Vital Moreira's Blog, page 28
April 8, 2024
Assim não vale (9): Despudor político
Porém, em flagrante contradição com tal compromisso, Luís Montenegro nomeou duas juízas para o novo Governo, uma juíza-conselheira para Ministra da Administração Interna e uma juíza desembargadora para uma das secretarias de Estado do Ministério da Justiça. Se uma juíza no Governo é condenável (como mostrei AQUI), duas é condenável a dobrar.
2. Ora, segundo esta notícia no JN , ao ser confrontado com o incumprimento do programa eleitoral da AD, uma fonte anónima do Governo terá declarado que a tal incompatibilidade se refere a "cargos públicos" e não a "cargos políticos". Ora, não é preciso ter estudado Direito para saber que a categoria de cargos públicos abrange obviamente os cargos políticos, que é uma subcategoria daqueles. De resto, no caso, se se justifica a incompatibilidade quanto aos demais cargos públicos, por maioria de razão ela se impõe no caso de cargos políticos, de nomeação partidária, como é o caso de membro do Governo.
Trata-se, portanto, de uma despudorada desculpa de má-fé, para tentar esconder o manifesto incumprimento do compromisso eleitoral (e, a meu ver, da incompatibilidade constitucional...). Se o programa eleitoral é "mandado às urtigas" logo numa questão tão delicada como esta, o que é que vai restar dele?
AdendaUm leitor acha que, «se há uma incompatibilidade, o Presidente da República deveria ter recusado a nomeação». Penso que tem razão. Desde há muito que defendo que o PR não deve vetar, por discordância política, os nomes propostos pelo Primeiro-Ministro, pela simples razão de que é ao Governo, por este chefiado, que compete governar o País e responder politicamente perante o parlamento e as oposições, enquanto o PR é politicamente irresponsável. Já assim não sucede, porém, quando o PM propõe a nomeação de pessoas constitucionalmente impedidas de assumir cargos políticos, como é o caso dos juízes, cuja integração no Governo afronta manifestamente os princípios constitucionais da separação de poderes e da independência política dos juízes. Aqui entendo que o PR deve vetar essas nomeações, por atentatórias do "regular funcionamento das instituições", que lhe incumbe assegurar.http://rpc.twingly.com/
April 7, 2024
História constitucional (9): A cidadania política em Portugal
1. O livro De Súbditos a Cidadãos, organizado por José Domingues e por mim, e publicado em 2022 (como se assinalou AQUI) pelas edições da Universidade Lusíada, no âmbito dos comemorações do bicentenário da Revolução Liberal, acaba de ser publicado em versão inglesa na mesma editora (imagem acima) para permitir o acesso a um público, especialmente académico, mais vasto do que os falantes de português. Alguns dos textos foram revistos para este reedição.
Beneficiária do financiamento da FCT, tal com a versão originária, também esta reedição inglesa se encontra disponível em acesso livre no site da UL.
2. Com origem num colóquio a várias vozes realizado no Porto em 2020, o livro traça as origens da moderna cidadania política entre nós, através da revolução política e constitucional do vintismo, e recorda o seu aprofundamento em dois outros importantes momentos constitucionais, a saber, o republicanismo e o atual regime democrático.
Nas vésperas da celebração do cinquentenário da Revolução do 25 de Abril de 1974, esta reedição assinala mais uma vez o legado que o vintismo e o republicanismo deixaram em matéria de cidadania política à Constituição de 1976.
http://rpc.twingly.com/April 4, 2024
Não dá para entender (37): Candidatos a fingir
Pelos vistos, há "independentes" com elevado prestígio académico e profissional, que aceitam dar o nome como candidatos em listas eleitorais, em lugares de destaque, obviamente para ajudar a atrair eleitores, mas que depois se permitem nem sequer assumir o mandato.
Depois, queixemo-nos da descrédito da política e da alienação dos eleitores. Os eleitores e as eleições merecem mais respeito...
AdendaUm leitor defende que "mais culpado do que o candidato fake foi o PSD, que explorou politicamente a sua candidatura, sabendo que ele não iria exercer o mandato". Sim, mas a culpa partilhada não diminui a irresponsabilidade do próprio!
Um pouco mais de jornalismo sff (29): Fazer eco dos "recados" governamentais
Contudo, esta notícia não faz nenhum sentido, porque quando o programa da AD foi apresentado, as novas regras orçamentais da UE, que foram oficialmente aprovadas na mesma altura, já eram conhecidas há muito, por efeito do acordo sobre elas no Conselho.
