Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 13
November 5, 2015
Rentrée
Nota: o texto é publicado fora de data. Portanto, estamos em Setembro (de qualquer ano)Gratidão. Temos centenas de queixas, as coisas perfeitas andam longe, vivemos num país com tanta beleza quanto mediocridade, há muitas certezas no ar, poucas dúvidas fundadoras no chão, os amigos nomeiam imperceptivelmente os amigos, há lapsos no mérito, quer-se fazer melhor mas há um cansaço a travar e um ordenado a proteger, no fundo tu serenas no meio de imprecisões e de homens sem qualidades. Há, no entanto, quem esteja curioso com a tua felicidade improvável e te queira receber e escutar. Eu, atrevendo-me a falar também em nome dos que, como eu, têm o privilégio de correr o país por capelas que celebram o que criam, e depois de uns sete meses inesperadamente loucos e intensos, tenho apenas vontade da solidão e da gratidão. Preciso de fazer este balanço, antes de seguir com a vida, já depois do almoço. Creio que este ano que passou - de algum modo ainda faz sentido, para mim, medi-los de Setembro a Julho, ficando Agosto como o abismo hegeliano - foi dos mais importantes e felizes da minha existência, e, lá está, falo por alguns outros criadores que vejo no mesmo ponto, no mesmo deslumbramento. Sem alarido, resgatei a minha paz na função criadora. Estou cansado e sem memória do detalhe, mas feliz. Recebo amor todos os dias do exterior sem o procurar e vejo a solidão que me alimenta respeitada. Finalmente conheço gente sexualmente lúcida. Recolho à caverna profunda de onde vim. Apetece-me muito, muito, desparecer do lado mais público, mas acho isso um atrevimento cívico e uma desnecessidade, até porque é certo que, quem não se agita ou salta perante a opinião pública, quem não investe na personagem literária que é, é rapidamente esquecido. Desejo isso. Ao mesmo tempo, peço a vossa paciência a cada despertar de hibernação. Eu ainda sou uma personagem literária, não egocêntrica, mas altamente limitada pela dimensão plana que tenho na construção que faço de mim aqui. Quase nada me importa além da literatura, mesmo que possa parecer que sim, e isso torna-se uma constatação amarga para alguns amigos. Agora estou investido num projecto a quase dez anos, precisamente porque desejo afastamento de tudo o que é dinâmica editorial. Tenho alguns filhos (livros) já criados que um dia sairão de casa. Não sei quando nem pela mão de quem. Não me perguntem, eu prometo que digo logo que saiba. Gratidão. Ou seja, apesar deste ano determinante em que a maturidade ensinou caminhos por mágoas, cada vez são mais os caminhos e menos as mágoas. Somos elementos frágeis. Por sermos isso, não tem sentido aspirar à perfeição pessoal - mas a obsessão da perfeição criativa é incontornável. E essa é a conclusão deste balanço de meio de vida e de meio de criação: quero criar em silêncio e darei o que me apetecer. Mas darei a todos e, principalmente, tenho vontade de amar todos, mesmo os maus ou os medíocres, porque tenho esta convicção profunda de que o amor é uma peste que cobrirá tudo. E peço consintam que não seja sempre meigo, que ame criticamente e com a violência do que aspira sempre ao degrau de cima. Não do poder, mas da composição do tempo. Obrigado.PG-M 2015
Published on November 05, 2015 11:32
October 29, 2015
Línguas
Sou poliglota, mas comunico numa só língua, que as contém a todas, como os beijos
PG-M 2015
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Published on October 29, 2015 12:25
October 26, 2015
quântico
O meu mundo é assim, quântico. Tenho medo de estar no meio de coisas mesmo grandes, mesmo más. Então ataco o (e exalto o) minimal. Por isso faço dos pequeninos verdadeiros heróis, como tu. Por isso me aborreço com a mediocridadezinha que funda ódios, por isso os catedráticos que me deram a honra de recensear o Livro sem ninguém me descobriram Bachelard numa costela. Sou quântico.
