Vital Moreira's Blog, page 31
March 10, 2024
Eleiçoes parlamentares 2024 (37): Uma questão em aberto
1. Mesmo antes do apuramento final dos resultados (neste momento estão por apurar os círculos do exterior, que elegem 4 deputados), tanto Montenegro como Pedro Nuno Santos deram como certa a vitória eleitoral da AD e a formação de governo pelo PSD. Ora, se a primeira parece assegurada, dada a vantagem existente, já não há certeza sobre se o PSD terá mais deputados do que o PS, dado o igual número neste momento existente (descontados os dois deputados do CDS no total da AD) e o número de mandatos ainda em aberto.
Sucede que as coligações eleitorais se extinguem com o apuramento dos resultados eleitorais, que os mandatos parlamentares são atribuídos aos partidos, e não às coligações, e que - mesmo que os deputados do PSD e do CDS se viessem a juntar num único grupo parlamentar (o que nunca aconteceu) -, quem é convidado a formar os governos são os partidos - como expliquei AQUI já em 2015 -, pelo que, se o PS viesse a ser o maior partido parlamentar, deveria ser ele a ser chamado a formar Governo em primeiro lugar.
2. Aparentemente, porém, PNS não equaciona tal hipótese, e mesmo que ela que se viesse a verificar, tudo indica que preferiria não formar Governo, porque este seria, quase de certeza, chumbado pela direita reunida e, na falta de alternativa parlamentar, correria o risco de ficar como governo de gestão durante seis meses, sem condições de governabilidade, até serem possíveis novas eleições.
É uma hipótese decididamente pouco atraente para o líder socialista, mais interessado em liderar a oposição a um frágil governo da AD, eventualmente "aditivado" pela IL, mas politicamente dependente do Chega. Em todo o caso, a declaração de derrota no encerramento da jornada eleitoral de ontem significa que renunciou antecipadamente a tal solução, mesmo que o PS venha a ter mais mandatos do que o PSD.
AdendaNão faz sentido considerar a AD na distribuição dos mandatos parlamentares, como o Observador faz (e também o Público e o Expresso), por duas razões: (i) como coligação eleitoral, a AD terminou ontem: (ii) os mandatos parlamentares são atribuídos aos partidos, e não às coligações. Portanto, em vez de atribuir 79 deputados à AD, o correto é atribuir 77 à PSD (empate com o PS) e 2 ao CDS. Um pouco mais de rigor jornalístico, sff!http://rpc.twingly.com/March 9, 2024
Coimbra (des)encantada (3): Discordo
Não acompanho esta proposta coletiva de reservar o convento da Santa Clara a Nova, em Coimbra, para a Anozero, a bienal de arte da cidade, que desde há anos utiliza uma pequena parte das suas instalações, em prejuízo do concurso de concessão lançado pelo Governo, no âmbito do programa Revive, para instalar um hotel - como tem sucedido em relação a muitos outros monumentos públicos do Estado.
Em primeiro lugar, trata-se de um enorme edifício (como se vê na imagem), com avultadas despesas de manutenção e conservação, que não faz sentido reservar para utilização parcial de um evento artístico de frequência bianual; seria uma enorme desproporção e um imperdoável desperdício de recursos públicos. Em segundo lugar, para a cidade, e não apenas para o Estado (que valoriza o seu património), a solução do hotel será uma grande mais-valia, em termos de oferta hoteleira e turística de qualidade, de que Coimbra carece. Por último, não existe nenhum risco para a continuação da bienal, que pode ser acolhida em vários outros espaços nobres da cidade, que não faltam, aliás mais centrais do que o Convento.
Não sendo obviamente imprescindível para a bienal, a retirada do Convento do programa Revive não se justifica de modo algum sob o ponto de vista do interesse público, seja nacional, seja local.
http://rpc.twingly.com/O que outros pensam (4): A favor do "dia de reflexão"
1. Num artigo no Público de hoje, a jornalista-comentadora São José Lopes acha que o dia de reflexão é «um arcaismo absurdo com que é preciso acabar»
Discordo inteiramente dessa posição, porque penso que as razões que o ditaram em 1975, nas primeiras eleições democráticas entre nós (nomeadamente a de proporcionar aos eleitores, e aos próprios candidatos e militantes partidários, um dia de descanso e de distanciamento em relação às paixões da campanha eleitoral) se mantêm inteiramente, se não mesmo reforçadas, quer por causa do frenesim acrescido que as televisões e as redes sociais vieram trazer às campanhas eleitorais, quer pela descoberta de que uma proporção importante de eleitores só decidem o seu voto nas vésperas das eleiçoes, importando garantir que o fazem em tranquilidade.Também não considero relevante o argumento de que, entretanto, se veio admitir o voto antecipado, sem tal período de reflexão, porque essa opção é facultativa e abrange na prática uma pequena percentagem de eleitores, seguramente os que se consideram seguros sobre as suas opções eleitorais desde o início, o que não sucede, porém, com muitos outros eleitores.
