David Soares's Blog, page 67

December 10, 2011

Novos monstros


Hoje sabemos quais são as formas que os monstros afigurados pela Razão podem assumir, mas ainda não sabemos em que feitios se manifestarão os monstros concebidos pela Emoção.

(Quadro: As Quatro Divisões, Vilhelm Hammershoi. 1914.)
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Published on December 10, 2011 21:33

December 7, 2011

Novo vídeo de Ava Inferi estreia a 13 de Dezembro


O novo vídeo da banda portuguesa de gothic metal Ava Inferi, para a música "The Living End" (do álbum Onyx, de 2011) estreia mundialmente no próximo dia 13 de Dezembro. Realizado por Costin Chioreanu, consiste numa curta-metragem atmosférica e artística. Com espíritos inquietos e um exorcista rasputiniano, interpretado por mim.
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Published on December 07, 2011 18:08

Anonymous

Começando com um prólogo teatral, passado nos nossos dias, com o actor inglês Derek Jacobi sozinho no palco, à guisa de Grilo Falante, enunciando ao público as razões pelas quais o dramaturgo inglês William Shakespeare não pôde ter sido o verdadeiro autor dos seus trabalhos, o filme Anonymous de Roland Emmerich é desonesto desde o início. Na verdade, o filme, com mais de duas horas de duração, mais parece um trailer a posteriori, apenas realizado para justificar a projecção do prólogo e do epílogo de Jacobi. De outra forma, qual é a justificação desses segmentos numa obra cinematográfica de ficção? A única justificação possível é a de que servem unicamente para provocar a opinião do público e granjear publicidade para o filme: adivinha-se que quanto mais polémico for o discurso, mais espectadores o filme terá e, nesse sentido de estratégia de mercearia de bairro, é um truque tão natural quanto outro qualquer. Porém, não deixa de ser desonesto em virtude disso: é uma estratégia que não deixa o filme respirar, nem oferece espaço ao espectador para retirar da história as suas próprias conclusões. Anonymous não é, pois, diferente de qualquer panfleto de propaganda eleitoral: o filme escolheu o seu candidato para autor das obras de Shakespeare, na figura de Edward de Vere, 17º conde de Oxford, e tudo faz para que os espectadores votem nele. Ora, eu não voto.

Enquanto filme, no mínimo enquanto espectáculo, Anonymous tem alguns méritos -- a cenografia, guarda-roupa e fotografia são de qualidade, assim como o trabalho superlativo da maioria dos actores (em principal Rhys Ifans como o mirífico Edward de Vere e Edward Hogg como o gebo Robert Cecil) --, mas não são suficientes para ofuscar a amargura de um argumento desastrado. O problema de Anonymous é que tem tudo para ser um filme interessante, mas recusa-se a ser um filme, de todo, apresentando-se como um panfleto de propaganda eleitoral, como já referi. No final do tempo de antena, depois de mostrada a arenga da praxe, pejada de intrigas palacianas, à la "Código da Vinci" quinhentista, e alguns complexos de Édipo, lá aparece Jacobi novamente, no seu melhor como porta-voz de campanha, a resumir com paternalismo as razões pelas quais se deve votar no candidato apresentado, não vá o espectador enganar-se e ir para casa sem a cartilha bem aprendida. Dá sempre jeito ter um senhor de cabelos brancos e com aspecto de cavalheiro respeitável para papaguear umas barbaridades, quando o objectivo é que elas pareçam credíveis.

