David Soares's Blog, page 73

June 30, 2011

Um evangelho de cinco estrelas

A revista Os Meus Livros chega este mês ao nº100 e, para comemorar, apresenta uma compilação dos livros que foram premiados nas suas páginas com a classificação de 5 estrelas: entre eles está o meu O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência) - sendo que é o único livro português de literatura fantástica a fazer parte de tão ilustre lista, que reúne títulos publicados desde há vários anos, é obra.

Parabéns à revista pela centésima edição!
1 like ·   •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 30, 2011 10:25

June 29, 2011

June 28, 2011

A Árvore da Vida

Antes de entrar na sala de cinema não sabia o que esperar do filme The Tree of Life, de Terence Malick, e depois de ter saído ainda não sei se gostei ou não. Em última análise, apesar de preocupar-se com o cósmico e com o microscópico, The Tree of Life estaciona confortavelmente a meia-escala: não é a obra-prima que por aí andam a anunciar, mas também não é tão mau quanto o pintam.
O filme é, em essência, sobre criação - em todos os sentidos da palavra, desde os mais pragmáticos aos mais filosóficos. Por um lado, as personagens reflectem sobre a sua relação (sempre falhada) com Deus e questionam os modos como Ele, supostamente, se manifesta no mundo. Por outro, a personagem interpretada por Brad Pitt, um patriarca austero, mas justo, inventor prolífico e músico fracassado (todavia, talentoso), apresenta-se como um reflexo microscópico do Deus cósmico que também inventou muita coisa, desde criaturas e os seus elementos químicos constituintes, e ainda orquestra a chamada "música das esferas" - visões patenteadas em fabulosos planos, realizados sem recurso a CGI, o que é ainda mais espantoso. Contudo, pelo menos para a minha sensibilidade, o caleidoscópio de imagens, cores e texturas oferecido por The Tree of Life não me encantou como se calhar deveria: fosse o texto de outra cepa e o consórcio da palavra com a imagem que o filme tenta cumprir seria de excelência. Contudo, existe aqui um inegável sentido artístico - um poderoso sentido do belo - que é completamente autoral e, nesse sentido, auto-referencial, feito de ideias que Malick já demonstrou em filmes anteriores, como The Thin Red Line: nesse filme, borboletas tumultuam entre soldados aos tiros uns aos outros; e em The Tree of Life uma libélula hesita entre uma multidão de miúdos assombrados por um colega que morre afogado numa piscina.
É com base em detalhes deste jaez que tenho dificuldade em perceber qual é a postura de Malick diante do divino. É crente? É ateu? É agnóstico? O certo é que o filme sabe bastante a ementa born again, sentimento reforçado por alguns trechos muito ilustrativos, mas, sob outro ponto de vista, talvez só as personagens sejam verdadeiramente crentes e o filme possua um pathos ateísta: exemplificado em maior espessura na sequência da morte do Sol. O segmento do impacto do asteróide que destrói os dinossauros e que antecede o relato da vida das personagens humanas faz lembrar a cena de 2001: A Space Odyssey, de Stanley Kubrick, em que o antropóide joga o osso ao ar e, de repente, ele transforma-se numa nave espacial, mas o efeito não tem um virtuosismo análogo. Porém, é provável que seja essa a óptica pela qual este filme deva ser entendido: um épico metafísico, com todo o abstractismo que isso carrega, sobre criação e as relações que existem entre o infinitamente grande e o infinitesimalmente pequeno. É um filme inteligente e que exige pensamento da parte do espectador (todos os filmes deviam exigi-lo, mas, enfim, já se aprendeu que cabe sempre a excentricidades da espécie de The Tree of Life lembrarem ao público que o cinema não foi só feito para se comer pipocas); infelizmente, é, também, um filme derivativo e muitíssimo indulgente com ele próprio, nem sempre sabendo explorar convenientemente o autêntico potencial mítico que vai fazendo nascer a cada plano e a cada sequência.
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 28, 2011 18:22

June 26, 2011

A Era do Giro


O costume contemporâneo de montar um circo cada vez que se pretende protestar contra aquilo que se acha ser incorrecto é uma prova de que a nossa sociedade, de maneira geral, está cada vez mais infantil e sofre de uma incapacidade crónica de discutir com seriedade seja que assunto for.

