Rodrigo Constantino's Blog, page 442
May 17, 2011
Entrevista na Rádio Itatiaia
Entrevista com Eduardo Costa na Rádio Itatiaia em MG, em que falo sobre o setor financeiro, sobre política, impostos, e também sobre o excesso de intervenção estatal nas escolhas individuais.
Published on May 17, 2011 07:12
Inflação fora de controle?
Rodrigo Constantino, O GLOBO
A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a "herança maldita" que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o "corte" de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar "um pouco mais" de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?
A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a "herança maldita" que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o "corte" de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar "um pouco mais" de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?
Published on May 17, 2011 04:09
May 15, 2011
Supremacia
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso.
Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto.
Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal.
O controle dito "social" dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.
Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos.
São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.
O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia político, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão.
Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos.
O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.
A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, "perdedora", indigna de atenção.
O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.
A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial - o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção - e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.
Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental.
O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.
Mal parado. Em um ambiente que se pretendesse decente, a acusação do deputado Aldo Rebelo ao marido da ex-senadora Marina Silva - "contrabandista de madeira" -, seguida da confissão de que como líder do governo ajudou a abafar o caso, não poderia terminar com o dito pelo não dito.
Mas, como a conjuntura não se pretende decente, prevalecerá o deixa-disso.
Resumo da ópera. Em entrevista ao jornal Valor, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, resumiu no que consiste o poder de atração do PSD: "O conjunto de forças que sempre esteve no governo, ao cabo de oito anos fora dele, resolveu mudar para ser o que sempre foi: base de governo".
O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso.
Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto.
Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal.
O controle dito "social" dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.
Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos.
São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.
O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia político, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão.
Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos.
O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.
A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, "perdedora", indigna de atenção.
O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.
A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial - o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção - e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.
Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental.
O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.
Mal parado. Em um ambiente que se pretendesse decente, a acusação do deputado Aldo Rebelo ao marido da ex-senadora Marina Silva - "contrabandista de madeira" -, seguida da confissão de que como líder do governo ajudou a abafar o caso, não poderia terminar com o dito pelo não dito.
Mas, como a conjuntura não se pretende decente, prevalecerá o deixa-disso.
Resumo da ópera. Em entrevista ao jornal Valor, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, resumiu no que consiste o poder de atração do PSD: "O conjunto de forças que sempre esteve no governo, ao cabo de oito anos fora dele, resolveu mudar para ser o que sempre foi: base de governo".
Published on May 15, 2011 16:43
Uma sociedade infantilizada

Rodrigo Constantino, para a revista Banco de Idéias - IL
"Se salvar vidas é o único motivo para termos leis, nunca teremos leis suficientes." (David Harsanyi)
Quando perdemos nosso direito de sermos preguiçosos, não saudáveis ou politicamente incorretos? Essa é a pergunta que David Harsanyi faz em seu livro "O Estado Babá", que mostra com inúmeros exemplos como os americanos estão cada vez mais trocando liberdade individual por controle estatal.
A tirania das boas intenções costuma ser a mais perigosa de todas, pois os "bons samaritanos" jamais descansam em sua nobre missão de cuidar dos outros. Liberdade pressupõe responsabilidade, assim como liberdade de escolher tolices. Imbuídos de uma arrogância paternalista, os babás não aceitam isso, e partem para suas ações salvadoras: "Algo deve ser feito", eis a reação dos babás diante de atitudes que não aprovam, significando sempre mais intromissão estatal em nossas vidas.
O grau de chatice dos babás chegou a um patamar insuportável. Como bem coloca o autor: "Para esses intrometidos, a utopia é um mundo sem fumantes, sem gordura, onde o álcool é bebido apenas com moderação, o McDonald's vende Mc Nuggets de tofu com molho de baixa caloria e os seios nus de uma estrela pop são dignos de uma sessão no Congresso e de histeria em massa".
O estado babá ocorre quando "o governo assume um hiperinteresse em microadministrar o bem-estar dos cidadãos". Mas o governo vai além de seu papel quando tenta nos proteger de nós mesmos. Uma vez que esta porteira é aberta, o céu é o limite para os babás, que pretendem eliminar todo comportamento "prejudicial" ou "irracional" da face da Terra. A imprensa, com inclinação para manchetes aterrorizantes, joga mais lenha na fogueira, ajudando a criar um ambiente de pânico propício às intervenções dos babás.
O dogma compartilhado pelos babás é que se meter na vida alheia por meio das leis é a forma mais rápida de criar uma sociedade superior. O bom senso para determinar a fronteira legítima desta intervenção se perdeu faz tempo. Os "guardiões do estômago", por exemplo, criaram uma verdadeira "milícia alimentar" para tentar barrar do cardápio os itens prejudiciais à saúde. Mas, se podemos proibir um ingrediente que não é saudável, o que impede o governo de proibir muitos ou todos eles?