Sobre o filme, pouco ou nada mais há que comentar, porque, com efeito, o filme verdadeiro, aquele que, de facto, o realizador está ansioso por nos mostrar, é composto pelo prólogo e pelo epílogo. E esse transmite algumas mensagens perigosas, mas que, enfim, devem estar sintonizadas com o tempo em que vivemos, no qual ter talento não interessa nada. A tónica colocada nas origens iletradas de Shakespeare, insistindo que ele não poderia ter escrito os seus trabalhos porque o pai não sabia ler, e porque as suas filhas também não, parece retirado a papel-químico dos discursos de Marcelo Caetano, delfim de António de Oliveira Salazar, que defendia a ideia de que a inteligência e o talento eram faculdades que apenas se refinavam «no seio de uma família» (à laia de lamarckismo revisto pelo Estado Novo). Ou seja: na visão de Emmerich, Shakespeare não tinha nada de ser escritor e deveria ter sido fabricante de luvas como o pai; tal como, na lógica de Caetano, ao filho de um sapateiro só era permitido ser sapateiro. Anonymous tem, como se vê, a finura do feitor de castas: a cada um, de acordo com o seu berço.
Mas há mais: numa observação totalmente contemporânea sobre a vida de indivíduos que já morreram há mais de três séculos, Jacobi ainda refere que Shakespeare não poderia ter escrito os seus trabalhos porque só tinha o ensino primário (no original, grammar school). É um argumento tão anacrónico que nem sequer merece uma refutação séria. Prefiro deixar o esclarecimento de que a maioria dos indivíduos da sociedade quinhentista isabelina não teriam muitos anos de estudo, nem sequer os nobres, dos quais se resgatou a personagem Edward de Vere: a função da nobreza não era saber ler nem escrever, mas saber guerrear. Para ler e filosofar havia o clero e para governar havia o rei (ou a rainha). Como é que, por um lado, Anonymous faz questão de ostentar o desprezo cabal dos nobres pela literatura (não esquecer que é esse desprezo que está na base da teoria da conspiração que serve de esqueleto ao filme) e, por outro, defender que um campónio, que tinha um pai analfabeto, ainda por cima, também seria incapaz de escrever? Então, quem é que escrevia naquele país? É verdadeiramente espantoso como uma sociedade tão tacanha como a retratada no filme foi capaz de servir de parteira a um dramaturgo tão genial, viesse ele de que classe social viesse. É um mundo muito feio, o de Emmerich e John Orloff (argumentista).

Anacrónico, preconceituoso e panfletário podiam ser boas designações para Anonymous, mas não são. Não são, porque Anonymous não existe enquanto filme: só existe enquanto tempo de antena de campanha eleitoral, na projecção do prólogo e do epílogo. As duas horas e dez minutos que estão no meio são apenas a música de baile que os mestres-de-picadeiro escolheram para dourar a pílula.
Vale a pena ver este teaser em que Emmerich expõe as suas dez razões para que Shakespeare não possa ter escrito os seus trabalhos -- em síntese, é o discurso de Jacobi em Anonymous, mas com a desvantagem de ser Emmerich a soliloquar, em vez de ser um actor profissional: http://www.imdb.com/video/imdb/vi1157013017

Mesmo assim, no que diz respeito a candidatos alternativos para a autoria das obras de Shakespeare, Edward de Vere, deixa um pouco a desejar, como se pode ler em Brief Lives, do cronista seiscentista John Aubrey. De Vere cometeu uma falha imperdoável junto da rainha Elizabeth I, quando a ela foi apresentado: o conde estava tão nervoso por conhecê-la que, ao realizar os salamaleques da praxe, descuidou-se em alto e bom som. O episódo foi um escândalo e Edward de Vere andou exilado cerca de sete anos, sem sequer olhar na direcção de Inglaterra. Ao retornar, foi ter com Elizabeth I, como era mandatório, e ela disse-lhe: «Caro Senhor, já me esqueci do seu peido [sic]». A ser verídica a tese oxfordiana, quem sabe se sem esse tirocínio forçado pela Europa, De Vere não teria sido capaz de inspirar-se na alta cultura florentina para escrever. Nesse caso, devemos agradecer não há providência, mas à flatulência, uma das maiores obras literárias mundiais.

