Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 67
March 11, 2015
Por que o Brasil não dá certo?
Viagem de avião lembra corredor da morte, num país em que pena capital é lei.
Nossas vidas ficam nas mãos de um aparelho supostamente organizado, a Companhia Aérea. Que tem fronteiras, bandeira, lema, liderança, presidente e um exército de funcionários que cumpre o dever com afinco, munidos de radinhos ensurdecedores, em que são transmitidas em códigos informações urgentes de vida e morte, como numa operação de guerra.
QAP tá na escuta?
Aliás, o que faremos juntos é invadir o espaço aéreo de outro país e desembarcar um pelotão em seu território.
Desembarcaremos num dia D, soldados de diferentes nacionalidades. Seguiremos o comandante de cabine, obedeceremos nossos oficiais de quepes e divisas. Vamos lá. Portão de embarque. Todos com suas mochilas. Sigam-nos por estes corredores. Chequem seus equipamentos de segurança.
Ordens são dadas em muitas línguas.
Mas nuvens pairam na Normandia. Uma voz entediante avisa em alto e bom som:
“Por problemas técnicos, nosso voo está cancelado. Por favor, façam uma fila para recolher vouchers de hotel e alimentação. Pedimos que retirem suas bagagens na Esteira 3. Ônibus na área externa do aeroporto os levarão para seus hotéis. Reapresentem-se amanhã de manhã com os mesmos cartões de embarque. Despachem novamente sua bagagem.” E ponto final.
Era domingo em Los Angeles. Quase todos os passageiros vinham de outras cidades para o voo ao Brasil da American Airlines.
Nevascas caíram sobre Dallas, sede da empresa, Nova York e Boston. O mundo está de ponta cabeça.
Estranhamente, a ordem de comando foi dada apenas em português, e apenas uma vez. Curiosamente, grupos se formaram. Brasileiro é esperto. Fascinante: logo buscamos união naquele momento de crise. Uma liderança nasceu. Os mais exaltados foram logo postos de lado e ignorados. Os poucos individualistas foram cuidar de suas vidas. Os mais diplomatas e sensatos passaram a nos representar, dialogar com o comando e trazer informações precisas. Que era do que precisávamos: onde pegar os vouchers? onde mesmo pegar a bagagem? como ir ao hotel?
Em pouco tempo, sabemos em quem confiar e quem evitar. Uma menina chora desesperada. Está há três dias naquele aeroporto. Rodou o país de conexão em conexão. Estressada, queria chegar logo em casa. Não tinha mais dinheiro para comer, nem direito a vouchers. Arrecadamos cem dólares em minutos. Uma outra falava alto pelo celular, criticava a empresa, criticava tudo, fazia o estilo “faço questão de ser ouvida por todos, que estou incrivelmente indignada”. Ficou falando sozinha.
Uma “marronzinha” organizava o tráfego da rua e parecia mandar mais do que o prefeito da cidade. Nos indicava ônibus que nos levaram a diferentes hotéis de rede. Passageiros de voos de companhias latinas, LAN e Copa, cancelados, dividiram hotéis com a divisão brasileira. No jantar, que custava o dobro do voucher, dividimos mesas “con nuestros Hermanos”. A Teoria da Conspiração 1 tomou forma: numa noite de caos aéreo e nevascas nos Estados Unidos, a prioridade é o voo doméstico; os aviões disponíveis voam dentro do país; processos contra empresas aéreas julgados em tribunais americanos geram gordas indenizações e são rápidos; diferentemente dos nossos tribunais lentos e corruptos. Fazia sentido.
Na manhã seguinte, todos lá, acumulados numa área em que a liderança indicou, o Portão 41, já que não tinha nada nos painéis sobre nosso voo. Os mais bem antenados, que trabalhavam em empresas locais, ou tinham aplicativos incríveis que revelavam segredos dos bastidores dos hangares, passavam informações atualizadas: o voo foi adiado para às 11h, depois para 11h45, depois para 12h45. Mas a tela do embarque do Portão 41 indicava um voo para Honolulu e depois Toronto. Detalhe: dois policiais da LAPD se instalaram no corredor bem em frente. Se o voo ia mesmo sair, incógnita.
