Rodrigo Constantino's Blog, page 346
November 5, 2012
O filósofo do martelo na academia
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP
"Eu lamento agora que naqueles dias eu ainda não tinha coragem (ou imodéstia?) para permitir a mim mesmo, de todas as formas, minha própria língua individual..."Estas palavras são de Friedrich Nietzsche (1844-1900), em tradução livre, do seu "Tentativa de Autocrítica", opúsculo escrito por ele como autocrítica, em 1886, ao seu livro "Nascimento da Tragédia" (primeira edição em 1872). A edição de 1886 ganhou como acréscimo ao título o subtítulo "Helenismo e Pessimismo".Nietzsche foi minha primeira paixão na faculdade de filosofia da USP. Na época, recém-saído da medicina e em formação para ser psicanalista, o que nunca aconteceu, eu colocava em diálogo Nietzsche e Freud.O filósofo do martelo me é inesquecível e continuo pensando com o martelo até hoje. Vocação é destino. Este trecho específico carrega em si muito do que Nietzsche significa para um filósofo profissional como eu, em constante mal-estar com o que a vida universitária se transformou, em épocas de produtividade industrial do ensino superior.A fala de Nietzsche vai de encontro ao modo como somos formados, não sem razão, nas boas faculdades de filosofia: somos formados para não sermos originais. Hoje, entendo que qualquer originalidade possível em filosofia é algo conquistado a duras penas, assim como a santidade ou os movimentos precisos de uma dança --metáfora cara ao filósofo do martelo.Lembro-me de uma das primeiras aulas em que um dos grandes professores que tive nos disse algo assim: "Você não está aqui para achar nada, antes de achar algo estude, e descobrirá que muita gente já pensou o que você pensa, e muito melhor do que você, antes de você."Esta dureza acaba por fazer de nós pessoas menos opinativas e mais rigorosas, e isso é sem dúvida fundamental. Esta é a diferença entre pensar filosoficamente e pensar como senso comum. Vale lembrar que do ponto de vista da filosofia, as ciências humanas em geral são senso comum.Rigor nada tem a ver com o que a academia se tornou com o passar dos anos: um antro de política lobista e de burocracia da produtividade a serviço da morte do pensamento. A universidade está morta e só não sente o cheiro do cadáver quem tem vocação para se alimentar de lixo. Fosse Kafka vivo e escrevesse um conto sobre nós, acadêmicos, nos colocaria com cara de ratos.Imaginem Nietzsche preenchendo o currículo Lattes, uma plataforma informática que supostamente democratiza o acesso à produtividade da comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que normatiza e quantifica esta produtividade. Na prática, o Lattes serve para nos tomar tempo (sempre dá pau) e acumular platitudes e repetições que visam a quantificação de um quase nada de valor.Agora imaginem Nietzsche às voltas com relatórios anuais da Capes, que junto com o Lattes, institucionaliza e quantifica esta mesma produtividade de um quase nada de valor.Não existiria filosofia se nossos patriarcas, de Platão a Nietzsche (para citar dois grandes), tivessem que preencher o Lattes, fazer relatórios Capes ou serem "produtivos". Todos seriam o que, aos poucos, nos transformamos: burocratas mudos da própria irrelevância. Analfabetos do pensamento.Uma das formas de sobreviver a este processo de produtividade de massa é obrigar nossos alunos a pesquisar aquilo que não querem, de uma forma que não querem, a fim de garantir verbas institucionais de pesquisa em grande escala. Esmagamos a criatividade e as intenções dos alunos fazendo deles uma infantaria estatística. A universidade mente: quer formar rebanhos dizendo que defende a liberdade de pensamento.Lutamos dia a dia para conseguirmos sobreviver aos montes de formulários e demandas do mundo dos ratos. A universidade aos poucos sucumbe aos efeitos colaterais de um mundo que, como diria Nietzsche, vomita "ideias modernas". Os processos de democratização do saber, como suspeitava nosso filósofo, são processos de produção de nulidades em grandes quantidades.Mais do que nunca é urgente sermos corajosos e imodestos para acharmos nossa própria língua individual.[image error]
