Filipe Russo's Blog, page 22

March 26, 2015

Comorbidades: Shutdown, Meltdown & Burnout

shutdown

shutdown



Shutdown, por um lado, pode significar um comando do Prompt em alguns sistemas operacionais capaz de encerrar a seção atual do Sistema. Já a nível psicológico trata-se de um excesso cognitivo-sensorial onde a carga de estímulos atinge um ápice improcessável e inadministrável, coagindo o afligido a resguardar-se em silêncio e escuridão numa tentativa de diminuir os inputs; caso o mesmo não prossiga com tais medidas a tempo ainda corre-se o risco do quadro evoluir para um meltdown ou burnout, com a ocasional tentativa de suicídio. Tal fenômeno não ocorre de imediato, apesar de haver gatilhos finais para sua manifestação, em geral o estado se origina cumulativamente ao longo dos dias, semanas ou meses onde o estresse cresce a uma taxa maior do que a de sua diluição. O dano emocional e o estigma social muitas vezes apenas acentuam a gravidade do ocorrido marginalizando ainda mais o neurodiverso que não raro sofre shutdowns com uma certa freqüência avassaladora.

meltdown

meltdown



Em contrapartida, o Meltdown não se carateriza pela necessidade violenta de isolamento e sim por uma canalização desgovernada da energia gerada, muitas vezes pelo fenômeno prévio e correlato, mas não necessariamente, pois cada indivíduo tende mais a um comportamento de resposta em específico ao invés de vários. Assim como um meltdown nuclear, em termos informais, significa um acidente severo num reator que resulta em dano central por superaquecimento, no âmbito psicológico este segundo termo apresentado configura-se a partir da desestruturação momentânea do padrão comportamental, já que o indivíduo não consegue desenvolver a tempo o instrumental necessário para lidar com as adversidades cumulativas apresentadas pelo meio. A estrutura cognitiva coordenadora das atividades diárias perde seus protocolos governantes e o afetado age erraticamente tentando resolver seus problemas na base da violência e excesso como uma chamada desesperada a um recurso primitivo a muito soterrado por nosso processo civilizatório. Como dito previamente este fenômeno afeta mais alguns neurodiversos do que outros, baseado sempre nas peculiaridades de cada um.

burnout

burnout



Volta-e-meia entre um Shutdown e um Meltdown pode ocorrer ainda o Burnout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso associado à vida profissional ou às realizações pessoais tendo assim um caráter intimista profundamente ligado à filosofia pessoal de cada um. O portador de Burnout mede a auto-estima pela capacidade de realização e sucesso, subordinando suas necessidades e bem-estar ao seu modelo avaliativo de performance; quando então não consegue mais atingir ou corresponder as suas próprias metas herculianas o afligido sofre forte desgaste físico, gerando fadiga e exaustão com duração de até meses. Não raro tanto ocorre quando alguém finaliza algum grande projeto, onde a adrenalina e o propósito do mesmo diariamente compeliam o indivíduo a exigir cada vez mais de si para que o sonho se consumasse em realidade, uma vez materializado o produtor se vê diluído numa profunda apatia como se a vida perdesse o propósito e assim abandona as atividades, entrega-se a um vazio incomensurável e visceralmente vinculado à questões existências de cunho filosófico. Por outro lado às vezes o Burnout vêm pela falta de reconhecimento social dos seus méritos pelos demais, sentindo então que todo o esforço escorreu ralo abaixo, pois ou todos entenderam e não deram a mínima consideração ou ninguém entendeu e não fazem a mínima questão de entender, de qualquer forma uma tragédia pessoal, certo? Bem, ao menos social… ou da sociedade mesmo, a qual exige tudo e não dá nada, a mesma que nos afaga os cabelos apenas quando oferecemos algum espetáculo digno de seu sadismo.
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Published on March 26, 2015 18:02

March 21, 2015

Superdotado: novo, velho ou atemporal

Novo

Novo



O neurodivergente, em especial o superdotado, vive constantemente inaugurando-se por inércia e entropia e às vezes propósito próprio. À presente dissertação cabe ressaltar mais a inerência e inexorabilidade do fenômeno do que suas hipotéticas motivações, portanto a eterna novidade do superdotado o impele a velejar pelos mistérios e interstícios da existência, a questionar os padrões e costumes, algo que não raro ativa uma resposta imune do sistema vigente já preparado para aniquilar a ameaça em prol de sua própria continuidade. O neurodivergente pensa fora da caixa por ser o estrangeiro, o alienígena, o produto ‘defeituoso’ da linha de montagem que já não obedece protocolos regulamentadores.