Para sustentar suas medidas estúpidas, os babás não se importam em apelar para a tortura dos números. Exames com ratos de laboratório "provam" que vários alimentos podem matar, ignorando apenas que a quantidade ingerida pelos ratinhos seria equivalente ao jantar que um gigante consideraria exagerado. Na verdade, até água pode matar, se consumida em quantidade excessiva. Entre o remédio e o veneno, muitas vezes está somente a dosagem.
Mas nada disso incomoda os babás. Eles precisam salvar vidas! O terrorismo é constante: o açúcar é um veneno, a gordura e a fritura são armas letais, o cigarro é morte certa, até para fumantes passivos. Não obstante as mentiras e exageros dessas pesquisas, resta perguntar: por que cada indivíduo não deve ser livre para escolher como viver, ainda que sua escolha nos pareça destrutiva? A busca pela "saúde perfeita" é algo que nos remete ao nazismo. Sociedades livres devem se preocupar em garantir a liberdade de escolha.
Babás são presunçosos, e acreditam que sabem melhor que os outros como a vida deve ser vivida. Eles partem da premissa arrogante de que conhecem as escolhas "certas". São moralistas autoritários, que desejam impor seu estilo de vida aos demais. Viver é assumir riscos, mas os covardes babás querem uma vida totalmente segura (e sem graça), e pior, querem obrigar os outros a desejar o mesmo.
Tudo que os liberais pedem é: deixem-nos em paz! Que cada um possa viver de acordo com suas próprias escolhas. Afinal de contas, até o fumo é muito mais saudável que o fascismo.
Published on May 15, 2011 07:50
May 14, 2011
A ditadura cor-de-rosa
GUILHERME FIÚZA, O GLOBO
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), uma espécie de gorila assumido, foi ao Senado protestar contra uma cartilha de prevenção à homofobia que o governo pretende distribuir. Acabou agredido pela senadora Marinor Brito (PSOL-PA), defensora dos homossexuais. Esses gorilas não sabem com quem estão se metendo.
A tal cartilha, que está sendo preparada pelo MEC, será distribuída em escolas públicas, no ensino fundamental. A ideia é ensinar à criançada que namorar pessoas do mesmo sexo é saudável, ou seja, que ser gay é normal. Nada como um governo progressista, disposto a formar a cidadania sexual de seu povo. Pelos cálculos do MEC, uma criança de sete anos de idade que chegar à escola e receber em mãos uma historinha de amor HOMOSSEXUAL terá menor probabilidade de chamar o coleguinha de bicha, ou a coleguinha de sapatão.
É difícil imaginar o que se passará. na cabeça de cada uma dessas crianças diante do kit de orgulho gay do governo. Mas não é tão difícil imaginar o que se passa na cabeça do MEC, ou melhor, do ministro da Educação.
Assim como á quase totalidade da administração petista, o ministro da Educação, Fernando Haddad, só pensa naquilo - fazer política. Em 2010, no bicampeonato do vexame do Enem, ele estava trabalhando duro na campanha eleitoral de Dilma Rousseff. Sem tempo, portanto, para detalhes secundários, como a impressão trocada de gabaritos, que corrompeu a prova e infernizou a vida de mais de três milhões de estudantes. No ano anterior o Enem tinha naufragado após o vazamento da prova, e no ano seguinte Haddad foi premiado com a permanência no cargo pelo novo governo. Honra ao mérito.
Nesse meio tempo, o país caiu 20 posições no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU para educação (ficando em 93º, atrás de Botswana). Mas o ministro tem sempre uma "pesquisa interna" para oferecer aos jornalistas - dos quais nunca se descuida -, mostrando ótimas avaliações do ensino público. No governo da "presidenta", que vive dessa mitologia do oprimido, a cartilha sexual do companheiro Haddad é mais um afago no mercado politico GLS.
Um mercado que não para de crescer. Ao lado do avanço nos direitos dos gays, legítimo e importante, a indústria do politicamente correto vai criando um monstro. Foi esse monstro que distribuiu tapas na turma do deputado Bolsonaro. É o monstro que transforma uma boa causa em revanche, histeria e intolerância. Que quer ensinar orgulho gay em escola primária. É a estupidez travestida de virtude.
O barraco entre o gorila e a serpente aconteceu na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Ali se discutia o projeto que transforma homofobia em crime. É um pacote de regras restritivas, como a que proíbe um pregador evangélico, por exemplo, de criticar o homossexualismo fora dos limites de sua igreja. Os generais de 64 (heróis de Bolsonaro) não fariam melhor. O totalitarismo, quem diria, também está saindo do armário.
A relatora do projeto é a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que se retirou da sessão quando a confusão estourou. Ela teve sorte. Não de se livrar dos tapas, mas de escapar da sua própria lei. Menos de três anos atrás, ela fez insinuações de homossexualismo contra o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, seu adversário eleitoral na época. Talvez seja o caso de incluir uma ressalva no projeto, anistiando os companheiros progressistas que ferirem o orgulho gay por relevante conveniência política.