Que o Governo recorra agora a desculpas de mau pagador para preparar o incumprimento dos seus compromissos eleitorais, compreende-se. Que jornais "engulam" acriticamente os recados governamentais, nem se compreende nem se aceita. O jornalismo independente não pode aceitar ser megafone do Governo.http://rpc.twingly.com/
April 3, 2024
Maus augúrios (2): Um Governo desafiador, apesar de ultraminoritário
1. O discurso do novo PM na tomada de posse do Governo PSD+CDS só pode ser interpretado com uma deliberada provocação às oposições, e em especial ao PS, imputando-lhes uma obrigação de "deixar o Governo trabalhar" e a responsabilidade de assegurar a estabilidade política.
Ora, sendo o Governo ultraminoritário, é a ele que cabe promover os compromissos políticos necessários com os partidos de oposição, à esquerda ou à direita, para conseguir fazer aprovar a legislação, em geral, e o orçamento, em especial, sabendo, porém, à partida, que não pode pretender realizar integralmente o seu programa político, por falta de apoio eleitoral e parlamentar.
Numa democracia parlamentar, não é vocação das oposições, muito menos do principal partido de alternativa governativa, sustentar o Governo.
2. Conto-me entre os que defendem que o PS, como partido de governo que não deixou de ser, deve fazer uma oposição responsável, e não caprichosa, ponderada, e não sectária, aberta à negociação com o Governo, e só votando contra as medidas incompatíveis com o seu próprio programa político.
Todavia, para haver uma oposição responsável exige-se um Governo disponível para negociar e fazer concessões e para aceitar que todos os partidos têm "linhas vermelhas" políticas e doutrinárias que não podem sacrificar. Ora, a postura desafiadora de Montenegro não aponta para aí, mas sim para a chantagem sobre o PS e para a vitimização política pelas eventuais derrotas parlamentares que não conta evitar.
Perante este discurso, a impressão que fica é que Montenegro quer "encostar o PS à parede" e vai jogar tudo na demissão do Governo numa ocasião politicamente propícia, acusando os socialistas de "bloqueio" à ação governtiva. Maus augúrios, portanto, para o "clima" político e para a estabilidade governativa.
AdendaUm leitor defende que a maior provocação de Montenegro foi a de proclamar que «um partido que não rejeite o programa do Governo, viabilizando a entrada deste em funções [como o PS já anunciou] fica vinculado a deixá-lo executar, comprometendo-se, portanto, a não votar contra a execuação das medidas neles prevista». Mas essa original tese é tão disparatada, que não chega a ser provocação, mas apenas uma tonteria política.http://rpc.twingly.com/April 2, 2024
Aplauso (39): O teste do algodão
Justifica-se plenamente esta iniciativa de António Costa, de pedir explicitamente ao MP junto do STJ para ser ouvido com toda a brevidade sobre a investigação a que está sujeito desde há quase cinco meses, sem, nesse longo período de tempo, ter sido sequer informado pessoalmente sobre que conduta delituosa versa a investigação e muito menos sem ter sido ouvido para prestar declarações sobre o assunto.
Agora como cidadão comum, que tem de decidir sobre a sua vida pessoal, profissional e política, o ex-PM tem um interesse mais do que legítimo em ver esclarecida a suspeita, tão depressa quanto possível, e não se vê que interesse pode ter o MP - salvo o de o manter indefinidamente como refém político - em conservar o silêncio inquisitorial que tem mantido sobre a tal (pseudo)investigação.http://rpc.twingly.com/Portucaliptal (32): Um bom exemplo
1. Durante décadas, sob pressão da indústria de celulose e do correspondente lobby florestal, assistimos à transformação do País num imenso eucaliptal, com enormes manchas territoriais de monocultura do eucalipto, por montes e vales, sem paralelo em qualquer outro país europeu.
Apesar dos seus óbvios impactos negativos - desfeiando a paisagem, favorecendo a erosão dos solos, afetando os recursos hídricos, reduzindo a biodiversidade, tornando a floresta mais vulnerável aos incêndios -, sucessivos governos de diversa orientação política não somente consentiram mas também incentivaram essa destruição da paisagem nacional.
Uma história politicamente deprimente!
2. Felizmente, nos últimos anos, por efeito da ação dos grupos ecologistas, foi-se quebrando o consenso nacional favorável ao eucalipto - largamente devido ao investimento maciço do setor na propaganda mediática e na "captura" política dos governos -, tendo crescido a consciência pública sobre os malefícios da eucaliptização extensiva.
Esta iniciativa de substituição do eucalipto por espécies autóctones do município de Albergaria-a-Velha - um dos muncípios do distrito de Averio mais atingidos por essa praga florestal - mostra essa nova sensibilidade cívica, até porque não é isolada. Embora, sendo iniciativas micro, elas merecem ser saudadas e divulgadas como exemplos a seguir por outros municípios.