Essa autêntica regressão mental é, infelizmente, uma das causas do cada vez maior aviltamento do discurso científico, presente nos meios de comunicação e entre as opiniões populares, e também da elevação do emocional em detrimento do racional. Este emocional, claro, em nada se relaciona com as emoções verdadeiras, das quais, como já provou a neurociência, a razão é indissociável, mas com as emoções de pechisbeque que tornam os adultos em autênticas crianças, guiados por memórias atávicas de tempos mais simplórios, mais confortáveis e, qualidade superlativa, mais giros.

O giro é o grande predicado deste período histórico e orienta todas as áreas da vida, desde a moda, os produtos de entretenimento e, ao que parece, a intervenção cívica.

Neste sentido (circense), a intervenção gira, com pinturas, perucas, máscaras e acessórios estapafúrdios, não é diferente da popularucha festa stultorum, a festa dos parvos, em que os campónios se disfarçavam de grandes senhores e tinham o direito de apupá-los em público, enquanto estes se apresentavam em trajes humildes: importa reter o carácter grotesco e humorístico desta festa que, dadas as circunstâncias, poderia ter-se vertido num verdadeiro protesto social - com consequências. Quis sempre o modelo mental das sociedades coevas que ela se mantivesse no registo da paródia e que não se transformasse em revolução.

Ora, quer o nosso modelo mental - contemporâneo - que o giro seja o tom dominante de tudo, fazendo-nos esquecer que ele e a brincadeira são, por excelência, composições do mundo das crianças: elementos que apenas por desvio ou por acidente encontram lugar de nidificação no universo dos adultos. Em suma: hoje tudo tem que ser giro - tudo tem que ser reforçado com as simples expressões dos emoticons. Até as intervenções cívicas. Já passámos o período do camp, tão bem teorizado por Susan Sontag no livro Against Interpretation: hoje vivemos sob o triunfo total do giro. Um giro que nada tem de satírico, de mordaz ou até mesmo de caricatural. É, somente, um giro que comunica com a falta de inteligência e a falta de sentimentos sofisticados.

É nessa classe de giro que observo o fenómeno do ciclismo "nudista" que hoje pedalou pela íngreme Lisboa (de cima para baixo e com bom tempo, está claro). O argumento de que a nudez hoje em dia não aborrece ninguém desvirtua a escolha da própria nudez como gimmick, pois se ela não choca ou não atrai curiosidade para quê o seu uso? E em que modo ela se relaciona com a mensagem de que andar de bicicleta é melhor para a saúde dos indivíduos? Não se relaciona: é, ao estilo da festa stultorum, um arremedo de protesto que, ao fim e ao cabo, não tem como objectivo mudar o statu quo, mas folgar durante uns momentos. Quanto ao pensamento que lhe subjaz, de que andar de carro na cidade é «obsceno» [diziam alguns cartazes dos ciclistas que «obsceno é o trânsito»] e imoral, só tenho a dizer que ele se inclui no ecologismo de pechisbeque de quem se habituou a olhar para o planeta como sendo um berçário cheio de peluches engraçados e que não pensa, verdadeiramente, nas consequências de um retrocesso tecnológico. Um protesto credível seria pedalar no sentido inverso, de baixo para cima, e no Inverno. Mas esta patetice inscreve-se na visão diabolizada da intervenção humana e tecnológica no ambiente de que a nossa sociedade contemporânea padece. Uma sociedade que já sofre os efeitos da, também gira e verde, recusa de vacinar as crianças e dar-lhes medicamentos químicos, alegando que não são "práticas naturais".