Mais do que nunca, a propaganda é a alma do negócio. Depois que Dilma Rousseff virou símbolo meteórico de afirmação feminina, ninguém mais segura os gigolôs da ideologia. Basta um slogan na cabeça e uma caneta na mão, e tem-se uma revolução de butique. Está prestes a ser aprovada a lei que obriga a fabricação de calcinhas e cuecas com etiquetas de advertência contra o câncer de próstata e de colo do útero, além de sutiãs com propaganda de mamografia. É incrível que ainda continuem vendendo chocolate sem uma tarja de advertência contra a gordura e as espinhas.
É preciso ensinar a sociedade a ser saudável. O Estado politicamente correto sabe o que é bom para você. Em nome da modernização dos costumes, assiste.se a uma escalada medieval de proibição da propaganda de produtos que fazem mal, e de obrigatoriedade de mensagens que fazem bem. Até a obra de Monteiro Lobato quase entrou na dança: la ser crivada de notas explicativas a cada aparição de Tia Nastácia, em defesa da honra dos afrodescendentes. Os justiceiros do Conselho Nacional de Educação ainda não desistiram de corrigir o escritor.
É interessante ter um ex-BBB no Congresso defendendo os direitos dos homossexuais. Mas é estranho ter no reacionário Jair Bolsonaro a voz solitária contra os excessos da patrulha GLS. Talvez a consciência brasileira mereça, de fato, ser governada pelas cartilhas demagógicas do MEC.
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), uma espécie de gorila assumido, foi ao Senado protestar contra uma cartilha de prevenção à homofobia que o governo pretende distribuir. Acabou agredido pela senadora Marinor Brito (PSOL-PA), defensora dos homossexuais. Esses gorilas não sabem com quem estão se metendo.
A tal cartilha, que está sendo preparada pelo MEC, será distribuída em escolas públicas, no ensino fundamental. A ideia é ensinar à criançada que namorar pessoas do mesmo sexo é saudável, ou seja, que ser gay é normal. Nada como um governo progressista, disposto a formar a cidadania sexual de seu povo. Pelos cálculos do MEC, uma criança de sete anos de idade que chegar à escola e receber em mãos uma historinha de amor HOMOSSEXUAL terá menor probabilidade de chamar o coleguinha de bicha, ou a coleguinha de sapatão.
É difícil imaginar o que se passará. na cabeça de cada uma dessas crianças diante do kit de orgulho gay do governo. Mas não é tão difícil imaginar o que se passa na cabeça do MEC, ou melhor, do ministro da Educação.
Assim como á quase totalidade da administração petista, o ministro da Educação, Fernando Haddad, só pensa naquilo - fazer política. Em 2010, no bicampeonato do vexame do Enem, ele estava trabalhando duro na campanha eleitoral de Dilma Rousseff. Sem tempo, portanto, para detalhes secundários, como a impressão trocada de gabaritos, que corrompeu a prova e infernizou a vida de mais de três milhões de estudantes. No ano anterior o Enem tinha naufragado após o vazamento da prova, e no ano seguinte Haddad foi premiado com a permanência no cargo pelo novo governo. Honra ao mérito.
Nesse meio tempo, o país caiu 20 posições no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU para educação (ficando em 93º, atrás de Botswana). Mas o ministro tem sempre uma "pesquisa interna" para oferecer aos jornalistas - dos quais nunca se descuida -, mostrando ótimas avaliações do ensino público. No governo da "presidenta", que vive dessa mitologia do oprimido, a cartilha sexual do companheiro Haddad é mais um afago no mercado politico GLS.
Um mercado que não para de crescer. Ao lado do avanço nos direitos dos gays, legítimo e importante, a indústria do politicamente correto vai criando um monstro. Foi esse monstro que distribuiu tapas na turma do deputado Bolsonaro. É o monstro que transforma uma boa causa em revanche, histeria e intolerância. Que quer ensinar orgulho gay em escola primária. É a estupidez travestida de virtude.
O barraco entre o gorila e a serpente aconteceu na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Ali se discutia o projeto que transforma homofobia em crime. É um pacote de regras restritivas, como a que proíbe um pregador evangélico, por exemplo, de criticar o homossexualismo fora dos limites de sua igreja. Os generais de 64 (heróis de Bolsonaro) não fariam melhor. O totalitarismo, quem diria, também está saindo do armário.
A relatora do projeto é a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que se retirou da sessão quando a confusão estourou. Ela teve sorte. Não de se livrar dos tapas, mas de escapar da sua própria lei. Menos de três anos atrás, ela fez insinuações de homossexualismo contra o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, seu adversário eleitoral na época. Talvez seja o caso de incluir uma ressalva no projeto, anistiando os companheiros progressistas que ferirem o orgulho gay por relevante conveniência política.
Mais do que nunca, a propaganda é a alma do negócio. Depois que Dilma Rousseff virou símbolo meteórico de afirmação feminina, ninguém mais segura os gigolôs da ideologia. Basta um slogan na cabeça e uma caneta na mão, e tem-se uma revolução de butique. Está prestes a ser aprovada a lei que obriga a fabricação de calcinhas e cuecas com etiquetas de advertência contra o câncer de próstata e de colo do útero, além de sutiãs com propaganda de mamografia. É incrível que ainda continuem vendendo chocolate sem uma tarja de advertência contra a gordura e as espinhas.