No fim do epílogo de Anonymous, depois de Jacobi ter cumprido o papel de advogado do Diabo e desaparecer atrás da cortina, vemos os espectadores esclarecidos a levantarem-se dos seus lugares. A caminho das urnas, portanto, prontos a assinarem de cruz como o pai de Shakespeare.
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Published on December 07, 2011 04:49

December 5, 2011

Crítica na revista Os Meus Livros a "O Pequeno Deus Cego"

O novo trabalho escrito por David Soares, com desenhos de Pedro Serpa, O Pequeno Deus Cego (Kingpin Books), assenta numa metafórica e fliosófica abordagem, para criar uma história de crime e castigo.
Aquela a quem chamam Papa-Moscas, uma menina sem olhos que afinal não nasceu menina («a culpa é de Wang, o castrador», anuncia-lhe o Velho, quando com ela se cruza pela primeira vez), serve de sacrifício às intenções da mãe. Estamos numa China muito antiga...
Até que acaba por conhecer Wang, monstro alocado numa caverna. Não o teme porque não vê. Não o respeita porque não o teme. Acaba por ser incómodo para tão terrível criatura, pouco habituada a ser menosprezada: «conhecer-te foi confuso e assustador e eu não gosto do modo como me estou a sentir».
A ira de um monstro encurralado nas suas próprias dúvidas («E se tu fores Deus, caganita? Um deus cego que criou o universo e encolheu os ombros? Isso não faz de ti o maior dos irresponsáveis? O maior dos criminosos?») é tão terrível como a de um que sabe porque é mau. Ou mais ainda.
O retorno a quem semeou maldade acaba por selar esta história (com habituais componentes de David Soares, incluíndo a presença do sexo), traçada de forma clara, onde a violência (nas imagens com a Mãe) e o simbolismo (nos diálogos com o Velho, ou mesmo com o monstro) se conjugam de forma eficaz.
(João Morales, Os Meus Livros. Dezembro, 2011)

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Published on December 05, 2011 14:39

December 2, 2011

Entrevista sobre o 'weblog' Mort Safe


Entrevista no site Ave Rara com Gisela Monteiro sobre o seu weblog Mort Safe e sobre tafofilia.

Visitem o Mort Safe (taphophilia.blogspot.com): um weblog rigoroso e pertinente, cheio de riquíssimas informações históricas e culturais sobre o universo cemiterial, assim como ilustrado por belas fotografias.
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Published on December 02, 2011 17:17

November 30, 2011

Morte de Fernando Pessoa


Recordando Fernando Pessoa, no dia da sua morte, com um excerto do meu romance A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência, 2007). Neste trecho, Pessoa morre.
Às vezes, é a única forma de continuar a Viver.

