David Soares's Blog, page 48
December 22, 2012
Recordando doze anos de banda desenhada (2000-2012)
Os mÃticos Troféus Central Comics (prémios atribuÃdos pelos leitores a obras e autores de banda desenhada) abrem a votação para um prémio especial para celebrar os vencedores que premiaram desde 2001. Nesse sentido, eu estou nomeado para "Melhor Argumentista - 2001/2012".
A iniciativa de criar este prémio excepcional - Troféus Central Comics 2001-2012 - consiste, também, numa homenagem à banda desenhada portuguesa que foi criada e editada ao longo desses anos: numa conjuntura actual de mercado cada vez mais desmemoriada e desenraizada, é uma boa oportunidade para recordar (ou descobrir) alguns dos mais importantes livros portugueses de BD que marcaram a primeira década deste século, como, por exemplo, A Pior Banda do Mundo: O Quiosque da Utopia de José Carlos Fernandes (Devir), Salazar, Agora na Hora da Sua Morte de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha (Parceria A.M.Pereira) e O Amor Infinito Que te Tenho de Paulo Monteiro (Polvo). Aliás, só o facto de se voltar a chamar a atenção para estes três tÃtulos indispensáveis, entre tantos outros, demonstra a pertinência destes Troféus Central Comics 2001-2012 e, além disso, relembra a riqueza de estilos, escolhas e abordagens com que a BD portuguesa sempre se fez.
Inscrevendo-me no exercÃcio de memória a que somos convidados acima, não quero deixar de evocar, em breves apontamentos, a minha própria obra de banda desenhada (de 2000 para cá): não só porque ela me orgulha bastante, como, neste momento, em que preparo dois novos livros de BD (um para ser editado em 2013 e outro em 2014), penso que é fundamental exemplificar que é o trabalho árduo e contÃnuo - de rigor e de imaginação - que faz a carreira de um autor.
Cidade-Túmulo (CÃrculo de Abuso, 2000)Argumento e desenhos: David Soares
«Metáfora assustadora do que, lentamente,se alimenta do velho para construir o novo.»Ler, Vida.pt
«Negro. Violento. Denso. Excelente.»Mondo Bizarre
Mr. Burroughs (CÃrculo de Abuso, 2000; Frémok, 2003)Argumento: David Soares; Desenhos: Pedro NoraPrémios Amadora BD: Melhor Argumentista Nacional e Melhor Desenhador Nacional (2001)
«David Soares medita sobre a criação e os seus custos, pagos nas moedas torturadas em que se costuma resgatar o génio.»Jornal de Letras
«Texto rigoroso e surpreendente.»Les Inrockuptibles (França)
Sammahel (CÃrculo de Abuso, 2001)Argumento e desenhos: David SoaresTroféu Central Comics: Melhor Argumentista Nacional (2001)
«Uma das obras mais sofisticadas da nova BD nacional.»Diário de NotÃcias
A Ãltima Grande Sala de Cinema (CÃrculo de Abuso, 2003)Argumento e desenhos: David SoaresLivro vencedor de uma Bolsa de Criação Literária do IPLB/Ministério da Cultura
«Inspirado na magia das velhas salas, apresenta uma narrativa cheia de referências ao mundo das paixões e técnicas cinematográficas (...)recortadas por uma fina ironia.»Premiere
«Como se encara uma nova proposta de David Soares? Com a presunção imediata de um mundo inventivo, delirante, macabro, detalhado, pensado, onde as palavras fluem em movimentos hipnóticos. O talento de David Soares explode.»Jornal de Letras
Mucha (Kingpin Books, 2009)Argumento: David Soares; Desenho: Osvaldo Medina; Arte-Final: Mário Freitas
«Hábil na criação de uma escalada de sufoco (...) quanto à ameaça que a epÃgrafe de Sófocles, na AntÃgona, lança na página que antecede a narrativa: "Estas coisas são de um futuro próximo." Mais do que o zumbido contÃnuo das moscas, são essas palavras que ecoam em cada prancha de Mucha.» LER
à de Noite que Faço as Perguntas (SaÃda de Emergência, 2011)Argumento: David Soares; Desenho: Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho, Daniel Silvestre da Silva, Richard Câmara
«Uma narrativa prenhe de sÃmbolos e leituras simbólicas.»Os Meus Livros
«David Soares pesquisa mais fundo, tenta traçar um retrato mental do paÃs (...) um livro que vale a pena ler, decifrar, discutir».Jornal de Letras
O Pequeno Deus Cego (Kingpin Books, 2011)Argumento: David Soares; Desenho: Pedro SerpaPrémio Amadora BD: Melhor Argumentista Nacional (2012)
«Como en toda la obra de Soares, el mejor guionista de la historieta portuguesa contemporánea, O Pequeno Deus Cego cuenta con las palabras justas. Como un mago, Soares navega entre la vida y la muerte, entre el sueño y la conciencia, entre la palabra y la imagen, entre la alegrÃa y el sufrimiento.»La Bitacora de Maneco (Argentina) «Uma alegoria em torno da ignorância e da urgência do seu antÃdoto (...) para explorar a natureza humana a partir de tempos e lugares concretos, mas projectando as suas incertezas e os seus gestos mais memoráveis ao longo de um arco cronológico sem princÃpio nem fim.»LER
A iniciativa de criar este prémio excepcional - Troféus Central Comics 2001-2012 - consiste, também, numa homenagem à banda desenhada portuguesa que foi criada e editada ao longo desses anos: numa conjuntura actual de mercado cada vez mais desmemoriada e desenraizada, é uma boa oportunidade para recordar (ou descobrir) alguns dos mais importantes livros portugueses de BD que marcaram a primeira década deste século, como, por exemplo, A Pior Banda do Mundo: O Quiosque da Utopia de José Carlos Fernandes (Devir), Salazar, Agora na Hora da Sua Morte de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha (Parceria A.M.Pereira) e O Amor Infinito Que te Tenho de Paulo Monteiro (Polvo). Aliás, só o facto de se voltar a chamar a atenção para estes três tÃtulos indispensáveis, entre tantos outros, demonstra a pertinência destes Troféus Central Comics 2001-2012 e, além disso, relembra a riqueza de estilos, escolhas e abordagens com que a BD portuguesa sempre se fez.
Inscrevendo-me no exercÃcio de memória a que somos convidados acima, não quero deixar de evocar, em breves apontamentos, a minha própria obra de banda desenhada (de 2000 para cá): não só porque ela me orgulha bastante, como, neste momento, em que preparo dois novos livros de BD (um para ser editado em 2013 e outro em 2014), penso que é fundamental exemplificar que é o trabalho árduo e contÃnuo - de rigor e de imaginação - que faz a carreira de um autor.