É preciso ensinar a sociedade a ser saudável. O Estado politicamente correto sabe o que é bom para você. Em nome da modernização dos costumes, assiste.se a uma escalada medieval de proibição da propaganda de produtos que fazem mal, e de obrigatoriedade de mensagens que fazem bem. Até a obra de Monteiro Lobato quase entrou na dança: la ser crivada de notas explicativas a cada aparição de Tia Nastácia, em defesa da honra dos afrodescendentes. Os justiceiros do Conselho Nacional de Educação ainda não desistiram de corrigir o escritor.
É interessante ter um ex-BBB no Congresso defendendo os direitos dos homossexuais. Mas é estranho ter no reacionário Jair Bolsonaro a voz solitária contra os excessos da patrulha GLS. Talvez a consciência brasileira mereça, de fato, ser governada pelas cartilhas demagógicas do MEC.
Published on May 14, 2011 07:55
A libertação de um crente
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Rodrigo Constantino
"Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores." (Mateus 7:15)
Um relato leve e divertido, porém corajoso e com momentos tocantes. Assim é Ímpio: o evangelho de um ateu, do jornalista Fábio Marton. O autor mostra ser espirituoso já no seu currículo, onde diz: "Depois de ser evangélico, foi esquerdista, metaleiro, nacionalista, niilista, dark, punk e anarco-capitalista", justificando que "é uma vida muito longa para se persistir em só uma idéia errada". E, de fato, seu livro demonstra como qualquer tipo de seita fanática pode destruir a liberdade ou mesmo uma vida.
Nascido em família humilde de crentes, incluindo um avô pastor, Fábio consegue, por meio de suas próprias reflexões, libertar-se da doutrinação imposta desde cedo em sua casa. Sua infância foi marcada pelos dogmas pentecostais que limitaram absurdamente suas escolhas e, pior ainda, incutiram sentimento de culpa somente por desejar fazer aquilo que todos as outras pessoas de sua idade faziam. Ser "normal", com amigos e namoradas, gostar de rock e ir a festas eram coisas complicadas para o "pastorzinho" diferente, que desde muito cedo aprendera que tudo aquilo era obra do diabo.
O livro começa com uma citação de H.L. Mencken, um dos ateus mais iconoclastas e irreverentes: "Devemos respeitar a religião de um sujeito, mas apenas no mesmo sentido e até o limite em que respeitamos sua teoria de que sua mulher é bonita e seus filhos são espertos". A passagem quer dizer que não somos obrigados a tratar como tema sagrado aquilo que é sagrado apenas para a subjetividade do indivíduo. Claro que seria uma ofensa desnecessária ridicularizar a crença alheia sem mais nem menos, mas igualmente ofensivo – e autoritário – , é querer obrigar os outros a encarar como Verdade absoluta e objetiva aquilo que não passa de uma opinião particular sem qualquer embasamento científico.
Na introdução, Fábio assume ser um ateu, mas logo depois explica que todos somos, de fato, ateus. Ao menos em relação a todas as divindades já inventadas pelos homens na história, que são abundantes. O cristão que não acredita em Zeus, Osíris, Ganesh, Amaterasu e Tupã é um ateu quando se trata destes deuses. O ateu vai apenas um passo além, como Fábio coloca: "Entre mim e o cristão, há apenas um deus a mais do qual duvido". Na verdade, não se pode negar algo que não existe, e o ônus da prova cabe aos crentes. Ninguém assume que Saci Pererê existe só porque ninguém prova o contrário.
Fábio transitou por várias das igrejas protestantes durante sua vida, e fica claro como há rivalidade entre elas. Uma disputa para ser mais "cristã" que a outra, todas em busca do monopólio da fé "correta", assumindo até mesmo que crentes de outras seitas vão para o Inferno. Talvez seja aquilo que Freud chamou de "narcisismo das pequenas diferenças", ou então o fato de que o mercado das crenças é bastante concorrido, e cada igreja disputa a mesma alma, o mesmo perfil de ovelha para pastorear (normalmente cobrando uma tarifa elevada pela salvação eterna, com direito a boleto bancário e tudo).
Algo que chama a atenção no livro é a ansiosa busca pelo fim do mundo. Os crentes chegam a desejar que isso aconteça, e muitos oram com este intuito. Logicamente falando, até faz sentido: se esta vida é uma provação constante da fé, e após a morte os crentes finalmente terão a recompensa eterna por seu sacrifício, que louco não gostaria de ir logo pegar este fantástico prêmio? Mas, no fundo, penso que motivadores mais emocionais estão por trás desta torcida pelo Apocalipse: a falta de amor pela própria vida, com pitadas fortes de inveja daqueles que parecem mais felizes (o que não é difícil, já que aos crentes são negados inúmeros prazeres da vida). Tanto que os crentes que procuram sinais do fim do mundo iminente sempre se regozijam com a crença de que agora, finalmente, os incrédulos vão pagar por seus pecados, enquanto os justos serão arrebatados, transportados para o Paraíso.
