Rodrigo Constantino's Blog, page 357
September 11, 2012
Dependência restaurada
Marcelo Coutinho, Folha de SP
Sábios que pediam autonomia aos EUA decidiram nos acoplar à China. O país está estagnado. O crescimento lembra os anos 1980. As exportações, a Colônia Alguns fatos empolgavam o país até outro dia. A volta do crescimento econômico, a descoberta do pré-sal, o desvencilhamento dos credores estrangeiros e a criação dos Brics animaram o espírito nacional.
Velhos sábios nacionalistas da política externa brasileira resumiam tudo na ideia de autonomia. Em condições superiores, estaríamos livres de forças externas. As mudanças nos tornaram donos do nosso próprio nariz. Ouvimos frases assim de presidentes, ministros e até de muitos sentados em bancos acadêmicos.
O neoliberalismo dos anos 1990, diziam eles, tinha sido o culpado pelo sucateamento das forças produtivas do país. A Alca simbolizava toda forma de diminuição das nossas capacidades, submissos aos EUA. E por isso mesmo foi afogada em Mar del Plata (mais pelos "hermanos" do que por nós, na verdade). De qualquer forma, ninguém mais ditaria de fora o nosso destino.
Agora, a inserção brasileira no mundo passaria a ser altaneira. As próprias revistas internacionais nos colocavam no centro de tudo como um novo motor do crescimento global. O Cristo se tornou um foguete. O gigante despertou.
Nós já conhecíamos essa conversa do passado, mas a vaidade movida a elogios malandros nos subiu à cabeça mesmo assim. Vieram com os alaridos e roucos brados de independência. Tínhamos líderes, finalmente. Surge uma figura de proa.
As pessoas correriam para aprender o português, língua desconhecida e pouco usada desde as grandes navegações. Um ex-presidente se tornara o novo Pedro Álvares Cabral, e o ex-chanceler o seu Pero Vaz de Caminha. O Brasil era redescoberto.
A cada discurso na ONU, o mundo reconheceria em nosso país um dos eixos dinâmicos da nova multipolaridade. Desde que as caravelas trouxeram às pressas dom João 6° ao Brasil, há 200 anos, precipitando o processo de independência, poucas vezes se viu tamanha reviravolta e sentimento de nacionalidade.
Inventamos até um novo Visconde de Mauá carioca, com nome de americano e sobrenome de igreja puritana. Dedicado ao trabalho, temos, assim, similar nacional da ética protestante e espírito capitalista, ainda que seja para explorar reservas minerais.
De fato, as coisas iam bem até a crise global e a opção dos velhos sábios pelo acoplamento junto às potências asiáticas emergentes.
De lá para cá, já foram quatro anos de crescimento econômico abaixo do medíocre. Fora o vale tudo fiscal de 2010 para vencer as eleições, o Brasil cresce vegetativamente a uma média de 1,2% ao ano. Só comparável à década perdida de 1980.
Se houve milagre ou espetáculo, não foi de expansão econômica, mas da multiplicação de votos. Tivemos um período verdadeiramente desperdiçado. Pior: retrocedemos em um aspecto que definirá o futuro.
De agora em diante, o país terá que aprender um jeito de se desenvolver com pouca indústria. Com soja e minério de ferro, nossa economia volta a ser primária.
As possibilidades da panaceia pré-sal diminuem a cada dia que pedras de xisto e areias betuminosas são alavancadas na América do Norte com bem mais eficiência.
Algumas mentes brilhantes da diplomacia brasileira arquitetaram um liame com o Oriente em ascensão. Pensavam que se com o Barão deu certo em relação aos EUA há cem anos, daria de novo. Dedicada a suprir demandas internacionais básicas, a nossa economia se tornou então subsidiária da China.
Não só cresceríamos juntos, como formaríamos um novo bloco. Batizado por especuladores, os Brics seriam capazes de superar o Ocidente.
O Brasil buscou maior influência sobre a economia mundial em organismos como o FMI e o Bird, mas no lugar disso conseguiu é ficar numa situação inferiorizada, especializando-se numa área cujos preços não pode controlar. O valor das commodities é determinado pelos mercados internacionais.
Não foram os heterodoxos até 1992 nem os ortodoxos da era FHC. Foram os ditos nacionalistas que restabeleceram entre 2008 e 2012 um velho padrão colonial de relacionamento em que apenas suprimos matérias-primas a países que crescem muito mais do que nós.
Após 190 anos do grito do Ipiranga, a dependência econômica foi restaurada.