Velho

Velho



Nossa origem? Tão antiga quanto as primeiras fogueiras ancestrais, mas mesmo com os milênios a apresentar à humanidade com mais e mais gênios a sociedade nunca nos incorporou devidamente e continuamos marginalizados num cantinho da sala virados para a parede para não ofender os demais com nossos talentos ‘opressores’ em demasia. Quando se tenta discutir a presença da neurodivergência em constante ameaça de extinção muda-se o assunto pois a conveniência dita tamanha medida repressora, já nos desperdiçamos demais tentando explicar o óbvio e continuamente dando nosso melhor às instituições neurotípicas.

Atemporal

Atemporal



Somos um momento único da subjetividade cósmica que não vai voltar, aliás até os neurotípicos incluem-se aqui, todos poeira das estrelas, sal da terra, espuma do oceano e hominídeos dos bosques. Do cosmos viemos e ao cosmos voltaremos, nunca deixamos de o sê-lo, mas antes de nos esfarelar de volta à entropia original queremos nossa atemporalidade aceita sem risos de deboche nem olhares acusatórios, por favor. Não existimos para competir uns com os outros, muito menos com os não neurodivergentes, mas sim para compartilhar e cooperar nessa vida tão breve e fugaz.
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Published on March 21, 2015 16:41

March 14, 2015

Assincronia: Uma Introdução Pessoal

async

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Com 6 anos de idade eu disse para meu pai que eu me achava retardado por ser diferente dos demais, minhas notas (as melhores da sala durante todo meu histórico escolar) provavam e provariam o contrário. Então, por que eu me sentia tão só e singular? Com 9 anos eu terminei de ler 3 livros de psicologia infantil para adultos escritos por profissionais da área e a bíblia, mas minha solidão e singularidade apenas se aprofundaram ainda mais me arrastando junto consigo. Apesar de desenvolto e sagaz não consegui desenvolver um relacionamento interpessoal satisfatório pela simples razão do outro não possuir o que eu procurava, o que procurava? Meus iguais, uma confirmação farejável apenas pelo raciocínio que decodificasse nossa criptografia neurodiversa.

Zeitgeist

Zeitgeist



Mas claro que na época eu não pensava com tais conceitos, tudo era mais confuso e fugaz. Por exemplo, nunca me senti no tempo e condições dos demais, me sinto velho desde criança e não vivi a juventude de minha geração. Vez ou outra a experimentei com o temor de sair perdendo, mas não, nada ali me cheira a lar e continuei peregrinando até formular um propósito digno de mim: acender uma vela na escuridão. Desde então estou me consumindo em luz e calor, ardendo para desfiar a ignorância adjacente, tanto convertendo-a em arte quanto vertendo-me em cinzas.

telomerase

telomerase



Não sei por quanto tempo conseguirei manter o farol aceso frente ao avanço das correntezas nulificantes do conformismo e padronização institucionalizados pelos neurotípicos, mas minha assincronia não me deixou necessariamente indefeso com uma SuperSensibilidade. Também disponho à mão de uma SuperInteligência com a qual produzir contra-argumentos em resposta à insensatez vigente e não, não pararei por aqui; continuarei até meu pavio ou minha telomerase se esgotarem de vez.
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Published on March 14, 2015 17:26

March 8, 2015

February 28, 2015

O Super de Superdotado (2/2)

O portador de altas habilidades, habilidades as quais não podem ser adquiridas por esforço pessoal, apresenta dois grandes Super Poderes: a SuperSensibilidade e a SuperInteligência.


