David Soares's Blog, page 51
November 9, 2012
Defenestrações de ontem e hoje

Ontem de manhã, a nove de Novembro, e no seguimento das contínuas operações de despejo que têm sido efectuadas nas últimas semanas em Espanha contra indivíduos que, por culpa da carestia provocada pela crise económica e também pelas medidas de austeridade, deixam de ser capazes de pagar à banca as prestações das suas casas, uma mulher de cinquenta e três anos, identificada pela imprensa com o nome Amaia, sucidou-se, atirando-se de uma janela do seu apartamento, de quarto andar, para a rua no momento em que estava, de facto, a ser despejada: contando com esse despejo no bolso, a casa até já estava à venda num site de Internet de vendas imobiliárias do grupo económico La Caixa - um facto que, pessoalmente, me chocou muitíssimo pela desumanidade que demonstra.
Infelizmente, Amaia não é um exemplo isolado: por toda a Espanha, vários indivíduos se têm suicidado, atirando-se dos altos das suas janelas para as ruas, nas vésperas das datas dos despejos ou durante os despejos. Despidas das memórias das vidas que as preencheram, as habitações são, com celeridade - ou até antes, como prova o caso de Amaia -, postas à venda e alugadas.
Ontem, os europeus anónimos encontravam-se indefesos diante do absurdo inexplicável do ódio de origem religiosa ou racial, mas hoje, num continente felizmente sem fronteiras dessas ordens, estão indefesos diante do absurdo inexplicável da ganância da banca que, com o beneplácito e encolher de ombros dos estados, também demonstra saber como se defenestram aqueles que estão no caminho dos seus abjectos objectivos.Vale a pena reflectir sobre se é este o caminho que queremos continuar a seguir: um caminho que valoriza os indivíduos de acordo com os seus vencimentos anuais e que os trata como lixo assim que, por culpa de escolhos que muitas vezes nem sequer são de sua responsabilidade, deixam de ser lucrativos.Pelo fedor do ganho líquido se liquidam vidas - irrepetíveis e cujas perdas abrem feridas inestancáveis em todas as vidas que lhe eram próximas. À fúria da finança - cuja etimologia se relaciona com finitude, com a morte - não existem classes sociais, raciais, religiosas ou outras: só existem aqueles que ainda podem pagar e aqueles que não podem. E quem não pode é desumanizado.
Pertence a cada um a faculdade da consciência para escolher se este período terrível da nossa história será um momento de mudança ou um ponto de partida para que a desumanização dos insolventes progrida para níveis ainda mais intoleráveis e irreversíveis.
Published on November 09, 2012 18:33
November 8, 2012
A Fome
Um dos filmes de animação que mais me impressionou (e aterrorizou) na minha infância, quando o vi num programa de Vasco Granja. Muito mais tarde, tive a oportunidade de falar com Vasco Granja que me disse que este filme fora feito a computador: ou seja, é um dos primeiríssimos filmes de animação feitos dessa forma. É o multi-premiado La Faim (Hunger) , de Peter Foldes. Interessante como 1) era este o tipo de animação provocante ao intelecto que a minha geração via na sua infância, em vez das xaropadas açucaradas de Dragon Ball ou de Sailor Moon - obrigado Granja e RTP - e 2) é um filme exemplar sobre o período que atravessamos. Para ver com atenção e pensar sobre quem é que andará, de facto, a viver acima das suas possibilidades, por exemplo, comendo bifes todos os dias.
Published on November 08, 2012 18:14
November 7, 2012
De novo "Rerum Novarum"
Este discurso "jonístico" é totalmente decalcado da encíclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leão XIII, substrato que seduziu sinistros pensadores reaccionários, católicos e de índole monárquica, como o francês Charles Maurras, cujos textos serviram de pedras basilares aos movimentos anti-democráticos e autoritários que se espalharam pela Europa nas primeiras décadas do século XX, como o fascismo italiano e o pensamento político de António de Oliveira Salazar. Também a encíclica Rerum Novarum, matriz ideológica do estado corporativo fascista, arroga a católica opção preferencial pelos pobres - aos quais é pedido que não tenham vergonha de ser pobres - e a instauração de um salário de sobrevivência que não seja «insuficiente para as necessidades básicas de um trabalhador pobre e bem comportado». Deve ser a pensar nesta descrição de «pobre e bem comportado» que Isabel Jonet, aos 05:10 minutos do seu discurso, diz que «temos de ajudar as pessoas para não ficarem completamente enraivecidas contra a falência total de um sistema que não lhes permite sequer 'tar integradas».