MARCELO COUTINHO, 37, é professor de relações internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro)
Published on September 11, 2012 09:21
September 10, 2012
O Facebook como espelho
Luli Radfahrer, Folha de SP
Ainda me lembro da época em que o público de um espetáculo musical estava lá para ouvir música, talvez para cantar e dançar, certamente não para fotografar e ser fotografado.Silenciosamente algo mudou. A popularização das câmaras e das redes de compartilhamento parece ter despertado até nos mais tímidos uma compulsão por mostrar tudo o que é vivido, mesmo que seja um acontecimento banal."Se não fotografou e não publicou, então não existe." O exibicionismo é expresso em páginas, video-casts, perfis e linhas do tempo que parecem relatórios clínicos de narcisistas compulsivos, em suas várias formas: fotografias com caras e bocas, opiniões rasas a respeito de praticamente tudo, vídeos em que nada de interessante acontece e a triste alegria coletiva com o grotesco e a humilhação.A exposição é razoavelmente recente. Uma das primeiras autobiografias dedicadas ao registro do cotidiano é "Confissões", de Rousseau. Arrojado e provocador para o século 18, o iluminista francês ficaria chocado com o tamanho da exibição de hoje. Desde os anos 1980, quando yuppies, computadores pessoais e o culto ao corpo abriram canais para a expressão individual, o particular é cada vez mais público e amplificado.Celulares e redes de compartilhamento transformaram os 15 minutos de fama em uma espécie de "Show de Truman" universal, em que registros banais e confissões diversas tornaram todos um pouco inseguros, verificando a composição de sua figura no espelho do Facebook e corrigindo seu discurso e conduta de acordo com as menções e aprovações recebidas.Nem o Narciso mitológico seria tão autocentrado. Aquele que morreu afogado ao se apaixonar por sua figura refletida em um espelho d'água poderia argumentar que não sabia que via um reflexo. Como muitos usuários de redes sociais, ele se apaixonou por uma tela e sucumbiu ao confundi-la com a realidade.Essa confusão entre o real e o fictício publicado é uma das faces mais assustadoras do narcisismo digital. Muitos têm uma visão de realidade tão distorcida pela percepção alheia, tão fragmentada e amplificada pelos perfis e grupos a que pertencem, que geram especulações maiores do que pode supor sua vã fenomenologia.A vida na vitrine da interface, livre da moderação e da compostura que qualquer grupo social demanda, cria uma gigantesca câmara de eco, em que mensagens são referências de referências de referências, perdendo significado e substância no processo.O sucesso de uma trilogia pornô, derivada de uma fantasia de fã da série "Crepúsculo", que por sua vez é derivada das clássicas histórias de vampiros, é o exemplo mais recente.Impulsionado pela indicação do amigo do amigo do amigo nas redes sociais, "50 Tons de Cinza" se transformou no maior best-seller do país que um dia foi de Shakespeare e Charles Dickens.Há uma certa melancolia na situação. Ambientes que permitem tanta exposição e manifestação de identidades múltiplas demandam coerência de pensamento para que seus atores não se tornem reféns das personagens que representam.Sem contar que todo esse egocentrismo é muito, muito chato.
Published on September 10, 2012 06:12
A inveja infantil improdutiva
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
A relação de grande parte da nossa mídia e dos intelectuais locais com os Estados Unidos continua sendo a de uma inveja infantil improdutiva, uma síndrome que podemos chamar de "I. I. I. Adição". Psiquiatras brasileiros poderão descrevê-la no futuro, caso eles mesmos não sofram da síndrome de inveja infantil improdutiva. E, como toda síndrome infantil, é primitiva e quase incurável.Agora, com a eleição nos EUA, de novo, a síndrome se mostra na ridícula parcialidade da maior parte da cobertura e análises (se podemos chamar "gritos da torcida" de análise). A torcida grita: Obama é a prova de que homens criados por mulheres fortes e independentes produzem homens melhores (na realidade, homens com medo das mulheres...), Obama é a cura para a doença (a crise econômica) que assolou os EUA porque ele não representa os milionários e esses são malvados... risadas...As "cheerleaders" gritam: os republicanos são obviamente idiotas que representam velhos caquéticos brancos que não representam a população americana (apesar de os republicanos terem o controle da Câmara de Deputados e de vários Estados). Pesquisas apontam que, em anos, o partido estará morto porque esses caquéticos terão morrido (pouco importa se grande parte dessas pesquisas são feitas pelos próprios liberais, "esquerda americana", e de existirem mulheres, negros e hispânicos mesmo entre candidatos no Partido Republicano).Não acredito em causas ideológicas para as ideias políticas, mas sim em