Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 60
March 21, 2012
Os vivos mortos (by The Walking Dead)
Não nos iludamos: é uma série americana. Uma série que eu excluí, à partida, daquelas a que dedicaria horas de vida. O meu preconceito contra filmes com zombies sempre se espraiou em pleno: nunca lhes achei piada nenhuma. Sempre gostei de tensão, de horror, mas, caramba, zombies não me apetecia. Acontece que a virtude dos zombies de "The Walking Dead" é muito menos o seu realismo e muito mais o seu conceito. E o que nos agarra às duas temporadas - terminou ontem a segunda na Fox - é a própria dualidade da condição humana. O enredo desenrola-se num fim de mundo próximo, um apocalipse, o que a torna minimal, ou seja, à medida do espectador que se habitua a um grupo restrito que consigo convive semanalmente (já agora, por menos impressionável que se seja, não aconselho a que se vejam mais de dois ou três episódios seguidos, para quem está a pensar pôr-se em dia: aquilo instala-se na cabecinha, quer queiramos, quer não).À partida, pois, não havia paciência para aquela dinâmica do zombie que morde um tipo normal que entra em mutação e depois vai surpreender outro tipo normal, aterrando-o e, eventualmente, matando-o, fazendo-o mudar de equipa.Não, aqui o conceito foi simplificado ao máximo, e é isso que torna a série apelativa: há um vírus e uma epidemia desse vírus que provoca a reanimação mecânica dos corpos dos mortos. Esses corpos não têm actividade cerebral, são lentos e desengonçados - embora possam correr - e só procuram seres vivos para devorar ou desmembrar. A única forma de os exterminar é destruindo-lhes o cérebro. Nada mais simples.Podemos aditar a isto a contenção, que é sempre uma virtude na arte: não há, praticamente, ataques surpresa de zombies. Há essa inevitabilidade: como não se cansam nem param por nada até atingir o seu objectivo, se a sua presa se distrai, tropeça, corre para o lado errado, é apanhada e morre. Pior: se atacam em grupo, é quase impossível vencê-los - ou é um erro tentar - e o melhor é sempre fugir.Ora, é bom que se diga que há episódios onde, praticamente, não aparecem zombies. Basta a sua possibilidade para criar uma tensão crescente. O melhor desta série é a forma como, numa situação limite, joga com as matizes de cada personalidade. Rapidamente aprendemos que um homem de família é muito mais perigoso do que um solitário, porque defende a sua prole a todo o custo, sendo capaz de matar o seu igual sem contemplações. Vemo-nos ao espelho. Observamos modelos de personalidades que pensamos conhecer. Colocamo-nos na pele deste grupo, pensamos o que faríamos nós. As decisões nunca são fáceis, e há cenas verdadeiramente terríveis - não pelo que se vê, mas pelo que significam. Confesso que a mais forte das duas temporadas foi, para mim, a que culminou no desfecho do caso de uma menina chamada Sofia. Não vou revelar em que sentido, claro.O facto é que dei por mim, hoje mesmo, a discutir com outro aficionado o que faria para proteger um grupo assim. Falei no velho fosso inundado dos castelos, mas ele dizia que, eventualmente, uma multidão zombie, como a que saiu de Atlanta no final da segunda temporada, com um objectivo específico, podia ultrapassá-lo. Falou-se em cercas electrificadas. Em fortes. Isto só pode ser sinal de um excelente série, no meu entender a melhor desde "Lost", que, tendo as suas falhas aparentes em termos de argumento (principalmente na primeira temporada, em que deixou pontas incompreensivelmente soltas), pode colmatá-las nas temporadas seguintes ao recuperar as histórias que deixou por contar. Para já, e à vista do último episódio da segunda temporada, que deixou dois vectores interessantes que vamos querer seguir, a espera por Outubro de 2012 e pela terceira temporada será inquietante. Imperdível, claro.PG-M 2012
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Published on March 21, 2012 22:47
March 20, 2012
Uma calamidade para o século vinte e um
"(...) Nesse mugido de mudos e nesses discursos de cegos, nessa espessa mistura de pessoas unidas pelo terror, pela esperança e pela desgraça, na falta de compreensão mútua entre as pessoas que falavam a mesma língua exprimia-se tragicamente uma das calamidades do século vinte.(...)" Vassili Grossman, Vida e Destino - e eu acrescento que esta "calamidade" se radicalizou no século vinte e um: estamos particularmente disponíveis sem corpo para os estranhos, e particularmente indisponíveis com corpo para os amigos: de algum modo, a ilusão de perfeição é a nova droga global.come, my friends,
come and see my absolute perfection
come, my friends,
forget my flaws and my faults
I can't go anywhere with this body
I'm everywhere without itPG-M 2012Fonte da foto
Published on March 20, 2012 16:20
March 16, 2012
O aforismo do amor e do ciúme
O amor é forte como a morte, o ciúme cruel como o inferno. — Assim o declara o texto original hebreu, o grego, o siro e o arábico: Crudelis sicut infernus zelotipia. Todos sabeis que à morte, a qual é trânsito e passagem, se seguem outros dois termos de que se não passa: ou inferno ou paraíso. Pois, se o amor é como a morte: Fortis est ut mors dilectio, por que se não segue também depois do amor ou paraíso, ou inferno, senão inferno somente: Dura sicut infernus aemulatio? Porque o amor desta vida e deste mundo é uma morte que só tem precitos, e não tem predestinados; é uma morte pela qual sempre se vai ao inferno e nunca ao paraíso. O paraíso do amor — se o houvera — havia de ser amar e ser amado, e amado com certeza de nunca ser aborrecido. Mas como não há, nem pode haver no mundo, nem este amor, nem esta certeza, senão as dúvidas, os escrúpulos, as desconfianças, os receios e as suspeitas de se me amam ou não me amam, ou de que já me ama menos que dantes, ou que trocam o meu amor por outro, ou de que outrem pretende o que eu amo, em que consiste por vários modos o tormento crudelíssimo do ciúme, este ciúme sempre duvidoso, sempre crédulo, sempre fixo na imaginação, e nunca satisfeito, este é o inferno inevitável e sem redenção a que todos os que amam se condenam, e em que são atormentados duramente, sem fim e sem remédio: Dura sicut infernus aemulatio.