No primeiro ensaio da série falei das SuperSensações e agora falarei dos SuperPensamentos. Mas primeiro se faz necessário corrigir conceitos errôneos que ao longo do tempo se incorporaram à opinião pública do que se trata ser um superdotado, pois bem, neste artigo assim como no blog em geral apresentamos o dado conceito: superdotação diz respeito a uma pessoa que possui uma habilidade intransferível e inatribuível, geralmente inteligência, acima da média; já gênio significa alguém com habilidade intelectual, criatividade e/ou originalidade excepcionais, tipicamente associadas a um feito de relevância substancial; ou seja, queira fazer o favor de não utilizar ambos os termos de forma intercambiável ou substitutiva, pois cada um se refere a uma classe neurodiversa distinta, onde o gênio pode ou não conter o superdotado, porém jamais o contrário.


superInteligência

superInteligência


Voltemos pois ao super de SuperInteligência que espontaneamente produz SuperPensamentos, agora o que estes então seriam? Memória eidética ou fotográfica, metacognição, raciocínio sintético, intuição intermitente, análise à exaustão, etc. Os SuperPensamentos, em sua grande maioria, se manifestam de modo acadêmico na facilidade excepcional de assimilar e manipular conteúdo didático ou informação bruta, entretando não se limitam a demonstrações vulgares e podem culminar em arte, ciência e comportamento inovadores. A própria criatividade pode ser considerada um SuperPensamento de caráter sintético e produtivo, ou seja, todo grande pintor, escultor, músico ou matemática criou a obra de sua vida, sendo ou não superdotado, em um surto ou vários surtos de SuperPensamentos caracterizados pelo hiperfoco recursivo que se retroalimenta até não restar mais energia física e psíquica alguma para consumir.


narciso na fonte todo trabalhado na recursividade do fascínio

narciso na fonte todo trabalhado na recursividade do fascínio


A SuperInteligência promove uma certa predisposição ao sucesso escolar e acadêmico, não tanto profissional, pois aí as hierarquias são mais valorizadas do que as qualidades intelectuais. Este SuperPoder infelizmente vem com suas comorbidades associadas também, seja num hiperfoco indesejado, um complexo de superior e inferior, um overthink enlouquecedor, um shutdown, meltdown ou burnout, também pode-se desenvolver paranóia, TDHA, perfeccionismo com prejuízo funcional ou a simples intolerância alheia que frente ao desconhecido não pensa duas vezes antes de repudiá-lo: ninguém gosta de um sabichão, o neurodiverso é logo estigmatizado com termos ainda mais chulos porque seus vizinhos cedem facilmente à pequenez a mais humana e neurotípica.


Dürer

Dürer


Por favor, não ameace incinerar mais nenhum Galileu, muito menos sabotar com castração química um herói de guerra e academia como Alan Turing. Vos escrevo tal ensaio graças às contribuições deste último que com seu jogo da imitação nos guiou até o desenvolvimento dos computadores atuais. Precisamos com urgência de um Dia Internacional da Neurodivergência, afinal não custa sonhar…


frida

frida


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Published on February 28, 2015 11:49

February 8, 2015

Comorbidades: Paradoxo da Escolha com Prejuízo Funcional

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Fazer, não fazer, refazer ou desfazer? Difícil a impossível dizer; tendemos ora a procrastinar, ora a nos atarefar com atividades em demasia mundanas. Quando então se encontrará algo que dialogue como nosso íntimo reivindicando enfim toda nossa atenção e energia acumuladas? Eu não sei, mas vez ou outra por algum tempo me empenho mais intensamente em algo. O empenhar-se intensamente em algo vem até que com uma freqüência semanal, mas agora começar um projeto longo e durante vários meses trabalhar quase diariamente em pequeninas parcelas que combinadas formam algo especial, só fiz tanto poucas vezes.

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Quando não se vê o mundo com uma pequenez bidimensional comum aos neurotípicos sabe-se que as vias de ação se enraízam até profundezas indevassáveis, já os talentos entoam cada um seu próprio chamado apocalíptico nos coagindo a selecioná-lo em detrimento dos demais. Mas não, não conseguimos escolher e quando o fazemos, sempre arde ao fundo um ressentimento e uma dúvida quanto à melhor opção, por que não todas? Pois não há tempo, energia, nem dinheiro o suficiente entre outros recursos menos renováveis.