Cidade-Túmulo (CÃrculo de Abuso, 2000)Argumento e desenhos: David Soares
«Metáfora assustadora do que, lentamente,se alimenta do velho para construir o novo.»Ler, Vida.pt
«Negro. Violento. Denso. Excelente.»Mondo Bizarre

Mr. Burroughs (CÃrculo de Abuso, 2000; Frémok, 2003)Argumento: David Soares; Desenhos: Pedro NoraPrémios Amadora BD: Melhor Argumentista Nacional e Melhor Desenhador Nacional (2001)
«David Soares medita sobre a criação e os seus custos, pagos nas moedas torturadas em que se costuma resgatar o génio.»Jornal de Letras
«Texto rigoroso e surpreendente.»Les Inrockuptibles (França)

Sammahel (CÃrculo de Abuso, 2001)Argumento e desenhos: David SoaresTroféu Central Comics: Melhor Argumentista Nacional (2001)
«Uma das obras mais sofisticadas da nova BD nacional.»Diário de NotÃcias

A Ãltima Grande Sala de Cinema (CÃrculo de Abuso, 2003)Argumento e desenhos: David SoaresLivro vencedor de uma Bolsa de Criação Literária do IPLB/Ministério da Cultura
«Inspirado na magia das velhas salas, apresenta uma narrativa cheia de referências ao mundo das paixões e técnicas cinematográficas (...)recortadas por uma fina ironia.»Premiere
«Como se encara uma nova proposta de David Soares? Com a presunção imediata de um mundo inventivo, delirante, macabro, detalhado, pensado, onde as palavras fluem em movimentos hipnóticos. O talento de David Soares explode.»Jornal de Letras