causas mais primitivas e da ordem da tara: a base da crítica aos EUA é a simples inveja de que eles são mais ricos.A figura do Obama (fraco, populista e marqueteiro) é tudo a que a inveja nacional para com os Estados Unidos precisa: um negro, portanto vítima, que queria que os Estados Unidos fossem a Suécia.Exagero. Obama não queria isso, mas nossos invejosos é que queriam que ele quisesse. Ele apenas discursa para liberais americanos (que nunca tiveram que lidar com uma folha de pagamento) que desdenham o fato de que os EUA são o único país do mundo com enorme população e de história bastante "jovem" a ser rico devido a própria capacidade de sua população produzir riqueza.A Europa ocidental, com seu Estado de bem-estar social, está falida, inclusive por causa desse. Países como Suécia têm uma população de mil habitantes (trata-se de uma ironia, aviso aos especialistas em população da Suécia). Mas, ainda assim falida, essa Europa claudicante é o modelo que os invejosos tupis têm na cabeça e adoram o Obama porque pensam que ele seja um paladino de fazer os Estados Unidos virar a Suécia.Ele inchou a máquina de impostos americana com sua versão INSS do Medicare. Os americanos não gostam de pagar a conta alheia, e têm razão de não gostarem. E perdeu de cara seu primeiro teste quando perdeu a maioria na Câmara de Deputados dois anos depois de eleito.Prometeu fechar Guantánamo (a base americana em Cuba na qual são "interrogados" suspeitos de terrorismo) quando sabia que a segurança americana não podia se dar ao luxo de fazer isso.Coitado, mas grande parte de sua torcida tupi pensa como membros de centro acadêmico, ou seja, tem uma visão infantil da política e da geopolítica de segurança, ainda que passem por humilhações contínuas nos aeroportos por conta da segurança dos voos, inclusive quando vão para os EUA comprar tênis e iPads baratos, ainda que falem mal dos Estados Unidos.A Fox News é acusada de ser descaradamente pró-Partido Republicano. O que é verdade. Mas até aí, como chamarmos a torcida desvairada do restante da mídia pelos democratas? Sempre que se fala do Partido Republicano, logo após vem expressões como "homens brancos", "velhos", "milionários", "não havia mulheres, afro-americanos ou hispânicos". As "cheerleaders" tupis se referem ao elefante branco do Medicare do Obama como "avanço nos direitos sociais" destruído pelos republicanos.Os americanos fizeram o país mais rico do mundo num curto espaço de tempo sem ficar gemendo ou culpando os outros ou pedindo "Bolsa Família". Em vez de babar de inveja dos Estados Unidos, deveríamos aprender com eles.
Published on September 10, 2012 05:59
A agenda dos melancias
Published on September 10, 2012 05:51
September 6, 2012
Saber fazer com o sintoma!
Por Dr. José Nazar
Mas, meu Deus, o que fazer com o sintoma desse homem? Vocês não veem que ele só consegue cantar suas óperas quando está tomando banho no chuveiro! O que fazer, ficamos paralisados, sem nada fazer?
Nada disso, temos de encontrar uma saída para este impasse, pois eu me lembro muito bem que Picasso certa vez disse: “eu não procuro, acho”. Sim, vamos pois achar uma saída, um meio para que esse desejo se realize, para que uma voz venha ser cantada, exaltada, sem medo de um sucesso, em sua revelação pública.
Mas ele só consegue cantar....
Ora, bolas, inventa-se alguma coisa, pense, algo deve ser possível. É isso, vamos colocá-lo em cena, cantando as suas mais lindas óperas, tomando banho num chuveiro, em público. Mas que escândalo!
Quem poderia pensar numa loucura, tão criativa quanto iluminada, senão alguém que, certamente, fora levado em sua vida, a construir algumas saídas tão exuberantes como esta?
O que falar sobre este fantástico deslocamento, disso que leva alguém a ultrapassar suas inibições, rumo ao sucesso de uma realização? O sujeito não vai mais se acovardar diante de seu desejo, ele passa a aprender a fazer um bom uso das suas dificuldades, chega de acomodações!
Esta cena se passa no último filme de Woody Allen, “Para Roma, com amor”, onde ele diz que desejar é preciso. E ela somente foi possível em função do transcurso da vida psicanalítica. O diretor e ator, Woody Allen, submete-se à psicanálise desde sua infância. Por sofrer, ele pode criar, passar para outra coisa.
O seu entendimento do psiquismo humano permitiu a ele mostrar que é possível realizar mudanças significativas na vida de alguém, que é possível fazer algo positivo, criativo, com o sofrimento humano, no sentido de transformá-lo no melhor, mais livre, de enfrentar as angústias, os emperramentos que acometem o sujeito no mais fundo de seu ser, quebrar as amarras dos sintomas, das inibições, olhar no olho do lobo, olho no olho do furacão, dos transtornos que o abatem, aí, sim, ele pode mostrar, com todas as letras, como fazer um bom uso de seu sintoma. Isso que o molestava agora trabalha a seu favor.