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Faz-se necessário despertar do torpor pertinente ao paradoxo da escolha e saiba: preparar-se só termina em um salto no escuro e não, não se sabe contra o que se esbarrará ou aonde se chegará, mas apenas a ousadia e a valentia podem nos oferecer a novidade a qual almejamos. Só quando então se tiver em mãos o mérito tu verás teu rosto refletido nele e poderá dizer a nós, teus colegas de classe, se no reflexo sorris ou choras, de tristeza ou alegria, de loucura ou intensidade.


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Published on February 08, 2015 09:40

February 1, 2015

A Resistência em Se Aceitar o Multitalento

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A mesma sociedade que se emociona com filmes e documentários sobre John Nash, Albert Einstein, Frida Kahlo e Marie Curie fecha a cara e as portas quando alguém se intitula ou é intitulado prodígio, superdotado, sobredotado, portador de altas habilidades, alto habilidoso, talentoso, gênio ou autodidata. As expectativas neurotípicas quanto ao histórico de qualquer se resume a apenas uma especialidade em alguma área do conhecimento adquirida via ensino superior e quando apresentados a alguém que deduziu seus próprios métodos, desenvolveu suas próprias estruturas de aprendizado e apreensão do real tais neurotípicos, a maioria aliás, ficam ultrajados e logo operam uma performance digna dos filmes B hollywoodianos: negam até o infinito nossa existência com medo de comprometeram a própria, negam nossa natureza para protegerem o próprio ego tão ameaçado pela própria pequenez em se aceitar alguém tão humano quanto a si mesmo e ao mesmo tempo tão alienígena e intangível.

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Orgulho e vaidade se combinam perversamente numa tentativa de preservar a própria autoestima e conceito de mundo a ponto de menosprezar, perseguir, ignorar, negligenciar e dificultar o desabrochar do dom alheio, muitas vezes na própria família em relações paternas, maternas e fraternas. Menos prepotência, por favor; menos ignorância, por favor. Não, não estamos mentindo para nos vangloriar de falsos grandes feitos, não queremos reconhecimento por méritos que não merecemos, mas exigimos respeito e representatividade a muito barrigados para um amanhã que nunca chega. Nós existimos numa neurodivergência que sua mente nunca será capaz de simular e não, nossa vida não é um mar de rosas graças ao nosso DNA diferenciado; há comorbidades específicas da classe e de cada um, literalmente uma espada de dois gumes, os outros pouco a nada sabem de ambos os lados da moeda.

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Há uma tremenda resistência social em todas as instituições em se aceitar o multitalento, aqui inclui-se mas não se resume à família, os amigos, os colegas de clube, os professores escolares e universitários, os superiores no trabalho, entre outros. Quando conseguimos alguma visibilidade logo nos macaqueiam em atrações televisivas; um circo de valores, uma bolsa de horrores; nos convidam para algum reality show debochado para fazermos demonstrações vulgares e humilhantes de nossas capacidades, nos reduzem a calculadoras humanas, a máquinas de entretenimento, algo bem show do Hulk: se você conseguir ir e vir 10 vezes carregando ovos sem derrubar nenhum você ganha a casa própria, se você não conseguir todos nós vestimos nossa máscara de dó enquanto você volta de mãos vazias para casa. Já nos shows de talento ou você paga apenas um mico e ganha nada, ou você paga um mico e ganha uma bolsa de estudos, uma geladeira ou um computador.

Aplausos, sociedade, você está de parabéns! Agora queira fazer o favor de me devolver meu queixo caído ao chão junto da dignidade e humildade também minhas.


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Published on February 01, 2015 10:57

December 4, 2014

O Super de Superdotado (1/2)

O portador de altas habilidades, habilidades as quais não podem ser adquiridas por esforço pessoal, apresenta dois grandes Super Poderes: a SuperSensibilidade e a SuperInteligência.


O último por já ser muito difundido, apesar que geralmente de forma errônea e mitificada, não será debatido por hora, ficando reservado para o segundo artigo desta série, onde então o tema será devidamente elaborado e reitificado.


