basta comparar o desempenho brasileiro com os de outras economias congêneres para constatar que, além do ambiente externo adverso, há um forte componente específico, verde-amarelo, por trás das dificuldades locais.
É bem provável que, na esteira dos muitos estímulos à demanda deflagrados desde o ano passado, a economia se recupere nos próximos meses e termine o ano crescendo a uma taxa anualizada razoável, ainda que mais baixa que o governo antevê. O problema é a indústria. Acumulam-se as evidências de que a falta de dinamismo da indústria não será resolvida com novos estímulos à demanda agregada, não importa quão fortes sejam. Muito pelo contrário, tudo indica que tais estímulos - num quadro de mercado de trabalho aquecido - estão, de fato, agravando as dificuldades da indústria, como bem arguem, em artigo recente, Affonso Pastore, Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti.
Exposta à concorrência externa, a indústria vem vendo sua competitividade estrangulada, pouco a pouco, pelo aumento do Custo Brasil. Especialmente, pela elevação sem fim da carga tributária. E aqui, sim, o governo poderia fazer muita diferença. Mas, por enquanto, não tem feito. Por pelo menos duas razões.
A primeira é que um programa de redução efetiva e substancial de carga tributária seria incompatível com um ponto central e inegociável do projeto político do governo, que é a manutenção da rápida expansão do dispêndio público. É por isso que a desoneração fiscal que vem sendo feita - além de discricionária e baseada em injustificável reintrodução da tributação sobre faturamento - é tão acanhada.
A segunda razão é que o governo se tem mostrado incapaz de promover a recuperação do investimento público, essencial para a redução do Custo Brasil. Muito se tem dito sobre a insolúvel paralisia dos programas de investimento do governo. Mas talvez já seja hora de adicionar às explicações usuais as deficiências que decorrem do estilo peculiar com que a presidente exerce suas funções administrativas, não obstante toda a mitologia que se construiu em torno de seus supostos talentos nessa área.
Sobram evidências de que a presidente Dilma Rousseff tem cometido erros sérios na seleção de auxiliares importantes, mostra propensão desmesurada à centralização e considera eficaz manter os escalões mais altos do governo aterrorizados com a possibilidade de desgostá-la por qualquer razão. Não é preciso ser um guru da administração para constatar o óbvio. A persistência dessas práticas na cúpula do governo constitui enorme empecilho à boa gestão das políticas públicas e ao bom andamento dos programas de investimento público.
Reconhecer as deficiências e ter disposição para mudar é a parte mais difícil. Mas o certo é que governo precisa corrigir o curso. Passados os próximos 19 meses, Dilma se verá na cabeceira da pista da sucessão presidencial.
No dia 7 de agosto, a presidente Dilma Roussef cruzará a linha dos 40% do mandato. Dos 48 meses, 19 já se terão passado. E a verdade é que, por enquanto, os resultados ficaram muito aquém do que o governo esperava. Mas ainda há tempo para mudanças. A dúvida é se o governo conseguirá perceber que a insistência no curso atual só pode redundar em fiasco.
O desempenho da economia mostra-se cada vez mais decepcionante. Tendo crescido apenas 2,7% em 2011, o PIB deverá mostrar expansão de menos de 2% em 2012. É bem possível que, afinal, a inflação deste ano fique próxima da meta. Mas, no caso, o elogio que cabe ao Banco Central é o mesmo que poderia ser feito a um jogador de sinuca que, tendo dado uma tacada forte, sem conseguir matar a bola na caçapa "cantada", se regozija por vê-la bater nas tabelas laterais e, lentamente, escorrer para dentro de outra caçapa, do lado oposto da mesa. A arte estava em trazer a inflação para o centro da meta com a economia crescendo a uma taxa razoável. E não a menos de 2% ao ano.
A incerteza externa, em boa parte advinda da apreensão com o desfecho do imbróglio europeu, tem contribuído para a desaceleração do crescimento. Mas basta comparar o desempenho brasileiro com os de outras economias congêneres para constatar que, além do ambiente externo adverso, há um forte componente específico, verde-amarelo, por trás das dificuldades locais.
É bem provável que, na esteira dos muitos estímulos à demanda deflagrados desde o ano passado, a economia se recupere nos próximos meses e termine o ano crescendo a uma taxa anualizada razoável, ainda que mais baixa que o governo antevê. O problema é a indústria. Acumulam-se as evidências de que a falta de dinamismo da indústria não será resolvida com novos estímulos à demanda agregada, não importa quão fortes sejam. Muito pelo contrário, tudo indica que tais estímulos - num quadro de mercado de trabalho aquecido - estão, de fato, agravando as dificuldades da indústria, como bem arguem, em artigo recente, Affonso Pastore, Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti.
Exposta à concorrência externa, a indústria vem vendo sua competitividade estrangulada, pouco a pouco, pelo aumento do Custo Brasil. Especialmente, pela elevação sem fim da carga tributária. E aqui, sim, o governo poderia fazer muita diferença. Mas, por enquanto, não tem feito. Por pelo menos duas razões.
A primeira é que um programa de redução efetiva e substancial de carga tributária seria incompatível com um ponto central e inegociável do projeto político do governo, que é a manutenção da rápida expansão do dispêndio público. É por isso que a desoneração fiscal que vem sendo feita - além de discricionária e baseada em injustificável reintrodução da tributação sobre faturamento - é tão acanhada.
A segunda razão é que o governo se tem mostrado incapaz de promover a recuperação do investimento público, essencial para a redução do Custo Brasil. Muito se tem dito sobre a insolúvel paralisia dos programas de investimento do governo. Mas talvez já seja hora de adicionar às explicações usuais as deficiências que decorrem do estilo peculiar com que a presidente exerce suas funções administrativas, não obstante toda a mitologia que se construiu em torno de seus supostos talentos nessa área.
Sobram evidências de que a presidente Dilma Rousseff tem cometido erros sérios na seleção de auxiliares importantes, mostra propensão desmesurada à centralização e considera eficaz manter os escalões mais altos do governo aterrorizados com a possibilidade de desgostá-la por qualquer razão. Não é preciso ser um guru da administração para constatar o óbvio. A persistência dessas práticas na cúpula do governo constitui enorme empecilho à boa gestão das políticas públicas e ao bom andamento dos programas de investimento público.
Reconhecer as deficiências e ter disposição para mudar é a parte mais difícil. Mas o certo é que governo precisa corrigir o curso. Passados os próximos 19 meses, Dilma se verá na cabeceira da pista da sucessão presidencial.
Published on July 20, 2012 07:56
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