2. Compreendo que os media e os jornalistas e comentadores políticos não gostem desse dia de "feriado" político, em que as audiências dos primeiros descem e a publicidade também e em que os segundos ficam "desempregados". Mas também eles se devem preparar para a excitação mediática do dia seguinte à noite.
Em qualquer caso, o "dia de reflexão" foi instituído em prol da tranquilidade dos eleitores e dos cidadãos comuns (e também para a preparação das operações eleitorais, incluindo as mesas e as assembleias de voto).
Por isso, continuo a pensar que o "dia de reflexão" no dia anterior ao ato eleitoral faz todo o sentido e não deve ser abolido. Vale a pena investir na formação refletida da vontade popular.http://rpc.twingly.com/
March 7, 2024
Como era de temer (9): Abuso de poder qualificado
1. Passam hoje 4-quatro-4 meses desde que, a 7 de novembro do ano passado, o primeiro-ministro António Costa se viu forçado a demitir-se, no seguimento da publicação de um comunicado da PGR que o dava como sujeito a investigação pelo MP junto do STJ, por suspeita de delitos não identificados.
Nestes quatro meses, Costa não foi ouvido pelo MP nem lhe foi dada nenhuma informação sobre o processo, nem sequer sobre o crime de que é alegadamente suspeito. Por via do Observador - pelos vistos, órgão oficioso do MP -, mas sem confirmação oficial, ficou a saber que é suspeito de prevaricação no âmbito do processo Influencer.
Este longo silêncio do MP constitui manifestamente um inqualificável abuso de poder.
2. Escandalosamente, uma pessoa, prestes a deixar funções de primeiro-ministro (por nomeação de novo Governo), é mantida indefinidamente em suspenso quanto à sua vida pessoal, profissional e política, como refém político do Ministério Público.
Hoje mesmo, o influente semanário europeu Politico dedica um longo trabalho a António Costa (imagem supra)e pergunta se ele será ilibado a tempo de poder ser candidato a presidente do Conselho Europeu, como muitos observadores vaticinavam antes do misterioso episódio que o vitimou há quatro meses. Pelos vistos, o MP não poupa esforços para impedir esse desenlace.
AdendaRespondendo à dúvida de um leitor, a prevaricação consiste, nos termos da lei penal, na conduta de um titular de cargo político que, «atuando contra o Direito», atua de forma a beneficiar ou prejudicar alguém. Ora, tanto quanto se sabe pelo que veio a público, o PM limitou-se a apoiar a mudança da lei aplicável a um importante investimento em Sines (para o que o Governo tinha competência), de forma a viabilizar esse investimento de elevado interesse público (o que é inquestionável); portanto, a meu ver, nem conduta ilegal (pois não é "ilegal" alterar uma lei) nem benefício de ninguém, salvo do interesse público.http://rpc.twingly.com/March 6, 2024
Eleições parlamentares 2024 (37): Comentadores em campanha eleitoral?
Não vejo como é que estações de televisão supostamente apartidárias, aliás por obrigação legal, podem admitir que os seus comentadores regulares, por sinal sem contraditório, participem diretamente nas campanhas eleitorais dos respetivos partidos, como é o caso de Paulo Portas e de Marques Mendes, o que dá argumentos à tese do enviesamento político-partidário daquelas.
E também me parece pouco curial que eles próprios não vejam nenhuma incompatibilidade política nessa acumulação de comentadores cum protagonistas em campanhas eleitorais.
AdendaEste estudo, agora anunciado, confirma o óbvio nos últimos anos: a enorme supremacia da direita no comentário televisivo. Quando se trata de dominar o espaço público, a direita não brinca em serviço.http://rpc.twingly.com/Eleições parlamentares 2024 (36): Compromisso escasso
O líder do PSD continua a garantir enfaticamente que só formará Governo se vencer as eleições - e não se vê como poderia violar esse compromisso sem perda absoluta de credibilidade política.
O que ele não diz, porém, são duas coisas igualmente importantes, se não vencer as eleições: (i) que o PSD não se proporá formar Governo sem ele, se houver maioria das direitas, incluindo o Chega; (ii) que não inviabilizará um Governo minoritário do PS, se este vencer as eleições, questão a que se recusou a responder até agora.
Ou seja: os compromissos públicos de Montenegro também vinculam o PSD, de que ele é líder, ou somente a ele?