Supersensibilidade

Supersensibilidade


Pois bem, nos voltemos portanto ao Super de SuperSensibilidade, uma face muitas vezes ignorada da problemática. Esta sensibilidade exarcebada produz Super Sensações como superaiva, supertristeza, supermedo, superansiedade, superalegria, entre outras; como tal fenômeno se gera? O alto habilidoso processa os estímulos internos e externos em outro nível cognitivo distinto do dos neurotípicos, sua intensidade de resposta se mostra proporcional ao modo singular de ver, sentir, percerber o acontecimento.


Há de se entender que a própria natureza do pensar neurodivergente se distingue dos demais, inclusive dentro da própria comunidade neurodiversa, proporcionando um acréscimo substancial à solidão inerentemente humana. Na vida há duas diferenças, a de natureza e a de escolha, o superdotado se enquandra obrigatoriamente na primeira, o que o condiciona a duas respostas padrão quanto à segunda: ou se resigna, se conforma e abaixa a cabeça pra maioria neurotípica mesmo resmungando, às vezes não só por dentro ou confronta, se revolta e tenta acomodar suas excepcionalidades ao mundo das massas.


coluna quebrada

coluna quebrada



A euforia que muitos neurotípicos experienciam apenas quando criança não é de toda rara nos superdotados adultos, ocorrendo várias vezes ao ano e inclusive atingindo ápices de êxtase que creio que os demais consigam apenas com o auxílio direto de substâncias entorpecentes. Entretanto, o neurodivergente também se encontra sujeito ao outro lado da moeda, experienciando desde novo um conjunto mais amplo, mais específico e não raro mais intenso de sensações das desagradáveis às prazerosas, passando por ínfimos, extremos e interstícios difíceis a impossíveis de serem descritos em termos dialéticos.

Peço aos neurotípicos que considerem tais questões ao lidar com um superdotado, pois os mesmos contratos sociais que formam e regulam vossa sociedade não estabelecem correspondência um por um com os termos pessoais e individuais com os quais vários neurodivergentes vivem e experienciam a realidade.


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Published on December 04, 2014 16:43

October 6, 2014

Hiperfoco: Uma introdução pessoal

Agora são 9:12 da manhã e eu dormi apenas 3 horas nessa madrugada. Acontece que ontem à noite por volta das 9 eu tive um acesso de hiperfoco.


Hiperfoco

Hiperfoco


Eu conheci o termo hiperfoco no início do ano passado em comunidades de síndrome de asperger e superdotação no facebook mesmo e no acesso de ontem esbocei uma definição: fenômeno consciente ou não onde o indivíduo autisticamente foca em um ou mais elementos pertinentes e abstrai quase que absolutamente os demais, em tal estado pode-se produzir grandes obras criativas e/ou profundo atordoamento e confusão advindos da falta de canalização e da incapacidade de ‘desligar’, mesmo após finalizar um ou mais projetos inclusive.


Meu problema é que eu sempre vivi muuuito entre dois mundos paralelos e intimamente conectados, inclusive disse pruma amiga superdotada o seguinte quanto a tanto: quando eu era pré-púbere era comum ficar dando voltas ao redor de objetos ou estruturas, geralmente eram mesas, cadeiras, prédios, jardins, pátios e piscinas enquanto eu me via quase como um fantasma pois 99% da minha concentração residia numa bolha psíquica totalmente indiferente às contingências ambientais. Mas também relevei a esse amiga que à época eu não dispunha de um controle esfincteriano cognitivo, ou seja, num mesmo ano em aniversários eu cai na piscina 3 vezes, duas vezes na mesma casa em festas de irmãos mais velho e mais novo.


Mamãe temia por eu viver no mundo da Lua e eu inclusive sempre me senti destacado dos demais, cogitei à época ser retardado ou algo assim e vocalizei o mesmo para os meus pais. As pessoas não gostavam dos meus comportamentos divergentes, eu passava minutos olhando pro nada sem me mover ou movendo apenas os dedos das mãos ou pés e muitas vezes meu olhar estava direcionado para um prato, um copo, uma roupa ou a face mesmo dos convidados e sempre me diziam pra parar de encarar que isso era feio ou ofensivo, mas eu sempre dizia que não me interessava pelas pessoas e mal as enxergava nesses momentos. Foi assim que eu comecei a olhar pra terra e pro céu, porque o horizonte era território do tabu alheio.