A paciência de alguns se esgotou justamente quando funcionários da AA apareceram. Apareceram os que tinham reuniões inadiáveis, que foram canceladas devido ao atraso. Incrível como reuniões que jamais poderiam ter sido canceladas começaram a ser lembradas. Incrível como fazem reuniões que não podem ser canceladas horas depois da chegada de um voo transatlântico de 12 horas.
Mais conspiradores surgiram:
“Minha irmã A-DE-VO-GA-DA disse que isso dá um baita processo, ah ah ah…”, falava alto, tirando fotos de tudo, aliciando futuras testemunhas. Mas a liderança já tinha sido consolidada na noite anterior. Era formada por garotos que trabalhavam com ou no Google, Yahoo, Facebook, com seus dinâmicos Apps, que estavam no voo vindo de San Francisco. A volta vai rolar sim. E será aqui, no Portão 41.
Embarcamos depois do voo para Toronto lá pelas 13h.
Por alguma razão, me colocaram na primeira classe no rearranjo da aeronave. Eu nunca tinha viajado de primeira classe.
E nunca tinha me sentado numa poltrona com tantos comandos. Como um plebeu num jantar de gala, observei outros passageiros, para entender o funcionamento e o protocolo daquela poltrona: o que era lençol e cobertor, um botão, pimba, o televisor sai, com filmes que acabaram de disputar o Oscar, outro botão, a poltrona vira e vira uma cama. Me deram até um pijama! São todos amistosos, bem-educados e solidários. O sujeito ao lado foi ao toalete e voltou de pijama. Fofo: cinza escuro, com listinhas brancas, confortável. Foi quem me ensinou a virar a poltrona e a plugar o fone Bose. Outro passageiro me alertou: “Se eu fosse você, não vestia isso. Teve uma pane num voo, e eu estava com este pijama, tivemos que evacuar, e fiquei dois dias em Nova York só com ele.”
Pousamos enfim, 20 horas depois do previsto. O Brasil podia dar certo. Tem gente pra isso. Tem liderança que se forma na tensão. Tem solidariedade, bom senso. Tem gente esperta, ligada, que sabe agregar. Por que não dá?
A tropa se foi.
Esperei minha cadeira de rodas, que não apareceu. A pequena autoridade que tinha a chave da porta por onde viria minha cadeira porta sumiu. Ninguém tinha acesso ao novo elevador do novo Terminal 3, construído com o que teoricamente tem de mais avançado. Arranjaram uma cadeira improvisada, sem cintos. Fui carregado por funcionários sem treinamento. Quase caio no chão no finger.
Cheguei no Brasil.
March 10, 2015
Melhor deixar os militares de fora
Alguns pedem a intervenção (ou volta) dos militares.
Vão sair no dia 15 com os que pedem impeachment.
Mas, se você quiser gritar “Fora!” pela janela, deixe os militares de fora.
Não teve Fora Medici!
Nem Fora Geisel!
Nem Fora Hitler!, Fora Stalin!
“Fora!” só se tem em democracias.
Então, melhor deixar os militares de fora.
March 9, 2015
Agora não tem Itamar
Fora Sarney, Fora Collor, Fora FHC, Fora Lula e agora Fora Dilma!
Todo governo tem seu Fora.
Especialmente os democráticos, em que se pode livremente gritar “Fora!”
O único que pegou foi o do Collor.
Tinha um Itamar por trás e um bom time para a governabilidade, que constava de Edmar Bacha, FHC e até Erundina, do bom PT (que aliás foi expulsa do partido no episódio).
O panelaço de ontem, com o time do baixelaço croicé de prata, vinha acompanhado de gritos “Fora Dilma!”
Mas, pela linha sucessória, viriam Temer, depois Eduardo Cunha, do PMDB do mesmo Petrolão, Renan, com nome citado na Lava Jato, como Cunha, e o sonolento Lewandoswki.
Melhor ficar só no panelaço.
Dessa vez, não temos Itamar.
Se o governo da Dilma é ruim, por que sua assessoria de comunicação seria boa?