É, pois, uma reconcepção do ideal teocrático de Leão XIII que, com ingenuidade, eu pensava não voltar a ouvir tão depressa no espaço de intervenção pública, mas, aparentemente, os extremistas andam a sair para luz do dia, porque a conjuntura actual lhes é simpática e convidativa. Em suma, todos aqueles que têm um pequeno autoritário dentro de si, todos aqueles que acham que sabem melhor do que os outros como esses outros devem viver as suas vidas, estão a vir à tona que nem a escória acumulada em décadas no fundo de um poço, agitada subitamente por uma forte chuvada. O exemplo, é evidente, vem de cima: com este governo que já demonstrou várias vezes qual é a sua ideologia e estratégias políticas, os cidadãos autoritários sentem-se com um maior à-vontade - entusiasmados pela perspectiva da impunidade, até - para mostrarem as suas verdadeiras qualidades - e Portugal é um país muito autoritário, muito complicado, que nunca recuperou, nem total, nem parcialmente, dos seus longos episódios anti-democráticos.
O discurso escandaloso da mirífica Isabel Jonet é, bem avaliadas as palavras, um discurso que escandaliza porque está completamente anacronizado: se tivéssemos uma máquina do tempo e recuássemos ao Portugal setecentista e oitocentista - para não falar no Portugal "de ontem" - era isto que ouviríamos das bocas das elites. Andámos, em particular, distraídos com o período da nossa jovem democracia e, de maneira geral, com o triunfo da classe média - sem a classe média não teria existido um século XX como aquele que tivemos -, mas esse horizonte deteriorou-se e a maré voltou a vazar: é provável que venha aí uma nova vaga de autoritarismo, como aquela que deu à costa europeia nas primeiras décadas do século XX. É a história a rimar: ela não repete, mas rima e aquilo que me assusta verdadeiramente não são os discursos "jonísticos", que misturam a caridade com a carestia, mas a profunda apatia com que são ouvidos. Essa apatia é que é perigosa.
É, no mesmo feitio, credível que esse neo-autoritarismo não se instale com o auxílio das armas ou com a pressão brutal de um golpe de estado, mais ou menos planeado, mais ou menos organizado, mas pela serôdia legitimidade do sufrágio. Sob esse disfarce de validez, oferecido pela vitória nas urnas, os extremistas irão corromper por dentro o aparelho democrático e a apatia do povo concorrerá para que eles se mantenham no poder, pois sob o percândido manto da dita legalidade qualquer manifestação civil de descontentamento será apodada pelo poder de gravíssima ilegalidade. A vontade de domínio continua, tal como ontem, mas os mecanismos do seu funcionamento são, agora, diferentes: muitíssimo mais adequados a uma sociedade cada vez mais intolerante à violência e à espontaneidade. É na nossa apatia generalizada - com o nosso comportamento manso de pobres e bem-agradecidos, para usar a terminologia de Leão XIII e Isabel Jonet - que os prováveis autoritários de amanhã confiam para se agarrarem adâmicamente aos assentos do poder. Uma vez instalados, só poderão ser extirpados com extraordinária, quase sobre-humana, determinação - e aí, nessa altura, poderá ser - e sê-lo-á, provavelmente - tarde.
Published on November 07, 2012 18:46
Novo livro de David Soares e Pedro Serpa: «Palmas Para o Esquilo»
Agora que
O Pequeno Deus Cego
, livro de banda desenhada escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa (Kingpin Books) foi premiado com um Prémio Nacional de Banda Desenhada para Melhor Argumento de Autor Português no 23º Amadora BD, é com um entusiasmo especial que desvendo uma prancha do nosso novo livro, a editar pela Kingpin Books no próximo ano:
Palmas Para o Esquilo
.
Palmas Para o Esquilo , escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa, consiste numa observação complexa sobre o universo da loucura e o elo que poderá ou não existir entre ele e o da criatividade: uma história erudita e sensível que evita os lugares comuns que costumam marcar presença em narrativas sobre distúrbios mentais para investir numa abordagem muito mais realista, muito mais compassiva e muito mais artística. A ler, pois, em 2013.
Palmas Para o Esquilo , escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa, consiste numa observação complexa sobre o universo da loucura e o elo que poderá ou não existir entre ele e o da criatividade: uma história erudita e sensível que evita os lugares comuns que costumam marcar presença em narrativas sobre distúrbios mentais para investir numa abordagem muito mais realista, muito mais compassiva e muito mais artística. A ler, pois, em 2013.