Vacinas? Aspirinas? Xaropes? Essas invenções que só servem para nos pôr doentes e dar dinheiro às indústrias farmacêuticas? O sangramento é que é bom: com uma gamela e uma lanceta, flebotomize-se sempre que se começar a ter febre ou a espirrar.

Não é poluente e promove o contacto com os mecanismos secretos do corporal e do espiritual.

2 likes ·   •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 26, 2011 14:45

June 24, 2011

Excelente crítica a "Batalha"...


...assinada por Safaa Dib, no número dez da Revista BANG! (este número, com a versão integral desta crítica, já está disponível nas lojas FNAC):

«Há livros que conseguem atingir a virtude da universalidade nas suas narrativas. (...) E Batalha de David Soares é certamente um desses livros (...) David Soares tem provado ser uma das vozes portuguesas mais autênticas não só do género fantástico, mas de toda a literatura portuguesa (...) este pequeno maravilhoso romance de David Soares guia-nos das trevas para a luz, ensinando ao leitor a mais valiosa lição de todas: o que fica sempre é a Obra, a Dádiva.»
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 24, 2011 13:54

June 23, 2011

Sobre os livros e a vida


A vida tem o mesmo problema que uma transmissão noticiosa em directo para a televisão: a falta de edição.

É, em essência, material em bruto - e sem sentido, a não ser aquele que lhe é, mal ou bem, colocado a posteriori por quem vive. Em oposição, uma notícia editada é, se for realizada com êxito, uma peça cirúrgica sobre a vida. É algo esclarecedor, que faz pensar. Quando são bons, os livros são ainda melhores: não só têm sentido, como têm uma visão. E essa visão, se for escrita com sofisticação, com alcance, pode mudar o mundo. Por conseguinte, nós, escritores, somos (ou deveríamos ser) intermediários entre a vida, entre material em bruto, tão sujo e ineficaz quanto minério, e o papel, palimpsesto para visões refinadas como aço ou cristal na fornalha fervente da mente.

Aqueles que dizem que o conhecimento livresco é inferior ao vivido não sabem do que estão a falar: onde é que se pode aprender como morre uma estrela, numa explosão tão intensa que observá-la de perto daria a impressão de demorar séculos a fio, a não ser num livro? Onde é que se pode ver borboletas com asas feitas de pão-de-forma (já barradas com manteiga), a não ser num livro? E onde é que se pode encontrar o suposto salvador de toda a humanidade, cingido e sangrante, a não ser num livro? Basta abrir um livro para dar luz à casa.

Os livros são vida editada pelos escritores. Já a vivemos, já fomos enganados pelas suas emboscadas, e apresentamos a nossa visão sobre ela. As nossas ideias.

As ideias, claro, não existem. Não se pode tropeçar numa ideia.

Mas só elas são capazes de mudar o mundo.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 23, 2011 13:35

June 21, 2011

June 20, 2011

Cidade é Natureza

O facto de que existem pouquíssimos fósseis de hominídeos idosos e de meia-idade deveria ser uma pista para a maioria dos indivíduos calcular que a vida do campo está muito longe de ser o estado ideal da nossa espécie. Não é à toa que o reality show que coloca um grupo de pessoas no meio do mato para os espectadores verem como elas se comportam se chama Survivor. Até nas nossas cidades contemporâneas se pode morrer de frio ou de calor, em poucas horas, se, por uma razão ou outra, dermos connosco desprotegidos face ao clima das estações. O mundo é um local que coloca todas as criaturas à beira do perigo ou da morte a todos os instantes e, desde que a vida germinou, extinguiu 99,9% de todas as espécies que o povoaram. O mundo não é a maternal biosfera que o pensamento romântico contemporâneo nos quer fazer acreditar que é: é, apenas, um habitat - hostil, cheio de doenças, predadores e parasitas. Com efeito, o habitat natural - ideal - do homo sapiens sapiens - aquele em que, de facto, ele (nós) se desenvolveu e teve capacidade de delinear estratégias de sobrevivência, como a agricultura e a escrita - é a cidade.