A curiosidade foi despertada desde cedo em Fábio, que gostava de questionar. Ele não sabia ainda que esta inclinação à ciência entrava em conflito com a igreja, até por uma questão lógica: "Por que Deus haveria de fazer as pessoas espertas se seria um problema elas serem espertas?" Diante de "verdades" absolutas, Fábio começava a fazer perguntas incômodas, e isso era visto, até por ele, como obra do diabo, que tentava desviar uma ovelha do rebanho. Quando uma dúvida se instalava em sua cabeça, a reação automática era encará-la como tentação do diabo. O problema é que a matraca incrédula em seu cérebro começava a ter idéias demais pra serem ignoradas.
Muitas contradições começaram a ficar aparentes, e Fábio foi capaz de compreender "milagres" por uma ótica bem mais prosaica. O poder de sugestão, especialmente sobre aquele que deseja muito acreditar, jamais pode ser subestimado. Pessoas buscam desesperadamente confirmação para suas teorias prévias, ignorando tudo aquilo que vai contra suas crenças estabelecidas. Pessoas ingênuas em crise, então, costumam ser um prato cheio para abutres de plantão. Quando entendeu isso, pareceu a Fábio que o "demônio" que surge em cultos era apenas autossugestão alimentada pela técnica da hipnose. Para quem quiser pesquisar mais sobre isso, recomendo os vídeos de Derren Brown no YouTube.
Começou a incomodar Fábio a escolha altamente seletiva das passagens bíblicas também. Ele alega que nunca entendeu isso de "as pessoas escolherem que leis seguir do Velho Testamento como quem pinça o frango à passarinho e deixa o jiló de lado num bufê". Realmente, não existe um único crente que siga literalmente a Bíblia, até porque se trata de um livro muitas vezes contraditório, ambíguo ou radical e ultrapassado. Um machista, por exemplo, pode encontrar boas passagens bíblicas para justificar sua misógina vontade de manter a mulher submissa. Uma vez que as "leis" do livro "sagrado", que já foram escolhidas por homens no passado, devem ainda assim passar por novo filtro moderno, quem decide quais valem e quais devem ser descartadas? Com qual critério?
O que Fábio começou a notar nos grupos de crentes que participou era a absoluta dependência da igreja. Alguns mais radicais chegavam a fazer uma analogia direta, afirmando que Jesus era sua heroína. Eram grupos fechados, sem interesses fora daquilo, com desconfiança ou preconceito contra todos aqueles que não faziam parte da seita. Enfim, o típico sentimento tribal que cria o "nós contra eles". Como Fábio argumenta, é "saudável ter um grupo de amigos com interesses em comum e ser ajudado por eles em situações de necessidade", mas "viver num círculo encapsulado contra o mundo exterior, acusado de ser hostil e impuro, isso não me parece uma boa coisa".
Algumas pessoas podem concordar com isso tudo, mas ainda assim alegar que o conforto trazido pela fé cega compensa. O problema é o preço deste falso conforto, não só o monetário, mas principalmente o de outro tipo. No caso de Fábio, ele foi alto demais. Uma adolescência e uma juventude vividas com baixa autoestima, sob o sentimento constante de culpa somente por desejar ser normal. Um garoto esperto que gostava de pensar e fazer perguntas, mas encontrando na religião um obstáculo permanente. Finalmente, Fábio conseguiu se libertar: "Não posso aceitar um Deus que quer que eu tenha ódio de minha própria mente". Ele não era mais uma ovelha obediente, até porque ovelha é um bicho bem burro: "basta um cachorro para segurar duzentas ovelhas". Quando Fábio chegou a esta conclusão, viu-se livre, em uma vida que voltava a fazer algum sentido, e que ele podia agora amar.
Rodrigo Constantino
"Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores." (Mateus 7:15)
Um relato leve e divertido, porém corajoso e com momentos tocantes. Assim é Ímpio: o evangelho de um ateu, do jornalista Fábio Marton. O autor mostra ser espirituoso já no seu currículo, onde diz: "Depois de ser evangélico, foi esquerdista, metaleiro, nacionalista, niilista, dark, punk e anarco-capitalista", justificando que "é uma vida muito longa para se persistir em só uma idéia errada". E, de fato, seu livro demonstra como qualquer tipo de seita fanática pode destruir a liberdade ou mesmo uma vida.
Nascido em família humilde de crentes, incluindo um avô pastor, Fábio consegue, por meio de suas próprias reflexões, libertar-se da doutrinação imposta desde cedo em sua casa. Sua infância foi marcada pelos dogmas pentecostais que limitaram absurdamente suas escolhas e, pior ainda, incutiram sentimento de culpa somente por desejar fazer aquilo que todos as outras pessoas de sua idade faziam. Ser "normal", com amigos e namoradas, gostar de rock e ir a festas eram coisas complicadas para o "pastorzinho" diferente, que desde muito cedo aprendera que tudo aquilo era obra do diabo.