"Eu lamento agora que naqueles dias eu ainda não tinha coragem (ou imodéstia?) para permitir a mim mesmo, de todas as formas, minha própria língua individual..."Estas palavras são de Friedrich Nietzsche (1844-1900), em tradução livre, do seu "Tentativa de Autocrítica", opúsculo escrito por ele como autocrítica, em 1886, ao seu livro "Nascimento da Tragédia" (primeira edição em 1872). A edição de 1886 ganhou como acréscimo ao título o subtítulo "Helenismo e Pessimismo".Nietzsche foi minha primeira paixão na faculdade de filosofia da USP. Na época, recém-saído da medicina e em formação para ser psicanalista, o que nunca aconteceu, eu colocava em diálogo Nietzsche e Freud.O filósofo do martelo me é inesquecível e continuo pensando com o martelo até hoje. Vocação é destino. Este trecho específico carrega em si muito do que Nietzsche significa para um filósofo profissional como eu, em constante mal-estar com o que a vida universitária se transformou, em épocas de produtividade industrial do ensino superior.A fala de Nietzsche vai de encontro ao modo como somos formados, não sem razão, nas boas faculdades de filosofia: somos formados para não sermos originais. Hoje, entendo que qualquer originalidade possível em filosofia é algo conquistado a duras penas, assim como a santidade ou os movimentos precisos de uma dança --metáfora cara ao filósofo do martelo.Lembro-me de uma das primeiras aulas em que um dos grandes professores que tive nos disse algo assim: "Você não está aqui para achar nada, antes de achar algo estude, e descobrirá que muita gente já pensou o que você pensa, e muito melhor do que você, antes de você."Esta dureza acaba por fazer de nós pessoas menos opinativas e mais rigorosas, e isso é sem dúvida fundamental. Esta é a diferença entre pensar filosoficamente e pensar como senso comum. Vale lembrar que do ponto de vista da filosofia, as ciências humanas em geral são senso comum.Rigor nada tem a ver com o que a academia se tornou com o passar dos anos: um antro de política lobista e de burocracia da produtividade a serviço da morte do pensamento. A universidade está morta e só não sente o cheiro do cadáver quem tem vocação para se alimentar de lixo. Fosse Kafka vivo e escrevesse um conto sobre nós, acadêmicos, nos colocaria com cara de ratos.Imaginem Nietzsche preenchendo o currículo Lattes, uma plataforma informática que supostamente democratiza o acesso à produtividade da comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que normatiza e quantifica esta produtividade. Na prática, o Lattes serve para nos tomar tempo (sempre dá pau) e acumular platitudes e repetições que visam a quantificação de um quase nada de valor.Agora imaginem Nietzsche às voltas com relatórios anuais da Capes, que junto com o Lattes, institucionaliza e quantifica esta mesma produtividade de um quase nada de valor.Não existiria filosofia se nossos patriarcas, de Platão a Nietzsche (para citar dois grandes), tivessem que preencher o Lattes, fazer relatórios Capes ou serem "produtivos". Todos seriam o que, aos poucos, nos transformamos: burocratas mudos da própria irrelevância. Analfabetos do pensamento.Uma das formas de sobreviver a este processo de produtividade de massa é obrigar nossos alunos a pesquisar aquilo que não querem, de uma forma que não querem, a fim