O pronunciamento pela TV de ontem foi uma estupidez; em péssima hora.
A não ser que, vaidosa, Dilma quisesse mostrar sua nova silhueta para a Nação, deixando donas de casa em fúria com suas panelas.
Na verdade, Dilma não quis mostrar pra todo mundo o quanto emagreceu.
Tenta passar a imagem de que há comando no caos político e econômico em que estamos.
O dólar passou dos 3, a inflação e juro em alta, o desemprego será a tônica de 2015, déficit na balança…
Nem precatórios o governo pagou em 2014.
Sua base aliada e seus companheiros viraram réus.
Não era hora para pronunciamento. Nem precisava.
O caos é político e econômico. Não INSTITUCIONAL.
March 6, 2015
A privada que economiza água
Vamos aprender com quem sabe.
Death Valley na Califórnia é um dos desertos mais secos do mundo.
Chove ao todo 3 polegadas por ano. A pouca água que escorre no solo é salgada.
Já bateu recorde de temperatura alta (mais de 50 graus).
E é um parque com poucos hotéis e restaurantes. No banheiro de um deles, uma solução que pode ajudar muito por aqui.
Uma pequena placa sobre o vaso sanitário pede: se for resíduo sólido, aperte a alavanca para baixo, se for líquido, para cima.
A “descarga verde” sabe que resíduo líquido, mais conhecido como xixi, precisa de menos água do que o sólido, conhecido como cocô.
Bela invenção. Fiz o teste. O meu era líquido. Um pouco de água foi suficiente para limpar o vaso.
+++
Ontem as construtoras donas do terreno em discussão do Parque Augusta começaram a furar a calçada da Rua Augusta para instalar grades e cercar o terreno.
Mas muros do Parque são tombados.
Ativistas foram avisados.
Se dirigiram ao local para impedir a obra, se sentando nos buracos, com a ajuda do vereador Gilberto Nataline (PV). O alvará, em nome de Armando Conde, que não é mais dono do terreno, teria sido forjado, segundo Nataline.
Maria Lúcia Tanabe, da Secretaria Municipal de Licenciamento, disse que o projeto da região da sub-prefeitura da Sé não estava licenciado.
No fim da tarde a obra foi interrompida, considerada ilegal.
Ativistas plantaram mudas de plantas e árvores nos buracos feitos.
March 5, 2015
Construtoras começam a cercar Parque Augusta
Funcionários que se dizem da empresa SERBRAS [Empresa Brasileira de Vigilância e Segurança], especializada em cercas e tapumes, com sede na Rua Doutor Bacelar, 902 – Vila Clementino, São Paulo, estão perfurando o entorno do Parque Augusta.
Contaram que colocarão uma cerca de 3 metros de altura.
As fotos foram tiradas agora de manhã por ativistas do grupo de discussão https://www.facebook.com/groups/15100....
Encontrado filme mais antigo de NY
Encontrado os filmetes mais antigos de Nova York.
Feitos entre 1896 e 1905, mostram uma cidade que muitos não reconhecem.
Mas já com a cara de hoje; e muitos parques.
A trilha é dispensável.
Um localizador atual mostra os lugares em que as 28 tomadas foram feitas, com uma câmera fixa.
Pra quem ama a cidade, um deleite.
Ruas por onde o garoto Vito, que virou Don Vito Corleone, passou a agir só anos depois.
March 4, 2015
Esqueletos se beijam e surpreendem
Vídeo que já é viral e faz pensar
Se amor tem limite
Se amar tem barreiras
Amor é amor
Grande evento sobre igualdade
Emma Watson convida todos para falarmos ao vivo sobre Igualdade de Gêneros, Igualdade entre Homens e Mulheres.
Será uma conversa sobre Ele e Ela, ou Ele com Ela, ou melhor, Ele para Ela [He For She and Gender Equality].
Será neste domingo, 8 de março, às 17h [horário de Londres] 13h [horário de Nova York], ao vivo pelo Facebook. Quem estiver em Londres pode assistir e participar ao vivo.