Padre António Vieira, 1608 - 1697, Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma, parte 2
Published on March 16, 2012 13:23
March 15, 2012
O aforismo do coração de ferro
"(...) É o ferro amado da pedra-ímã — a quem os franceses discretamente chamam pedra amante — e é tão milagrosa ou tão amorosa entre ambos a força desta natural simpatia, que a pedra, como amante, sempre está atraindo, e o ferro, como amado, sempre correspondendo. Ela o chama, ele se move; ela o guia, ele a segue; ela o eleva, ele se suspende; ela o ata, ele se deixa prender; se ela pára, ele pára; se sobe, sobe; se desce, desce; se anda à roda, rodeia; sempre juntos, sempre conformes, sempre unidos, e tão pegados entre si, como se um e outro foram de cera. E se isto obra no ferro uma qualidade oculta, que seria no coração, ainda que fosse de ferro, um amor declarado? Um ferro amado de uma pedra não pode deixar de pagar amor com amor. (...)"
Padre António Vieira, 1608 - 1697, Sermão da Primeira Sexta-feira da Quaresma, parte 1fonte da foto
Published on March 15, 2012 12:55
March 14, 2012
O aforismo prescrito do amor
"(...) Não há coisa mais alheia do ser de homem do que não responder com amor a quem o amou primeiro. — De maneira que, em sentença daquele homem de cuja língua estavam pendentes as sentenças de todos, o homem que foi amado de outro, ou o há de amar também, ou deixar de ser homem. (...)"
Marco Túlio Cícero, 106 a.c. - 43 a.c., dirigindo-se a Brutus
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PS: o Padre António Vieira, que será o autor do "aforismo" de amanhã e que citou Marco Túlio, exclui deste amor (para mim) prescrito o "amor desordenado", que equipara ao ódio. Portanto, o que realmente se encontra prescrito é a paga com amor ao amor são e ordenado:).
Published on March 14, 2012 15:09
March 13, 2012
O aforismo dos insectos humanos persistentes
"Nenhum espírito, esteja em sono ou em vigília, suporta a atenção prolongada de outro sem que os músculos do corpo que encima reajam."
PG-M 2012fonte da foto
Published on March 13, 2012 16:00
March 12, 2012
O aforismo da glória
É extremamente importante ter sempre presente a própria irrelevância, que os momentos de glória - existindo - são sempre acidentais, principalmente entre os melhores, porque os piores chafurdarão toda a vida para se manterem nesse plano ilusório e convencer-se-ão - e convencerão a maioria dos outros - disso.PG-M 2012
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Published on March 12, 2012 15:25
March 10, 2012
O aforismo do conhecimento
Conhecimento sem sal não se pode comer,e sem alimento não se domesticam os brutos.
PG-M 2011
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Published on March 10, 2012 19:44
Conhecimento sem sal não se pode comer
Conhecimento sem sal não se pode comer,e sem alimento não se domesticam os brutos.
PG-M 2011
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Published on March 10, 2012 19:44
March 6, 2012
It's a terrible love and I'm walking with spiders*
Todo o amor é terrívelporque até o mais perfeitoserá despojado à mortedos corposassumindo a amarga sortedo desgosto universal
e o incompleto, se é amor,precisa do mar inteiropara falhare, se vingar,como até o mais perfeito,
será um amor terrível.
PG-M 2012
* este poema, num tom quase "clássico" e dedicado a todos os tipos de amor, foi inspirado na cover que Birdy fez para a canção dos "The National", cujo vídeo se encontra na entrada deste post. "Terrible Love" - contém o conhecido verso "It's a terrible love and I'm wlaking with spiders", de Matt Berninger, e discutido nos meios intelectuais há mais de vinte anos. A posição mais sensata que li foi a de que "walking with spiders" não quer dizer nem "andar com aranhas" nem "andar com voador ou andarilho". "Walking with spiders" pretende dar o tom e o desconforto ao conceito de "Terrible Love". Portanto "walking with spiders" quer dizer "walking with spiders" e é obviamente intraduzível:).
Published on March 06, 2012 16:18