O desenrolar do filme transcorre sob o matiz da busca de um certo desejo daquilo que já está ali. Um desejo que mais tarde será colocado, em sua arte de viver, na voz de um pai, que sob o manto de todas as resistências, sociais e familiares, explode ao olhar do público.
O personagem central do filme é um homem, já aposentado, que é obrigado a ouvir os absurdos insistentes da sua mulher, uma psiquiatra, que não faz outra coisa senão repetir uma mesma interpretação: “você está doente, vive associando sua aposentadoria com a morte”.
Uma crítica séria mas, ao mesmo tempo, ilustrativa de uma realidade humana. Mas, ele estava ali, mais vivo do que nunca, e somente ele pode escutar que, por trás do ambiente cerceado pelos fantasmas de morte, a vida emerge como uma gigantesca fome de viver. É coisa de pai para pai!
Ele e a sua mulher partem para Roma para conhecer o noivo de sua filha e, de saída, sua família. O noivo é um belo italiano, jovem advogado, cujo sintoma é se esconder numa farsa do capitalismo, se acoberta nos bastidores de uma falsa ideologia de esquerda, ligada aos sindicatos trabalhistas. É evidente que o jovem não faz outra coisa senão justificar, com a sua acirrada posição socialista, o grande medo que ele e, portanto, sua família, tinha do sucesso.
O sucesso do pai que cantava belíssimas óperas no chuveiro tomando seu banho ao entardecer. O sintoma, que se fazia recobrir de medos e fartas justificativas, o sucesso que vivia na sua alma, ao seu lado, dentro de sua casa, e que fazia tanto barulho, que era impossível não escutá-lo... na voz do pai.
Woody Allen, o aposentado, especialista em óperas, deixa transparecer seu sintoma obsessivo, é lógico, que já por demais analisado, com seus temores de contaminação. O pai do noivo lida diretamente com a morte. Ele é proprietário de uma agência funerária, sua vida caminha às custas da morte, mas seu desejo estava à espera de uma escuta.
José Nazar é psiquiatra e psicanalista.
Artigo publicado no Jornal A Tribuna - ES
Mas, meu Deus, o que fazer com o sintoma desse homem? Vocês não veem que ele só consegue cantar suas óperas quando está tomando banho no chuveiro! O que fazer, ficamos paralisados, sem nada fazer?
Nada disso, temos de encontrar uma saída para este impasse, pois eu me lembro muito bem que Picasso certa vez disse: “eu não procuro, acho”. Sim, vamos pois achar uma saída, um meio para que esse desejo se realize, para que uma voz venha ser cantada, exaltada, sem medo de um sucesso, em sua revelação pública.
Mas ele só consegue cantar....
Ora, bolas, inventa-se alguma coisa, pense, algo deve ser possível. É isso, vamos colocá-lo em cena, cantando as suas mais lindas óperas, tomando banho num chuveiro, em público. Mas que escândalo!
Quem poderia pensar numa loucura, tão criativa quanto iluminada, senão alguém que, certamente, fora levado em sua vida, a construir algumas saídas tão exuberantes como esta?
O que falar sobre este fantástico deslocamento, disso que leva alguém a ultrapassar suas inibições, rumo ao sucesso de uma realização? O sujeito não vai mais se acovardar diante de seu desejo, ele passa a aprender a fazer um bom uso das suas dificuldades, chega de acomodações!
Esta cena se passa no último filme de Woody Allen, “Para Roma, com amor”, onde ele diz que desejar é preciso. E ela somente foi possível em função do transcurso da vida psicanalítica. O diretor e ator, Woody Allen, submete-se à psicanálise desde sua infância. Por sofrer, ele pode criar, passar para outra coisa.
O seu entendimento do psiquismo humano permitiu a ele mostrar que é possível realizar mudanças significativas na vida de alguém, que é possível fazer algo positivo, criativo, com o sofrimento humano, no sentido de transformá-lo no melhor, mais livre, de enfrentar as angústias, os emperramentos que acometem o sujeito no mais fundo de seu ser, quebrar as amarras dos sintomas, das inibições, olhar no olho do lobo, olho no olho do furacão, dos transtornos que o abatem, aí, sim, ele pode mostrar, com todas as letras, como fazer um bom uso de seu sintoma. Isso que o molestava agora trabalha a seu favor.
O desenrolar do filme transcorre sob o matiz da busca de um certo desejo daquilo que já está ali. Um desejo que mais tarde será colocado, em sua arte de viver, na voz de um pai, que sob o manto de todas as resistências, sociais e familiares, explode ao olhar do público.
O personagem central do filme é um homem, já aposentado, que é obrigado a ouvir os absurdos insistentes da sua mulher, uma psiquiatra, que não faz outra coisa senão repetir uma mesma interpretação: “você está doente, vive associando sua aposentadoria com a morte”.