«1935

Tudo o que é humano é divino, pensou Pessoa, sentindo a morte a entrar-lhe no quarto do Hospital de São Luís dos Franceses naquele final de tarde; fresca, salgada, de pele torrada pelo Sol como Talassa, a Mãe d'Água primordial, ela olhou-o com ternura e deixou-se ficar serena – sereia – aos pés da cama: ainda não era a Hora. A morte, reflectiu, só mete medo se a olharmos com olhos de medo. Estou calmo e ela é linda. Era a primeira visita do dia, desde a do cunhado na manhã anterior; a irmã, também acamada, com uma perna fracturada, não tinha podido vir.
Porque motivo se sentia tão sossegado na presença da morte? Ia morrer sem ter publicado o grande livro que intentara dar à estampa, até ao final do Verão: faleceria órfão de letras, avarento com uma arca cheia de manuscritos erráticos, amontoados como roupas usadas; alguns dentro de envelopes, amarrados às dezenas com cordéis. Tossiu e escarrou, para dentro da boca, uma bola de expectoração que lhe soube a bílis; engoliu-a.
Guardava na alma a imagem ideal dessa Grande Obra que nunca publicara e achava-se como um desses mal-casados que andam infelizes pelo mundo; que guardam as imagens subtis das mulheres e homens desejados – imagens sublimes que não se realizaram. Até era um pouco maçadora aquela tragédia toda de ir morrer.
Calculou que seria indicado lembrar pessoas e coisas que conhecera, para cunhar a morte com um carácter mais ortodoxo. Havia a mãezinha e o pai, este já demasiado vago para ter rosto. Os irmãos, o tio Roza que também havia sido poeta, a Teca, o Chico e os meninos. A avó Dionísia, mais louca que o Ângelo de Lima… Coitado do Lima!... Que grupo de bons malandros tinha sido aquele do Orpheu: como estava tão diferente do Pessoa desses anos. Agora sabia como era fácil um Messias roubar a liberdade do seu povo: ia fazer no dia seguinte um mês desde que decidira não publicar mais nada em Portugal como protesto pela censura coagida pelo Estado Novo – todas as obras censuradas são ridículas!
Certamente que o Ferro o tinha ajudado a ganhar o prémio da Segunda Categoria daquele maldito concurso literário com a Mensagem, porque depois da carta que publicara no jornal a favor da Maçonaria tornara público o rompimento com o salazarismo. Sim, agora pensava de um modo muito diferente do Pessoa que escrevera o Interregno…
A Mensagem!...
O conjunto de poemas que baptizara de Portugal: mudara de título por causa dele!
Ele! O mago diabólico.
Ainda era vivo, mas os jornais já não falavam nele.
Pessoa costumava ir ao Café da Arcada para se encontrar com Ferreira Gomes e beber aguardente; às vezes, puxava esse assunto apenas para ver o rosto ingénuo do amigo derreter numa careta desconsolada. O Cirilof, a quem finalmente prefaciara a tão adiada edição de Alma Errante com um pequeno ensaio sobre a ordem rosicrúcia, cortara o cabelo e a barba: quando Pessoa o viu assim pela primeira vez pensou que se tinha enganado na porta. O livreiro passava os dias a falar de política e continuava a achar que o António Ribeiro iria transformá-lo numa estrela de cinema. A relação já não era a mesma e Pessoa, voltando sozinho para Campo de Ourique, com as mãos nos bolsos onde trazia – sempre – o anel de prata deformado, só queria chegar depressa a casa para se sentar a escrever.
Os novos escritores e artistas que ia conhecendo nos cafés e no Abel olhavam-no como um antepassado de estimação: o velhinho que se ria alto, cuja mão tremia ao agarrar a caneta e o copo; uma vez, enquanto conversava com o Almada, até se escondera debaixo da mesa durante uma trovoada. Não era culpa deles se não o levavam a sério, mas que podia fazer? Não gostava daquele mundo, daquela cidade, daquela gente de sorriso pateta que via nas ruas: se achassem que era um Puro Tolo, tanto melhor. O que é que lhes preenchia as cabeças? Mais ninguém se interessava por magia. Ninguém parecia ter imaginação naqueles dias em que nada podia estar acima da Nação. Nem sequer o Homem.
Era por essa razão que a simples menção de Crowley numa conversa murchava as atenções dos ouvintes. Ninguém queria falar de Crowley, ninguém queria falar sobre a Besta: ninguém queria falar sobre aquele que não substituíra os sonhos por comodidades e subira mais alto que todos; daquele que metera medo a toda a gente com o riso satânico – o riso que, bem vistas as coisas, só metia medo àqueles que tinham pavor de viver. Sim, ninguém queria falar sobre ele, porque, ao fazê-lo, reconheciam que não tinham sido bons o suficiente, corajosos o suficiente, loucos o suficiente. Mas Pessoa lembrava-se! E não o esquecera.

Considerei, realmente, a chegada da sua poesia como uma verdadeira MENSAGEM, que gostaria de explicar pessoalmente.

Uma verdadeira Mensagem!
Crowley mostrara-lhe, sem dar conta, como ele gostaria que a sua poesia fosse lembrada no futuro. Lembrou-se do mago, lembrou-se do amigo.

Senhor Pessoa. Que raio de ideia foi a sua
de me mandar o nevoeiro lá para cima?