Ou seja, eu tive micro-hiperfocos desde criança, mas a coisa ficou séria na puberdade, em plena quinta série eu simplesmente não conseguia dormir não importava o quão cedo eu acordasse ou o número de atividades exigentes tanto psíquica quanto fisicamente ao longo do dia, após o jantar eu não conseguia dormir de jeito nenhum. Sempre hiperfocando em garotas, bullying, provas e falta de amigos, eu rezava muita nessas noites, eu me masturbava muito nessas noites. Minha adolescência foi regada com longas noites, e alguns dias inclusive, onde eu me masturbava sem parar como forma de tentar relaxar e sair dos hiperfocos da vida, muitas vezes funcionava, mas a maioria delas eu acabava machucado indo dormir só no meio da manhã ou da tarde, até hoje em dia aos 24 algo similar ainda ocorre. Ontem o hiperfoco me venceu de novo e o tornei o mais produtivo possível, escrevi planos para programação em javascript, elaborei conceitos de sociologia e alguma besteirinha sobre superdotação, nada apresentável aqui justamente por eu não disponibilizar conteúdo incompleto. Por conteúdo completo vide meu livro publicado e o próximo a ser ainda esse ano.


Lá por 2006 com problemas com o sistema de ensino vigente eu ameaçava abandonar o ensino médio, pois eu me dizia portador de síndrome do pensamento acelerado enquanto a maioria dos médicos diziam que eu tinha um ou outro distúrbio psiquiátrico, alguns poucos diziam que eu era apenas um adolescente. Já no ano seguinte eu me mudei de Manaus para São Paulo e aqui eu me auto-diagnostiquei como superdotado, logo sugerido pela diretora do novo colégio e confirmado como superdotação intelectual pela APAHSD. Nada disso me impediu, e inclusive até incentivou mais minhas convicções, de abandonar os estudos institucionalizados e assim o fiz, completando o ensino médio em 2008 através de supletivo à distância.


Hoje eu entendo que meu comportamento externa e aparentemente obsessivo-compulsivo como quando eu giro ao redor de objetos ou estruturas e quando eu ouço uma única mesma música durante 6 horas seguidas não passa de como uma parte da minha mente encurrala a outra para ter para si num dado momento todos os recursos computacionais com os quais resolver suas próprias questões particulares. Hoje em dia eu ainda atravesso a rua como um fantasma sem fazer muito contato visual com nada, mas meu controle mental já consegue rastrear as variações topográficas e fezes enquanto ainda consigo me dedicar profundamente a pensamentos mais interessantes do que meu contexto ambiental. O que ativa meu hiperfoco? Assuntos interessantes, excesso de café, chocolate, açúcar e/ou ansiedade, cinema também ou acúmulo improcessável de entropia mesmo. O engraçado é que sempre fui ansioso também, daí minha ansiedade às vezes gera insônia e raras vezes hiperfoco, já meu hiperfoco sempre gera ansiedade e insônia.


Bem, sinta-se à vontade de compartilhar suas próprias experiências sobre o hiperfoco.


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Published on October 06, 2014 05:53

September 12, 2013

Entrevista: Tatiana Saturno

Tatiana Saturno

Tatiana Saturno


Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.


Tatiana Saturno: A minha descoberta foi através de uma psicóloga do IF onde estudava. Eu a conheci a partir de um invento que fiz para um colega cego da minha sala. Ela logo percebeu que eu tinha características acima da média, sempre me dizia que eu parecia com uma velha de 80 anos (madura).


SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?


Tati: Eu não sou diagnosticada, então, tecnicamente, eu não sei.


SM: Participaste de alguma iniciativa de apoio aos alto habilidosos? Em caso positivo fale um pouco mais sobre essa experiência, em caso negativo por que não?!