Quem quiser mandar uma história pessoal sobre a desigualdade de sexos, violência, abuso, mande até hoje para: http://goo.gl/forms/dRzVjsdNSR.
Algumas podem ser selecionadas.
O máximo esta menina:
O projeto faz parte da luta www.heforshe.org
March 3, 2015
O tormento da água
Logo se inauguram restaurantes de rodízio de água, de água por quilo (litro), de água mineira, japonesa, italiana, francesa.
Logo alguns extrapolam e encomendam água a parentes que vão para o exterior, não uísque, nem Toblerone, e se tiver cisterna à venda no Free Shop, comprem!
De repente o brasileiro começou a levar a sério algo que nos advertem há décadas: é preciso valorizar a água. Tem casamentos em que o brinde é feito com taças de água cristalina 12 anos.
E os mais exigentes cheiram a água servida em taça, a tampa da garrafinha, examinam o rótulo com rigor e comentam depois:
“Mineralizada. Leve aroma de Potássio. Boa fonte. Pode servir.”
Já entendemos que é preciso racionalizar o uso.
Não era noia de ambientalistas apocalípticos ou da oposição. Somos cercados por rios e represas. Em São Paulo tem água saindo pelo ladrão. Tinha. Sumiram com ela. Poluíram. Aterraram riachos, nascentes. Construíram condomínios ao redor de represas. Ocupação ilegal e plantação de cana, soja e pastos tomaram a paisagem de mananciais. De repente, o ficamos obsessivos. Só falamos em como economizar cada gota de água e em reuso.
Talvez por culpa de no passado lavarmos tanta calçada com mangueira e cantarmos tanto bolero no chuveiro.
O problema é quando a obsessão vira loucura, como no meu caso. Passo o dia bolando invenções, como calhas em que água da chuva do capô do carro pode ser captada para o radiador ou para o reservatório do limpador de para-brisa.
Vejo a chuva desabar sobre o Sambódromo e me pergunto por que não tem gente recolhendo a água em baldes disfarçados de alegorias, ou se os carros alegóricos têm sistema de coleta de água, ou uma cisterna. Terá alguém na dispersão recolhendo plumas e paetês encharcados, para enxaguar, reutilizar a água, além de reciclar as penas para o próximo Carnaval? O maior volume captado da chuva durante o desfile ganha pontos no quesito Molhou a Pena Mas Deu Água?
Já tenho ideias de enredo para o próximo Carnaval: Volume Morto Me Salvou, Sistema Cantareira Meu Amor Cadê Você, Sabesp Infinita Razão do Meu Sofrer, A Torneira Secou Mas Governo Não Racionou, Uma Avenida de Cisternas Pra Você…
Meu desespero por racionar água é tamanho, que vejo gente chorando e imagino se dá para reutilizar as lágrimas. Chorar de tanto rir aumenta mais o nível de reservatórios oculares do que tristeza por um amor finito?
Minha neurose chegou ao ponto de me incomodar com a esposa do Chris Kyle, do filme Sniper Americano, vivida por Sienna Miller.
Como ela desperdiça água…
Deixa escorrer o bem tão precioso, enquanto lava a louça, para discutir com o coitado do marido que ela que educa os filhos sozinha, sem se dar conta de que a torneira está aberta e ele passa pelo maior perrengue no Iraque. Numa outra cena, mais alegrinha, ela puxa a descarga no banheiro do nada, enquanto ele toma banho, para esquentar subitamente a água da ducha, brincadeirinha de mau gosto que não se faz numa crise de tamanhas proporções. Hídrica.
O Oscar não tem prêmio para filmes que dão o bom exemplo na preservação da natureza.
Mas não dá para a Sabesp multar cinemas que exibem filmes que dão mau exemplo? Sniper Americano é um filme envolvido em muitas polêmicas, menos a do desperdício de água.
Michael Moore tuitou dizendo que atiradores (snipers) “não são heróis”, e que um tio dele foi morto por um na Alemanha. Até postou a foto do jazigo do tio Lawrence T. Moore, em Flint, morto por um sniper na Segunda Guerra Mundial em 10 de março de 1945.