Sorriu, e a morte sorriu também. Compreendeu porque é que ia morrer sossegado: tinha vivido uma vida mágica e quem vive uma vida mágica sabe que não há morte, apenas um alçapão por onde o corpo desaparece para ir para outro lugar; como no palco de um ilusionista.
Sentiu curiosidade em saber como a sua obra literária seria lida após a morte; se, com efeito, conseguiria deixar um legado nas letras, na cultura do Portugal que tanto amava. Olhou para a mesa-de-cabeceira e viu o bloco de apontamentos ao lado de uma das velas de Abramelin que Crowley lhe oferecera antes de ir para a Alemanha: uma das velas usadas no ritual realizado na Boca do Inferno.
Agarrou o bloco e sentou-se na cama, encostado à almofada. Sentiu-se maldisposto e com vontade de vomitar; os braços tremiam-lhe e apenas com muito esforço conseguiu manter-se equilibrado a olhar para o papel. Aproximou o bico do lápis da folha e pensou na frase que iria escrever para a transformar em sigilo como Crowley lhe havia ensinado. A cama rangeu, ameaçando partir-se; um pássaro que chilreou no pátio demonstrou-lhe que o mundo continuava a girar sem lhe dar importância.
Que frase iria escrever?
Lembrou-se de perguntar: O que é que o Amanhã me irá trazer? Encostou o lápis à folha e, agarrando-o com força, preparou-se para redigir a frase. A mão tremeu-lhe; a visão desfocou-se. Não tinha força e interrompeu a acção, fitando os pés da cama e convergindo o olhar em algo invisível. Compreendeu que, no fundo, ele recusava-se a querer saber o futuro.
E se viesse a saber que a sua obra cairia no esquecimento, que tudo aquilo que escrevera fora em vão? Seria demasiado cruel descobrir que todos os sacrifícios que fizera para se dedicar à escrita haviam sido nulos e que nada perduraria. Não precisava de saber nem o bom nem o mau: ia morrer, era uma parvoíce; um último resquício de presunção, de egomania artística. A obra teria de vencer sozinha.
Sacudiu os ombros e gemeu: era uma pergunta pateta, de qualquer das formas. Limitou-se a escrever, em inglês:

Eu não sei o que é que o Amanhã me irá trazer.

Pousou o bloco na mesa-de-cabeceira e voltou a deitar-se. A morte, entretanto, saíra do quarto. Ouviu um eléctrico passar ao longe, talvez no topo da Rua D. Pedro V; já haviam poucos, substituídos por autocarros. O seu mundo morreria com ele. Fechou os olhos, ensonado, mas não adormeceu; não valia a pena porque a enfermeira não tardaria a dar-lhe o jantar.
No dia seguinte, mais ou menos à mesma hora, a morte regressou. Pessoa sentiu-a como um véu a cair-lhe sobre os olhos e, para ter a certeza que era a mesma dama do dia anterior, pediu à enfermeira:
'Dá-me os óculos.'
Colocou-os e olhou para o lado. Lá estava ela, radiante. Abriu os lábios gretados e tentou sorrir; uma dormência repentina afectou-o. Virou-se para o outro lado e viu a enfermeira sair depressa do quarto. O véu que tinha sobre os olhos tornou-se opaco. Depois negro. Os sons afunilaram-se num zumbido.
Um táxi passou, barulhento, e o ruído do motor foi abafado pelo vidro da janela. Pessoa não o ouviu.
A cama chiou, baixinho, com o estertor que agitou o corpo do poeta.
Quando o médico Jaime Neves, seu primo, e o colega Alberto Carvalho, entraram no quarto encontraram Pessoa sem vida.
O corpo parecia artificial: mais pequeno.
Na mesa-de-cabeceira, o relógio de Pessoa continuava a trabalhar. Morreu tão cedo!..., disse Jaime Neves, mordendo o lábio.
Mas Pessoa não morrera – Não há Morte! –, participara num truque de Magia!
Passara por um alçapão.»
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Published on November 30, 2011 23:37

November 27, 2011

Adiamento da apresentação de "O Pequeno Deus Cego"


Caros leitores: a apresentação marcada para o próximo dia 30, no fórum da loja FNAC do Chiado, do álbum de banda desenhada O Pequeno Deus Cego (Kingpin Books) encontra-se adiada, por motivo de saúde do desenhador Pedro Serpa. Quando ele recuperar, logo se marcará uma nova data, que será, nessa altura, comunicada.
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Published on November 27, 2011 21:02

November 24, 2011

Etimologias grevistas

Porque a palavra greve será, provavelmente, a mais ouvida neste dia, aqui fica um esclarecimento sobre a sua etimologia, recuperado de um verbete escrito a propósito do Dia do Trabalhador.