O livro começa com uma citação de H.L. Mencken, um dos ateus mais iconoclastas e irreverentes: "Devemos respeitar a religião de um sujeito, mas apenas no mesmo sentido e até o limite em que respeitamos sua teoria de que sua mulher é bonita e seus filhos são espertos". A passagem quer dizer que não somos obrigados a tratar como tema sagrado aquilo que é sagrado apenas para a subjetividade do indivíduo. Claro que seria uma ofensa desnecessária ridicularizar a crença alheia sem mais nem menos, mas igualmente ofensivo – e autoritário – , é querer obrigar os outros a encarar como Verdade absoluta e objetiva aquilo que não passa de uma opinião particular sem qualquer embasamento científico.
Na introdução, Fábio assume ser um ateu, mas logo depois explica que todos somos, de fato, ateus. Ao menos em relação a todas as divindades já inventadas pelos homens na história, que são abundantes. O cristão que não acredita em Zeus, Osíris, Ganesh, Amaterasu e Tupã é um ateu quando se trata destes deuses. O ateu vai apenas um passo além, como Fábio coloca: "Entre mim e o cristão, há apenas um deus a mais do qual duvido". Na verdade, não se pode negar algo que não existe, e o ônus da prova cabe aos crentes. Ninguém assume que Saci Pererê existe só porque ninguém prova o contrário.
Fábio transitou por várias das igrejas protestantes durante sua vida, e fica claro como há rivalidade entre elas. Uma disputa para ser mais "cristã" que a outra, todas em busca do monopólio da fé "correta", assumindo até mesmo que crentes de outras seitas vão para o Inferno. Talvez seja aquilo que Freud chamou de "narcisismo das pequenas diferenças", ou então o fato de que o mercado das crenças é bastante concorrido, e cada igreja disputa a mesma alma, o mesmo perfil de ovelha para pastorear (normalmente cobrando uma tarifa elevada pela salvação eterna, com direito a boleto bancário e tudo).
Algo que chama a atenção no livro é a ansiosa busca pelo fim do mundo. Os crentes chegam a desejar que isso aconteça, e muitos oram com este intuito. Logicamente falando, até faz sentido: se esta vida é uma provação constante da fé, e após a morte os crentes finalmente terão a recompensa eterna por seu sacrifício, que louco não gostaria de ir logo pegar este fantástico prêmio? Mas, no fundo, penso que motivadores mais emocionais estão por trás desta torcida pelo Apocalipse: a falta de amor pela própria vida, com pitadas fortes de inveja daqueles que parecem mais felizes (o que não é difícil, já que aos crentes são negados inúmeros prazeres da vida). Tanto que os crentes que procuram sinais do fim do mundo iminente sempre se regozijam com a crença de que agora, finalmente, os incrédulos vão pagar por seus pecados, enquanto os justos serão arrebatados, transportados para o Paraíso.
A curiosidade foi despertada desde cedo em Fábio, que gostava de questionar. Ele não sabia ainda que esta inclinação à ciência entrava em conflito com a igreja, até por uma questão lógica: "Por que Deus haveria de fazer as pessoas espertas se seria um problema elas serem espertas?" Diante de "verdades" absolutas, Fábio começava a fazer perguntas incômodas, e isso era visto, até por ele, como obra do diabo, que tentava desviar uma ovelha do rebanho. Quando uma dúvida se instalava em sua cabeça, a reação automática era encará-la como tentação do diabo. O problema é que a matraca incrédula em seu cérebro começava a ter idéias demais pra serem ignoradas.
Muitas contradições começaram a ficar aparentes, e Fábio foi capaz de compreender "milagres" por uma ótica bem mais prosaica. O poder de sugestão, especialmente sobre aquele que deseja muito acreditar, jamais pode ser subestimado. Pessoas buscam desesperadamente confirmação para suas teorias prévias, ignorando tudo aquilo que vai contra suas crenças estabelecidas. Pessoas ingênuas em crise, então, costumam ser um prato cheio para abutres de plantão. Quando entendeu isso, pareceu a Fábio que o "demônio" que surge em cultos era apenas autossugestão alimentada pela técnica da hipnose. Para quem quiser pesquisar mais sobre isso, recomendo os vídeos de Derren Brown no YouTube.
Começou a incomodar Fábio a escolha altamente seletiva das passagens bíblicas também. Ele alega que nunca entendeu isso de "as pessoas escolherem que leis seguir do Velho Testamento como quem pinça o frango à passarinho e deixa o jiló de lado num bufê". Realmente, não existe um único crente que siga literalmente a Bíblia, até porque se trata de um livro muitas vezes contraditório, ambíguo ou radical e ultrapassado. Um machista, por exemplo, pode encontrar boas passagens bíblicas para justificar sua misógina vontade de manter a mulher submissa. Uma vez que as "leis" do livro "sagrado", que já foram escolhidas por homens no passado, devem ainda assim passar por novo filtro moderno, quem decide quais valem e quais devem ser descartadas? Com qual critério?