Moore falou uma das maiores idiotices que já se ouviu (que Roberto Godoy me dê razão). Pôde estar movido pela infelicidade do tio Lawrence, que morreu dois meses antes do fim da guerra, e pelo ódio que o conflito quase edipiano que Bush filho, contra o Saddam que o pai desistiu de cassar, provocou recentemente.
Mas que diferença faz você estar na mira de um rifle a mais de cem metros de distância, ou sozinho dentro de um caça, pilotando com o dedo no gatilho do manche, ou na blindagem protetora de um tanque, de um submarino, de um couraçado, ou com os dedos no joynstick manobrando um drone do outro lado do mundo? Acho até que, desses aí, o mais desprotegido é o sniper. Portanto, o mais corajoso. Graças a alguns deles, como Vassili Zaitsev, o maior atirador russo, camponês que matou mais de 400 soldados e oficiais nazistas, Stalin interrompeu o avanço alemão sobre suas estepes, retratado no magnífico filme Círculo do Fogo (2001).
O sinper não é um covarde, é um soldado agraciado com uma visão incrível e a habilidade de falir um parque de diversões, cuja missão é proteger outros soldados e acelerar o fim do conflito.
Outras polêmicas envolvem o filme.
O Comitê Americano-Árabe reclamou de discriminação contra muçulmanos. Relatou que seus membros foram alvo de ameaças, reacendendo um conflito racial que fazem de tudo para acabar. Na Europa, em alerta máximo contra obras que possam ser consideradas ofensivas por radicais islâmicos, tem gente se perguntando se o filme veio em boa hora. Sem contar que o assassino de Kyle começa a ser julgado justamente agora, o que pode influenciar o júri.
Alguns vão se irritar com os “clichês” (ai que palavra velha). Outros, que ele faz “apologia” (ai que palavra perigosa) da violência contra árabes. Na verdade, Clint fez um filme matematicamente perfeito, com seu livro de receitas de um western bem-sucedido: você está de boa no rancho no Texas com sua família (Kyle queria no fundo ser cowboy), vêm uns caras sujos e malvados, invadem suas pastagens, botam o terror, queimam sua cidade e somem; você se junta aos melhores, leva sua espingarda debaixo do braço e parte pra vingança; em momentos em que o cerco aperta, a cavalaria salva os heróis solitários. Alguns bons companheiros ficaram pelo caminho. Mas nossas esposas cuidaram do rancho, da família, se sacrificaram também por nós nos bastidores da luta.
Tudo bem, elas se sacrificaram.
Mas podiam lavar a louça com menos desperdício.
February 19, 2015
Pitacos – Oscar 2015
Oscar…
A gente sabe que é uma bobagem, não premia os melhores, mas adoramos a festa.
E palpitar.
HOTEL BUDAPESTE é um “incrível filme incrível”. Lindo. Mas, é a tal história: comicidade não tem o prestígio de um drama de lencinho.
No “incrível filme incrível” lindo falta aquele soco no estômago.
Tô errado?
BOYHOOD é genial. Não só por ter sido filmado em 12 anos, mas por retratar as muitas fases (atribuladas e ricas) de uma criança e adolescente em 12 anos, o amadurecimento cheio de crises, e como isso afeta a vida dos pais.
Algo que poucos comentam em Boyhood: vimos em 12 anos a evolução da tecnologia de informação na vida das pessoas; quando filmavam há 12, dez, oito anos, não sabiam o que viria a seguir, o que ficaria obsoleto. Ninguém sabia.
Dos games às redes sociais.
No passado, a mãe fala: “Se sentir saudades dos amigos, pode trocar e-mails com eles.”
Mas quando filmavam, mal sabia que e-mail não seria mais trocado por essa geração.
Anos depois, ao levar um pé da namorada, ele “saiu” do Facebook.
Deve estar no WhatsApp.
Ficou de fora INVENCÍVEL (indicado só a prêmios técnicos, como o de Fotografia), história real incrível. O filme da Angelina Jolie é bom, mas meio canastrão, como ela. Muito chororô. Faltou verdade.