Consiste num contributo para a discussão sobre intervenção pública, neste dia de greve.
Somos animais de palavra: não no sentido moral, já anacrónico hoje em dia, infelizmente (esse sentido é só para quem ainda tem uma coisa chamada coluna vertebral), mas no modo instrumental da mesma, empregue em comunicação. Hoje, conhecer as palavras e o seu significado é, talvez mais do que em outras alturas, uma faculdade essencial para ser-se livre, inteligente e interventivo num mundo cada vez mais sintético, nanográfico e monossémico.

Costuma dizer-se que o étimo da palavra trabalho é o nome latino tripaliu: um popular instrumento de punição e tortura, que consistia num aparelho muito simples, formado pelo cruzamento de três estacas (duas montadas em feitio de cruz de Santo André e uma terceira atravessando na vertical a intersecção das outras). Os desgraçados amarrados ao tripaliu morriam incinerados. Por conseguinte, várias fontes são unânimes em explicar que o verbo trabalhar deriva de tripaliare, que significava pôr no tripaliu ou torturar no tripaliu. Eu tenho dúvidas que esta etimologia seja a correcta, mas talvez exista um modo de me reconciliar com ela: é que também se chamava tripaliu a um vulgaríssimo instrumento de trabalho rural, muito parecido com uma forquilha, que servia para atirar a colheita ao vento, de modo a separar as impurezas dos cereais. Ora, sendo que o trabalho rural é antiquíssimo e que o tripaliu do camponês foi um dos seus primeiros instrumentos, não me choca nada que ele tenha dado o nome a um posterior instrumento de tortura, também feito com três paus. Ou seja: talvez trabalho tenha mesmo origem no étimo tripaliu, mas por via do instrumento rural e não pela do de tortura.

À luz disto, é ainda curioso lembrar que as possíveis origens do Dia Internacional do Trabalhador talvez se encontrem no chamado Hayfair Massacre (Massacre do Mercado do Feno), ocorrido a 4 de Maio de 1886, em Chicago: uma greve acabou da pior forma possível, quando uma bomba lançada por um indivíduo anónimo teve como efeito um contra-ataque violento por parte da polícia.

Quanto à nossa palavra greve, ela tem origem na francesa grève, que significa areia ou gravilha. Até ao século XVIII, a famosa Place de l'Hôtel de Ville, à beira do Sena, em Paris, chamava-se Place de Grève. Era neste local que os trabalhadores à jorna se reuniam para serem contratados pelos mestres-de-obras que precisavam de braços. No entanto, quando os trabalhadores ficavam descontentes ou não gostavam do trabalho para o qual tinham sido contratados, retornavam à praça e aí ficavam até que os empreiteiros lhes oferecessem melhores condições ou que aparecessem outros biscates. Com o passar dos anos, o acto de "ficar em Grève" (ou seja, na Praça de Grève) transformou-se em "fazer greve" e "estar de greve".

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Published on November 24, 2011 17:04

November 20, 2011

Apresentação na FNAC Chiado de "O Pequeno Deus Cego"

«Há que confiar na Providência. Ela olhará por nós.»

Em O Pequeno Deus Cego, escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa. Uma edição da Kingpin Books: a apresentação no fórum da loja FNAC do Chiado é já no próximo dia 30, às 18H30. Apareçam.
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Published on November 20, 2011 01:10

November 18, 2011

Fórum Fantástico 2011


Começa hoje, na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Lisboa, o Fórum Fantástico 2011 (até domingo 20, inclusive). Com organização de Safaa Dib e Rogério Ribeiro, é a mais importante convenção portuguesa relacionada com a divulgação e promoção do Fantástico nas artes e a programação deste ano tem muitos motivos de interesse, como debates, apresentações e uma retrospectiva da obra do cineasta e escritor António de Macedo (que este ano editou o livro O Sangue e o Fogo pela editora Saída de Emergência). Curiosos, fãs e especialistas, o Fórum Fantástico faz-se com todos e aguarda por vós para mais uma edição de peso. O fabuloso cartaz é da autoria de Pedro Marques.
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Published on November 18, 2011 16:51