Mucha (Kingpin Books, 2009)Argumento: David Soares; Desenho: Osvaldo Medina; Arte-Final: Mário Freitas
«Hábil na criação de uma escalada de sufoco (...) quanto à ameaça que a epÃgrafe de Sófocles, na AntÃgona, lança na página que antecede a narrativa: "Estas coisas são de um futuro próximo." Mais do que o zumbido contÃnuo das moscas, são essas palavras que ecoam em cada prancha de Mucha.» LER

à de Noite que Faço as Perguntas (SaÃda de Emergência, 2011)Argumento: David Soares; Desenho: Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho, Daniel Silvestre da Silva, Richard Câmara
«Uma narrativa prenhe de sÃmbolos e leituras simbólicas.»Os Meus Livros
«David Soares pesquisa mais fundo, tenta traçar um retrato mental do paÃs (...) um livro que vale a pena ler, decifrar, discutir».Jornal de Letras

O Pequeno Deus Cego (Kingpin Books, 2011)Argumento: David Soares; Desenho: Pedro SerpaPrémio Amadora BD: Melhor Argumentista Nacional (2012)
«Como en toda la obra de Soares, el mejor guionista de la historieta portuguesa contemporánea, O Pequeno Deus Cego cuenta con las palabras justas. Como un mago, Soares navega entre la vida y la muerte, entre el sueño y la conciencia, entre la palabra y la imagen, entre la alegrÃa y el sufrimiento.»La Bitacora de Maneco (Argentina) «Uma alegoria em torno da ignorância e da urgência do seu antÃdoto (...) para explorar a natureza humana a partir de tempos e lugares concretos, mas projectando as suas incertezas e os seus gestos mais memoráveis ao longo de um arco cronológico sem princÃpio nem fim.»LER
Published on December 22, 2012 18:13
Melhor Argumentista 2001-2012


Published on December 22, 2012 09:33
December 21, 2012
O fedor do lucro

A privatização da companhia aérea portuguesa TAP (a maior companhia do seu género em Portugal) não ganhou altitude, pois nem chegou a descolar, como convém. Resta saber se o negócio absurdo foi somente adiado ou se, com efeito, este é o inÃcio do fim da sanha privatizadora que enfebrece este governo; que, a ganhar velocidade, até poderia seguir para a privatização da segurança social, por que não? O que interessa é que a TAP, pelo menos, ficou livre de ser dada em bandeja de prata à Colômbia: esse estado que, note-se, é um dos cinco paÃses onde mais jornalistas são assassinados "misteriosamente" (os outros são o Iraque, a Rússia, as Filipinas e o Bangladesh) e aquele que, de modo geral, é considerado pela comunidade internacional como o paÃs da América do Sul que mais viola, consecutivamente, direitos humanos (suplantando nessa matéria a República do Paraguai e, talvez, as façanhas da República de El Salvador, que fica na América Central).
Menos sorte tem a empresa EDP Renováveis, com a China a comprar-lhe 49% do capital social: a China Three Gorges Corporation já era a maior accionista da EDP, detendo 21,35% do seu capital social e, evidentemente, prepara-se para adquirir o remanescente das acções que, por enquanto, ainda são propriedade do estado português. A China, toda a gente sabe, também tem um excelente currÃculo de respeito pelas liberdades civis e pelos direitos humanos, como se pode observar pela forma como tem tratado as suas minorias étnicas e religiosas, como os tibetanos ou os falungonguianos, por exemplo. Isto para não falar em negócios que a China tem feito com outros paÃses, como os Estados Unidos, de quem é o maior credor, ao quais chamar obscuros é o melhor dos eufemismos (quem tiver tempo e interesse que leia umas coisitas sobre o imbróglio da venda de água potável entre a China e os Estados Unidos).
E quem está por trás da sociedade Pineview Overseas SA, que detém 91,25% do capital social do grupo Newshold que, até este momento, é a única empresa que manifestou interesse em comprar a RTP (a nossa televisão e rádio públicos)? Ninguém sabe, aparentemente; apenas se suspeita que os seus testas-de-ferro representam milhares - leram bem: milhares - de empresas fantasmas, associadas a uma conta offshore no Panamá. Vamos mesmo vender a RTP - com o seu arquivo histórico das nossas memórias, da nossa identidade estrutural - a nomes sem rostos?
Será que o fedor do lucro já asfixiou todo o sentido de moral, se não de responsabilidade? Será que ninguém se sente chocado com esta pilhagem às nossas maiores empresas estatais, sem as quais ficaremos que nem mendigos diante de interesses pouco saudáveis?
Este é o mundo neoliberal feito à medida pelo governo inÃquo que nos lidera: um mundo em que não existe nada a não ser a mais elementar e despudorada das ganâncias, mascarada por palavras chiques como "empreendedorismo" ou "competitividade". à um mundo em que não existem boas ou más polÃticas: apenas bons e maus negócios.
Published on December 21, 2012 08:37
December 20, 2012
O lobo que andamos a alimentar