PG-M 2015fonte da foto
Published on October 26, 2015 10:45
October 25, 2015
a mulher em quebra
já são tantas as lágrimas
que o olhar não se forma
só um sopro
uma sombra
só um espelho em tensão
e será dos teus lábios
da pele dos teus braços
dos ossos da tua mão
que nascerá o dia
cada dia
a menina em quebra atrás do vidro
que não faz parte de si
tu à frente, imperial, divina
como só as mulheres
nas pontas da vida
a fazer a carne
dos homens
PG-M 2015
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Published on October 25, 2015 05:22
terra omnia
de volta ao paraíso sem ter morridono paraíso está muito calor, mas a campina altera os corpos e os olhares, fica-se mais comprido do que à face do mar porque esta terra pode percorrer-se a pé e parece tão infinita como o oceano junto ao qual me habituei a viver
aqui tenho vontade de me fundir com o chão, com o capim amarelo, com as oliveiras, com os rochedos, e tenho a certeza de que a poesia e a literatura estão sempre a mais, aqui só consigo ler
e rever sem criar, e, sempre que tentei escrever, deitei as frases à terra sem as guardar e talvez tenham crescido sombras ou silêncios, ou sombras e silêncios
quero mais um dia aqui e depois volto
volto sempre.
PG-M 2015
Published on October 25, 2015 05:06
dos limites da bondade
a partir do momento em que o outro pretende reduzir-nos
à ínfima dimensão, deve ele próprio ter perante nós
o tamanho que pretende que nós tenhamos
perante o mundo
PG-M 2015
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Published on October 25, 2015 04:45
October 22, 2015
os já-mitos, enquanto ainda-vivos
Os já-mitos, enquanto ainda-vivos, hão-de postar-se ao teu lado quase invisíveis, hão-de negar honrarias ou pelo menos combatê-las com olhares humildes e palavras simples, e essa humildade, essa simplicidade, nos já-mitos, enquanto ainda-vivos, será exponenciada pelos teus sorrisos de gratidão e frases de espanto perante a sabedoria dos já-mitos, enquanto ainda-vivos, olha-a-grandeza-dele-como-é-simples. Ao invés, se os já-mitos, enquanto ainda-vivos, te olharem de soslaio ou te ignorarem, te pisarem por seres pequeno ou desimportante, verão a sua grandeza agravada e, aos teus olhos simples e humildes, não mais serão respeitados.
Dos primeiros, hoje, quase nada reza; e oramos nós, à míngua de sábios e de firmamento; já dos segundos, caindo um após o outro, está o inferno cheio.
Valha-lhes ao menos a morte, que inclui sempre o perdão universal, e permite que a alguns seja devolvida a primordial ilusão de grandeza.
PG-M 2015
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Published on October 22, 2015 09:21
A gente não morre (intermúndio)
O amigo do facebook que se começa a respeitar, talvez até a amar, mas cuja perspectiva de um encontro traz sempre desconforto - não por ele, mas por nós. A rapariga que nos deixa em paz na livraria do costume ou a que nos atende no restaurante do costume. O silêncio e a paz caseira ou, nos antípodas, a saudade diária dos nossos e o reencontro com eles, tantas vezes tumultuoso, com o encanto a esboroar-se nos primeiros segundos por causa de detalhes frívolos. Já lá vamos, ao encanto, e citaremos Guimarães Rosa para pesponto deste. Os corpos precisam de intermúndio, precisam de um espaço entre eles para respirar. A rotina silenciosa, ou temperada por saborosas conversas de circunstância, dá-nos equilíbrio, é bom encontrar as mesmas pessoas e é magnífico quando, num café, nos começam a trazer o que queremos sem sequer abrirmos a boca. Provavelmente, haverá poucas pessoas no mundo que estimemos tanto como esse empregado que nos traz o que queremos sem abrirmos a boca. Deixamos o pagamento em cima da mesa e devemos trocar cinco palavras por ano. Deixar isso e ir ao encontro do amigo do facebook de cujas palavras ou sugestões precisamos todos os dias, mas vemos como e quando queremos, exige um esforço físico, mental, carnal, que nem todos estão dispostos a empreender. E é mais valioso o silêncio da livreira do que a funcionária que nos aborda mal entramos na livraria, às vezes quebrando o encanto da busca de um livro que não queremos que seja ela a encontrar, mas nós, tal como é muito melhor a desilusão de o não encontrar do que um funcionário a conferir stocks num computador. E os nossos, de quem precisamos como de pão para a boca? Por vezes, em vez de nos beijarmos e seguirmos calados os primeiros momentos, talvez de mãos dadas, perguntamos logo tudo e, se falha alguma coisa, censuramos logo tudo, não nos sabemos calar bem, e é tanto pior quanto mais próximos estamos uns dos outros. Ouvir e calar tem ciência e é