Published on November 07, 2012 07:42
November 6, 2012
«O Pequeno Deus Cego»: sessão de autógrafos no Amadora BD no próximo dia 11
Wang, o Castrador, o dragão mais filosófico da banda desenhada portuguesa é uma das personagens principais de
O Pequeno Deus Cego
(Kingpin Books), livro de BD escrito por mim e desenhado por
Pedro Serpa
, que foi premiado nesta edição do Amadora BD com o Prémio Nacional de Banda Desenhada para Melhor Argumento de Autor Português. A sua segunda edição está disponível no stand da Kingpin Books e no próximo Domingo, dia 11, eu estarei presente no Amadora BD para uma sessão de autógrafos das 17H00 às 19H00.Divulguem e apareçam: atrevam-se a ler O Pequeno Deus Cego, uma história iniciática sobre a saída das Trevas para a Luz.

Published on November 06, 2012 09:28
November 5, 2012
Entrevista com David Soares e Pedro Serpa
Vale a pena recordar a reportagem feita o ano passado no 22º Amadora BD, com entrevista a mim e a Pedro Serpa, sobre o lançamento de
O Pequeno Deus Cego
(Kingpin Books): livro de banda desenhada que foi premiado no Sábado passado com o Prémio Nacional de Banda Desenhada para Melhor Argumento de Autor Português. A ver nesta ligação:
http://www.tvamadora.com/Video.aspx?videoid=1496
A segunda edição de O Pequeno Deus Cego está disponível no stand da Kingpin Books durante esta vigésima terceira edição do Amadora BD até ao próximo dia 11.

A segunda edição de O Pequeno Deus Cego está disponível no stand da Kingpin Books durante esta vigésima terceira edição do Amadora BD até ao próximo dia 11.
Published on November 05, 2012 06:57
November 4, 2012
Nova entrevista

O leitor Paulo Brito teve a amabilidade de me convidar para fazer uma entrevista sobre o meu trabalho e colocou-me perguntas bastante interessantes que serviram de ponto de partida para uma conversa de fundo. Agradeço ao Paulo as suas perguntas e publico a ligação para a entrevista: https://www.facebook.com/notes/paulo-brito/david-soares-a-entrevista/424802574239647
Published on November 04, 2012 11:13
November 3, 2012
«O Pequeno Deus Cego» premiado no Amadora BD

Nesta edição do AMADORA BD , ganhei o Prémio Nacional de Banda Desenhada para Melhor Argumento de Autor Português pelo livro O Pequeno Deus Cego (uma edição Kingpin Books, desenhado por Pedro Serpa ). O Pequeno Deus Cego também foi nomeado para Melhor Álbum Português e Melhor Desenho de Autor Português e a sua segunda edição está disponível no stand da Kingpin Books durante este festival (que termina no próximo dia 11).
Published on November 03, 2012 16:56
October 26, 2012
«Os Anormais» disponível no 23º Amadora BD

Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense , spoken word com textos e voz meus e música de Charles Sangnoir, vai estar disponível durante o 23º Amadora BD no stand da livraria Dr. Kartoon e amanhã, entre as 17H00 e as 19H00, eu estarei no espaço dos autógrafos para personalizar essa e outras obras minhas. Fica a ligação para ouvirem o segundo capítulo de Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense, intitulado O Plutão da Pena , assim como um excerto desse texto: http://necrosymphonic.bandcamp.com/track/o-plut-o-da-pena
«Enroupado de lã preta, o Anão dos Assobios da paróquia da Pena é um hodierno e cinocefálico Tibicena que sopra arcanos por Lisboa naquilo a que os comerciantes ingleses chamam de “assobios-de-lobo”: estrídulas gaitadas produzidas com os dedos enfiados na boca.
Quem são estes anões cuspidos pelo ventre da terra?
Para que participações plexiformes foram projectados?
Amoldados na forja de Hefesto, vejam-nos emergir desse estrato plutoniano em períodos de pestilência e guerra. Os assobios deles mimam os esguichos gasosos solfejados por extrusivas salpinges vulcânicas: comunicações de silfos do submundo de buchos cheios de ferrugem – a língua de animais com ferro na alma, pois estas criaturas fenocristalóides assenhoreiam a arte de extrair metais dos minérios: o magistério metalogénico.
Na mitologia norte-europeia, os anões, seres sapudos que povoam as partes privadas das serranias, apresentam-se como mestres metalúrgicos; tropo transmitido até aos nossos dias pelo mago suíço Paracelsus que, no século XVI, criou a – até aí inédita – figura do gnomo: elemental imaginário que reside nas cavidades intestinas e é capaz de passar por paredes de pedra. Segundo Paracelsus, os gnomos, cuja etimologia por ele inventada significa habitantes da terra, evitavam a companhia dos homens, mas nas Eddas, escritas pelo historiador islandês Snorri Sturlson, os homens são criados, justamente, pelos anões: o homem e a mulher originais – Ask e Embla –, feitos de terra e casca de árvore. Os gnomos paracelsianos são os ínfimos humanóides que, nas histórias infantis, se encovam no mundo quotidiano. Há magia velha por trás dos rodapés, por baixo dos tapetes e entre as ervas mais altas dos jardins – existem espíritos milenares entre as nossas almas bebés: e quando finalmente perecem, cansados de carregarem tanta sabedoria, convertem-se em árvores; como aquela em que foram talhados Ask e Embla.
De acordo com a dendrolatria pré-diluviana, já tivemos corpos vegetais: existem ecos da jornada de preguiçosa vida vegetal para impetuosa vida animal no espantoso livro Hypnerotomachia Poliphili do dominicano italiano Francesco Collona; existem ecos desta ligação dendrológica nas mitocôndrias que residem nas nossas células e na hemoglobina que, pasme-se!, pode encontrar-se nos caules mais carnudos das plantas. Existe ferro nos veios das montanhas e nas nossas veias… Não é a toa que, nas lendas de outrora, os anões fruam já formados das fragas: eles e nós somos descendentes da prole goblinesca dos Telamones: titãs condenados a serem cariátides das estruturas mais densas do planeta e que, com o inexorável avançar do tempo, se integraram em definitivo na própria rocha. De pedra a planta e de planta a bicho. De Pedra Bruta a Pedra Cúbica. Os ritmos da selecção natural e os da matéria amalgamada no fundo do crisol são sempre os mesmos: inícios morosos que dão lugar a cadências cada vez mais aceleradas. Caminhando pelas bulhentas ruas da freguesia da Pena com a ajuda de uma bengala – tirso recheado de fogo prometeico –, o desfigurado e fedentino Anão dos Assobios é um mercurial mensageiro metassomático: é um anão que nos lembra uma idade em que andavam gigantes sobre a terra.»
Published on October 26, 2012 09:20
23º Amadora BD

Começa hoje o 23º Amadora BD (Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora): o tema desta edição é a Autobiografia.
Consultem o site oficial, no qual poderão ler a programação e ficar a saber os dias e as horas dos lançamentos dos livros que mais desejam ler e das sessões de autógrafos dos vossos autores preferidos: http://23amadorabd.com/pt/
Eu estarei lá amanhã, das 17H00 às 19H00, na secção dos autógrafos, para assinar os meus livros de BD e não só: no stand da Kingpin Books poderão encontrar a nova edição de O Pequeno Deus Cego (escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa - nomeado para as três categorias principais dos Prémios Nacionais de Banda Desenhada deste ano: Melhor Álbum, Melhor Argumento e Melhor Desenho) e no stand da Dr. Kartoon poderão encontrar É de Noite Que Faço as Perguntas (escrito por mim e desenhado por Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho, Daniel Silvestre da Silva e Richard Câmara) e, ainda, o meu novo CD de spoken word Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense (com texto e voz meus e música de Charles Sangnoir).
Published on October 26, 2012 07:27