Até que enfim começam a aparecer vozes que têm coragem suficiente para derrubar a ficção que nos está a ser imposta à força, de que andámos a viver acima das nossas possibilidades: não acreditem nisso, porque por trás da suposta crise encontra-se os piores funambulismos financeiros de quem andou, literalmente, a brincar aos casinos com grandes fortunas. Investiguem e informem-se: não aceitem a versão oficial de propaganda que vos é oferecida pelos "disseminadores primários" (os polÃticos, a banca e seus porta-vozes). Reparem bem:
««Em 2010: A maior parte das famÃlias portuguesas (63%) não devia nada aos bancos ou a qualquer outra instituição financeira; A maior parte das dÃvidas das famÃlias dizia respeito à aquisição de habitação (24,5% das famÃlias portuguesas estavam a pagar empréstimos que tinham contraÃdo para adquirir habitação principal); Poucas famÃlias tinham outras dÃvidas (3,3 % tinham contraÃdo empréstimos para adquirir outros imóveis, 13,3% tinham contraÃdo empréstimos para outros fins e apenas 7,5% estavam a pagar empréstimos obtidos com cartão de crédito, linhas de crédito e descobertos bancários)»

Vale a pena (re)ler este artigo que o controverso (pela abordagem agressiva), mas premiado jornalista Mark Taibbi escreveu em 2009 sobre a crise financeira: o ponto de vista é norte-americano, mas, em última análise, a crise teve inÃcio nos Estados Unidos, por conseguinte é um ponto de vista absolutamente legÃtimo. A ler com atenção:
«The formula is relatively simple: Goldman [Sachs] positions itself in the middle of a speculative bubble, selling investments they know are crap. Then they hoover up vast sums from the middle and lower floors of society with the aid of a crippled and corrupt state that allows it to rewrite the rules in exchange for the relative pennies the bank throws at political patronage. Finally, when it all goes bust, leaving millions of ordinary citizens broke and starving, they begin the entire process over again, riding in to rescue us all by lending us back our own money at interest, selling themselves as men above greed, just a bunch of really smart guys keeping the wheels greased. They've been pulling this same stunt over and over since the 1920s â and now they're preparing to do it again, creating what may be the biggest and most audacious bubble yet.»
E, à guisa de coda, fica a menção de uma das mais obscuras situações que atravessamos hoje em Portugal: a misteriosa "almofada" de 7,5 mil milhões de euros que está cativa - em exclusivo - para recapitalizar a banca, mas para a qual pagamos juros.
Pagamos juros sobre dinheiro que não nos beneficiará em nada, mas a banca não paga um cêntimo dessa "almofada" que irá, certamente, receber. à mais um prato de luxo que, com a insolvência das famÃlias e a destruição dos nossos projectos de vida, confeccionamos para alimentar o lobo supracitado. A ler nesta ligação.
Published on December 20, 2012 08:37
December 19, 2012
Essa voz fala connosco
A Lua do Loreto by David Soares / Charles Sangnoir
«A jarreta e repugnante Estanqueira do Loreto, calhandro com voz de sirena das excreções mais abomináveis, é Helena, a belíssima esposa de Menelau, rei de Esparta, prometida por Afrodite ao tíbio Páris e efectiva semeadora do pomo erístico da discórdia que despertou o derribamento da cidade de Tróia. É Helena, a luminosa mãe do imperador romano Constantino, salvadora dos destroços do Santo Lenho que, no século IV, em peregrinação à cidade galileia de Nazaré, encontrou intacto o humilde casebre em que Maria nasceu e mandou edificar uma basílica que o albergasse. Esta