Uma crítica séria mas, ao mesmo tempo, ilustrativa de uma realidade humana. Mas, ele estava ali, mais vivo do que nunca, e somente ele pode escutar que, por trás do ambiente cerceado pelos fantasmas de morte, a vida emerge como uma gigantesca fome de viver. É coisa de pai para pai!
Ele e a sua mulher partem para Roma para conhecer o noivo de sua filha e, de saída, sua família. O noivo é um belo italiano, jovem advogado, cujo sintoma é se esconder numa farsa do capitalismo, se acoberta nos bastidores de uma falsa ideologia de esquerda, ligada aos sindicatos trabalhistas. É evidente que o jovem não faz outra coisa senão justificar, com a sua acirrada posição socialista, o grande medo que ele e, portanto, sua família, tinha do sucesso.
O sucesso do pai que cantava belíssimas óperas no chuveiro tomando seu banho ao entardecer. O sintoma, que se fazia recobrir de medos e fartas justificativas, o sucesso que vivia na sua alma, ao seu lado, dentro de sua casa, e que fazia tanto barulho, que era impossível não escutá-lo... na voz do pai.
Woody Allen, o aposentado, especialista em óperas, deixa transparecer seu sintoma obsessivo, é lógico, que já por demais analisado, com seus temores de contaminação. O pai do noivo lida diretamente com a morte. Ele é proprietário de uma agência funerária, sua vida caminha às custas da morte, mas seu desejo estava à espera de uma escuta.
José Nazar é psiquiatra e psicanalista.
Artigo publicado no Jornal A Tribuna - ES
Published on September 06, 2012 15:44
A liberdade de Chico Alencar

O deputado do PSOL Chico Alencar publicou hoje um texto na Carta dos Leitores do jornal O Globo, em resposta ao meu artigo “A esquerda caviar”. Vamos rebater um a um os pontos abordados pelo socialista.
Em primeiro lugar, ele afirma que eu agredi cineastas, músicos e artistas em geral, além de ecologistas e representantes políticos. Não! Eu apenas apontei a hipocrisia de muitos desses artistas e intelectuais, que defendem as “maravilhas” do socialismo, mas gostam mesmo é das coisas que só o capitalismo pode oferecer. O que foi apontado no meu artigo é a esquizofrenia dos admiradores de Fidel Castro que, no fundo, querem mesmo é acumular muita riqueza e despertar o consumismo burguês sem censura.
Depois Chico Alencar diz que eu ofendi a cidadania, ao indagar “o que se pode esperar de um povo que elegeu Saturnino Braga em vez de Roberto Campos para o Senado?” Como assim? Quer dizer que afirmar que os cariocas possuem um histórico de péssimos votos é “ofender a cidadania” agora? Que doideira. Não posso nem mesmo lamentar as péssimas escolhas de meus conterrâneos? Será que Chico Alencar estaria ofendendo a cidadania ao reclamar dos votos que levaram Collor ao poder?
Mas ele continua. Afirma que, para mim, servir ou combater a ditadura não são critérios respeitáveis para o voto. O que? O problema é outro, deputado. Muitos da esquerda a qual o senhor faz parte combateram os militares sim, mas vamos contar a história toda? Eles lutavam por qual causa? A liberdade democrática, por acaso? Nem aqui, nem na China! José Dirceu, o “chefe de quadrilha”, era um defensor da democracia?
A turma que o senhor defende queria era implantar uma ditadura do proletário no Brasil, nos moldes cubanos. Tanto que o ídolo dessa rapaziada era Fidel Castro, simplesmente o mais sanguinário e duradouro ditador da América Latina! Aproveito para lhe perguntar, deputado: o que o senhor pensa de Castro? O que o senhor acha do regime cubano? Satisfeito com a liberdade do socialismo? Poderia apontar um único caso de sucesso do socialismo?
Chico Alencar ainda diz que eu falseei a posição de Freixo sobre as escolas de samba. Eu vi a entrevista do candidato no RJTV. Ele foi bem claro: para ter verba municipal, tem de haver contrapartida cultural. E quem decide isso? Os burocratas apontados pelo governo! Logo, é exatamente como eu disse: o PSOL quer controlar até mesmo conteúdo de samba! Onde está a mentira?
Ainda foi dito pelo deputado que eu preciso me informar melhor sobre a questão de Israel. Ora, eu li o texto do deputado Babá “justificando” seu ato de queimar a bandeira de Israel em praça pública. Portanto, não estou desinformado. E repito o que disse: é uma demonstração de intolerância e desrespeito ao povo judeu queimar a bandeira de Israel dessa forma. Os socialistas acusam a única democracia do Oriente Médio de fascista. Foi por isso que recomendei o livro “Fascismo de esquerda” no meu artigo. O deputado deveria lê-lo...