O que Fábio começou a notar nos grupos de crentes que participou era a absoluta dependência da igreja. Alguns mais radicais chegavam a fazer uma analogia direta, afirmando que Jesus era sua heroína. Eram grupos fechados, sem interesses fora daquilo, com desconfiança ou preconceito contra todos aqueles que não faziam parte da seita. Enfim, o típico sentimento tribal que cria o "nós contra eles". Como Fábio argumenta, é "saudável ter um grupo de amigos com interesses em comum e ser ajudado por eles em situações de necessidade", mas "viver num círculo encapsulado contra o mundo exterior, acusado de ser hostil e impuro, isso não me parece uma boa coisa".
Algumas pessoas podem concordar com isso tudo, mas ainda assim alegar que o conforto trazido pela fé cega compensa. O problema é o preço deste falso conforto, não só o monetário, mas principalmente o de outro tipo. No caso de Fábio, ele foi alto demais. Uma adolescência e uma juventude vividas com baixa autoestima, sob o sentimento constante de culpa somente por desejar ser normal. Um garoto esperto que gostava de pensar e fazer perguntas, mas encontrando na religião um obstáculo permanente. Finalmente, Fábio conseguiu se libertar: "Não posso aceitar um Deus que quer que eu tenha ódio de minha própria mente". Ele não era mais uma ovelha obediente, até porque ovelha é um bicho bem burro: "basta um cachorro para segurar duzentas ovelhas". Quando Fábio chegou a esta conclusão, viu-se livre, em uma vida que voltava a fazer algum sentido, e que ele podia agora amar.
Published on May 14, 2011 05:17
May 13, 2011
Capitalismo de estado - Palestra
Segue o vídeo de minha palestra na FAAP em São Paulo, sobre o capitalismo de estado. "Nunca antes na história deste país", como diria um metalúrgico milionário, este modelo esteve tão evidente no Brasil.
Published on May 13, 2011 09:55
Da exuberância às lágrimas
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
O diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), Nicolas Eyzaguirre, alertou que o boom econômico da América Latina pode acabar em uma ampla crise, caso os governos não administrem a situação de forma apropriada. Ele chegou a mencionar especificamente o Brasil, dizendo que se a exuberância não for controlada, poderá acabar em lágrimas. Sua preocupação diz respeito a uma possível queda drástica no preço das commodities ou um aumento inesperado nos juros americanos.
De forma bastante simplificada, a recente bonança brasileira se deve a dois grandes fatores exógenos: 1) alta espetacular do preço das commodities, puxada pela demanda insaciável chinesa; 2) taxas de juros nulas nos principais países desenvolvidos, levando a uma maciça exportação de capital para países emergentes como o Brasil. Estes dois fatores combinados fizeram com que o Brasil aparentasse muito mais robustez em termos relativos, ficando mais atraente no "concurso de feiúra" mundial.
Isso, por sua vez, permitiu uma percolação das benesses, por meio do crédito e do gasto público, pela economia como um todo. O solo de nossa economia foi inundado por fertilizante externo, cujo fluxo depende da alta das commodities e da reduzida taxa de juros mundo afora. O problema é que os gargalos de sempre começam a expor os limites deste modelo, basicamente através da alta da inflação. O processo pode ser abortado ou pelo próprio esgotamento interno, ou por alguma mudança neste cenário externo.
Foi justamente este o alerta que o diretor do FMI fez. Se os países latino-americanos não se prepararem para os dias de chuva, que inevitavelmente virão, estarão desprotegidos quando o temporal chegar. Quando isto ocorrer, aquilo que parecia uma exuberância, resultado de nossos méritos, se transformará somente em lágrimas. Quando a maré baixar, aqueles que estão nadando nus ficarão expostos.
O diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), Nicolas Eyzaguirre, alertou que o boom econômico da América Latina pode acabar em uma ampla crise, caso os governos não administrem a situação de forma apropriada. Ele chegou a mencionar especificamente o Brasil, dizendo que se a exuberância não for controlada, poderá acabar em lágrimas. Sua preocupação diz respeito a uma possível queda drástica no preço das commodities ou um aumento inesperado nos juros americanos.
De forma bastante simplificada, a recente bonança brasileira se deve a dois grandes fatores exógenos: 1) alta espetacular do preço das commodities, puxada pela demanda insaciável chinesa; 2) taxas de juros nulas nos principais países desenvolvidos, levando a uma maciça exportação de capital para países emergentes como o Brasil. Estes dois fatores combinados fizeram com que o Brasil aparentasse muito mais robustez em termos relativos, ficando mais atraente no "concurso de feiúra" mundial.
Isso, por sua vez, permitiu uma percolação das benesses, por meio do crédito e do gasto público, pela economia como um todo. O solo de nossa economia foi inundado por fertilizante externo, cujo fluxo depende da alta das commodities e da reduzida taxa de juros mundo afora. O problema é que os gargalos de sempre começam a expor os limites deste modelo, basicamente através da alta da inflação. O processo pode ser abortado ou pelo próprio esgotamento interno, ou por alguma mudança neste cenário externo.
Foi justamente este o alerta que o diretor do FMI fez. Se os países latino-americanos não se prepararem para os dias de chuva, que inevitavelmente virão, estarão desprotegidos quando o temporal chegar. Quando isto ocorrer, aquilo que parecia uma exuberância, resultado de nossos méritos, se transformará somente em lágrimas. Quando a maré baixar, aqueles que estão nadando nus ficarão expostos.