barraca inteira dentro do invólucro que é o novo templo, qual pérola dentro de uma ostra, é que é a Santa Casa do Loreto: aquela que, carregada por anjos através do Céu nos desenhos mais delirantes dos dominicanos, se alicerça sempre nos locais mais lastimosos. O estanco de Helena é esta casa de cura: úvula valiosa, envolvida pelo vil véu palatino que são os destroços mariálvicos, assolados pelo sismo e pelo abrasamento – e tal como na lenda da Santa Casa do Loreto a representação de Maria resiste imaculada a abalos e a incêndios, que nem uma gota de espermacete cingida pela corrupção, a estanqueira olisiponense persiste incólume numa imaginal tabacaria: um rosto beatífico, de tão monstruoso que é – carantonha que faz gargalhar os poetas, mas cuja riqueza de voz torna paupérrimos os versos deles.
Essa voz fala connosco.
Diz-nos que há pureza entre a escória e a escumalha; diz-nos que há definição entre a desordem e o desespero – diz-nos que se procurarmos atentamente, se olharmos sem receio à nossa volta, veremos que na mesma valeta onde se abatem os cães também desabrocha aquilo que os homens encerram de mais cintilante, porque no meio do breu refulge a crosta estéril da Lua – e, afinal, o nome da Estanqueira do Loreto, gema soterrada na turfa delinquente, é Helena: palavra que significa Lua. A Lua tripartida em Crescente, Plenilúnio e Minguante nos avatares de Virgem, Mãe e Velha – pintadas com supranaturalismo pelo artista alemão Hans Baldung Grien, em 1510: vaidosas e alheias à proximidade da Morte. Mas será a Lua um astro tão supérfluo quanto a vaidade? Uma moeda falsa com a qual somente se compra a loucura e a licantropia?
Sem a ascendência gravítica da Lua, torpe satélite que se apresenta eczemático no velo nocturno, nunca se teria agitado as águas primordiais: foi ela o pilão babayaguiano que revolveu a matéria no almofariz que é o globo e que impediu que os ingredientes da vida sedimentassem infecundos no fundo dos oceanos. Sem a Lua, arrancada da própria Terra, há cerca de cinco mil milhões de anos por uma bestial colisão com um corpo astral do tamanho de Marte, nenhum de nós existiria e o mundo seria como a Lua: um infrutífero planeta, magoado por máculas magmáticas. Sem ela, o orbe seria uma árida Aceldama: espaço horripilante de ausência e desolação, eternamente sôfrego por intestinos e cinzas. Mas foi Helena, criadora da Santa Casa do Loreto, quem se lembrou de usar a terra hostil de Aceldama para construir, para dar moradas pacíficas aos mortos… Ela é Helena, claro, como já vimos, mas também Selena, irmã do Sol: amante de pastores como Endímio e Elmano, musa de poetas como Bocage e Camões, e cujo nome significa…
Luz.»
«A jarreta e repugnante Estanqueira do Loreto, calhandro com voz de sirena das excreções mais abomináveis, é Helena, a belíssima esposa de Menelau, rei de Esparta, prometida por Afrodite ao tíbio Páris e efectiva semeadora do pomo erístico da discórdia que despertou o derribamento da cidade de Tróia. É Helena, a luminosa mãe do imperador romano Constantino, salvadora dos destroços do Santo Lenho que, no século IV, em peregrinação à cidade galileia de Nazaré, encontrou intacto o humilde casebre em que Maria nasceu e mandou edificar uma basílica que o albergasse. Esta barraca inteira dentro do invólucro que é o novo templo, qual pérola dentro de uma ostra, é que é a Santa Casa do Loreto: aquela que, carregada por anjos através do Céu nos desenhos mais delirantes dos dominicanos, se alicerça sempre nos locais mais lastimosos. O estanco de Helena é esta casa de cura: úvula valiosa, envolvida pelo vil véu palatino que são os destroços mariálvicos, assolados pelo sismo e pelo abrasamento – e tal como na lenda da Santa Casa do Loreto a representação de Maria resiste imaculada a abalos e a incêndios, que nem uma gota de espermacete cingida pela corrupção, a estanqueira olisiponense persiste incólume numa imaginal tabacaria: um rosto beatífico, de tão monstruoso que é – carantonha que faz gargalhar os poetas, mas cuja riqueza de voz torna paupérrimos os versos deles.