Para Alencar, eu ataquei todos os que defendem o meio-ambiente. Não! Eu ataquei os ecoterroristas, os alarmistas oportunistas com uma agenda política por trás do movimento ambiental, usado somente como desculpa para mais concentração de poder no estado. Por isso, inclusive, recomendei o livro “Os Melancias”, de James Delingpole. O deputado deveria lê-lo...
Por fim, o deputado apela para o sensacionalismo e tenta monopolizar as virtudes, alegando que liberdade não é apenas a dos donos do capital. E quando foi que eu disse isso? Justamente, a liberdade é muito mais que isso; é, por exemplo, não ter que entregar metade do que ganha para um governo perdulário e corrupto; não ser tratado como um súdito pelos burocratas “iluminados”; enfim, tudo aquilo contrário ao socialismo que Chico Alencar defende.
Published on September 06, 2012 05:45
September 4, 2012
A esquerda caviar

O Rio é vítima de uma verdadeira praga: a “esquerda caviar”, formada por parte da elite financeira e cultural do país. Seus membros posam de altruístas enquanto louvam ditadores sanguinários como Fidel Castro. Do conforto de seus apartamentos em Paris, porque ninguém é de ferro. Roberto Campos fez um diagnóstico preciso da árvore genealógica da turma, ao afirmar que “trata-se de filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola”. Somente isso pode explicar a esquizofrenia de nossos artistas e intelectuais de esquerda, que admiram o socialismo, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar: “Bons cachês em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês”. Um cínico poderia dizer que a hipocrisia é útil. Aproximando-se do poder, esses intelectuais conseguem privilégios e mamatas. A Petrobras, por exemplo, destinou a bagatela de R$ 652 milhões para patrocínios culturais entre 2008 e 2011. É uma montanha de dinheiro capaz de testar a integridade até mesmo de um santo! Mas não creio ser apenas isso. Acredito que um dos fatores tem ligação com o sentimento de culpa dessa elite. E convenhamos: nada como uma elite culpada tentando expiar seus “pecados”. Com que facilidade ela adere aos discursos mais sensacionalistas e demagógicos. Chega a dar dó. Em um país que culturalmente condena o lucro e enxerga a economia como um jogo de soma zero, onde José, para ficar rico, precisa tirar de João, o sucesso acaba sendo uma “ofensa pessoal”, como disse Tom Jobim. Essa visão é um prato cheio para produzir uma elite culpada e desesperada para pregar aos quatro ventos as “maravilhas” do socialismo. Por isso vemos cineastas herdeiros de banco fazendo filmes que enaltecem guerrilheiros comunistas. Por isso vemos filhos de grandes escritores lambendo as botas de tiranetes latino-americanos. Imagem é tudo. E estas pobres almas acreditam que, ao louvarem a ideologia que quer destruí-los, conquistarão a fama de abnegados e descolados. Como é fácil falar que o capitalismo não presta quando se é milionário! Joãozinho Trinta foi no alvo quando disse que os intelectuais é que gostam de miséria, pois os pobres gostam é de luxo. Nada mais natural do que desejar melhorar as condições de vida. E nada melhor para isso do que o trabalho duro em um ambiente de livre mercado. Lucro e trabalho são sócios nesta empreitada. O grande obstáculo é justamente o governo inchado, obeso, que cria burocracia asfixiante e arrecada quase 40% do que é produzido em nome da “justiça social”. Quem labuta para criar riqueza e subir na vida não tem tempo para “salvar o planeta” ou construir “um mundo melhor”. Estas são as bandeiras da esquerda festiva, dos artistas que, do conforto de suas mansões, adoram detonar o capitalismo enquanto desfrutam de tudo de bom que só ele pode oferecer. Sobre a seita ambientalista, aliás, recomendo a leitura do excelente livro “Os Melancias”, de James Delingpole. A máscara dos alarmistas climáticos que fazem ecoterrorismo cai por completo, expondo a verdadeira face vermelha por trás do movimento verde.Mas divago. Eis o que eu realmente queria dizer: boa parte da elite carioca gosta de defender candidatos socialistas com discursos messiânicos. Entre uma cerveja e outra, essa turma esbraveja contra os ricos capitalistas e repete como sua utopia salvaria a humanidade das garras dos gananciosos e insensíveis. Depois voltam para seu conforto egoísta com a alma lavada. A retórica vale mais que atos concretos. Garçom, mais uma cerveja! Foi assim que o brizolismo conseguiu prosperar no Rio, com os aplausos de muita gente da zona sul. Foi assim também que Heloísa Helena, do PSOL (o PT de ontem), conseguiu mais votos no Rio do que em qualquer outro lugar. O que esperar de um povo que elegeu Saturnino Braga em vez de Roberto Campos para o Senado? Essa análise toda foi para chegar ao novo queridinho da elite carioca, o personagem de filme de ação, herói que desafia as milícias. Há só um detalhe: seu partido é aquele que prega o socialismo (com um atraso de duas décadas), que pretende escolher até o tema das escolas de samba, que tem deputado que gosta de queimar a bandeira de Israel em praça pública, demonstrando sua intolerância, além de enorme desrespeito ao povo judeu. Leiam “Fascismo de esquerda”, de Jonah Goldberg. Socialismo e liberdade não combinam. Um é o contrário do outro. Todo regime socialista levou à escravidão e à miséria. Até quando os cariocas vão cair na ladainha dos artistas que adoram o socialismo, lá do conforto de Paris?