Published on May 13, 2011 09:50
May 12, 2011
Livrinho

Sujeito dando uma lida num pequeno livrinho que explica as leis e regulações do governo brasileiro...
Published on May 12, 2011 12:15
May 6, 2011
Retaliação estatal
Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal
O editorial de O Globo hoje fala do perigo de um presidente que "retalia", mostrando como a sinceridade do ministro Guido Mantega expôs, provavelmente de maneira não intencional, a visão peculiar que a cúpula do PT tem da democracia. O então presidente Lula teria ficado irritado com a gestão da Vale durante a crise, e partiu para a pressão contra seu presidente, Roger Agneli. Segundo Mantega, Lula agiu de forma "democrática", pois poderia ter "retaliado" a Vale com instrumentos estatais (nem vou perguntar quais).
Não vem ao caso defender as decisões estratégicas da Vale, que acaba de apresentar seu maior lucro trimestral da história (com o auxílio do elevado preço do minério de ferro, naturalmente). Poderia se argumentar que não faz sentido a Vale investir pesado no setor siderúrgico, pois entraria em conflito de interesses com seus maiores clientes. Poderia se dizer que é altamente possível uma empresa voltada para commodities ganhar rios de dinheiro e apresentar excelentes retornos para seus acionistas, como aliás tem ocorrido. E poderia se afirmar que na época da crise as demissões da Vale faziam todo sentido, até para proteger os demais milhares de empregados.
Mas nada disso é necessário para defender a gestão privada da Vale e repudiar a ingerência estatal. O fato é que o governo não deveria, em hipótese alguma, ditar os rumos da empresa, mesmo que considere sua estratégia absurda. Quem discorda ficou aprisionado no tempo, em uma ideologia tacanha que delega ao estado poderes tirânicos, com a crença ingênua de que políticos e burocratas são melhores gestores de empresas, com melhores intenções em prol do "bem-geral" e com maior capacidade de tomada de decisão. Em suma, são viúvas do socialismo soviético ou do fascismo italiano, que trouxeram apenas desgraça e miséria ao mundo.
Outro artigo também em O Globo, de Pedro Dutra, comenta justamente sobre as intervenções de alto risco do governo, que ignora a imensa complexidade de nossa economia maior e mais aberta. Fica cada vez mais evidente que o atual governo acredita no fracassado modelo "desenvolvimentista", que parte de um capitalismo de estado onde o governo dá as cartas na economia. Quando o estado se arroga o direito de "retaliar" empresas por discordar de suas decisões estratégicas, então é porque já estamos muito perto daquilo que chamamos de fascismo.
O editorial de O Globo hoje fala do perigo de um presidente que "retalia", mostrando como a sinceridade do ministro Guido Mantega expôs, provavelmente de maneira não intencional, a visão peculiar que a cúpula do PT tem da democracia. O então presidente Lula teria ficado irritado com a gestão da Vale durante a crise, e partiu para a pressão contra seu presidente, Roger Agneli. Segundo Mantega, Lula agiu de forma "democrática", pois poderia ter "retaliado" a Vale com instrumentos estatais (nem vou perguntar quais).
Não vem ao caso defender as decisões estratégicas da Vale, que acaba de apresentar seu maior lucro trimestral da história (com o auxílio do elevado preço do minério de ferro, naturalmente). Poderia se argumentar que não faz sentido a Vale investir pesado no setor siderúrgico, pois entraria em conflito de interesses com seus maiores clientes. Poderia se dizer que é altamente possível uma empresa voltada para commodities ganhar rios de dinheiro e apresentar excelentes retornos para seus acionistas, como aliás tem ocorrido. E poderia se afirmar que na época da crise as demissões da Vale faziam todo sentido, até para proteger os demais milhares de empregados.
Mas nada disso é necessário para defender a gestão privada da Vale e repudiar a ingerência estatal. O fato é que o governo não deveria, em hipótese alguma, ditar os rumos da empresa, mesmo que considere sua estratégia absurda. Quem discorda ficou aprisionado no tempo, em uma ideologia tacanha que delega ao estado poderes tirânicos, com a crença ingênua de que políticos e burocratas são melhores gestores de empresas, com melhores intenções em prol do "bem-geral" e com maior capacidade de tomada de decisão. Em suma, são viúvas do socialismo soviético ou do fascismo italiano, que trouxeram apenas desgraça e miséria ao mundo.
Outro artigo também em O Globo, de Pedro Dutra, comenta justamente sobre as intervenções de alto risco do governo, que ignora a imensa complexidade de nossa economia maior e mais aberta. Fica cada vez mais evidente que o atual governo acredita no fracassado modelo "desenvolvimentista", que parte de um capitalismo de estado onde o governo dá as cartas na economia. Quando o estado se arroga o direito de "retaliar" empresas por discordar de suas decisões estratégicas, então é porque já estamos muito perto daquilo que chamamos de fascismo.
Published on May 06, 2011 08:54
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