de garantir verbas institucionais de pesquisa em grande escala. Esmagamos a criatividade e as intenções dos alunos fazendo deles uma infantaria estatística. A universidade mente: quer formar rebanhos dizendo que defende a liberdade de pensamento.Lutamos dia a dia para conseguirmos sobreviver aos montes de formulários e demandas do mundo dos ratos. A universidade aos poucos sucumbe aos efeitos colaterais de um mundo que, como diria Nietzsche, vomita "ideias modernas". Os processos de democratização do saber, como suspeitava nosso filósofo, são processos de produção de nulidades em grandes quantidades.Mais do que nunca é urgente sermos corajosos e imodestos para acharmos nossa própria língua individual.[image error]
Published on November 05, 2012 03:17
November 2, 2012
Davi x Golias
Meu artigo do GLOBO desta terça incomodou, pelo visto, o mais rico empresário brasileiro. Ele não gostou de ser comparado ao Lance Armstrong, e por meio da gerência de relações com a imprensa de seu grupo EBX, enviou uma resposta publicada hoje nas cartas dos leitores do jornal. Segue abaixo a carta, e logo depois minha resposta, também publicada:
'Capitalismo'
Em relação ao artigo "Capitalismo sem doping" (Rodrigo Constantino, 30/10), cabe esclarecer que: os empreendimentos do Grupo EBX nascem com capital próprio do empreendedor Eike Batista, recursos captados no mercado, com investidores e financiamentos. Os recursos do BNDES a que o Grupo EBX recorre legitimamente são tomados e pagos nas mesmas condições oferecidas a todo o mercado e passam por criteriosa auditoria do banco. Do total de linhas aprovadas diretamente com o banco, foram desembolsados em operações diretas cerca de R$ 2,4 bilhões. Assim sendo, a exposição de crédito do BNDES com o Grupo EBX representa menos de 10% do total do endividamento consolidado do grupo. O restante foi obtido no mercado e com bancos privados. Como noticiado pela imprensa em 21 de outubro, os empréstimos aprovados pelo banco ao grupo nos últimos quatro anos correspondem a apenas 1,6% dos desembolsos do banco no período.
NILSON BRANDÃO JUNIOR
Gerência Geral de Relações com a Imprensa do Grupo EBX
Nota do autor:
Os desembolsos do BNDES são oferecidos a todo o mercado, mas, curiosamente, um seleto grupo de grandes empresas representa mais da metade da carteira de empréstimos do banco estatal. Foi justamente esta simbiose entre governo e grandes empresários o alvo de minha crítica no artigo. Pelo porte de empresas como a JBS e a EBX, tais subsídios são desnecessários e representam uma transferência de recursos dos pagadores de impostos para ricos empresários. Este tipo de doping não é saudável para o modelo capitalista de livre mercado. No mais, o BNDES não é a única forma de 'dopar' empresas próximas ao governo, como explicado no artigo. [image error]
'Capitalismo'
Em relação ao artigo "Capitalismo sem doping" (Rodrigo Constantino, 30/10), cabe esclarecer que: os empreendimentos do Grupo EBX nascem com capital próprio do empreendedor Eike Batista, recursos captados no mercado, com investidores e financiamentos. Os recursos do BNDES a que o Grupo EBX recorre legitimamente são tomados e pagos nas mesmas condições oferecidas a todo o mercado e passam por criteriosa auditoria do banco. Do total de linhas aprovadas diretamente com o banco, foram desembolsados em operações diretas cerca de R$ 2,4 bilhões. Assim sendo, a exposição de crédito do BNDES com o Grupo EBX representa menos de 10% do total do endividamento consolidado do grupo. O restante foi obtido no mercado e com bancos privados. Como noticiado pela imprensa em 21 de outubro, os empréstimos aprovados pelo banco ao grupo nos últimos quatro anos correspondem a apenas 1,6% dos desembolsos do banco no período.