Enquanto espécie, não nos podemos desentrelaçar da cidade (e das suas versões beta, claro - a aldeia e a vila).

Por isso é com alguma estupefacção que vejo aquilo que só posso apelidar de beato deslumbramento diante da terceira edição do evento Mega Piquenique Modelo que teve lugar no centro de Lisboa, e que transformou a Avenida de Liberdade numa quinta, com animais, legumes e frutos. A iniciativa, em si, não me aquece, nem arrefece, mas penso que, de modo indirecto, fortalece uma ideia popular, e errada, de que a cidade é intrinsecamente imoral, enquanto que o campo, por estar mais perto de uma concepção "disneyesca" da Natureza, é profundamente moral - e o estado dourado que perdemos com a queda citadina da graça. Qualquer indivíduo que seja um leitor mediano de História é capaz de perceber o quanto essa criação provinciana está errada. Não só o nosso habitat natural é a cidade, como sem ela não seríamos capazes de viver: desde que nos erguemos para caminhar em marcha bípede, e aprendemos a usar ferramentas, que modificamos o mundo à nossa volta para garantir a nossa sobrevivência e isso, na verdade, não é nenhuma desgraça, mas o comportamento natural da nossa espécie. A cidade é uma das nossas estratégias mais antigas - e aquela que, ao contrário do campo, nos deu mais frutos.

Até a agricultura biológica, que é servida hoje nos meios de comunicação como panaceia para os diabolismos do mundo industrializado, é um mito: a agricultura é, sempre foi e sempre será artificial.

Nenhumas das espécies vegetais cultivadas pelo homem se assemelham minimamente às versões selvagens das quais descendem e foram transformadas por tentativa e erro pelos nossos primitivos antepassados de maneira a darem mais grãos, mais frutos e medrarem em solos desnutridos. Na realidade, nenhum cereal da nossa dieta é capaz de sobreviver sem a mão humana - e nenhuma espécie de cereal contemporânea, consumida hoje (seja trigo, milho ou arroz), tem mais de sessenta ou setenta anos: são versões desenvolvidas por cruzamentos genéticos, inventadas em laboratório para serem mais férteis, mais rentáveis, mais adaptáveis a condições adversas e, também, mais nutritivas. Sem o processo Haber-Bosch, inventado em meados do primeiro decénio do século passado, e usado para criar os constituintes essenciais aos fertilizantes contemporâneos, como nitrogénio e sais amoniacais, não haveria agricultura - "biológica" ou outra!... - que sustentasse a nossa população, já que são esses fertilizantes que permitem rentabilizar o espaço cultivado: menos espaço que dá mais colheitas por ano. Se revertêssemos para a agricultura "biológica" (primitiva) precisaríamos do dobro ou do triplo do espaço para colher as mesmas quantidades - e isso, sim, é que seria uma ameaça para as áreas florestais e para as espécies animais que nelas habitam.

A cidade é Natureza: é tão natural quanto uma floresta, porque o homem é uma criatura natural. É, também, tal como a própria Natureza, algo que continua a evoluir. Precisamos de optimizar ainda mais as nossas cidades, que são o nosso repositório de memórias, de cultura. Mas isso não se fará revertendo a cidade para um Ilídio rural, para uma eutopia pastoril, sem carros e sem habitantes, que nunca existiu a não ser nos produtos de entretenimento.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 20, 2011 20:23

June 16, 2011

Entrevista com David Soares sobre "Batalha"

A entrevista sobre o meu novo romance Batalha, feita com perguntas enviadas por email pelos leitores. (Obrigado Gisela, Nuno e Ana pela inestimável colaboração.)

Batalha é uma edição Saída de Emergência. Com ilustrações do artista Daniel Silvestre da Silva.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 16, 2011 07:43