AdendaUm leitor objeta que PNS «admitiu repressamente formar governo se o PS formar maioria com os demais partidos de esquerda, mesmo não ganhando as eleições». É verdade, mas deixou de o fazer ultimamente, seguramente por ter percebido que desta vez não há nenhuma hipótese de maioria das esquerdas, pelo que só pode mesmo formar Governo se ganhar as eleições (como assinalei em devido tempo). Inversamente, tudo indica que pode haver maioria das direitas, mas somente com o Chega. É por isso que é tão importante saber a resposta de Montenegro às duas questões acima indicadas.http://rpc.twingly.com/March 5, 2024
+ União (80): Banir o trabalho forçado do mundo
1. Os dois órgãos legislativos da UE, Parlamento e Conselho, acabam de chegar a acordo para o banimento legal do mercado interno da UE de produtos resultantes de trabalho forçado, no todo ou em parte, de onde quer que provenham.
Estando o trabalho forçado naturalmente banido da UE, desde logo na respetiva Carta de Direitos Fundamentais (que tem valor constitucional), a verdade é que podemos importar bens de países onde essa prática contra a liberdade de trabalho seja tolerada, consentida ou mesmo oficialmente instituída. A OIT calcula que existam cerca de 27 milhões de trabalhadores em tais condições, sobretudo na Ásia e na África (ver mapa acima).
Daí a importância desta lei, que impõe uma proibição da entrada, de circulação ou de venda de tais bens no mercado da União.
2. Dado que a UE constitui um importante parceiro comercial desses países, como destino das suas exportações, a perda do mercado europeu torna-se uma decisiva alavanca para levar esses países a proibir o trabalho forçado e a fazer respeitar essa proibição.
Mais uma vez, a UE prevalece-se virtuosamente da sua condição de grande potência económica e comercial para fazer vingar valores extracomerciais, nomeadamente os direitos laborais essenciais, aliás como impõem os Tratados. Até agora, essa preocupação era realizada sobretudo através de acordos comercias preferenciais com os países disponíveis para isso. O que há de novo nesta nova lei é o facto de se tratar de uma medida de caráter universal, imposta unilateralmente pela União a todos os demais países.
A União reforça por isso a vinculação das suas relações comerciais externas ao respeito pelo menos dos mais básicos direitos humanos, como é a proibição do flagelo do trabalho forçado.
http://rpc.twingly.com/Aplauso (37): Honra à França!
A França tornou-se o 1º país do mundo a consagrar constitucionalmente a liberdade das mulheres quanto à interrupção da gravidez, deixando esta de estar sob risco de retrocesso político-legislativo (como há quem proponha em Portugal) ou jurisprudencial (como sucedeu nos Estados Unidos).
Assinalar esta conquista da liberdade das mulheres é tanto mais importante, quanto é certo que em muitos países do mundo - como se pode ver no mapa junto - tal liberdade ainda não existe de todo em todo ou está limitada a hipóteses assaz limitadas, como sucede em muitos países latino-americanos (incluindo o Brasil, apesar dos vários governos de esquerda), africanos e muçulmanos. Neste aspeto, tal como em muitos outros, há um fosso entre o Norte e o Sul...
Mais uma vez, desde 1789 (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), a França lidera a conquista da liberdade individual.
http://rpc.twingly.com/March 3, 2024
Aplauso (36): Confiança externa
1. Saúde-se, como deve, o facto de Portugal beneficiar agora do rating A em todas as principais agências de notação da dívida pública, com as inerentes vantagens desde logo quanto ao custo da dívida (quer pública quer privada), o que constitui um justo prémio à prudente política orçamental dos governos socialistas desde 2015, que levou à atual situação de excedente orçamental, reduzindo não somente o peso da dívida pública no PIB, mas também o próprio stock da dívida.
Defendendo há muitos anos o equilíbrio orçamental e a redução da dívida pública, apraz-me registar esta demonstração prática de que a prudência orçamental também é uma política de esquerda.
2. Importa sublinhar devidamente este enorme êxito político, sem deixar de notar que ainda há muito caminho a fazer para alcançar o objetivo da UE de redução da dívida pública para 60% do PIB, com o inerente alívio dos respetivos encargos orçamentais e a correspodente poupança de recursos para investimento público.
Esta advertência é especialmente importante no atual contexto político-eleitoral, quando os partidos de direita em geral avançam com irresponsáveis promessas eleitorais de aumento da despesa pública e de redução drástica de impostos, que só podem resultar no regresso dos défices orçamentais e do aumento da dívida pública.
http://rpc.twingly.com/Eleições parlamentares 2024 (38): Visão seletiva
Sim, como resulta das sondagens eleitorais, tem razão a líder do Bloco quando sustenta que «a maioria absoluta do PS acabou», mas Mortágua não se quer dar conta de que elas mostram igualmente que a maioria de esquerda também acabou e que, por isso, a única via para um governo de esquerda é a vitória do PS, sendo os votos no Bloco contraproducentes, na medida em que dificultam tal objetivo.
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