virtude. E então começamos a discutir, a falar alto, a despejar o que não despejámos no trabalho, a acusar e a ser acusados, aborrecemo-nos, entramos em casa, estamos fartos do dia e estamos fartos da noite, estamos fartos dos outros todos e estamos fartos dos nossos, os que nos podiam salvar, metemo-nos em nós, consultamos as redes sociais e ficamos profundamente sozinhos. O intermúndio. É importante observar os nossos e os outros como se não estivéssemos lá. Tocar ou sorrir ao de leve. As casas e os casamentos acabam quando deixamos de olhar as pessoas que amávamos - aliás, se pensamos que estamos a deixar de amar por causa dessa violenta sucessão de pequenas agressões, experimentemos olhar para eles como se não estivéssemos lá: quase sempre, o amor emerge, instala-se em toda a sua força, porque foi construído a observar e a escutar cada detalhe dos que amamos, crescendo junto a eles ou vendo-os crescer junto a nós. O silêncio e a observação são fundamentais para a felicidade, nossa e dos outros. Ontem a funcionária de um call-center com o belíssimo nome de Henriqueta pediu-me para apresentar um produto. Eu sabia que a apresentação seria redundante, porque já tinha feito a análise de mercado e tomado uma decisão. Mas optei por ouvi-la. Ela alertou que a chamada seria gravada. Eu disse "melhor". Ela começou: "Antes de mais, senhor Pedro, como está?", eu respondi "Estou bem, obrigado, e a Henriqueta?" e ela treplicou: "É a primeira vez que me devolvem esta pergunta desde que trabalho em call-centers." Um destes dias, quando ouvi uma amiga que, por necessidade, veio de uma actividade profissional cheia de charme para um call-center, quando soube o que se sofre quando uma equipa organiza um serviço robotizado, acreditando que isso é qualidade e eficiência, pressionando fisicamente o funcionário após três minutos de chamada para terminar a mesma porque está no protocolo, prometi a mim mesmo que teria a maior paciência do mundo, doravante, com os trabalhos-chapa-cinco, que são, certamente, os mais duros de todos. Se observarmos cuidadosamente o funcionário da repartição de finanças e o olharmos nos olhos e lhe falarmos sem a pressa que ali nos levou ou o tédio que ali nos deixou, teremos mais vida, menos dias maus, mais coisas resolvidas. Lá chegaremos. Se olharmos calados para os nossos no fim do dia, em vez de lhes perguntarmos tudo ou despejarmos tudo de nós, dificilmente deixaremos que a comiseração ou a solidão dos incompreendidos aparentes se instale. E sejamos artistas, expostos, vamos lá, de vez em quando, ao encontro daqueles que aprendemos a amar sem corpo nas redes sociais, mesmo que isso signifique desconforto. E então alongaremos a vida, porque cada dia terá mais sentido. E afastaremos a morte. Ainda que não se morra, como dizia o Guimarães Rosa, ou, mais precisamente:"A gente não morre. Fica encantado."
Boas vidas.
PG-M 2015fonte da foto
Published on October 22, 2015 09:10
October 18, 2015
a boca que se abre e fica surda
Quando alguém consegue ser sempre mais do que os conceitos onde cabe é a falência das palavras
(foi por causa disto que inventei as júlias)
pg-m
Published on October 18, 2015 04:31
October 16, 2015
Os anjos da Asprela em verso
Os anjos que eu conheço fumam,almoçam em tascas, bebem vinho, ouvem música alto e cheiram,
têm sexo, às vezes connosco, e até são maus
em partes desimportantes do dia
Mas quando toca a estarem presentes
porque se te vai a vida - estão
Nos escassos momentos em que vivem as próprias
existências, podem ser copy-paste,
mirrar para dentro de ecrãs e estar desatentos,
dizer iá e tipo, até fumar umas ganzas
e beber umas minis,
mas quando toca a estarem presentes
porque se te vai a vida - não só estão
como transcendem o que lhes pedes
É até comum que, quando se lhes pergunta se viram
uma ou outra coisa ou se sabem isto e aquilo,
possam ser ignorantes como nós, mas tenho para mim
que tal acontece porque nunca estão em si,
mas em ti e nos outros como tu, porque quando
se nos vai a vida não há tempo, ou, se há,
as horas tomam desoras e é preciso
quem ande lá por cima
É preciso quem voe
Hoje sabes muito bem. Sabes que são mais importantes
os que te seguram a mão e ouvem - e, verdade seja dita,
se os anjos da asprela fossem, além de bons, cultos,
- ou os que o são - e tu os conhecesses,
morrerias de enlevo,
e não do que eras para ter morrido, e eles,
com o seu sopro, cuidaram que se extinguisse,
como a chama das velas que agora espalhas pela casa
em nome deles. Sabes que eu não gosto
nada disso.
Já bastam anjos que fumam.
PG-M 2012fonte da foto
Published on October 16, 2015 10:26