Tati: Não. Primeiro: meu contexto socioeconômico era de pobreza e ignorância, então ninguém sabia o que era um sd. Segundo: a ignorância dos profissionais da educação, embora os professores percebessem minha habilidade acima da média, por ignorância, não faziam nada ou não sabiam como agir. Terceiro: eu não tive estímulos e não tinha muitas condições financeiras, então, não tinha acesso a informações, logo não sabia que era sd.


SM: Fazes uso de algum aconselhamento psicopedagógico? Em caso positivo fale como isso funciona para você.


Tati: Não, mas recentemente procurei uma psicóloga, por motivos de necessidade emocional, não diretamente ligado a ser sd.


SM: De que forma você considera que o seu contexto socio-cultural afetou seu desenvolvimento? Houve algo em troca? Humildade para a mistificada arrogância sd, quem sabe?


Tati: Do ponto de vista positivo: por ser muito pobre e as pessoas ao meu redor serem simples eu pude ter uma ótima infância (excerto um caso de abuso que sofri), brincadeiras, aprender a compartilhar, que ninguém é melhor que ninguém, a ser humilde e o acolhimento afetuoso as pessoas, sem se preocupar de onde vieram. Do ponto de vista negativo: estava em um meio sem estímulos, eu que tinha que ser a minha motivadora, comecei a ler cedo, mas sem poder comprar livro, passei muitos anos longe da leitura, fui desnutrida, o que pode ter afetado minha cognição e emocional.


SM: Estudando nas melhores instituições da região (Instituto Federal no ensino médio e Universidade Federal agora no superior), o que você tem a dizer sobre o sistema de ensino público brasileiro? Pros, contras e sugestões.


Tati: Pros: sinceramente o ensino é precário, passei por greves e ainda estou sofrendo consequências disto (um semestre em quatro meses, exemplifica bem), agora, sempre gostei dos professores, a dificuldade de ser um, muitas vezes, faz com que estes que tem a coragem de adentrar a este meio, sejam pessoas que realmente querem fazer isto, o que me deixava feliz pelo empenho deles e sempre gostava de conversar com os mesmo, fui o tipo de estudante que incentivava o professor a continuar naquela vida, em meio as dificuldades. Contras: esse tem vários, como, o que pensei hoje na aula de Introdução a Computação, educação síncrona – seria uma educação que quer passar os alunos a uma mesma taxa de velocidade, sem considerar se é mais lento ou mais rápido -, condições precárias de infraestrutura dos colégios (estudei em colégio estadual público e era triste a estrutura das salas, ventilação, etc), mesmo estando em boas instalações no IF, eu sabia que ex-colegas de sala estudavam em turmas com mais de 60 alunos por sala, desvalorização dos professores, tanto por parte dos alunos, como pelo Brasil em si, muito entristecedor.

Sugestões: primeiramente um governo que queria educar os cidadãos e não mantê-los na ignorância; uma conscientização da população sobre a importância da educação na vida das pessoas, não do tipo, estude ou não vai conseguir emprego, mas como algo prazeroso; uma mudança na forma de se ver a educação, para que deixe de ser síncrona e para assíncrona (cada um à sua velocidade), ou seja, educar respeitando as diferenças de cada um.


SM: Quais são suas perspectivas acadêmicas e profissionais de agora em diante?


Tati: Neste momento, estou buscando uma estruturação saudável do meu emocional, o qual não anda tão bem. Tenho problemas para conseguir um objetivo, aquilo de se ter potencial e não ter algo que seja suficientemente bom para lhe tirar da inercia. Mas, se houvesse, queria que fosse algo como pesquisas em áreas que me despertam interesse e um trabalho em tais áreas, principalmente alguma que valorize meu ponto forte, o qual seria ter um conhecimento em diversas áreas, e o fraco que seria não ter muita especialidade.


SM: Algum lema motivacional?


Tati: Aquele momento que você percebe que está tão mal que não consegue encontrar um lema motivacional…

Mas vamos lá: Continue vivendo, pois o amanhã pode sempre ser melhor que o hoje.


SM: Algum recado pra galera?


Tati: Não nos julgue, nós sds, como seres perfeitos, lembrem-se que somos um dos mais fracos.

Para os sds: mesmo estando em uma ilha, lembrem-se que há pessoas que querem construir uma ponte até você.


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Published on September 12, 2013 21:40