Published on September 04, 2012 06:55
Batalhas verbais
João Pereira Coutinho, Folha de SP
No dia em que terminei de escrever a minha tese de doutorado, enviei o manuscrito para um colega. E pedi uma opinião sincera.
Três dias volvidos, ele respondeu: "Você vai ser fuzilado pela banca".O problema estava na qualidade do texto. A tese estava bem escrita. Pior: bem escrita e totalmente compreensível.Eu tinha cometido uma heresia nas ciências sociais: escrever uma tese de doutorado com o propósito honesto de ser lido e compreendido. Sugestão dele para evitar o desastre: reescrever o texto e transformar cada parágrafo em paralelepípedo.Lembro essa história agora por dois motivos. Primeiro, porque Barton Swaim escreve na "Weekly Standard" sobre a qualidade da prosa acadêmica. Qualidade atroz, entenda-se. Por que motivo a fauna universitária faz um esforço tão tortuoso para ser tortuosa?Swaim arrisca três hipóteses. Para começar, as humanidades vivem o complexo de inferioridade que as atormenta desde o século 18, quando as ciências naturais deram o seu salto cosmológico. A impenetrabilidade dos textos humanísticos é uma forma de simular "profundidade".Depois, existe o problema das influências. Das más influências. O aluno escreve mal porque o supervisor e os seus pares escrevem pior. E porque as revistas da especialidade só publicam esses horrores.Por fim, a hipótese mais provável: a obscuridade obscurece. Quando nada temos de relevante para dizer, só há uma forma de esconder o vazio: com a babugem das palavras.Admito que essas hipóteses sejam válidas. Mas se lembro o meu calvário acadêmico é por outra razão: a Morgan Library de Nova York dedica exposição ao escritor Winston Churchill até 23 de setembro. E foi Churchill quem me infetou com o vírus da clareza e da legibilidade.Sim, eu sei: quando falamos de Churchill, surge a imagem clichê do velho premiê inglês com o seu charuto. O prêmio Nobel da Literatura que ele recebeu em 1953 é visto apenas como prêmio político, uma homenagem ao herói da 2ª Guerra.Lamento discordar. Churchill merece o Nobel da Literatura como ninguém. Ele é o único escritor do século 20 que mudou o século com a força das palavras. Basta ler os seus livros e discursos para entender a proeza. Uma proeza que, obviamente, começa por ser o resultado de uma vida inteira de leitura.Primeira lição: não existem grandes escritores que não sejam grandes leitores também. E Churchill era um grande leitor. Biografias apressadas dirão que o rapaz foi aluno relapso e uma nulidade em francês ou matemática.Essas biografias esquecem-se de acrescentar o resto: a paixão pela História. Ainda na juventude, e nas primeiras campanhas militares, foram os volumes de Macaulay sobre a história de Inglaterra ou a monumental obra de Edward Gibbon sobre a Roma Antiga que acompanharam e formaram o soldado (e jornalista) Winston.Ler esses primeiros textos de Churchill é sentir, em cada frase, a cadência e a elegância dos mestres da língua inglesa.Mas Macaulay ou Gibbon não lhe forneceram só os instrumentos técnicos do "métier". Legaram-lhe, sobretudo, uma visão poderosa e inspiradora sobre a grandeza da civilização ocidental --uma grandeza ancorada na liberdade individual e na dignidade da pessoa humana.Armado com tais certezas, Churchill teve a oportunidade de as testar. Primeiro, na denúncia solitária da Alemanha nazista na década de 1930. E, depois, no confronto direto com Hitler, fazendo com que os ingleses acreditassem no inacreditável: a possibilidade de resistir --e vencer.Hoje, quando olhamos para trás, dizemos que a Inglaterra ganhou a guerra com o apoio americano e o incomensurável sacrifício soviético. Verdade.Mas os ingleses ganharam a guerra porque acreditaram também nas palavras de Churchill. Palavras simples sobre a importância da liberdade, da honra e do sacrifício.Como disse Isaiah Berlin em retrato magistral, a proeza maior de Churchill não foi política ou militar. Foi ter recrutado a língua e a história inglesas para a frente de combate. Elas foram tão importantes como as armas. Brindo a ele.E, mais modestamente, brindo a mim, que derrotei a banca sem mudar uma vírgula. Cada um trava as batalhas que merece.