Essa voz fala connosco.
Diz-nos que há pureza entre a escória e a escumalha; diz-nos que há definição entre a desordem e o desespero – diz-nos que se procurarmos atentamente, se olharmos sem receio à nossa volta, veremos que na mesma valeta onde se abatem os cães também desabrocha aquilo que os homens encerram de mais cintilante, porque no meio do breu refulge a crosta estéril da Lua – e, afinal, o nome da Estanqueira do Loreto, gema soterrada na turfa delinquente, é Helena: palavra que significa Lua. A Lua tripartida em Crescente, Plenilúnio e Minguante nos avatares de Virgem, Mãe e Velha – pintadas com supranaturalismo pelo artista alemão Hans Baldung Grien, em 1510: vaidosas e alheias à proximidade da Morte. Mas será a Lua um astro tão supérfluo quanto a vaidade? Uma moeda falsa com a qual somente se compra a loucura e a licantropia?
Sem a ascendência gravítica da Lua, torpe satélite que se apresenta eczemático no velo nocturno, nunca se teria agitado as águas primordiais: foi ela o pilão babayaguiano que revolveu a matéria no almofariz que é o globo e que impediu que os ingredientes da vida sedimentassem infecundos no fundo dos oceanos. Sem a Lua, arrancada da própria Terra, há cerca de cinco mil milhões de anos por uma bestial colisão com um corpo astral do tamanho de Marte, nenhum de nós existiria e o mundo seria como a Lua: um infrutífero planeta, magoado por máculas magmáticas. Sem ela, o orbe seria uma árida Aceldama: espaço horripilante de ausência e desolação, eternamente sôfrego por intestinos e cinzas. Mas foi Helena, criadora da Santa Casa do Loreto, quem se lembrou de usar a terra hostil de Aceldama para construir, para dar moradas pacíficas aos mortos… Ela é Helena, claro, como já vimos, mas também Selena, irmã do Sol: amante de pastores como Endímio e Elmano, musa de poetas como Bocage e Camões, e cujo nome significa…
Luz.»
Published on December 19, 2012 08:15
December 18, 2012
Black and white
Published on December 18, 2012 17:46
December 14, 2012
Conferência sobre Bocage e Maçonaria

Para os meus leitores que se interessem por elmanismos e maçonaria, eis um colóquio interessante. Mais informações nesta ligação.
Published on December 14, 2012 14:15
Conferência sobre Bocage e Maçonaria

Para os meus leitores que se interessem por elmanismos e maçonaria, eis um colóquio interessante. Mais informações nesta ligação.
Published on December 14, 2012 14:15
December 12, 2012
Entrevista sobre homossexualidade na bd portuguesa

Na revista Time Out Lisboa desta semana, o jornalista Bruno Horta assina um artigo sobre a homossexualidade na banda desenhada portuguesa. Eu fui um dos entrevistados (por telefone) e falei dos meus livros «Mucha» (Kingpin Books, 2009) e «Sammahel» (Círculo de Abuso, 2001 - vencedor de um prémio para Melhor Argumentista Nacional), nos quais o tema da homossexualidade (masculina) é abordado de forma explícita e com robustez.


Published on December 12, 2012 19:21
December 8, 2012
No parlamento europeu

Em Bruxelas, no Parlamento Europeu, para participar numa sessão de debate, a convite do eurodeputado Rui Tavares.
Published on December 08, 2012 09:08