NILSON BRANDÃO JUNIOR
Gerência Geral de Relações com a Imprensa do Grupo EBX
Nota do autor:
Os desembolsos do BNDES são oferecidos a todo o mercado, mas, curiosamente, um seleto grupo de grandes empresas representa mais da metade da carteira de empréstimos do banco estatal. Foi justamente esta simbiose entre governo e grandes empresários o alvo de minha crítica no artigo. Pelo porte de empresas como a JBS e a EBX, tais subsídios são desnecessários e representam uma transferência de recursos dos pagadores de impostos para ricos empresários. Este tipo de doping não é saudável para o modelo capitalista de livre mercado. No mais, o BNDES não é a única forma de 'dopar' empresas próximas ao governo, como explicado no artigo. [image error]
Published on November 02, 2012 05:34
November 1, 2012
Time to vote!

All of the money being created and freed up is elevating asset prices, but those prices are not causing corporations to invest in future production.[image error]
Published on November 01, 2012 08:20
A volta do perfeito fracassado brasileiro
Eduardo de Carvalho Andrade, Folha de SP
Os desenvolvimentistas ficaram longe do comando da política econômica no país da volta das eleições livre até o fim do governo Lula, com exceção do relâmpago governo Itamar e suas políticas pró-fusquinhas.Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação.Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.O peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu os livros "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (Bertrand Brasil) e "A Volta do Idiota" (Odisseia), este se referindo ao retorno do velho populismo na região, com Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner. O termo é ofensivo, talvez apropriado para os políticos. No caso dos desenvolvimentistas, cabe lamentar a volta do perfeito fracassado brasileiro.
EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE, 45, doutor em economia pela Universidade de Chicago, é professor da faculdade Insper[image error]
Published on November 01, 2012 05:37
Engana que a gente paga
Carlos Alberto Sardenberg, O GLOBO
Coisa de 200 anos atrás, jornalistas do “Times” de Londres já utilizavam um critério original para saber o que deviam ou não apurar e publicar. “Notícia, diziam, é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado; o resto é propaganda.”
Desse ponto de vista, tudo que o governo fala, em qualquer país, deve ser entendido como propaganda e marketing. Claro, não é mesmo? Os governantes só falam aquilo que gostariam de ver publicado com o devido destaque.
No Brasil de hoje, isso faz muito sentido. Os governos, em todos os níveis, carregam na propaganda, em volume e conteúdo. Reparem, por exemplo, nos anúncios do Banco do Brasil e da Caixa.
Tem financiamento barato para todo mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo porque comprou seu carro ou abriu seu negócio, todos prosperam e por isso riem o tempo todo. Um espetáculo: não tem inadimplência, os juros são baratíssimos. Parece que só os mais bobos, ou desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro fácil.
Pode-se dizer que aqueles bancos estão no mercado, disputando clientes com as outras instituições. Mas não é bem assim. A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobras, outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do governo.
Regra do jogo, pode-se argumentar. Trata-se de propaganda paga, o governo, como qualquer outro anunciante, diz o que quer e ninguém é obrigado a acreditar.
Sabemos que não é bem assim. Nem precisa argumentar muito. É intuitivo. Trata-se de dinheiro público, mesmo no caso dos bancos comerciais, como BB e Caixa. Eles não funcionam como os privados. Recebem dinheiro do governo, já foram resgatados com injeções de capital público mais de uma vez e todo mundo sabe que não vão quebrar porque o governo, ou seja, o contribuinte, estará lá para cobrir eventuais buracos.
Necessariamente, portanto, deveriam agir de modo diferente, como instituições públicas, e estas, como todo governo, têm compromisso com a informação correta.
O que nos leva ao outro lado da história. Hoje em dia, entende-se que mesmo empresas privadas têm compromisso com o público. Propaganda enganosa não pode ser tolerada. Claro, é difícil definir e apurar a tentativa de ludibriar o consumidor, mas é outro problema, de regulação.
E, se isso vale para empresas privadas, por que não se aplica ao governo, suas empresas e suas repartições? Na verdade, a propaganda enganosa pública é mais grave, porque o governo tem também a obrigação de informar e, assim, orientar a sociedade.