No dia em que terminei de escrever a minha tese de doutorado, enviei o manuscrito para um colega. E pedi uma opinião sincera.
Três dias volvidos, ele respondeu: "Você vai ser fuzilado pela banca".O problema estava na qualidade do texto. A tese estava bem escrita. Pior: bem escrita e totalmente compreensível.Eu tinha cometido uma heresia nas ciências sociais: escrever uma tese de doutorado com o propósito honesto de ser lido e compreendido. Sugestão dele para evitar o desastre: reescrever o texto e transformar cada parágrafo em paralelepípedo.Lembro essa história agora por dois motivos. Primeiro, porque Barton Swaim escreve na "Weekly Standard" sobre a qualidade da prosa acadêmica. Qualidade atroz, entenda-se. Por que motivo a fauna universitária faz um esforço tão tortuoso para ser tortuosa?Swaim arrisca três hipóteses. Para começar, as humanidades vivem o complexo de inferioridade que as atormenta desde o século 18, quando as ciências naturais deram o seu salto cosmológico. A impenetrabilidade dos textos humanísticos é uma forma de simular "profundidade".Depois, existe o problema das influências. Das más influências. O aluno escreve mal porque o supervisor e os seus pares escrevem pior. E porque as revistas da especialidade só publicam esses horrores.Por fim, a hipótese mais provável: a obscuridade obscurece. Quando nada temos de relevante para dizer, só há uma forma de esconder o vazio: com a babugem das palavras.Admito que essas hipóteses sejam válidas. Mas se lembro o meu calvário acadêmico é por outra razão: a Morgan Library de Nova York dedica exposição ao escritor Winston Churchill até 23 de setembro. E foi Churchill quem me infetou com o vírus da clareza e da legibilidade.Sim, eu sei: quando falamos de Churchill, surge a imagem clichê do velho premiê inglês com o seu charuto. O prêmio Nobel da Literatura que ele recebeu em 1953 é visto apenas como prêmio político, uma homenagem ao herói da 2ª Guerra.Lamento discordar. Churchill merece o Nobel da Literatura como ninguém. Ele é o único escritor do século 20 que mudou o século com a força das palavras. Basta ler os seus livros e discursos para entender a proeza. Uma proeza que, obviamente, começa por ser o resultado de uma vida inteira de leitura.Primeira lição: não existem grandes escritores que não sejam grandes leitores também. E Churchill era um grande leitor. Biografias apressadas dirão que o rapaz foi aluno relapso e uma nulidade em francês ou matemática.Essas biografias esquecem-se de acrescentar o resto: a paixão pela História. Ainda na juventude, e nas primeiras campanhas militares, foram os volumes de Macaulay sobre a história de Inglaterra ou a monumental obra de Edward Gibbon sobre a Roma Antiga que acompanharam e formaram o soldado (e jornalista) Winston.Ler esses primeiros textos de Churchill é sentir, em cada frase, a cadência e a elegância dos mestres da língua inglesa.Mas Macaulay ou Gibbon não lhe forneceram só os instrumentos técnicos do "métier". Legaram-lhe, sobretudo, uma visão poderosa e inspiradora sobre a grandeza da civilização ocidental --uma grandeza ancorada na liberdade individual e na dignidade da pessoa humana.Armado com tais certezas, Churchill teve a oportunidade de as testar. Primeiro, na denúncia solitária da Alemanha nazista na década de 1930. E, depois, no confronto direto com Hitler, fazendo com que os ingleses acreditassem no inacreditável: a possibilidade de resistir --e vencer.Hoje, quando olhamos para trás, dizemos que a Inglaterra ganhou a guerra com o apoio americano e o incomensurável sacrifício soviético. Verdade.Mas os ingleses ganharam a guerra porque acreditaram também nas palavras de Churchill. Palavras simples sobre a importância da liberdade, da honra e do sacrifício.Como disse Isaiah Berlin em retrato magistral, a proeza maior de Churchill não foi política ou militar. Foi ter recrutado a língua e a história inglesas para a frente de combate. Elas foram tão importantes como as armas. Brindo a ele.E, mais modestamente, brindo a mim, que derrotei a banca sem mudar uma vírgula. Cada um trava as batalhas que merece.
Published on September 04, 2012 06:40
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