A batalha contra o eucalipto só agora começa.
http://rpc.twingly.com/April 1, 2024
O que outros pensam (5): O domínio partidário no comentário político
«Chega-me falar de uma originalidade portuguesa: dois ex-líderes dos partidos que se juntaram numa mesma coligação têm o monopólio do comentário sem contraditório em canais abertos generalistas. Espaços que garantem, à partida e de longe, maior audiência. De tal forma poderosos que já ajudaram a eleger um Presidente (também ex-líder do PSD) e têm outro na calha para o mesmo projeto.
Não fazendo grande esforço para disfarçar a função política dos seus espaços exclusivos, Luís Marques Mendes e Paulo Portas não hesitaram em participar diretamente na campanha eleitoral das últimas eleições, saltando da cadeira de analistas para o palanque de comícios e, de novo, para a cadeira de analistas. Nada contra. Os comentadores não têm de ser neutros. Grave é que duas pessoas empenhadas na campanha da mesma força política tenham mantido este monopólio nas televisões portuguesas.»
[Daniel Oliveira, «Mendes e Portas serão as novas "conversas em família"?», no Expresso]
Estou de acordo, com eu mesmo anotei AQUI. A Lei da Televisão obriga as televisões a respeitarem o pluralismo político - que se impõe sobretudo às televisões de sinal aberto, protegidas por não haver liberdade de acesso a tal atividade -, o que não sucede manifestamente no caso da propaganda monopartidária travestida de comentário politico.
http://rpc.twingly.com/March 31, 2024
No cinquentenário do 25 de Abril (3): As conquistas da Revolução e os novos desafios
Entre os livros recentemente publicados a propósito do cinquentenário do 25 de Abril permito-me destacar este, que colige as diversas conferências temáticas do ciclo promovido em 2023, pela Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC), sob a direção do Professor J. Gouveia Monteiro.Saliento três aspetos muito valiosos neste livro: - a seleção dos temas das conferências, vários deles menos óbvios e menos debatidos, sobre problemas atuais do País, como, por exemplo, "demografia e ordenamento do território", "ser jovem hoje" e "saúde mental e envelhecimento";
- o elevado gabarito dos conferencistas, todos especialistas reputados nos temas abordados, e a diferença entre as suas abordagens, que suscitaram interessantes questões da assistência;
- por último, mas não menos importante, as duas notáveis contribuições do próprio Prof. Gouveia Monteiro, uma sobre as "dez grandes conquista de Abril", como introdução ao livro, e outra sobre a "cidadania política e dos direitos individuais - um viagem pela história", em anexo à conferência sobre o mesmo tema.
Trata-se, portanto, de uma reflexão importante não somente sobre as mudanças trazidos pela Revolução, nos planos político, económico, social e cultural, mas também sobre os antigos e novos problemas que reclamam uma resposta ao regime democrático conquistado há cinquenta anos.
AdendaImporta assinalar que o livro vai ser apresentado publicamente em Coimbra no próximo dia 23 deste mês, nas vésperas do 25 de Abril.http://rpc.twingly.com/Não concordo (46): Dois erros na formação do Governo
1. Além da problemática nomeação de uma advogada para a pasta da Justiça nas atuais circustâncias, como referi anteriormente, há mais dois aspetos em que discordo na composição do novo Governo.
O primeiro é a nomeação da Juíza-Conselheira Margarida Blasco para ministra da Administração Interna (ou qualquer outra pasta), porque, desde sempre (por exemplo, AQUI), considero que a nomeação de magistrados judiciais para cargos políticos sem prévio abandono da carreira judicial viola flagrantemente o princípio da separação de poderes e a independência partidária da magistratura (e não estou sozinho neste ponto). Apesar de já jubilada, tal estatuto (a que voltará depois de deixar o Governo) não representa abandono da carreira judicial, mantendo-se vinculada às incompatibilidades próprias da magistratura.
A meu ver, a "porta giratória" entre cargos judiciais e cargos políticos não é compatível com o princípio do Estado de direito.
2. O segundo aspeto negativo é o regresso dos assuntos europeus ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Como defendi anteriormente AQUI, o pelouro dos assuntos europeus - que compreende essencialmente a representação do Governo na formação de "assuntos gerais" do Conselho da União, e a articulação da representação ministerial nacional nas nove restantes formações especializadas do Conselho - tem a ver sobretudo com políticas internas, desde a economia ao ambiente, pelo que deveria continuar sob responsabilidade de um secretário de Estado, na presidência do Conselho de Ministros, ou seja, sob a égide e autoridade superior do Primeiro-Ministro, tal como no Governo cessante.
Além de injustificada, até porque o MNE sempre teria direito a integrar o conselho de ministros da política externa da UE, esta solução constitui, a meu ver, um retrocesso prejudicial à coordenação das políticas da UE com as correspondentes políticas internas, que são competência dos demais ministros sectoriais, e que deveria continuar sob responsabilidade do PM, e não de um ministro sectorial, como o MNE.
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