O JOGO DA IMITAÇÃO tem o mesmo problema. Outra história real incrível. Mais musiquinhas melosas, cenas em que os conflitos se resolvem no último segundo, e um drama que se perde: é sobre loucura, guerra, matemática, o berço do computador ou perseguição aos homossexuais, ou tudo ao mesmo tempo?
FOXCATCHER tem um problema: a história real (inacreditável) é infinitamente melhor do que a adaptada; ali, Hollywood decidiu reinterpretar a loucura do herdeiro John du Pont à sua maneira, adocicou demais e deixou os personagens imbecilizados, quando na verdade não tinha nenhum trouxa naquela tragédia.
Dos candidatos ao Oscar, existem dois filmes inteligentíssimos, BIRDMAN, do Alejandro Iñárritu, e o argentino RELATOS SELVAGENS, do Damián Szifrón.
Szidfrón mostra personagens comuns que perdem o controle e partem pra vingança, apesar do contrato social exigir serenidade e perdão.
Vai concorrer ao Oscar de filme estrangeiro com o filme russo, LEVIATÃ, um pouco óbvio: referência pós-URSS ao livro Leviatã, Thomas Hobbes, que popularizou o ditado pré-socrático “homo homini lúpus” (o homem é o lobo do homem); sem um estado forte, absoluto, centralizado, os homens se destroem.
O cartaz é a carcaça de uma baleia encalhada. Um império todo-poderoso ou um submarino nuclear se deteriorando.
Iñárritu fez um filme que parece um plano sequência, com uma trilha que é o solo de uma bateria (que não concorre ao Oscar).
Fez arte inigualável, para protestar contra o rumo da própria indústria de entretenimento.
Em BIRDMAN, um ator que ficou famoso na franquia de um super-herói que voa, Birdman 1, 2 e 3 (Michael Keaton, que fez Batman em 1989 e Batman Returns em 1992), desiste de fazer a versão 4.
Vai para a Broadway adaptar, dirigir e atuar num drama baseado num conto de Raymond Carver.
Quer provar que é, sim, um grande ator. Aluga o teatro em cujo palco esteve Marlon Brando. Contrata gente de teatro. Teme a crítica do New York Times, que certamente vai demolir a peça. Mas anda pelas ruas, e o povo só quer saber de Birdman.
Eu tenho popularidade, minha vida afetiva é um desastre, mas eu posso e quero mostrar que sou mais. O próprio super-herói olha para nós, espectadores, e nos pergunta se o preferimos em um sucesso garantido ou num teatro. Popularidade ou prestígio, cultura digerível ou arriscar?
Raymond Carver morreu em 1988. Na sua tumba, está escrito:
“And did you get what you wanted from this life, even so? I did. And what did you want? To call myself beloved, to feel myself beloved on the earth.” (E afinal você conseguiu o que queria dessa vida? Consegui. E o que você queria? Me considerar amado, me sentir amado nessa terra.)
Melhor filme do ano.
Até aparecer SNIPER AMERICANO…
Meu favorito. Filmaço.
Vai ver e me conta.
Não vi todos.
Mas vou palpitar.
Melhor filme: Sniper Americano
Melhor diretor: Alejandro Gonzáles Iñárritu (Birdman)
Melhor ator: Steve Carell (Foxcatcher), genial!
Melhor ator coadjuvante: Robert Duvall (O Juiz), um veterano sempre leva um.
Melhor atriz: passo; vi apenas 1 dos 5 filmes das atrizes indicadas
Melhor atriz coadjuvante: Patricia Arquette (Boyhood); barbada.
Melhor filme em língua estrangeira: vou torcer para o argentino, mas vai dar Ida (Polônia), drama sobre perseguição a judeus na II Guerra; Hollywood adora. O russo não ganha, depois do que eles fizeram na Ucrânia; ganhou Globo de Ouro, votado por correspondentes “estrangeiros”.
Melhor roteiro original: Alejandro G. Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris Jr. e Armando Bo (Birdman); Boyhood corre por fora.
Melhor roteiro adaptado: Jason Hall (Sniper Americano)
Melhor fotografia: Robert Yeoman (O grande hotel Budapeste); barbada.
A sorte está lançada.
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