Isso é especialmente importante no caso da política econômica. O governo, ator decisivo em qualquer economia, precisa dizer claramente o que vai fazer, prestar contas regularmente sobre o que está fazendo, dar as regras do jogo, mostrar como vê o andamento da situação e esclarecer o cenário com o qual trabalha.
Há rituais definidos para isso, aqui no Brasil e em toda parte. Os ministérios da área econômica e o Banco Central divulgam regularmente suas mensagens. Assim, em qualquer país organizado, os agentes econômicos, ao planejar e agir, consideram os cenários do governo para crescimento, inflação, arrecadação, gastos orçamentários etc.
Por isso, quando o nosso Ministério da Fazenda sustenta que o país crescerá 4,5%, quando todo mundo já viu que não vai dar, isto é, sim, um tipo de propaganda enganosa. Idem quando o Banco Central diz que cumpriu a meta de inflação quando o índice bateu em 6,5%, dois pontos acima. Há mesmo uma confusão, que parece deliberada, entre meta, centro da meta e margem de tolerância. Resultado: ficamos sem saber se o objetivo de fato é uma inflação de 4,5% (a meta ou o centro) ou qualquer coisa abaixo de 6,5% (o teto da margem de tolerância) ou até mais do que isso, como ocorreu recentemente.
Do mesmo modo, é uma informação enganosa quando o governo jura que vai cumprir a meta de superávit primário sem truques. Nestes casos, a informação do governo causa menos danos porque todo mundo já sabe que o cenário oficial não vai se realizar. Vale para todos os anúncios do setor público, federal, estadual e municipal, que simplesmente afirmam que tudo vai maravilhosamente bem.
Mas isso desmoraliza a informação pública e cria o ambiente, negativo, de que é assim mesmo: o governo mente e a gente não acredita ou deixa pra lá. Só que nós, cidadãos e contribuintes, fazemos o papel de trouxas. Nós pagamos pela farsa.[image error]
Coisa de 200 anos atrás, jornalistas do “Times” de Londres já utilizavam um critério original para saber o que deviam ou não apurar e publicar. “Notícia, diziam, é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado; o resto é propaganda.”
Desse ponto de vista, tudo que o governo fala, em qualquer país, deve ser entendido como propaganda e marketing. Claro, não é mesmo? Os governantes só falam aquilo que gostariam de ver publicado com o devido destaque.
No Brasil de hoje, isso faz muito sentido. Os governos, em todos os níveis, carregam na propaganda, em volume e conteúdo. Reparem, por exemplo, nos anúncios do Banco do Brasil e da Caixa.
Tem financiamento barato para todo mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo porque comprou seu carro ou abriu seu negócio, todos prosperam e por isso riem o tempo todo. Um espetáculo: não tem inadimplência, os juros são baratíssimos. Parece que só os mais bobos, ou desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro fácil.
Pode-se dizer que aqueles bancos estão no mercado, disputando clientes com as outras instituições. Mas não é bem assim. A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobras, outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do governo.
Regra do jogo, pode-se argumentar. Trata-se de propaganda paga, o governo, como qualquer outro anunciante, diz o que quer e ninguém é obrigado a acreditar.
Sabemos que não é bem assim. Nem precisa argumentar muito. É intuitivo. Trata-se de dinheiro público, mesmo no caso dos bancos comerciais, como BB e Caixa. Eles não funcionam como os privados. Recebem dinheiro do governo, já foram resgatados com injeções de capital público mais de uma vez e todo mundo sabe que não vão quebrar porque o governo, ou seja, o contribuinte, estará lá para cobrir eventuais buracos.
Necessariamente, portanto, deveriam agir de modo diferente, como instituições públicas, e estas, como todo governo, têm compromisso com a informação correta.
O que nos leva ao outro lado da história. Hoje em dia, entende-se que mesmo empresas privadas têm compromisso com o público. Propaganda enganosa não pode ser tolerada. Claro, é difícil definir e apurar a tentativa de ludibriar o consumidor, mas é outro problema, de regulação.
E, se isso vale para empresas privadas, por que não se aplica ao governo, suas empresas e suas repartições? Na verdade, a propaganda enganosa pública é mais grave, porque o governo tem também a obrigação de informar e, assim, orientar a sociedade.
Isso é especialmente importante no caso da política econômica. O governo, ator decisivo em qualquer economia, precisa dizer claramente o que vai fazer, prestar contas regularmente sobre o que está fazendo, dar as regras do jogo, mostrar como vê o andamento da situação e esclarecer o cenário com o qual trabalha.
Há rituais definidos para isso, aqui no Brasil e em toda parte. Os ministérios da área econômica e o Banco Central divulgam regularmente suas mensagens. Assim, em qualquer país organizado, os agentes econômicos, ao planejar e agir, consideram os cenários do governo para crescimento, inflação, arrecadação, gastos orçamentários etc.
Por isso, quando o nosso Ministério da Fazenda sustenta que o país crescerá 4,5%, quando todo mundo já viu que não vai dar, isto é, sim, um tipo de propaganda enganosa. Idem quando o Banco Central diz que cumpriu a meta de inflação quando o índice bateu em 6,5%, dois pontos acima. Há mesmo uma confusão, que parece deliberada, entre meta, centro da meta e margem de tolerância. Resultado: ficamos sem saber se o objetivo de fato é uma inflação de 4,5% (a meta ou o centro) ou qualquer coisa abaixo de 6,5% (o teto da margem de tolerância) ou até mais do que isso, como ocorreu recentemente.
Do mesmo modo, é uma informação enganosa quando o governo jura que vai cumprir a meta de superávit primário sem truques. Nestes casos, a informação do governo causa menos danos porque todo mundo já sabe que o cenário oficial não vai se realizar. Vale para todos os anúncios do setor público, federal, estadual e municipal, que simplesmente afirmam que tudo vai maravilhosamente bem.
Mas isso desmoraliza a informação pública e cria o ambiente, negativo, de que é assim mesmo: o governo mente e a gente não acredita ou deixa pra lá. Só que nós, cidadãos e contribuintes, fazemos o papel de trouxas. Nós pagamos pela farsa.[image error]
Published on November 01, 2012 05:12
October 31, 2012
A responsabilidade da Petrossauro
Deu hoje no Valor: "A Petrobras é isso tudo que é porque o Brasil vem ao longo dos últimos anos crescendo, se desenvolvendo, amadurecendo", disse Graça [Foster]. "É uma imensa responsabilidade que tenho não só com acionistas da Petrobras, mas com o meu país. Então esses dois lados não se separam jamais."
Entenderam? A presidente da Petrobras não está muito preocupada com a rentabilidade da empresa e o retorno aos acionistas, incluindo milhares de brasileiros via FGTS. Não! A estatal tem uma responsabilidade "com o país", e por isso ela é "tudo isso" (não sei exatamente o que seria tudo isso). O resultado? Vejam com os próprios olhos:
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Entenderam? A presidente da Petrobras não está muito preocupada com a rentabilidade da empresa e o retorno aos acionistas, incluindo milhares de brasileiros via FGTS. Não! A estatal tem uma responsabilidade "com o país", e por isso ela é "tudo isso" (não sei exatamente o que seria tudo isso). O resultado? Vejam com os próprios olhos:

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Published on October 31, 2012 12:01
O duplipensar de Pimentel

O ministro de Desenvolvimento, Fernando Pimentel, tem mesmo um uso das palavras bastante diferente do meu. Nesta matéria do site G1, consta que o governo pretende segurar o dólar acima de R$ 2. Ele teria dito:
O câmbio é flutuante mas o Banco Central tem agido usando os instrumentos de mercado no sentido de manter o patamar do câmbio brasileiro num estágio competitivo. Em dois reais por um dólar é um câmbio que traz conforto ao exportador.
O leitor entendeu direito? O câmbio é flutuante, mas deve "flutuar" muito perto de dois reais por dólar, quase imóvel. É um pêndulo que oscila sem sair do lugar, entendem?
Mas não acabou. Justificando as medidas protecionistas do governo Dilma, que prejudicam os próprios brasileiros, Pimentel inverteu os fatos na maior naturalidade ao afirmar:
Os países desenvolvidos, que são campeões de protecionismo, dizem que nossas medidas são protecionistas quando o Brasil não está fazendo nada mais que proteger o seu mercado de práticas desleais. Nós não vamos admitir práticas predatórias e desleais no comércio internacional.
Ministro, qual fonte o senhor usou para constatar que os países desenvolvidos são mais protecionistas? Gostaria muito de saber, pois todas as fontes que tenho, incluindo a OCDE, mostram que o Brasil é bem mais protecionista do que os países desenvolvidos. Quer alguns exemplos? Verifique quanto custa trazer um carro coreano importado para o Brasil e quanto custa para os Estados Unidos. Faça isso para todos os outros produtos.
Claro que as tarifas não são o único meio de impor barreiras protecionistas. Existem outras formas, como barreiras sanitárias, burocracia etc. Mas alguém acha realmente que o Brasil utiliza menos tais mecanismos do que os países desenvolvidos? Sério?
Segundo o Índice de Liberdade Econômica do Heritage Foundation, o Brasil está quase em centésimo lugar no ranking geral, e a abertura comercial tem sido responsável pela piora do posicionamento do país. Eis o que diz o estudo:
The trade weighted tariff rate is 7.6 percent. Non-tariff barriers and the use of antidumping measures are a cause for concern. Foreign investors are granted national treatment, but their activity is restricted in some sectors, including communications and mining.
Os Estados Unidos, que acusaram o Brasil de adotar medidas protecionistas, despertando a fúria do nosso governo, possuem tarifa média de apenas 1,8%, contra 7,6% do Brasil. A nota dos EUA em questão de comércio internacional é 86,4 (37º lugar no ranking), comparado a 69,7 do Brasil (126º lugar no ranking). Como acusar os EUA de serem mais protecionistas que o Brasil? Com base em qual critério?
Em suma, fica claro que o ministro Pimentel gosta de abusar do duplipensar orwelliano. Deve ser por tal habilidade que ele conseguiu juntar milhões prestando consultoria fora do governo...[image error]
Published on October 31, 2012 11:33
Joguem uma bomba atômica logo!

Sempre que uma desgraça natural se abate sobre um país, logo aparecem "especialistas" para apontar o lado bom da coisa: a reconstrução vai permitir uma expansão no PIB. A falácia da janela quebrada já foi derrubada por Bastiat no século 19, mas vários são os que nunca aprendem com a História.
Entre vários exemplos, inclusive entre os nossos "especialistas", esse na CNBC se sobressai pela empolgação. Ele estima em cinco vezes o "multiplicador" dos gastos públicos com a reconstrução:
The positive multiplier effect of reconstruction after Sandy could be as much as five times, according to Frank Holmes, CEO and CIO of money manager U.S. Global Investors. If the cost of the damages comes up to $20 billion, the economic boost in terms of spending and activity could be $100 billion, he said.
Diante de tanta sapiência, resta-nos apenas divagar sobre o quão fantástico seria para a economia americana se alguém jogasse logo uma bomba atômica em Nova York. Deixando as perdas humanas de lado por um momento, e focando somente no aspecto econômico, quantos trilhões de dólares não seriam gerados no PIB se a cidade inteira fosse toda devastada?
É triste viver em um mundo em que este tipo de estupidez econômica, lastreada por muitos neokeynesianos, ainda encontra eco nas cabeças ocas dos nossos "especialistas", inclusive alguns com Prêmio Nobel na área. Não é verdade, Paul Krugman? [image error]
Published on October 31, 2012 09:55
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